ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO E PREVENÇÃO À COVID-19 PARA TRABALHADORAS SEXUAIS, NO CONTEXTO DE DIVERSOS PAÍSES

RESUMO

Objetivo:

analisar as evidências científicas sobre as estratégias de enfrentamento e prevenção à COVID-19 implementadas às trabalhadoras sexuais, no contexto de diversos países.

Métodos:

revisão integrativa de literatura, com dados coletados nas bases PubMed, Scopus, Biblioteca Virtual em Saúde e Google Scholar usando os descritores booleanos “COVID-19” and “sex workers” and “Delivery of Health Care”, com recorte temporal de 2019 a 2020. Encontrou-se, a priori, 215 publicações. Após a seleção, ancorada nos critérios de inclusão e na resposta à pergunta norteadora, aproveitaram-se 19 artigos, cujas informações foram organizadas no quadro sinóptico e os textos analisados mediante o conteúdo semântico.

Resultados:

após análise de conteúdo das ações implementadas ou recomendadas nos diversos países, para que as profissionais do sexo possam se prevenir da contaminação pelo SARS-Cov-2, foram evidenciadas quatro categorias: ações programáticas/governamentais e respostas da sociedade; combate aos estigmas envoltos do trabalho sexual; educação em saúde através de recursos tecnológicos/digitais e midiáticos; readequação dos serviços de saúde.

Conclusão:

as iniquidades de gênero, raça e classe, bem como os estigmas sociais têm sido mantidas por Estados regidos pelo patriarcado e, por isso, são as principais barreiras para adoção de estratégias de enfrentamento à COVID-19 por parte das trabalhadoras sexuais. Ainda assim, ações intersetoriais foram implementadas/recomendadas em diversos países como a readequação dos serviços de saúde sexual, incentivos financeiros para melhoria dos serviços das operadoras de sinal e tecnologias digitais para implementação de ações efetivas à promoção da educação em saúde e possibilitar a distribuição de insumos para proteção e prevenção individual.

DESCRITORES:
Infecções por coronavírus; Pandemias; Profissionais do sexo; Gênero; Saúde da mulher

ABSTRACT

Objective:

to analyze the scientific evidence on COVID-19 coping and prevention strategies implemented to female sex workers in the context of several countries.

Methods:

this is an integrative literature review, with data collected in the PubMed, Scopus, Virtual Health Library and Google Scholar databases using the Boolean descriptors “COVID-19” and “sex workers” and “Delivery of Health Care”, with a time frame from 2019 to 2020. A priori, 215 publications were found. After selection, anchored in the inclusion criteria and in the answer to the guiding question, 19 articles were used, whose information was organized in a synoptic table, and the texts were analyzed using semantic content.

Results:

after content analysis of actions implemented or recommended in different countries, so that female sex workers can prevent contamination by Sars-CoV-2, four categories were highlighted: programmatic/governmental actions and responses from society; combating the stigmas involved in sex work; health education through technological/digital and media resources; adjustment of health services.

Conclusion:

gender, race and class inequalities, as well as social stigmas, have been maintained by states governed by patriarchy and, therefore, are the main barriers for female sex workers to adopt strategies to combat COVID-19. Even so, intersectoral actions have been implemented/recommended in several countries such as the adjustment of sexual health services, financial incentives to improve the services of signal operators and digital technologies to implement effective actions to promote health education and enable the distribution of inputs for individual protection and prevention.

DESCRIPTORS:
Coronavirus infections; Pandemics; Sex workers; Gender; Women’s health

RESUMEN

Objetivo:

analizar la evidencia científica sobre las estrategias de afrontamiento y prevención del COVID-19 implementadas a las trabajadoras sexuales, en el contexto de varios países.

Métodos:

revisión integradora de la literatura, con datos recopilados en las bases de datos PubMed, Scopus, Virtual Health Library y Google Scholar utilizando los descriptores booleanos “COVID-19” and “sex workers” and “Delivery of Health Care”, con un marco temporal de 2019 a 2020. A priori, se encontraron 215 publicaciones. Tras la selección, anclada en los criterios de inclusión y en la respuesta a la pregunta orientadora, se utilizaron 19 artículos, cuya información se organizó en la tabla sinóptica y los textos se analizaron a través del contenido semántico.

Resultados:

luego del análisis de contenido de las acciones implementadas o recomendadas en diferentes países, para que las trabajadoras sexuales puedan prevenir la contaminación por Sars-CoV-2, se destacaron cuatro categorías: acciones programáticas/gubernamentales y respuestas de la sociedad; combatir los estigmas relacionados con el trabajo sexual; educación para la salud a través de recursos tecnológicos/digitales y mediáticos; reajuste de los servicios de salud.

Conclusión:

las inequidades de género, raza y clase, así como los estigmas sociales, han sido mantenidos por estados gobernados por el patriarcado y, por lo tanto, son las principales barreras para que las trabajadoras sexuales adopten estrategias para enfrentar el COVID-19. Aun así, se han implementado/recomendado acciones intersectoriales en varios países como el reajuste de los servicios de salud sexual, incentivos financieros para mejorar los servicios de los operadores de señales y tecnologías digitales para implementar acciones efectivas que promuevan la educación en salud y permitan la distribución de insumos para la protección y prevención individual.

DESCRIPTORES:
Infecciones por coronavirus; Pandemias; Trabajadores sexuales; Género; Salud de la mujer

INTRODUÇÃO

A infecção pelo coronavirus (SARS-CoV-2) e a síndrome decorrente dela, a coronavirus disease (COVID-19), foi declarada pandemia no começo de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), após seu surto inicial na província de Hubei, na China, especificamente na cidade de Wuhan e o vírus se alastrar de forma rápida com alto potencial de contaminação1^-2. As características do vírus levaram a OMS a criar estratégias rígidas de combate e orientou que os governantes mundiais as implementassem, com vistas na prevenção e controle da disseminação. As principais orientações foram restrições rígidas de circulação da população nas ruas das cidades e de viagens internacionais ou domésticas, acompanhadas por controles de fronteira, distanciamento social, uso de máscaras, assim como os confinamentos em massa, a testagem diagnóstico e isolamento social das pessoas contaminadas1^-3.

Tal situação tem favorecido o alto índice de mortalidade nos grupos de pessoas que experenciam a invisibilidade do Estado, como em países em desenvolvimento. Esses países têm como principal característica a cultura do patriarcado que faz os governos perpetuarem as iniquidades sociais (gênero, raça, classe, migratórias), potencializadas e escancaradas, em épocas que o planeta vivencia crises humanitárias graves, como a da COVID-193^-5.

Nesse contexto de invisibilidade e negligências estatais, destacam-se as mulheres, cujos estigmas, iniquidades sociais e as disparidades de gênero, raça e classe (associadas aos aspectos sociodemográficos, baixo nível de escolaridade) se acentuaram, conforme notícias, relatos nas redes sociais e relatórios de organizações que estão voltadas à vigilância e apoio. Para além da população feminina em geral, há as trabalhadoras sexuais, que compõem o grupo de populações vulneráveis, cujos direitos sociais são lhes negados e têm percebido durante a pandemia queda no número de clientes que procuram seus serviços e, desse modo, diminuição da renda, tão importante para subsistência e necessidades4^-6.

Além disso, outro fator que se constitui em barreira para manutenção das vulnerabilidades e invisibilidade, é que sua ocupação laboral está associada à sexualidade e as práticas sexuais como modo de obtenção de lucro, em que o sexo é ofertado como serviço (o que as fazem sofrer estigmas, por romper com o status quo do comportamento esperado para as mulheres). A troca do sexo por dinheiro permite que elas garantam o seu sustento e dos seus familiares e, nesse período pandêmico, poder comprar máscara, álcool em gel (dentre outros itens de higiene e prevenção da contaminação) e alimentos4^-5^,7^-9.

As mulheres que trabalham no serviço sexual têm como bandeira de luta a necessidade do reconhecimento da profissão e a proteção/amparo do Estado, a garantia dos direitos trabalhistas, segurança e proteção à violência de gênero em seus vários aspectos, o respeito ao serviço e o fim dos estigmas e preconceitos (esse último, o maior perpetuador da vulnerabilidade, pois dificulta a proteção do Estado e acesso aos serviços setoriais, como saúde), algo preponderante em qualquer lugar, como Brasil, Malásia e países afriacanos4^,7^,10.

Nesse sentido, as situações vulneráveis que as trabalhadoras sexuais estão enfrentando no transcorrer da pandemia do coronavírus se intensificam na medida em que elas continuam desamparadas e ignoradas pelo Estado, pois com as medidas de isolamento social no Brasil e o confinamento rígido em diversos países (Itália, Espanha, Argentina, China e Índia),4^,11^-13 houve a redução ou ausência de clientes10^-11.

O governo da Argentina tem apoiado as profissionais do sexo, possibilitando a elas algum meio de enfrentamento, concedendo o auxílio mensal de 5.000 pesos, equivalente a 500 reais11. Ainda assim, permanecem tanto sem a regulamentação da profissão, quanto sem acesso aos direitos trabalhistas decorrentes dela, algo presente também na Colômbia e no Brasil e de forma mais precarizada, visto que não tiveram uma política de renda básica específica para elas, apesar da luta da Rede de Trabalhadoras Sexuais da América Latina e da Central Única das Trabalhadoras Sexuais14^-15.

Este revisão torna-se necessária pela contribuição na compreensão de como a pandemia COVID-19 consegue potencializar as vulnerabilidades das trabalhadoras sexuais, e assim os governos dos países podem criar e implementar estratégias assistenciais de promoção à saúde e à dignidade humana (na esfera dos direitos humanos) que possibilitem a esse grupo de mulheres enfrentar esse período de crise sanitária e humanitária, como a obtenção de dinheiro para comprar produtos básicos necessários: alimentos, produtos de higiene, máscara, álcool em gel, além de estarem mais expostas ao SARS-CoV-2, por terem que sair às ruas na tentativa de encontrar algum cliente.

Diante disso, traçou-se como questão norteadora de pesquisa: o que a literatura científica tem evidenciado sobre as estratégias assistenciais, implementadas às trabalhadoras sexuais, em diversos países, tanto de enfrentamento quanto de prevenção, face à pandemia da COVID-19? Para auxiliar na resposta a tal questionamento, este estudo objetivou analisar as evidências científicas sobre as estratégias de enfrentamento e prevenção à COVID-19 implementadas às trabalhadoras sexuais, no contexto de diversos países.

MÉTODO

Trata-se de um estudo desenvolvido com o aporte da revisão integrativa de literatura, utilizada para a atualização ou alcance de um conhecimento novo, a partir das seguintes etapas: designação do tema; delineamento do plano de trabalho, com a escolha dos descritores que se adeque ao objeto; identificação e localização nas bases de dados; codificação e fichamento, com a construção de quadro que apresenta a síntese dos resultados encontrados (quadro sinóptico ou sintético); decodificação dos dados; inferência do conteúdo organizado; categorização dos estudos encontrados; análise com o auxílio de um método de análise para interpretação; interpretação dos resultados e comparações com outras pesquisas16. Salienta-se que para proceder com a revisão integrativa, foi utilizada a questão norteadora para busca dos estudos nas bases dados.

Mesmo que este estudo não seja uma revisão sistemática, houve a utilização do recurso do PRISMA, por meio da adaptação do checklist de 27 itens importantes para o delineamento das revisões, visto que auxiliará na coleta de dados nos artigos selecionados nas bases de dados e a observação dos principais resultados. Além disso, utilizou-se o fluxograma de quatro etapas, indicado pelo PRISMA, para a identificação, a elegibilidade e a inclusão dos artigos17.

Para a coleta dos dados que foi pareada e ocorreu entre agosto e setembro de 2020, foi usado o sistema integrado nas bases de dados online da Public Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (PubMed), Scopus, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Scholar, com vistas no alcance de publicações de artigos científicos associado ao tema de estudo, com recorte temporal de 2019 a 2020 (esse período foi determinado baseado no início em que os casos da COVID-19 começaram surgir na China), conforme mostrado no fluxograma (Figura 1). Reitera-se que é possível minimizar possíveis vieses na fase de elaboração da revisão, quando se amplia o âmbito da pesquisa em várias bases de dados.

A utilização do “método de pesquisa integrada” adotado nas bases de dados ocorreu com “todos os índices” e “todas as fontes”, no intuito de se obter uma busca ampliada e minuciosa em títulos, resumos e textos. O emprego dos descritores booleanos “COVID-19” AND “sex workers” AND “Delivery of Health Care” possibilitou alcançar 215 resultados (artigos), considerando a totalidade das quatro bases de dados (57 na PUBMED, 23 na Scopus, 89 na BVS e 46 no Google Scholar), sendo visível na Figura 1.

Para tanto, lançou-se mão dos filtros de texto completo e disponível, gratuitos, em formato do tipo documento de artigo, nos idiomas inglês e português, com recorte temporal de 2019 e 2020. Após a leitura dos títulos e resumo, excluíram-se 162 (12 na Pubmed, 07 na Scopus, 34 na BVS e 73 no Google Scholar), em decorrência da presença de duplicidades, bem como por tratar-se de resoluções e/ou os resumos que apontaram fuga à temática: tratavam de profissionais de saúde, infecções por HIV, transtornos mentais, saúde sexual e sexualidade de outros segmentos populacionais.

Aproveitou-se, a priori, visto que houve novo processo de exclusão, 53 estudos, que após proceder com a leitura exaustiva dos resultados e conclusões, cujo objetivo foi conferir se atendiam à questão norteadora, eliminaram-se mais 34 artigos. Outro motivo para essa última exclusão foi o encontro de duplicidade em mais de uma base de dados utilizadas na coleta, chegando ao número final de 19 artigos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma detalhado da seleção sistemática dos artigos incluídos no estudo. Pubmed, Scopus, BVS e Google Scholar. Guanambi, BA, Brasil, 2020 (n=19).

Salienta-se que para o agrupamento dos resultados, foi construído um quadro sinóptico, com intuito de sintetizar as informações mais relevantes dos artigos, bem como facilitar a visualização dos resultados, conforme o atendimento à questão norteadora. O quadro contém a sistematização das principais informações: manuscrito (com o código de identificação), autor (ordem alfabética) /ano, bases de dados, delineamento do estudo e país envolvido ou onde se desenvolveu a pesquisa.

Posteriormente, realizou-se a análise de conteúdo semântica, que permitiu a interpretação dos resultados, iniciada com uma leitura flutuante e depois uma leitura crítica do material selecionado. Em seguida, procedeu-se com a identificação das semelhanças e divergências nos resultados interpretados, levantamento das unidades de sentido e decodificação das informações, classificação das semelhanças semânticas do conteúdo analisado, que possibilitou a evidência das categorias e, enfim, favoreceu a construção de inferências e interpretações18.

RESULTADOS

Dos resultados encontrados nos 19 artigos incluídos nesse estudo, percebeu-se que foram publicados todos na língua inglesa. Segundo a apresentação do quadro sinóptico (Quadro 1), do total de artigos, a maioria, 36,8% (n=07) traziam estudos que abordavam questões globais; cerca de 31,5% (n=6), discorreram sobre países asiáticos, sendo que dois foram sobre a Índia; aproximadamente 26,3% (n=5) se referiam ao continente africano, sendo que três desses discorreram sobre as trabalhadoras sexuais no Quênia. Destaca-se ainda que os países europeus foram retratados em três estudos a nível global. As trabalhadoras do sexo do Estados Unidos foram apontadas em um estudo. Deve ser salientado que países latino-americanos não tiveram nenhum estudo apresentado nas bases de dados e não foram mencionados (especificamente) nos artigos incluídos.

Quadro 1
Quadro sinóptico com a caracterização dos artigos levantados nas bases de dados da Pubmed, Scopus, BVS e Google Scholar, para os descritores “COVID-19” AND “sex workers” AND “Delivery of Health Care”, de 2019 a 2020. Guanambi, BA, Brasil, 2020. (n=19)

Artigo	Autor/Ano	Base de dados	Delineamento do estudo	Países ou regiões envolvidas/ estudadas
A.1	Adam, (2020) 12	BVS	Estudo de reflexão	Nível global. China, Reino Unido e Coréia do Sul
A.2	Abdesi et al. (2020) 4	Google scholar	Estudo de reflexão	África (África do Sul, Botswana, Nigéria e Uganda)
A.3	Amdeselassie et al. (2020)10	BVS	Pesquisa qualitativa.	Etiópia
A.4	Blanco et al. (2020)35	Pubmed/ Scopus	Relato de experiência	Barcelona
A.5	Callander et al. (2020)19	Pubmed	Pesquisa quantitativa (Estudo ecológico/ longitudinal)	Nível global
A.6	Callander et al. (2020)21	Pubmed/ Google scholar	Estudo de reflexão	Nível global
A.7	Campbell et al. (2020)20	Google scholar	Revisão documental	África (Quênia)
A.8	Chetterj (2020) 34	Scopus	Estudo de reflexão	Índia
A.9	Gichuna et al. (2020)23	BVS	Pesquisa qualitativa	Nairóbi, Quênia
A.10	Hargreaves e Davey (2020) 26	Pubmed/ Google scholar	Estudo de reflexão	Nível global
A.11	Howard (2020)29	Pubmed/ Scopus	Estudo de reflexão	Reino Unido (Inglaterra e País de Gales)
A.12	Kimani (2020)22	Pubmed/ Google scholar	Estudo de reflexão	Nairóbi, Quênia
A.13	Kluge et al. (2020)13	Scopus	Estudo de reflexão	Europa (Países do Mediterrâneo)
A.14	Laurencin e McClinton (2020)28	Pubmed	Estudo de reflexão	Estados Unidos
A.15	Logie e Turan (2020)33	Google scholar	Estudo de reflexão	Nível Global
A.16	Platt et al. (2020)30	Scopus	Estudo de reflexão	Nível Global (Bangladesch, País de Gales, Tailândia, Holanda e Japão)
A.17	Sharma et al. (2020) 31	Google scholar	Estudo de reflexão	Nível global
A.18	Reza-Paul et al. (2020)24	BVS	Estudo de reflexão/relato de experiência	Índia
A.19	Tan et al. (2020) 25	Pubmed	Estudo de reflexão/relato de experiência	Cingapura

Ressalta-se que para a análise do conteúdo semântico dos resultados dos 19 artigos, foram realizadas as decodificações das unidades de sentido, por meio das semelhanças semânticas dos conteúdos interpretados e, posteriormente, emergiram as quatro categorias de análise, organizadas em uma tabela, com a distribuição dos artigos (segundo a identificação nos quadros sinópticos) que contribuíram com a composição de cada uma delas (Quadro 2).

Quadro 2
Distribuição dos artigos, conforme identificação dos manuscritos no quadro sinóptico 02, para a composição das categorias de análise sobre “COVID-19” AND “sex workers” AND “Delivery of Health Care”, de 2019 a 2020. Guanambi, BA, Brasil, 2020. (n=19)

Categorias de análise	Identificação dos artigos do quadro sinóptico, que contribuíram com as categorias
Categoria 01: Ações programáticas/governamentais e respostas da sociedade	A1, A2, A3, A5, A6, A7, A9, A10, A11, A12, A13, A14, A15, A16, A17, A18, A19.
Categoria 02: Combate aos estigmas envoltos do trabalho sexual	A2, A3, A5, A7, A12, A13, A14, A15, A17, A19.
Categoria 03: Educação em saúde através de recursos tecnológicos/digitais e midiáticos	A2, A3, A5, A6, A11, A12, A13, A15, A16, A18.
Categoria 04: Readequação dos serviços de saúde	A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, A10, A11, A12, A15, A16, A18, A19.

Destaca-se no Quadro 2 que a categoria que obteve o maior número de aproveitamento dos artigos incluídos, para a revisão foi a categoria um, num total de 18 artigos; seguida da categoria quatro com 16 artigos. Por sua vez, as categorias 2 e 3 foram a que obtiveram o menor número de aproveitamento, ambos com 10 artigos.

DISCUSSÃO

Essa revisão evidencia as principais ações intersetoriais que alguns países têm desenvolvido para a promoção à saúde de populações vulneráveis, como as trabalhadoras do sexo. Os achados desse estudo contribuirão para que outros países sejam estimulados a desenvolver tais políticas governamentais, assim como profissionais de saúde poderão repensar sua práxis, de forma global e contextualizada a partir da readequação dos serviços de saúde sexual para a triagem de sintomas/combate à COVID-19, promovida pelo Estado. Além disso, os profissionais que atuam nesses serviços de triagem e atendimento aos grupos sociais em situação de vulnerabilidade terão a possibilidade de receber as demandas das trabalhadoras sexuais aprofundadas durante a pandemia, fazer a distribuição de insumos para proteção e prevenção individual e, assim, estimular e orientar o uso de tecnologias e mídias sociais como recursos para a educação em saúde.

A discussão dos resultados está sistematizada e desenvolvida, a partir das quatro categorias temáticas, evidenciadas nos resultados e oriundas da leitura exaustiva, análise do conteúdo semântica, interpretação e inferências.

Ações programáticas/governamentais e respostas da sociedade

Os governos têm a responsabilidade de promover ações intersetoriais, para que sejam ofertados às trabalhadoras do sexo bem-estar ou outras formas de apoio social para garantir renda em todos os estratos econômicos, visto que muitas famílias são codependentes da remuneração oriunda do serviço sexual4^,8^-9^,14. Essa proteção estatal, a partir do aumento dos recursos financeiros,19^-21 além de impactar nas economias para elas próprias fazerem a proteção social, deve garantir o fortalecimento do judiciário com demais setores da sociedade, para que sejam ampliadas as redes de apoio e, haja menos coação policial, seja física ou sexual22^-23. Os governos devem estimular e orientar práticas de policiamento positivas e de conscientização devem ser fornecidas urgentemente4^,10^,12.

As iniciativas de saúde pública estão superando as barreiras para alcançar as pessoas vulneráveis, como as mulheres que vivem do serviço sexual, criando um ambiente favorável para apoiar a mudança de comportamento23^-25. Outro mecanismo utilizado e inovador na resposta ao COVID-19 inclui mobilização comunitária estruturada junto à prevenção ao HIV e adequação dos serviços de saúde sexual para atender às demandas desse grupo de mulheres,26^-28 a exemplo da Índia e Cingapura24^-25.

O governo do Reino Unido é um exemplo de apoio às populações vulneráveis, visto que forneceu ao setor de caridade £ 750 milhões (€ 855 milhões; $ 922 milhões) de financiamento, para garantir moradia temporária/emergência e meios de enfrentamento à COVID-19 da sociedade29. Outros governos têm tido iniciativas, como em Bangladesh que está fornecendo pacotes de comida para profissionais do sexo; a Tailândia, Holanda e Japão estão fazendo a inclusão de profissionais do sexo em benefícios financeiros de emergência30^-31. Essas recomendações têm sido feita por outros estudos,27^-28 como uma forma de maximizar os cuidados e a assistência de forma articulada28^,31.

Países africanos como Etiópia e Quênia têm enfrentado dificuldades na tentativa de implementar tais medidas de auxílio às trabalhadoras sexuais, ainda que tem tido incentivo das fundações de apoio ou às Organizações Não Governamentais (ONGs)10^,20^,22^-23. Entretanto, as trabalhadoras sexuais que habitam tanto nos países desenvolvidos quanto nos que estão em desenvolvimento ou pobres enfrentam um dura realidade: a falta de regularização ou reconhecimento do serviço sexual remunerado como uma profissão20^,26. No Canadá está havendo uma discussão em torno da lei C-36 (Lei de Proteção de Comunidades e Pessoas Exploradas), na tentativa de reajustá-la e emendá-la, por proibir qualquer pessoa de comprar ou anunciar serviços sexuais durante a pandemia27^,32.

Combate aos estigmas envoltos do trabalho sexual

Em razão da criminalização cultural patriarcal do trabalho sexual, tanto na África, quanto em outros países em desenvolvimento ou ricos,4^,20 associado às questões de interseccionalidade, que vulnerabilizam ainda mais as trabalhadoras, visto que a maioria delas compõe a base da pirâmide social e são pobres, pretas e da periferia28. Nesse sentido, aplicar uma lente interseccional pode melhorar a compreensão das formas como o estigma do COVID-19 se transversaliza com gênero, raça, status de imigração, segurança habitacional e status de saúde, entre outras identidades27^,33.

Os estigmas fazem com que as profissionais do sexo não tenham direito a vários serviços sociais e rede de segurança COVID-19. Com a criminalização do trabalho sexual em diversas localidades como Etiópia, Quênia ou países latino-americanos, elas ficam mais expostas às medidas punitivas. O aumento do policiamento e do toque de recolher pode expô-las a mais violência, abuso e assédio10^,20^,22^,31. Algumas delas, que quebram o isolamento, visitam as casas dos clientes, ficando expostas à violência física e sexual e não recebem o pagamento conforme combinado22.

Com o estigma e a criminalização do comércio na África, as profissionais do sexo muitas vezes tiveram seus direitos infringidos em decorrência do estigma, incluindo acesso limitado aos cuidados ofertados pelos saúde serviços, serviços jurídicos e a criminalização de todos os estilos de vida4. Os outros níveis de estigma e discriminação contra as profissionais do sexo também podem tornar o rastreamento de contatos um desafio e limitar o acesso ao teste COVID-1925^,32^-33.

É necessário que os governos implementem medidas de orientação à sociedade e readequação dos serviços da polícia urbana para lidar com esse problema. Também é fundamental que os escritórios de justiça e as comissões policiais elaborem e implementem uma estratégia sobre como proteger, com tem sido feito por ONGs da Etiópia10 e no Canadá,27^,32 na tentativa de dialogar com representantes do Estado. A situação piora para as trabalhadoras que são migrantes25^,33 como no próprio Canadá, que vem discutindo na tentativa de reformulação e emendas na legislação19^,32 e a Nigéria com a criação de um firewall imediato entre os serviços de saúde e as autoridades de imigração13.

Os planos de resposta Humanitária Global COVID-19 enfatiza a consideração às questões de gênero22^,31. O atendimento pode ser no suporte psicossocial, diante da intensificação dos estigmas nessa pandemia; campanhas para a sensibilização da sociedade para desconstruir a narrativa estigmatizatória produzida pela mídia, devem ser estimuladas pelos governos19^-20.

Educação em saúde através de recursos tecnológicos/digitais e midiáticos

As estratégias de educação em saúde envolvem diversos conceitos, intrínseco às áreas da saúde e da educação, que são simétricos quanto à sua finalidade: maximizar a autonomia das pessoas para a prática do autocuidado. Neste sentido, estudos têm sido enfáticos quanto à relevância da utilização desta ferramenta para promoção da saúde, tanto para a prevenção quanto para o enfrentamento da COVID-19, sobretudo em associação com meios de mídia (rádio, televisão, internet),4^-10 como forma de alcançar, instrumentalizar e empoderar essas mulheres - com conhecimento, informações, orientações13^,22^,33.

Essa discussão se coaduna com os achados de diversos pesquisas,24^,27^,31^,33 as quais apontam as ferramentas que alguns governos usaram para dispensar conhecimento às trabalhadoras sexuais, como a disseminação de informações por parte de profissionais de saúde que atendem nos serviços de saúde e que se adaptaram para atender as demandas de COVID-19,4 ampliação do acesso a aparelhos celulares e conectividade digital para ampliar o acesso às informações sobre prevenção e combate à COVID-19, como tem sido realizado na Etiópia, na tentativa de romper com as informações limitadas sobre a pandemia que chega à população que vivencia pobreza econômica, além da falta de telefones celulares e conectividade digital10.

Os processos de educação em saúde apresentarão resultados mais efetivos e profícuos quando articulados a ações intersetoriais,24 a exemplo do que tem sido realizado por governos de países desenvolvidos: na América do Norte (Estado Unidos e Canadá) e Europa tem tido aumento dos auxílios de renda para acesso aos meios tecnológicos, ampliação/melhoria dos serviços operadoras de serviços de internet e operadoras de celular,19^,21 incentivo ao serviço sexual virtual e consultas/captação de populações vulneráveis por meio de telefones e serviços virtuais (telemedicina)21^,29.

Outrossim, a educação em saúde consiste no melhor subterfúgio, incentivado em alguns países, como o Quênia, Canadá e Índia, para proteger mulheres migrantes inseridas no serviço sexual remunerado, através do aumento da informação cultural e linguisticamente acessível, sobre o COVID-19 e como se proteger e proteger os outros24^,27^,31^,33. Outras recomendações, inclui-se comunicação regular com os membros da comunidade de trabalhadoras do sexo por telefone celular ou por grupos do WhatsApp22^,24.

Readequação dos serviços de saúde

Os Estados devem munir-se de uma combinação cuidadosa que favoreça o preparo dos sistemas de saúde, principalmente os de saúde sexual, bem como criar serviços de rastreio das trabalhadoras do sexo,22^,33 associado à maior conscientização nos serviços comunitários de linha de frente, organização dos serviços de apoio, triagem e tratamento das mulheres profissionais do sexo que, porventura, desenvolvam a COVID-1924^-25.

A interseccionalidade na prevenção, acolhimento, intervenção (prevenção do agravo e promoção à saúde) são essenciais para abordar diversos serviços de apoio, como o psicossocial, inclusive por meio de assistentes sociais, com vistas na detecção de estressores psicoemocionais, frequentemente agravados pelo estigma em torno da situação dessas mulheres e, para muitos, estão sendo exacerbados ainda mais com a Covid-1910^,19^-21^,34.

Diante da ampliação de tais serviços por conta do curso da pandemia, que apontou para o estrangulamento do setor da saúde, esse agravo de proporções mundiais também revelou outra faceta e realidade, que demandou dos Estados e governos, políticas de readequação dos serviços de combate à síndrome respiratória decorrente do novo coronavírus Sars-Cov-2: manutenção da invisibilidade social de seguimentos populacionais marginalizado23^,35^-36. Reestruturar o sistema público de saúde é imperativo, com vistas no tratamento da Covid-19 concomitante às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), já implementado no Reino Unido29.

Destarte, as limitações desse estudo residem nos tipos de estudo incluídos, a maioria foi de reflexão, o que dificultou verificar o que funcionou ou não nos países, já que não apresentava dados/resultados oriundos de questionários ou entrevistas, bem como as relações de causa e efeito entre as medidas de promoção à saúde e bem-estar e as respostas de enfrentamento das trabalhadoras sexuais. Desse modo, esta revisão aponta de forma integrada e organizada as estratégias mais eficientes que podem ser aplicadas para que essas mulheres possam se proteger da Covid-19 e, também, ter suporte social/estatal, sendo esses os aspectos novos e importantes do estudo.

Sugere-se que sejam realizados outros estudos, com maior rigor metodológico e maior nível de evidências científicas, para aprofundar as relações de causa e efeito entre o uso das estratégias, em países que ainda estão formulando ou ainda se encontram em processo de implementação de políticas públicas para as mulheres inseridas no mercado sexual remunerado, durante a pandemia da Covid-19.

CONCLUSÃO

Conclui-se que dentre as estratégias de prevenção e enfrentamento a serem implementadas às mulheres profissionais do sexo, evidenciadas pela literatura científica, destacam-se as ações intersetoriais governamentais articuladas, para a redução dos estigmas, readequação dos serviços de saúde sexual (Centros de Testagem e Aconselhamento às IST’s/AIDS) como forma de combater a Covid-19 e fazer abordagem conjunta no tratamento para as IST’s, além de incentivos financeiros para melhoria dos serviços das operadoras de sinal, no intuito de ter o uso eficiente de telefones e tecnologias digitais que favoreçam ações efetivas de educação em saúde, para rastreio, orientação e captação de grupos vulneráveis em dispersão como tais mulheres.

Ressaltam-se que as iniquidades sociais, culturais e de gênero mantidas em governos regidos pelo patriarcado, dificulta a adoção, por parte das trabalhadoras sexuais, de estratégias de prevenção e enfrentamento à pandemia, já que tal cultura fomenta a invisibilidade da mulher, sobretudo daquelas que vivenciam a liberdade sexual e utilizam da prática sexual remunerada como trabalho, como as trabalhadoras sexuais.

Nesse contexto, destaca-se que o sistema político e social são os principais responsáveis por possibilitar a proteção de cada uma delas, ainda há falta de organização e apoio do Estado na proteção e segurança das trabalhadoras sexuais, com condições de fazerem o distanciamento e o isolamento com dignidade. O presente artigo contribuiu para o avanço do conhecimento científico, na medida em que o levantamento da literatura possibilitou subsídios para implementação de ações a serem desenvolvidas pelos governos.

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NOTAS

• AGRADECIMENTO

  À Central Única das Trabalhadoras Sexuais, Santuza Alves e Monique Prada.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Out 2020
• Aceito
  13 Jan 2021