QUESTIONÁRIO PARA AVALIAR O CONHECIMENTO DOS PAIS SOBRE ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR DO LACTENTE: CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO

RESUMO

Objetivo

construir e validar um questionário para avaliar o conhecimento dos pais sobre alimentação complementar do lactente.

Método

estudo metodológico desenvolvido de março de 2017 a maio de 2020 com uma amostra de especialistas (6) e de pais/cuidadores de lactentes (374) baseado no referencial psicométrico em que se procederam a construção, a validação de conteúdo (índice de validação de conteúdo), a validação de construto (análise fatorial) e análise da consistência interna e estrutural (Alfa de Cronbach) e reprodutibilidade (índice de correlação intraclasse).

Resultados

o questionário obteve três versões até alcançar sua versão final com 23 itens distribuídos em dois eixos: introdução da alimentação complementar e preparo e forma de alimentar alcançando IVC global de 0,83 na análise dos juízes. A análise fatorial exploratória mostrou-se adequada (Kaiser-Meyer-Olkim de 0,70 e a esfericidade de Bartlett com p<0,001). O Alfa de Cronbach final da escala com 23 itens foi de 0,79, demonstrando consistência interna adequada. O índice de correlação intraclasse foi de 0,615 demonstrando boa reprodutibilidade do instrumento.

Conclusão

o questionário demostrou evidências de validade para avaliar o conhecimento dos pais de lactentes sobre alimentação complementar.

DESCRITORES:
Enfermagem; Pais; Lactente; Estudo de validação; Alimentação complementar

ABSTRACT

Objective

to construct and validate a questionnaire to assess parents’ knowledge about infant complementary feeding.

Method

this is a methodological study developed from March 2017 to May 2020 with a sample of experts (6) and parents/guardians of infants (374). It was based on the psychometric framework in which construction, content validity (content validity index), construct validity (factor analysis) and internal and structural consistency analysis (Cronbach’s alpha) and reproducibility (intraclass correlation index) were carried out.

Results

the questionnaire obtained three versions until reaching its final version with 23 items distributed in two axes: introduction of complementary feeding; preparation and way of eating, reaching an overall CVI of 0.83 in the judges’ analysis. Exploratory factor analysis proved to be adequate (Kaiser-Meyer-Olkim of 0.70 and Bartlett’s test of sphericity with p<0.001). The final Cronbach’s alpha of the 23-item scale was 0.79, demonstrating adequate internal consistency. The intraclass correlation index was 0.615, demonstrating good instrument reproducibility.

Conclusion

the questionnaire showed evidence of validity to assess parents’ knowledge about infant complementary feeding.

DESCRIPTORS:
Nursing; Parents; Infant; Validity study; Infant nutritional physiological phenomena

RESUMEN

Objetivo

construir y validar un cuestionario para evaluar el conocimiento de los padres sobre la alimentación complementaria infantil.

Método

se trata de un estudio metodológico desarrollado desde marzo de 2017 hasta mayo de 2020o con una muestra de especialistas (6) y padres/cuidadores de lactantes (374). Se basó en el marco psicométrico en el que se realizó la construcción, validación de contenido (índice de validación de contenido), validación de constructo (análisis factorial) y análisis de consistencia interna y estructural (alfa de Cronbach) y reproducibilidad (índice de correlación intraclase).

Resultados

el cuestionario obtuvo tres versiones hasta llegar a su versión final con 23 ítems distribuidos en dos ejes: introducción de alimentación complementaria; preparación y forma de comer, alcanzando un CVI overall de 0,83 en el análisis de los jueces. El análisis factorial exploratorio demostró ser adecuado (Kaiser-Meyer-Olkim de 0,70 y esfericidad de Bartlett con p<0,001). El alfa de Cronbach final de la escala de 23 ítems fue de 0,79, demostrando una consistencia interna adecuada. El índice de correlación intraclase fue de 0,615, lo que demuestra una buena reproducibilidad del instrumento.

Conlusión

el cuestionario mostró evidencias de validez para evaluar el conocimiento de los padres de lactantes sobre alimentación complementaria.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Padres; Lactante; Estudio de validación; Fenómenos fisiológicos nutricionales del lactante

INTRODUÇÃO

O Ministério da Saúde do Brasil (MS) orienta que a criança seja amamentada exclusivamente com leite materno até o sexto mês de vida, e ao fim deste período se inicie a introdução de alimentos que complementem o leite materno, sendo essa definida como alimentação complementar sendo um importante momento de transição alimentar, formação e consolidação de hábitos alimentares.1

A partir dos seis meses de idade a prática alimentar deve basear-se na adequação das porções, diversidade alimentar e de texturas, preparação segura de alimentos, higiene e capacidade de resposta às sugestões de alimentação, respeitando o apetite da criança.1 Todavia, é bastante comum, o surgimento de dúvidas, dificuldades, receios e ansiedade por parte das mães e/ou cuidadores sobre o universo alimentar nos primeiros anos de vida.

Como os pais são os responsáveis pelo estabelecimento das normas e regras alimentares, torna-se pertinente avaliar o conhecimento desses provedores, para orientar práticas educativas voltadas para a alimentação infantil, tendo em vista que fatores culturais, sociais, econômicos e psicossociais geram grande impacto no estabelecimento de hábitos alimentares da criança.2

Em busca realizada nas bases de dados Scielo, Lilacs e PubMed sobre pesquisas voltadas para instrumentos que contemplassem o conhecimento dos pais sobre a alimentação, observou-se que a maior parte dos existentes, contemplam em sua maioria, faixas etárias distintas do questionário proposto neste estudo: Questionário de Alimentação Infantil (QAI), para pais de crianças com idade entre três e seis anos,3 Questionário Alimentar do dia anterior (QUADAS) voltado para crianças entre seis e onze anos4 e Questionário do Comportamento Alimentar da Criança (CBEQ) para pais de crianças entre três e treze anos, que se tratou de uma adaptação do Child Eating Behaviour Questionnare.5 Mais recentemente foi desenvolvido na Colômbia, um instrumento para mães de lactentes, porém, com ênfase em conteúdo sobre consumo e preparo dos alimentos.6

O questionário proposto nesse estudo possibilitará avaliar aspectos relacionados ao conhecimento dos pais sobre alimentação complementar possibilitando melhor diálogo dos profissionais da saúde nos mais diversos cenários com o público-alvo, e a formulação de estratégias que tragam resultados positivos para uma introdução alimentar mais saudável, contribuindo também para o desenvolvimento de evidências científicas para o avanço da temática.

Por esse motivo, buscou-se construir e validar um questionário para avaliar o conhecimento dos pais sobre alimentação complementar do lactente.

MÉTODO

Estudo metodológico desenvolvido de março de 2017 a maio de 2020, que utilizou como referencial teórico a Psicometria7 constando das seguintes etapas: levantamento bibliográfico para identificação das diretrizes para uma alimentação complementar adequada, construção dos itens do questionário para avaliação do conhecimento dos pais sobre alimentação complementar do lactente (QPAC), validação de conteúdo e face do instrumento por juízes especialistas, teste piloto e aplicação junto a população-alvo para análise da consistência interna, validade de construto e reprodutibilidade.

Etapa 1 - Levantamento bibliográfico e construção dos itens do questionário

Primeiramente, efetuaram-se duas revisões integrativas8 para elucidação do constructo a ser trabalhado “conhecimento dos pais sobre alimentação complementar.” Além das revisões utilizou-se como referência, o Guiding Principles for Complementary Feeding of the Breastfeed Child9 e o Caderno de Atenção Básica, nº 23 do Ministério da Saúde do Brasil.1 Analisaram-se minuciosamente 21 artigos, sendo seis da primeira revisão e 15 da segunda revisão, os quais nortearam a construção de um questionário (versão 1) composto por 44 itens e que foi encaminhado aos especialistas via e-mail.

Etapa 2 - Seleção dos especialistas

Para a etapa de validação de conteúdo e face os especialistas foram selecionados por meio de amostragem aleatória simples sem reposição, utilizando-se os descritores child nutrition e infant na aba “busca” no banco de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Fizeram parte da amostra os especialistas com pontuação mínima de seis pontos de acordo com a adaptação do sistema de pontuação de Fehring10, tendo como critérios: possuir doutorado na área da saúde (3 pontos); possuir mestrado na área da saúde (2 pontos); ter atuação no ensino teórico e/ou prático a nível de graduação ou residência em Enfermagem em Saúde da Criança ou Atenção Básica (2 pontos); possuir artigo publicado em periódico indexado na área de interesse (Saúde da criança, alimentação e/ou nutrição infantil) (1 ponto); ter experiência docente em disciplinas da área de saúde da criança ou nutrição (1 ponto); ter atuação na prática assistencial na atenção primária (puericultura)/Ambulatório de seguimento de pediatria ou saúde da criança (2 pontos); ter orientado tese, dissertação ou monografias nas temáticas da área de interesse (Saúde da criança, alimentação e/ou nutrição infantil) (0,5 ponto por orientação).

Após aplicação do critério de inclusão, selecionou-se 22 juízes, aos quais se enviou convite para participar da pesquisa. Ao final, apenas seis especialistas responderam ao convite, compondo o corpus avaliativo do conteúdo do instrumento (quatro enfermeiros e dois nutricionistas). Para seleção dos especialistas, o número de seis a vinte é o recomendável no processo de validação.7

Os especialistas selecionados foram convidados a participar do estudo. Com a concordância, encaminhou-se uma carta convite, via e-mail explicando o objetivo do estudo, método e função do especialista na pesquisa. Após anuência, foram enviados por correio eletrônico o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as instruções e o instrumento para os pesquisadores para a validação de conteúdo.

Etapa 3 - Validação de face e conteúdo

Para avaliação dos itens os especialistas julgaram a consistência dos mesmos observando os critérios psicométricos: comportamento, simplicidade, clareza, relevância, precisão, tipicidade e amplitude, seguindo-se uma Escala de Likert com respostas que variaram de 1 a 5: 1. Inadequado; 2. Pouco adequado; 3. Parcialmente adequado; 4. Adequado e; 5. Muito adequado.11 Também preencheram um instrumento de coleta de dados sociodemográficos, receberam orientações para responder o instrumento de avaliação e a solicitação de sugestões para os itens pontuados com 1 e 2. O tempo máximo de resposta dos avaliadores foi de 30 dias.

Etapa 4 - Teste piloto

Após análise e adequações propostas pelos juízes, o questionário contemplou 34 itens (versão 2), os quais foram avaliados por 35 pais/cuidadores de lactentes de forma presencial como forma de teste piloto para adequações.7 Para isso realizou-se sorteio de uma (1) Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS), sendo os participantes distribuídos em sete grupos de cinco pessoas, em dias diferentes. Os mesmos eram encaminhados para um local reservado, onde ocorria a apresentação e leitura do questionário. Os participantes preencheram um questionário sociodemográfico e um relacionado à avaliação da clareza e relevância dos itens que podia ser autopreenchido ou não. Indagou-se a estes também as suas dificuldades quanto a compreensão dos itens do instrumento e se o mesmo precisava de alterações. Posterior a análise pelo público-alvo o instrumento constou de 31 itens (versão 3) sendo aplicado para a etapa de validação externa.

Etapa 5 - Seleção e aplicação junto à população - alvo

Para a etapa de verificação da validade, estrutura interna e confiabilidade contou-se com uma amostra de 374 pais calculada utilizando-se a amostragem estratificada proporcional ou amostragem representativa, que tem por objetivo distribuir proporcionalmente a amostra ao tamanho dos estratos.⁸ Por estratos consideraram-se as Coordenadorias Regionais de Saúde (CORES) nas quais o município de Fortaleza se divide (seis regionais). Para cada Regional calculou-se um número de respondentes obtendo-se o total acima. Adotou-se como critérios de inclusão: pais ou cuidadores de crianças entre seis meses e dois anos de idade, responsáveis pelo preparo do alimento ou que participassem no processo alimentar da criança. Foram excluídos os menores de idade e que não tinham convívio constante com a criança.

No caso do convite de participação para o público alvo, este ocorreu de forma presencial e por meio telefônico haja vista a situação de pandemia ocasionada pela COVID-19, com os números disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde do município de Fortaleza-CE. Àqueles que aceitavam participar da pesquisa o termo era enviado via aplicativo de mensagem e a concordância em participar da pesquisa por meio de gravação telefônica.

O processo de aplicação do questionário ocorreu por meio telefônico, realizado por três pesquisadoras, após disponibilização pela Secretaria Municipal de Saúde do município do cadastro dos indivíduos que tinham filhos lactentes. Foi acordado que as ligações ocorreriam em dois períodos do dia: manhã (9h às 11h) e a tarde (15h às 17h) em dias úteis, seguindo as listas fornecidas. Todas as ligações foram gravadas por meio do aplicativo Automatic Call Recorder (gratuito), com vistas a garantir segurança sobre as informações coletadas caso houvesse necessidade de rever alguma informação e como forma de obter a resposta ao consentimento em participar da pesquisa. Para cada nome da lista prosseguiam-se 3 tentativas de contato12 caso não houvesse resposta, ou o número não existisse, ou estivesse fora de área, o contato era eliminado da coleta. O tempo médio das entrevistas foi de 20 minutos.

O responsável pela criança, que aceitava participar da pesquisa era orientado sobre os objetivos, bem como a garantia do anonimato, a oportunidade de recusar a participação na pesquisa ou dela retirar-se quando desejasse, sem nenhum ônus ou danos, e que a mesma seria gravada. Utilizaram-se os seguintes instrumentos nessa etapa: questionário composto por dados sociodemográficos relacionados ao respondente da pesquisa e da criança com 12 questões e a versão 3 do questionário. Os instrumentos foram alocados no Google formulários. A reprodutibilidade foi verificada uma semana depois com o quantitativo de 20% da amostra da validação externa escolhida mediante sorteio dos participantes da etapa de validação externa.7

Etapa 6 - Análise da validade de construto, consistência interna e reprodutibilidade

Na validação por especialistas o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) para cada item do questionário e para o conjunto total desses foi calculado considerando as respostas 4 e 5 dadas pelos especialistas e pelo público-alvo. Para esta pesquisa, calculou-se o IVC dos itens (IVCi), considerando excelentes os itens com IVCi maior ou igual a 0,78, seguido do cálculo do IVC total (IVCt), adotando valores ≥0,80 como adequados.13 Para análise da estrutura do construto, realizou-se análise fatorial exploratória (AFE) considerando o critério de Kaiser-Meyer-Olkim (KMO ≥0,70) e o Teste de Esfericidade de Bartlett (p<0,001), permanecendo no questionário apenas itens com coeficientes >0,3.14

A consistência interna foi verificada por meio do Alfa de Cronbach, coeficiente que pode variar de 0 a 1, onde zero indica ausência total de consistência interna dos itens, e 1 consistência de 100%. Os valores aceitáveis para esta pesquisa estão entre 0,70 e 0,90. A reprodutibilidade foi avaliada por meio do coeficiente de correlação intraclasse, considerando-se valores entre 0,5 e 0,75 como bons.14 Os dados obtidos foram dispostos no Excel Microsoft Office for Windows e analisados no software R estatistical.

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa atendendo à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A participação foi voluntária, com esclarecimento de todas as etapas da pesquisa quanto aos seus objetivos, riscos e benefícios. Todos averbaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, recebendo uma via do mesmo por e-mail, aplicativo móvel de mensagens ou quando possível pessoalmente.

RESULTADOS

Etapa 1 - Levantamento bibliográfico e construção dos itens do questionário

A base teórica para construção dos itens foi realizada baseada em uma ampla revisão de publicações nacionais e internacionais e em referências solidificadas na área da saúde, dividida em duas revisões para esse estudo. A revisão um respondeu ao seguinte questionamento: qual o conhecimento dos pais acerca da alimentação complementar? Já a revisão dois pretendeu elucidar principais recomendações sobre alimentação complementar do lactente. Ambas as revisões seguiram as etapas: elaboração da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa.8

Na revisão integrativa um, foram encontrados 1.014 artigos, sendo 91 analisados e seis selecionados. Já a revisão integrativa dois, encontrou-se 956 artigos, sendo analisados 101 e selecionados ao final 15.

Estas promoveram o delineamento das definições do conhecimento dos pais sobre alimentação complementar, resultando na formulação do traço latente e sua dimensionalidade: interação da duração da amamentação e idade da introdução de alimentos complementares, alimentação responsiva, preparação e armazenamento seguros dos alimentos e frequência e quantidade das refeições e consistência alimentares. Após as revisões foram elaborados 44 itens que compuseram o questionário, o qual foi dividido inicialmente em uma breve introdução, os itens e um pequeno glossário com termos que poderiam não ser conhecidos do público-alvo. Para cada item havia três opções de resposta: discordo, concordo parcialmente e concordo. As definições constitutivas para obtenção do constructo conhecimento dos pais sobre alimentação complementar, basearam-se nos conceitos contidos no Guiding Principles for Complementary Feeding of the Breastfeed Child9, descritos na Figura 1:

Figura 1-
Definições constitutivas adotadas para o constructo “conhecimento dos pais sobre alimentação complementar”. Fortaleza, CE, Brasil, 2017.

Etapa 2 - Seleção dos especialistas

Os profissionais que participaram da validação de conteúdo foram seis (quatro enfermeiros e dois nutricionistas), todos do sexo feminino, com idade entre 32 e 60 anos, média 43 anos e tempo médio de formação de 13,83 anos, atuando na docência 66,7% (todos com título de doutorado) com experiência na temática alimentação complementar e de estudos de validação (100%). Apenas um (16,7%) profissional não participava de grupos de pesquisa voltados para Saúde da Criança. A média de pontos dos juízes foi de 8,75 pontos.

Etapa 3 - Validação de face e conteúdo

Na primeira avaliação o IVC global do instrumento (versão 1) foi de 0,75. Os juízes consideraram a revisão de alguns pontos: importância da família na alimentação e clareza nas informações a serem repassadas.

Os juízes solicitaram a revisão de alguns pontos como: incentivar prática do aleitamento materno e a prática da alimentação complementar envolvendo a presença da família (juiz 1, 3 e 4), revisão de termos técnicos e abordagem dos aspectos da higiene oral da criança (juiz 2 e 6) e revisão das questões sobre idade da introdução dos alimentos (juiz 5). Assim acrescentou-se um item: “A criança deve fazer suas refeições com a família”.

Ao se avaliar os itens do instrumento as questões de nº 9, 13, 14, 15, 16, 19, 24, 25, 26 e 27 obtiveram IVC inferior a 0,69 na avaliação, sendo eliminadas do instrumento. As demais questões foram reformuladas, de modo a passarem uma melhor compreensão para o leitor do questionário, com termos mais simples e todas com frases afirmativas, sendo novamente encaminhado para apreciação, e obteve IVC global de 0,83 segundo os critérios psicométricos apresentados aos mesmos, originando assim uma versão 2, a qual foi utilizada na etapa do teste piloto.

Etapa 4 - Teste piloto

A versão do questionário pós-exclusões e correções sugeridas pelos juízes (versão 2) constou de 34 itens e foi aplicado para verificação da clareza, simplicidade, relevância e calibração. A média de idade dos respondentes foi de 29,1 anos, todos do sexo feminino e oriundos de Fortaleza-CE. Quanto ao tempo de estudo a maioria tinha ensino médio completo (76,8%), e se encontravam trabalhando (94,5%).

Após o teste piloto, os itens 1 e 2 foram condensados, bem como os itens 14 e 17 da segunda versão do questionário. Já os itens 3, 12 e 20 foram eliminados, pois não se mostraram claros para os respondentes, obtendo-se assim, a versão para aplicação na população-alvo que constou de 31 itens (versão 3).

Etapa 5 - Seleção e aplicação junto à população - alvo

A versão 3 do questionário foi aplicada a uma amostra de 374 pais/cuidadores, onde o sexo feminino foi predominante (91,2%), a média de idade foi de 30,7 anos, com mais da metade da amostra com 8 anos de estudo ou mais (63,3%). A atividade remunerada (51,3%) com renda de até dois salários-mínimos mensais (70,1%) foi prevalente.

Etapa 6 - Análise da validade de construto, consistência interna e reprodutibilidade

Certificando-se a adequabilidade para análise fatorial o cálculo da medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) obteve coeficiente de 0,70, superando o valor mínimo de 0,6 indicado14_, e o teste de esfericidade de Bartlett14 atingiu significância estatística (p < 0,001), produzindo um componente principal explicando 54,5% da variância total dos dados por meio da exploração da matriz policórica.

No processo da análise fatorial exploratória (AFE), oito questões (2, 3, 4, 6, 7, 14, 15, 23) foram excluídas do instrumento, pois, apresentaram cargas fatoriais < 0,3. Após a exclusão dos itens citados, procedeu-se a análise da consistência interna, utilizando-se o alfa de Cronbach, o qual alcançou o valor de 0,794 considerando-se satisfatório. Deu-se por preferência analisar os itens do questionário nessa ordem, para outros processos de validação futuros, pois não há diferenciação significativa.14 O questionário contou com 23 itens em sua versão final e três opções de resposta para cada: discordo, concordo parcialmente e concordo dividido em dois eixos. O mesmo pode ser apresentado na forma oral ou escrita, podendo ser autopreenchido ou preenchido pelo pesquisador/aplicador (Quadro 1).

Quadro 1 -
Questionário para Avaliação do Conhecimento dos Pais sobre Alimentação Complementar do Lactente - QPAC, versão final. Fortaleza, CE, Brasil, 2021.

Questionário para Avaliação do Conhecimento dos Pais sobre Alimentação Complementar do Lactente Marque: (1) discordo / (02) concordo parcialmente/ (3) concordo
Introdução da alimentação complementar
	1. Deve-se manter o aleitamento materno para a criança até os dois anos ou mais mesmo após a introdução de novos alimentos.	1 2 3
	2. Deve-se dar o leite de peito se a criança estiver doente, pois, o mesmo, tem vitaminas que ajudam na cura da doença.	1 2 3
	3. Deve-se alimentar a criança com alimentos saudáveis, de fácil acesso e preparo.	1 2 3
	4. Deve-se dar frutas e verduras a criança ainda no primeiro ano de vida.	1 2 3
	5. Deve-se dar alimentos com pouco açúcar e sal, ou sem nenhum destes para as crianças menores de 2 anos.	1 2 3
	6. Deve-se dar lanches a criança antes da hora do almoço ou jantar se esta referir fome.	1 2 3
	7. Não devem ser dados as crianças menores de 2 anos: açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos, doces, sal demais e alimentos como miojo e temperos prontos.	1 2 3
	8. Não se deve oferecer alimentos comprados prontos (sopas, sucos) a criança.	1 2 3
	9. Deve-se preparar um alimento novo de várias formas até que a criança o aceite.	1 2 3
Preparo do alimento e forma de alimentar
	10. Não se deve passar no liquidificador ou peneira o que a criança irá comer.	1 2 3
	11. A comida da criança deve ser oferecida em pequenos pedaços.	1 2 3
	12. A partir de 1 ano de idade deve-se dar a criança a mesma refeição da família, desde que a comida tenha pouco sal e não seja gordurosa.	1 2 3
	13. A partir dos seis meses a criança deve receber complementação de vitaminas e ferro.	1 2 3
	14. A criança deve fazer suas refeições junto a família.	1 2 3
	15. Deve-se demonstrar paciência e respeito quando alimentar a criança.	1 2 3
	16. Deve-se encorajar a criança a comer com sua própria mão.	1 2 3
	17. Deve-se preparar os alimentos da criança no início da introdução alimentar separados da refeição da família.	1 2 3
	18. Deve-se deixar os alimentos de molho em água limpa misturada com água sanitária e depois lavar com bastante água limpa, antes de cozinhá-los.	1 2 3
	19. Sempre deve-se lavar as mãos da criança antes das refeições, mesmo que ela não vá pegar o alimento.	1 2 3
	20. Não se deve oferecer o que sobrou de uma refeição para a criança ou guardar para o outro dia.	1 2 3
	21. Deve-se encorajar e ofertar os alimentos da criança utilizando copo, prato e talheres desde o início da introdução alimentar.	1 2 3
	22. Não se deve utilizar a mamadeira para oferecer líquidos a criança.	1 2 3
	23. Os objetos para preparar o alimento da criança devem ser bem lavados, enxutos e guardados em local limpo e serem de uso apenas da criança.	1 2 3
Observações:

Por fim realizou-se o teste-reteste com 74 respondentes escolhidos aleatoriamente entre a amostra, para avaliação da reprodutibilidade e fidedignidade do questionário. Adotou-se como nível de significância para o teste, p menor que 0,05 por meio do coeficiente de correlação intraclasse (ICC) para demonstrar o pareamento das respostas obtidas em dois momentos distintos: dia zero e 30 dias após a aplicação. Houve concordância entre as respostas do teste e reteste evidenciando que o questionário apresentou fidedignidade em relação ao que se propõem medir com ICC de 0,615 considerado satisfatório.14

DISCUSSÃO

O Questionário para Avaliação do Conhecimento dos Pais sobre Alimentação Complementar (QPAC) representa uma ferramenta inédita e válida, podendo auxiliar na identificação do conhecimento dos pais sobre alimentação complementar, bem como direcionar uma avaliação adequada pelo enfermeiro.

Faz-se relevante a viabilização de prescrições e avaliações para os responsáveis pela alimentação das crianças, pois o processo alimentar envolve, aspectos biológicos, sociais, culturais, econômicos e religiosos, o que torna mais evidente a necessidade de orientação de pais, familiares e cuidadores, modelos de hábitos e atitudes para a criança principalmente nos primeiros 24 meses.15

Na construção das revisões integrativas, observou-se que o processo de introdução alimentar é algo complexo, que exige comunicação e disponibilidade tanto dos pais, quanto dos profissionais da saúde que atendem essa clientela, para que ambos percorram um caminho dentro das reais necessidades da criança e condições da família.16

Os resultados da análise do questionário pelos juízes e pela população-alvo demostraram que o instrumento necessitava de reformulação quanto à simplicidade e à clareza dos itens que o compõem. Diante disso, as sugestões relacionadas a reestruturação, exclusão e inclusão de itens foram atendidas para que os mesmos fossem compreensíveis a todos os estratos do público ao qual será utilizado.17^-18

Os itens 14 e 17 da versão 2 do QPAC não apresentaram simplicidade e clareza, que envolviam a importância da prática da alimentação junto aos familiares e responsáveis pela criança.19 Assim, passaram por adequação para melhor compreensão, como no caso do item 14 onde trocou-se o conectivo “com” por “junto” para passar a ideia da presença da família. Já no item 17 houve mudanças quanto a redação ao invés de “é importante que os alimentos nos primeiros meses de introdução alimentar sejam preparados exclusivamente para a criança” para “deve-se preparar os alimentos da criança no início da introdução alimentar separados da refeição da família”, viabilizando a leitura e entendimento dos itens20 corroborando com as prerrogativas vigentes à época da sua construção.1

Realizar a refeição junto à família é importante para os pais e para a criança, pois, nesse momento há a construção das preferências e dos hábitos alimentares e da nutrição, haja vista, os pais serem provedores, aplicadores e modelos de comportamento, particularmente durante a primeira infância, do consumo alimentar e nos demais períodos da vida.21 As refeições realizadas em família estão associadas a uma dieta mais saudável e menor índice de massa corporal em crianças e adolescentes.22

Assim, após ajustes dos juízes o IVC global do instrumento (versão 3) alcançou o valor de 0,83, demonstrando a adequação deste, semelhante aos encontrados no Questionário de Alimentação Infantil (QAI) (0,94),3, Questionário Alimentar do dia anterior (QUADAS) (0,96),4 Questionário do Comportamento Alimentar da Criança (CEBQ) (0,82)5 e do Instrumento para la Evaluación de Conocimientos Maternos o del Cuidador, sobre Alimentación Complementaria (0,80).6

Ressalta-se aqui a importância da confecção de instrumentos de medida como elemento constitutivo da prática clínica, da avaliação em saúde e de pesquisas. Entretanto, para serem úteis e apropriados para apresentar resultados robustos e válidos devem ser desenvolvidos de maneira apropriada e demonstrarem boas qualidades métricas, haja vista, serem criados para atuar nas decisões sobre o cuidado, tratamento e/ou intervenções e na formulação de programas de saúde e de políticas públicas.23

Nessa perspectiva, em continuidade, ao avaliar o conhecimento da população alvo evidenciou-se que há conhecimento sobre a idade ideal para introdução de novos alimentos e da continuidade do aleitamento materno. Sabe-se que este assunto é presente e socializado, inclusive nas políticas públicas brasileiras, mas ainda há taxa aquém de aleitamento materno até os dois anos de idade.24

A média de aleitamento materno exclusivo (AME) foi de 5 meses e a continuidade até os 24 meses ocorreu em 44,4% da população de 3.125 binômios mãe-filho que foram acompanhados ao nascimento, aos 15 e 36 meses.25 O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) realizado em 2019 identificou prevalência de AME em menores de 6 meses de 45,8% no Brasil, e duração média de 3 meses a 5 meses.26^-29 A prática é importante para a saúde da criança na primeira infância conferindo proteção contra doenças e melhora no desenvolvimento cerebral.1^,29

Na região Sudeste a média em estudo realizado foi de 5 meses e a continuidade até os 24 meses ocorreu em 44,4% da população de 3.125 binômios mãe-filho que foram acompanhados ao nascimento, aos 15 e 36 meses.30 A proporção de mães que desconhece ensinamentos básicos sobre alimentação infantil ainda é alta, e pode acarretar à redução do tempo de aleitamento exclusivo, aumentar as taxas de introdução inadequada de alimentos e bebidas e favorecer o desmame precoce.31

Consequentemente o desmame precoce favorece o uso de mamadeiras e bicos, que prejudicam o desenvolvimento da musculatura orofacial, da dentição da criança e a higiene oral, além de haver maior propensão a engasgos e seletividade alimentar. É importante que a criança tenha sua cavidade oral higienizada desde o início do aleitamento materno, até a introdução de alimentos para evitar afecções da mucosa bucal como cáries e fungos. Uma alimentação rica em açúcares e alimentos ultraprocessados também é prejudicial à higiene oral.32

O uso de ferramentas, que integrem o conhecimento alimentar dos pais, como jogos ativos e materiais que abarquem tópicos que sejam relevantes e de interesse dos pais é uma das melhores formas para a oferta aos pais de embasamento sobre práticas de vida saudáveis.33

Os juízes e a população-alvo foram essenciais na análise do questionário construído, contribuindo com sugestões de grande valia no processo de construção deste.34 Os itens elencados nesta versão final do questionário, evidenciam características capazes de identificar o conhecimento do pais sobre alimentação complementar do lactente.

Sua utilização poderá influenciar na promoção da saúde das nossas crianças, tornando possível traçar estratégias segundo as deficiências de conhecimento identificadas durante a aplicação pelos profissionais de saúde e facilitando a detecção dos campos de conhecimento que necessitam maior atenção, viabilizando um atendimento de acordo com as individualidades dessa família, contribuindo para a prática da enfermagem baseada em evidências, bem como pesquisas relacionadas a um assunto tão relevante quanto à alimentação.

CONCLUSÃO

As estratégias realizadas para a construção do QPAC permitiram a identificação, elaboração e validação de itens, aptos para a definição de conhecimento dos pais sobre alimentação complementar. A análise fatorial demonstrou validade de construto, revelando-se o QPAC capaz de avaliar o que se propõe, com consistência interna adequada e boa reprodutibilidade em sua versão final com 23 itens.

A partir das respostas obtidas e avaliação destas, será possível desenvolver melhores estratégias para a promoção de uma alimentação saudável para a criança, e que estejam de acordo com a realidade e condições de cada pessoa, família e comunidade, buscando a prevenção da obesidade e da desnutrição na primeira infância e que perdurará pela vida adulta.

Como limitação, cita-se a dificuldade na obtenção dos dados para a execução da pesquisa, haja vista, nem todas as Unidade de Atenção Primária à Saúde terem sistema informatizado e que o questionário construído e validado necessita futuramente passar pelo processo de validação clínica, para que de fato seja integrado na prática profissional, o que torna necessária a continuidade desta pesquisa, com vistas a melhora do conteúdo e estrutura do mesmo.

AGRADECIMENTO

Universidade Federal do Ceará (UFC), Programa de Pós-graduação em Enfermagem.

Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Construção e validação de instrumento para avaliar o conhecimento dos pais sobre alimentação complementar do lactente, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Ceará, em 2017.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará parecer nº 1.974.942 e Certificado de apresentação para apreciação ética CAAE 65041517.5.0000.5054

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  11 Fev 2022
• Aceito
  23 Mar 2022