TEORIA DA DIFUSÃO DA INOVAÇÃO E SUA APLICABILIDADE EM PESQUISAS EM SAÚDE E ENFERMAGEM

RESUMO

Objetivo

refletir sobre a Teoria da Difusão da Inovação, como referencial teórico-metodológico para pesquisas em saúde e enfermagem.

Método

estudo do tipo reflexivo, assentado nos princípios e conceitos da Teoria da Difusão da Inovação, como referencial teórico-metodológico e aplicabilidade em estudos de inovações em saúde.

Resultados

o uso do referencial teórico instrumentaliza a condução de estudos abarcando abordagens qualitativas, quantitativas e mistas, aplicável para identificação da necessidade da inovação, na construção, delineamento, implantação, avaliação e ajuste das inovações. A avaliação do processo de difusão através dos elementos inovação, tempo, sistema social e canais de comunicação possibilitam a apreensão de fatores contribuintes para o sucesso de uma inovação.

Conclusão

a lente teórica aqui apresentada oferece bases conceituais para a apreensão do processo de difusão de inovações no campo da saúde, através de modelos sensíveis a avaliação e elaboração de processos de difusão adequados a contextos diversos.

DESCRITORES:
Difusão de inovações; Inovação; Comunicação em saúde; Sistemas de informação em saúde; Pesquisa em enfermagem

ABSTRACT

Objective

to reflect on the Diffusion of Innovations Theory, as a theoretical-methodological framework for research studies on Nursing and Health.

Method

a reflective study, based on the principles and concepts of the Diffusion of Innovations Theory as a theoretical-methodological framework, and its applicability in studies on innovations in health.

Results

using the framework enables the conduction of studies encompassing qualitative, quantitative and mixed approaches, applicable for the identification of the need for innovation in the elaboration, design, implementation, evaluation and adjustment of the innovations. The diffusion process evaluation through the elements of innovation, time, social systems and communication channels enables apprehending contributing factors for the success of a given innovation.

Conclusion

the theoretical perspective herein presented offers conceptual grounds to apprehend the process corresponding to the diffusion of innovations in the health field, through sensitive models and evaluation and elaboration of diffusion processes suitable for various contexts.

DESCRIPTORS:
Diffusion of innovations; Innovation; Health communication; Health information systems; Nursing research

RESUMEN

Objetivo

reflexionar sobre la Teoría de la Difusión de Innovaciones como un referencial teórico-metodológico para investigaciones en las áreas de Salud y Enfermería.

Método

estudio del tipo reflexivo, asentado en los principios y conceptos de la Teoría de la Difusión de Innovaciones, como referencial teórico-metodológico y su capacidad de aplicación en estudios de innovaciones en salud.

Resultados

utilizar el referencial teórico instrumentaliza el desarrollo de estudios que abarcan enfoques cualitativos, cuantitativas y mixtos, aplicable para identificar la necesidad de la innovación en la elaboración, el diseño, la implementación, la evaluación y el ajuste de las innovaciones. La evaluación del proceso de difusión a través de los elementos innovación, tiempo, sistema social y canales de comunicación permite percibir factores que contribuyen al éxito de una innovación.

Conclusión

la perspectiva teórica aquí presentada ofrece bases conceptuales para percibir el proceso de difusión de innovaciones en el campo de la salud, a través de modelos sensibles a la evaluación y elaboración de procesos de difusión adecuados a diversos contextos.

DESCRIPTORES:
Difusión de innovaciones; Innovación; Comunicación en salud; Sistemas de información en salud; Investigación en enfermería

INTRODUÇÃO

Com os avanços tecnológicos, cada vez mais, há inovações passíveis de serem incorporadas nas práticas, serviços e sistemas de saúde.1 Refletir sobre os efeitos da incorporação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na sociedade em que vivemos nos remete inevitavelmente à inovação e seu potencial transformador. Entretanto, a concepção de que inovação e tecnologia são sinônimos, é frequente e recorrente.2 Neste artigo, propomos alargar a concepção da inovação, retomando sua origem semântica do latim “innovare”, que significa “fazer algo novo”.3 Avanços da ciência e da tecnologia imprimiram velocidade a troca de informações e consequentemente incentivando uma produção superficial e compartimentalizada do conhecimento.4 Neste contexto, a subversão do conceito da palavra inovação notadamente tem favorecido a ideia de que para inovar seria preciso “criar” uma “máquina”.

No cenário mundial têm-se investido elevados recursos financeiros para aquisição de inovações, porém a efetiva utilização depende do sucesso de sua difusão e avaliação entre os possíveis adotantes.5^-6 Especialmente na área da Saúde, o processo de difusão de inovações ocorre em cenários fragilizados e complexos, com interferência de contextos políticos, sociais e culturais, resultando em tecnologias implantadas, mas, nem sempre, utilizadas de forma adequada.1 No campo da enfermagem, a inovação comumente é compreendida como sinônimo do uso de máquinas no processo de cuidar.2 Os aspectos capazes de impactar e influenciar o processo de difusão de uma inovação são plurais e heterogêneos, perpassando desde a formação dos profissionais de saúde até a produção do conhecimento na área. Assim, faz-se necessário pesquisar continuamente, para suplantar barreiras e fragilidades, que emergem neste contexto.

Na interface de saberes, das práticas e experiências, na área da saúde, emergiram inovações, a fim de otimizar a produção do cuidado. A terminologia Tecnologias do Cuidar é utilizada no campo da enfermagem para caracterizar o conjunto de saberes e fazeres técnico-científicos alicerçados em investigações científicas, bases teóricas e a aplicação na prática.2

A incorporação de tecnologias na atenção à saúde é um processo natural que reflete positivamente na assistência prestada à população. O entendimento de que tecnologia e cuidado são dimensões apartadas, como água e óleo que não se misturam, ainda perpassa o ideário de profissionais e gestores de saúde. A configuração das redes de atenção à saúde, em contrapartida, estratifica a tecnologia em saúde em níveis, leves, leve-duras e duras.7 Tecnologias leves remetem ao caráter interacional e subjetivo do trabalho em saúde, ao passo que, saberes estruturados como protocolos e normas são considerados como tecnologias leve-duras. O aspecto não humano como os equipamentos e maquinários utilizados correspondem às tecnologias duras.7

Na interação de saberes, práticas e experiências na área da saúde, emergiram inovações a fim de otimizar o cuidado de Enfermagem e o uso de tecnologias foi ampliado. O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) realizou o 22º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem em novembro de 2019, momento em que oportunizou pautas reflexivas e debates acerca dos avanços referentes às inovações tecnológicas na Enfermagem.8

No mesmo ano, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), foi criado o “Laboratório de Inovação em Enfermagem, que tem por escopo Valorizar e Fortalecer a Saúde Universal”, com o objetivo de sistematizar e divulgar experiências inovadoras, produzidas pela Enfermagem, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).8 As iniciativas inovadoras da enfermagem do norte ao sul do país somaram 239 relatos de experiência e destes 16 destacados por seu aspecto inovador e relevância para o Sistema Único de Saúde e para a Enfermagem.8^-9 Os esforções do Conselho Federal de Enfermagem e da OPAS podem contribuir para que profissionais de saúde e de enfermagem compreendam a magnitude e a potencialidade intrínseca à criatividade, inventividade e engenhosidade para superar barreiras e alcançar objetivos, através de ações inovadoras. A análise dos estudos premiados na edição de 2019 do “Laboratório de Inovação em Enfermagem” traduzem a capacidade inovadora da enfermagem, através da criação de ferramentas tecnológicas como os aplicativos, até a elaboração e implantação de protocolos para assistência em regiões ribeirinhas, implantação de mudanças nos fluxos dos serviços de saúde de baixa, média e alta complexidade.6

A Enfermagem utiliza inúmeras tecnologias em sua prática, no âmbito técnico assistencial, no campo do cientificismo, nas taxonomias diagnósticas, nas habilidades interpessoais e éticas, bem como na educação. Nessa interface de possibilidades, há as tecnologias de comunicação e informação, em domínios como sistemas de gestão e sistemas de comunicação, que podem ser usados ​​para fins de diagnóstico, gerenciamento, aconselhamento, educação ou suporte, como sistemas computadorizados, de apoio à decisão diagnóstica e sistemas de informação, para registros eletrônicos de saúde. A robótica, também, tem sido empregada para auxílio em procedimentos, na incorporação de aplicativos para o autocuidado, nas padronizações e escalas na assistência e gerenciamento, na simulação virtual no ensino, entre outros recursos tecnológicos.9^-10

A difusão de inovações envolve diferentes concepções, dimensões e contextos de aplicação que, por consequência, é compreendida sob diferentes abordagens teóricas.11^-12 Neste artigo destacamos a Teoria da Difusão da Inovação (TDI) de Rogers, que tem embasado estudos de avaliação da difusão de inovações, na área da saúde e que pode ser utilizada, também, na Enfermagem, qualificando a avaliação de inovações.13^-14

Atualmente, o Laboratório de Inovações e Tecnologias da Informação do Grupo de Estudos Sobre Autocuidado, Envelhecimento e Processos Educativos em Saúde e Enfermagem (LABIN/GAPESE), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com o Núcleo de Pesquisas em Administração em Enfermagem (NUPAE), da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EENF/UFMG), vem desenvolvendo estudos, utilizando a TDI como referencial teórico-metodológico. O artigo teórico-reflexivo proposto é resultado do estudo multicêntrico “Análise de implantação e efeitos do Prontuário Eletrônico do Cidadão da estratégia e-SUS Atenção Básica”, envolvendo as instituições citadas.

A TEORIA DA DIFUSÃO DA INOVAÇÃO: PANORAMA CONCEITUAL E TEÓRICO

A TDI é amplamente utilizada no delineamento e condução de investigações que buscam compreender e avaliar o processo de difusão da inovação. A primeira versão da teoria foi aplicada na área da Sociologia Rural, especificamente, no estudo das sementes de ervilha. O êxito do estudo e a robustez do arcabouço teórico propiciou a difusão da TDI como referencial teórico na condução de estudos com abordagens variadas.14 A proposta do autor é de que toda e qualquer inovação passa inevitavelmente pelo processo denominado “difusão”. Assim, para avaliar o sucesso de uma inovação é necessário compreender a sua difusão, sendo a difusão definida como o processo pelo qual uma inovação é transmitida ao longo do tempo, por meio de certos canais de comunicação, entre os membros de um sistema social. Nesse sentido, os principais elementos na difusão de inovações são: a própria inovação, os canais de comunicação, o tempo e o sistema social. Tais elementos, na TDI, influenciam o processo de difusão e devem ser compreendidos, com o intuito de potencializar a aceitação das inovações.14

Na TDI, a inovação é compreendida como uma ideia, uma prática, objeto ou processo percebido como “inovador” pelas pessoas. A percepção das pessoas, sobre o que se caracteriza como “novo” ou “inovação” na TDI, é um elemento central da análise, pois influencia o comportamento das pessoas em interagir com a proposta.14

Ao enfatizar as pessoas, no centro do processo de avaliação das inovações, na TDI, entende-se que a percepção, sobre a inovação, pode-se modificar ao longo do tempo. A inovação é difundida, a partir dos processos de interação em que as pessoas e a inovação estão envolvidas. É preciso conhecer o processo de difusão da inovação e as transformações que ocorrem, acerca da sua adoção. O que é considerado inovador, depende da percepção das pessoas (os possíveis adotantes) sobre as transformações proporcionadas pela inovação.14 A utilização da TDI no campo da saúde foi objeto de estudo de revisão que apontou o aspecto benéfico da teoria e seu caráter atemporal.15

Nesse sentido, inovações para serem aceitas possuem características próprias que despertam nos possíveis adotantes o reconhecimento de transformações favoráveis e qualificadoras do cotidiano em seus vários contextos. Desse modo, a própria inovação possui características, que influenciam a sua difusão, entre os adotantes, que são conceituadas, na TDI, como atributos de uma inovação, a saber: vantagem relativa, compatibilidade, complexidade, experimentação e observabilidade.14

A vantagem relativa é a percepção de que a inovação é melhor do que a ideia/prática/objeto que a antecede. A vantagem que a inovação representa está diretamente relacionada à natureza da inovação e sua importância, para os potenciais adotantes. Em seus estudos, Rogers identificou que algumas vantagens contribuem, sobremaneira, para a adoção de uma inovação, como o oferecimento de incentivos, custo inicial e a possibilidade de obter ou ganhar status social.14

O atributo compatibilidade refere-se à percepção de que a inovação é consistente com as crenças, valores, normas, experiências passadas e necessidades de seus possíveis adotantes. Segundo Rogers, quanto mais uma nova ideia/prática/objeto é compatível com o contexto, no qual será aplicada, menor é a incerteza de suas potencialidades e benefícios. Em geral, uma inovação deve se adaptar aos valores socioculturais, não se opondo, claramente, às práticas e crenças. A compatibilidade com ideias/inovações adotadas, anteriormente, também, deve ser observada, oferecendo uma conotação de evolução à inovação que se pretende implantar.14

A complexidade de uma inovação está ligada à percepção de dificuldade de uso e compreensão pelos adotantes. Em algumas situações específicas, a importância da complexidade não se compara à relevância da vantagem relativa e da compatibilidade. Como exemplo, o autor cita o processo de difusão de computadores, no qual, apesar da dificuldade de uso, pessoas admiradoras de tecnologias insistem em sua utilização, mobilizados pela sua própria necessidade de atender as demandas do cotidiano de trabalho e dos diversos outros contextos. Entretanto, na TDI, inovações reconhecidas como complexas em sua utilização tendem a ter dificuldades em seu processo de difusão, podendo, inclusive, ser rejeitadas, subutilizadas ou substituídas ao longo do tempo.14

O atributo experimentação refere-se à possibilidade de a inovação ser experimentada, seja em uma versão temporária ou definitiva da nova ideia/prática/objeto. Segundo Rogers, é uma forma de aproximação entre os futuros adotantes e a inovação, o que pode favorecer os demais atributos (vantagem relativa, complexidade, compatibilidade, observabilidade) por meio de ajustes a reformulações/adaptações necessárias.14

Outro atributo, a observabilidade, se refere à visibilidade dos resultados obtidos, a partir da utilização da inovação. Os adotantes, quando visualizam resultados positivos da inovação, tendem a aceitá-la com mais facilidade e contribuem para o processo de difusão. Nesse contexto, acredita-se que os demais indivíduos de um sistema social são mais receptivos a ideias/práticas/objetos já adotados por seus pares. Como exemplo, Rogers cita o processo de difusão de aparelhos de telefonia móvel, inicialmente objetos de alto custo que se tornaram objeto de desejo pela visibilidade notória de sua utilização.14

Os canais de comunicação, na TDI, constituem outro elemento fundamental, no processo de difusão de inovações. A comunicação é um processo de criação e de troca de informações entre indivíduos e/ou grupos, a fim de atingir um entendimento mútuo sobre determinado tema. Partindo dessa perspectiva, destaca-se que o processo de comunicação envolvendo inovações compreende três etapas.14

A primeira se inicia com o conhecimento de uma pessoa, grupos ou unidade de adoção (um setor de uma empresa, por exemplo) sobre uma inovação. A segunda etapa envolve esta unidade de adoção e uma segunda unidade que, diferentemente da primeira, não apresenta nenhum conhecimento sobre a inovação. Entre estas duas unidades, as informações sobre a inovação são trocadas por meio de canais de comunicação digitais ou não. A terceira etapa compreende o elo criado entre as duas unidades de adoção, que se “ligam” por meio destes canais.14

Os canais de comunicação representam a forma como as mensagens/informações são trocadas entre indivíduos, conforme a natureza das informações. Ainda, segundo o autor, a comunicação em massa é a maneira mais efetiva atingir um público extensivo já a comunicação face a face, favorece a persuasão um possível adotante.14

Sabe-se que a comunicação humana se dá em grande parte entre pessoas/setores que compartilham das mesmas crenças, valores, objetivos, hábitos, status social, entre outras características. O grau de semelhança dos indivíduos favorece a comunicação, sendo denominada homofilia (homophily). A situação oposta, em que o grau de semelhança entre os indivíduos é menor, atribui-se a denominação heterofilia (heterophily).14

De acordo com Rogers, em processos de difusão de inovações, os indivíduos envolvidos, comumente, são heterófilos (heterophilous), o que dificulta a comunicação. Por outro lado, acredita-se que com o passar do tempo, a inovação pode manter seus níveis de adoção com o surgimento de uma “critical mass”, que é uma tendência, assim como ocorreu no processo de difusão de aparelhos de ar condicionado, telefonia móvel, e-mail, dentre outros.16

Na TDI, a dimensão do tempo transcorrido entre o primeiro contato com a inovação e a sua adoção/rejeição é considerada crucial, configurando o que Rogers denomina de processo de “decisão-inovação” (innovation-decision process). Este processo compreende a aproximação do indivíduo com a inovação e o desenvolvimento de uma atitude/comportamento, em prol da decisão pela adoção/rejeição, implementação e confirmação da decisão tomada. Este é um processo complexo, pautado por decisões, escolhas e ações, que, ao longo do tempo, vão definindo a incorporação da inovação.14^-16

Neste sentido, a TDI oferece um modelo para o processo de decisão-inovação que envolve cinco estágios temporais subsequentes, quais sejam: conhecimento, persuasão, decisão, implementação e confirmação descritas, a seguir:

Conhecimento: diz respeito à busca pelo conhecimento, acerca da inovação, o que pode ocorrer nas dimensões da consciência (awareness-knowledge), referentes à existência da inovação, da utilização da inovação (how-to knowledge) e dos princípios da inovação (principles-knowledge).14^-16

Persuasão: na perspectiva da TDI, a persuasão não se refere a um tipo de indução, diferenciando-se no sentido de induzir o comportamento humano a algo, pois o potencial adotante terá sua autonomia de análise crítica, experimentação e, por fim, de decisão.15

Decisão: envolve a escolha entre a adoção ou rejeição da inovação, de modo que a adoção se refere à decisão de utilizar, totalmente, uma inovação da melhor maneira, enquanto a rejeição compreende a decisão pela não adoção.14

Implementação: ocorre quando a inovação é colocada em prática. A implementação pode demandar um longo período de tempo, até que se torne institucionalizada ou que se torne uma prática habitual, para seus adotantes.14

Confirmação: ocorre quando a unidade de adoção (indivíduo/grupo) procura reforçar a decisão tomada no estágio anterior. Embora a decisão pela adoção ou pela rejeição, de fato, tenha ocorrido, pode existir, ainda, uma continuidade do processo de decisão-inovação, devido à incerteza, quanto à decisão tomada. Assim, os adotantes buscam por informações, que reforcem suas escolhas, diante de informações conflitantes, que coloquem em xeque as definições adotadas.14

O sistema social, como um dos elementos influenciadores da difusão de inovações, constitui as fronteiras, nas quais o processo de difusão ocorre, sendo definido como um conjunto de unidades inter-relacionadas e engajadas em alcançar o mesmo objetivo. Os membros de um sistema social variam, de acordo com sua natureza e, em geral, são indivíduos, grupos informais ou organização e ou subsistemas. A estrutura social confere estabilidade e regularidade ao comportamento humano e está contida num sistema social, o que pode facilitar ou impedir a difusão de uma inovação, assim como a estrutura normativa, que estabelece um padrão comportamental.14

Nesse contexto, surgem o líder de opinião (opinion leader) e o agente de mudanças (change agent). Ambos integram o sistema social e sua representatividade não é conferida, apenas, por cargos ou definições organizacionais. O líder de opinião caracteriza-se como um sujeito capaz de influenciar seus pares, diferentemente do agente de mudanças, que é reconhecido pelo conhecimento técnico e deve ser capaz de influenciar clientes (consumidores da inovação).

A decisão pela inovação pode ocorrer de três formas, a saber: opcional: ocorre sempre que a decisão pela adoção ou rejeição da inovação se dá de maneira independente; coletiva: ocorre sempre que a decisão pela adoção ou rejeição se dá de maneira coletiva; autoritária ou normativa: ocorre quando a decisão pela adoção ou rejeição de uma inovação é tomada por uma pequena parte de membros do sistema social, os quais possuem status que lhes conferem certo poder sobre os demais.14

Segundo Rogers, os indivíduos de um sistema social não adotam uma inovação, simultaneamente, pois apresentam características distintas, entre si. Em seus estudos, o autor estabelece a estratificação dos adotantes em cinco categorias, considerando o perfil ideal para cada uma, tais como, os inovadores: possuem habilidade para compreender conhecimentos técnicos, se interessam por novas ideias e circulam por diferentes sistemas sociais; os adotantes iniciais: apresentam o traço da liderança e são respeitados e seguidos por seus pares, auxiliando-os no processo de adoção da inovação; a maioria inicial: são deliberativos e seguem a adoção da inovação antes da metade dos membros do sistema social, porém não lideram seus pares; a maioria tardia: seguidores céticos, natos dos demais adotantes do sistema, resistentes a mudanças; e os retardatários: constituem uma parcela do sistema social, que desconfia da inovação e do agente de mudança, adotando, lentamente, a inovação.14

A TEORIA DA DIFUSÃO DA INOVAÇÃO E SUA APLICAÇÃO EM PESQUISAS EM SAÚDE E NA ENFERMAGEM

A TDI oferece o suporte teórico para analisar a difusão de inovações, sua adoção ou rejeição, assim como a compreensão de como as pessoas reagem às mudanças, propostas por meio da implementação das tecnologias. Essas reações englobam não somente o comportamento, mas o pensamento.

A TDI permite uma análise complexa sobre a difusão de tecnologias, sua aplicabilidade e contexto, considerando que a inovação seja compatível com valores sócio- culturais, necessidades e demandas, bem como com as práticas de trabalho, compreendendo que tais inovações devem ser flexíveis à realidade assistencial, educacional, relacional ou gerencial e devem otimizar os processos. Logo, as dimensões de análise propostas pela TDI auxiliam a avaliação sobre a implementação de novos conhecimentos na área da saúde. A teoria fomenta, ainda, a necessidade de inovar e aplicar as ideias.17

A difusão de inovações em serviços, produtos, conhecimentos na área da saúde tem aumentado ao longo da história. O uso isolado da TDI ou combinado a outras lentes teóricas reflete o empoderamento e recrudescimento da complexidade das barreiras e desafios a serem superados. A TDI possibilita ao pesquisador capturar seu objeto de estudo (a inovação) através da avaliação de seus aspectos abarcando desde o processo de decisão para a inovação até a avaliação dos resultados após a difusão. A TDI abarca a percepção das pessoas/humanos sobre a inovação e não se limita a analisar apenas a inovação em si.12

A influência do sistema social no processo de difusão de tecnologias direcionadas a serviços de saúde é apontada em estudos.18^-19 Estudo descreveu três fases da construção de um software educativo, baseado na taxonomia North American Nursing Diagnosis Association-International (NANDA-I), desenvolvido em um hospital universitário do sul do Brasil, para melhoria da acurácia de diagnósticos de Enfermagem. O software apresentava diagnósticos de Enfermagem e casos clínicos, que podiam ser editáveis pelos docentes, a fim de auxiliar o raciocínio clínico dos alunos e oferecer maior dinamicidade do ensino.20

Outro estudo dispôs sobre o desenvolvimento e validação de um aplicativo, nas versões para IOS^® e Android, acerca do processo de Enfermagem em unidade de terapia intensiva neonatal. Como resultados da implementação, pode-se perceber que o aplicativo foi capaz de proporcionar qualidade, efetividade e segurança na assistência do enfermeiro e na satisfação pessoal.21

Em uma pesquisa, os autores elaboraram e validaram um checklist para assistência de Enfermagem, ao admitir pacientes no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca. O checklist definiu parâmetros essenciais para um atendimento de qualidade, garantindo maior agilidade e segurança ao paciente, o que foi validado com três tópicos, quatro categorias, 16 itens e 86 subitens de atribuições de cuidados a serem aplicados na prática clínica. Foi consolidado como um recurso para o planejamento das ações de Enfermagem, proporcionando assistência de qualidade, facilitando a comunicação entre as equipes e minimizando possíveis riscos.22

Tais experiências confirmam a possibilidade exitosa de se implementar inovações tecnológicas e aplicá-las no cotidiano da assistência, pesquisa e estudo em Saúde.

A essência do processo de difusão é a troca de informações, na qual um indivíduo comunica uma nova ideia a um ou vários outros.19^,23 Em sua forma mais elementar, o processo envolve: uma inovação, um indivíduo ou outra unidade de adoção, que tenha conhecimento ou experiência com o uso da inovação, outro indivíduo ou outra unidade, que, ainda, não tem conhecimento da inovação, mais um canal de comunicação conectando as duas unidades. Um canal de comunicação é o meio pelo qual as mensagens são transmitidas de um indivíduo para outro.14

A saúde se estabelece em contextos biopsicossociais, tais quais, expressões de sentimentos, sinais e sintomas, estágios da vida, ou seja, fenômenos peculiares e nem sempre coletivos, mas manifestados de diferentes maneiras.15 A incorporação de inovações propõe um desafio ainda maior na área da saúde, não somente pela operacionalização tecnológica, mas pela integração da tecnologia e ciência, com as questões humanísticas inerentes à área do cuidado humano.

Desse modo, as tecnologias devem considerar que o cuidado, tratamento e avaliação da saúde, tanto na pesquisa, quanto em sua aplicabilidade, perpassem a determinação positivista da racionalidade biomédica e orientem-se pelas necessidades humanas em Saúde e pelos aspectos culturais e subjetivos, para que o cuidado não se fragmente, ainda mais, no molde cartesiano, dissociando relações importantes de serem compreendidas, integralmente, para a assistência de qualidade. Além de tais fatos, as tecnologias na saúde precisam ser nexo-causais preexistentes e concomitantes, que ofereçam orientações, resultados, processos seguros e eficazes. Em síntese, o desenvolvimento tecnológico não deve omitir ou negligenciar aspectos éticos e humanitários, que são intrínsecos à área da saúde.24

A opção pela implementação de uma inovação no sistema de saúde deve considerar, ainda, a prestação de serviço do setor, as características epidemiológicas e demográficas da população e a capacidade de acesso às redes de internet, que sejam, de fato, confluentes para a resolução dos problemas de saúde, evitando, assim, a sobrecarga de trabalho, o retrabalho e frustrações, diante do mau funcionamento técnico, considerando a importância da democratização e inclusão tecnológica entre os serviços, instituições e profissionais.14^,24

No que se refere aos recursos humanos, as tecnologias podem se interpor às funções exercidas por determinados profissionais da equipe, intervindo em seu processo de trabalho, ofício e função, o que pode se tornar o fator limitante sobre a adoção de inovações. Além disso, a incorporação de novas tecnologias, consoante seu objetivo e direcionamento, pode acarretar novas demandas, o que, consequentemente, pode aumentar a intensidade do trabalho e requisitar dos trabalhadores um conhecimento específico complementar, para a sua operacionalização e domínio.24

CONCLUSÃO

O estudo teve como objetivo refletir sobre a TDI como referencial teórico-metodológico na pesquisa em saúde e Enfermagem. Os elementos e atributos da TDI são reconhecidos em vários estudos, como fatores determinantes, para compreender as inovações, incorporadas nas organizações de saúde. A análise aprofundada da difusão de inovações contribui para o conhecimento dos fatores, que interferem na aceitação ou na rejeição.

A incorporação de inovações propõe um desafio, ainda maior, na área da saúde, não somente pela operacionalização tecnológica, mas pela integração da Tecnologia e Ciência com as questões humanísticas, inerentes à área do cuidado humano e de todas as subjetividades envolvidas, quais sejam: culturais, crenças, comportamentos, questões que não são lineares e homogêneas no meio social e que precisam estar contempladas em qualquer meio facilitador ao processo de trabalho, seja ele assistencial, relacional, investigativo ou informativo. É preciso considerar que as inovações precisam estar contextualizadas às necessidades específicas de seus utilizadores e possíveis adotantes. Além disso, há o receio, quanto ao comprometimento da função do profissional com o seu processo de trabalho, ao aumento da intensidade e complexidade do trabalho, à necessidade de atualizações e estudos contínuos, com o advento de novas implementações.

É importante destacar, também, que as aplicações dos resultados advindos de inovações dos segmentos tecnológicos ainda apresentam obstáculos na Enfermagem. A implementação prática dos resultados de pesquisas, muita vez, mostra-se lenta, dificultando a incorporação de processos inovadores. A divulgação dos resultados e as propostas inovadoras, quando não aplicadas em favor de mudanças, melhorias e ajustes, na prática vivida, podem ampliar a distância da teoria do que é, consistentemente, realizado.

Ante o exposto, a utilização da TDI pode trazer maior segurança na aderência de tecnologias inovadoras, favorecendo a aplicabilidade prática. É necessário avançar nos estudos sobre a teoria e, principalmente, usá-la para avaliar os resultados de novas tecnologias na saúde e na Enfermagem.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da tese - Difusão Tecnológica na Atenção Primária a Saúde: Estudo de caso do Prontuário Eletrônico do Cidadão à luz da Teoria da Difusão de Inovações, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Minas Gerais, em andamento.

• FINANCIAMENTO

  Estudo realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo 404653/2016-2, Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) - APQ00248-18 e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Bolsa de doutorado, Demanda Social.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Gisele Cristina Manfrini, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  25 Ago 2021
• Aceito
  19 Dez 2021