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A comoditização do sufismo marroquino: formas estéticas na tariqa Hamdouchiya

The commoditization of Moroccan Sufism: aesthetic forms in tariqa Hamdouchiya

Resumos

Resumo: O artigo visa compreender os efeitos da política de valorização do sufismo - via mística do Islã - na confraria marroquina Hamdouchiya. Os aspectos estéticos associados aos legados imateriais desse grupo, tal como o estilo da música Hamadsha, têm sido valorizados dentro da lógica da comoditização das tradições em curso no país nos últimos anos pelas instituições governamentais. Esta pesquisa faz parte da revisão de dados etnográficos desenvolvidos em Safi, Essaouira e Fez. Argumenta-se que o novo momento vivido pelos discípulos da Hamdouchiya converge para um processo de comoditização das tradições. A questão da publicização das formas referentes ao patrimônio imaterial da Hamdouchiya permite focalizar a análise para além da produção de uma identidade musical.

Palavras-chave:
sufismo; música; comoditização da tradição; Marrocos


Abstract: The article aims to understand the effects of the policy of promoting Sufism - the mystical path of Islam - on the Hamdouchiya Sufi Brotherhood. The aesthetic aspects associated with the immaterial legacies, as the Hamadsha music, denotes a status through the process of the commoditization of tradition the country has gone through in recent years by government policy. This research is part of the review of ethnographic data developed in Safi, Essaouira, and Fez. I highlight the new moment experienced by the disciples of Hamdouchiya converges to a process of commoditization. The issue of publicizing the forms referring to Hamdouchiya's intangible heritage allows an analysis focusing beyond the production of a musical identity.

Keywords:
sufism; music; commoditization of tradition; Morocco


Introdução

O objetivo do texto é compreender os efeitos da política de valorização do sufismo - via mística do Islã - na confraria1 1 No contexto etnográfico analisado, o termo compreende tanto o processo iniciático individual por um caminho ou via mística (tariqa) quanto à forma organizacional religiosa (filiação) constituída por meio de uma tradição (Asad 1986), que tem como base a vida e obra de um santo patrono. Nessa perspectiva, a tariqa é vista como um caminho de santidade, um caminho “vertical” que une o discípulo ao mestre (ao santo como no caso descrito) e, além disso, ao Profeta (Geoffroy 2015). (tariqa 2 2 Acrescentarei um “s” no final dos termos em árabe para indicar o seu plural. ) marroquina Hamdouchiya. Os aspectos estéticos associados aos legados imateriais desse grupo, tal como o estilo da música Hamadsha, têm sido valorizados dentro da lógica da comoditização das tradições em curso no país nos últimos anos.

As expressões devocionais presentes no sufismo marroquino muitas vezes são correlacionadas e reconhecidas como “produtos culturais” pelas instituições governamentais. Tais “rótulos” foram recentemente construídos e patrocinados pela monarquia de Mohammed VI (1999-atual) entre as comunidades sufis do país. O contexto atual tem produzido novas questões entre os discípulos da Hamdouchiya, principalmente aquelas relacionadas às formas de utilização do patrimônio imaterial (recitações de poemas e sessões musicais) do grupo em festivais de música sufi e o impacto gerado por essas apresentações no uso das melodias, ritmos e harmonias musicais. Se, por um lado, os festivais possibilitam uma maior inserção e visibilidade na esfera pública, por outro lado, constantes desafios se colocam quanto a organização e execução dos conteúdos selecionados como parte de uma tradição3 3 Entendo o termo tal qual assumido por Asad (1986) como discursos que visam instruir os praticantes a respeito do propósito e da forma correta de determinada prática que, precisamente porque foi estabelecida, tem uma história. sufi.

Argumenta-se que o novo momento vivido pelos discípulos da Hamdouchiya converge para um processo de comoditização das tradições. Isso significa repensar os usos das práticas devocionais dos locais de culto. A estratégia de resgate dos conteúdos musicais pelos adeptos da Hamdouchiya faz parte da promoção do turismo vigente no país subvencionado,4 4 Durante a realização do trabalho de campo, pude presenciar diversos eventos e festivais de música sufi que contavam com o suporte do Ministério de Cultura e de Comunicação do país. Muitos dos interlocutores da Hamdouchiya organizavam dossiês nessa instituição com a finalidade de submeter projetos visando auxílio financeiro, seja para a reforma dos centros devocionais da Hamdouchiya (zawiyas), por meio da ideia de preservar o “patrimônio” (turath), seja para a realização de festivais, justificada pelo rótulo de “cultura” (thaqafa). muitas vezes, pela própria monarquia. Entretanto, a organização e participação nos festivais têm provocado uma série de novas preocupações entre os discípulos.

A primeira delas seria a conciliação das atividades religiosas dos locais de culto com as oportunidades de se apresentar em festivais de música sufi. A segunda, refere-se às críticas vinculadas ao caráter mercantil das aparições públicas vistas como atividades vilipendiosas e, também, à questão da autenticidade das performances provenientes da baixa qualidade do estilo da música Hamadsha apresentada nos eventos. Tais preocupações por parte dos interlocutores apontam para a existência de uma “estética da autenticidade” (Shannon 2006SHANNON, Jonathan. (2006), Among the jasmine tree: music and modernity in contemporary Syria. Middletown: Wesleyan University Press.), isto é, práticas de criação e consumo cultural que promoveriam concepções modernas sobre o self e a sociedade. As formas devocionais da Hamdouchiya, antes definidas a partir do rótulo de “folclore” (fulklur), hoje reaparecem por intermédio da noção de “cultura” (thaqafa) e de “patrimônio” (turath), como uma forma de garantir aos seus discípulos o acesso ao discurso de modernidade5 5 Latour (1994) descreveu a história ideológica do desenvolvimento da “razão ocidental” por meio da crítica de seu efeito ilusório. O autor afirma que esse ideal jamais chegou a penetrar, nem mesmo na totalidade, o que se convencionou a definir como “Ocidente”. Nesse sentido, compreendo operacionalmente a Modernidade como um discurso / projeto que objetiva institucionalizar vários princípios, às vezes, conflitantes e frequentemente em transformação (Asad 2003). no Marrocos contemporâneo.

Esta pesquisa faz parte da revisão dos dados etnográficos desenvolvidos no Marrocos entre 2016 e 2017, nas cidades de Safi, Essaouira e Fez. Procuro também resgatar algumas problemáticas e remontar contextos vivenciados em pesquisas anteriores realizadas no país com base na releitura de dados etnográficos e notas de campo relacionados a distintas religiosidades marroquinas no período entre 2012 e 2017. Esses trabalhos contemplaram não somente as ações de cunho político-religioso dos interlocutores, mas também de outras esferas da vida social deles, como trabalho, família e lazer. A produção de narrativas e práticas sociais nesses espaços por parte dos interlocutores6 6 Nesse caso, refiro-me aqui apenas aos dados construídos a partir da interação com os discípulos da tariqa Hamdouchiya. A inclusão de dados sobre as concepções e agências dos organizadores dos festivais ou demais agentes ligados às instituições governamentais locais, responsáveis pela criação, manutenção e difusão de tais atividades enquanto produtoras de sentidos, torna-se fundamental para uma análise de como esses “profissionais de marketing contribuem coletivamente para a semiose [processo de significação e produção de significados] sistêmica dos objetos como mercadorias [no caso, o estilo da música Hamadsha], em vez de meros objetos” (Applbaum 2000:110). Desde a pesquisa de mestrado (Bartel, 2013; 2016) realizada no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF), pude ampliar meu domínio da variante da língua árabe falada no Marrocos (darija), especialmente no desenvolvimento da leitura, já que eu ainda possuía dificuldade para manter longas conversas no idioma. Entender o árabe marroquino era importante para precisar o vocabulário presentes nas tradições textuais e doutrinárias e também nos rituais. Os dados aqui apresentados ampliam as discussões contidas na pesquisa de doutorado (Bartel, 2019) realizada também no âmbito do PPGA/UFF. O trabalho de campo de 13 meses (janeiro/2015 e outubro/2016 a setembro/2017) contou com dois auxílios financeiros em momentos distintos: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). foram relevantes para a compreensão da realidade social do país. A releitura do conjunto desses trabalhos permitiu-me avançar em direção a novas proposições e perspectivas de apreensão do contexto sociocultural marroquino, em parceria com toda uma gama de literatura específica produzida sobre o referido país na área da Antropologia.

A estrutura do texto está dividida em três partes. Na primeira, busco contextualizar o tipo de Islã e o sufismo vivenciado no país. Na segunda, traço as principais mudanças introduzidas pelo sufismo marroquino contemporâneo com base em duas perspectivas atuantes sobre os sujeitos: os projetos de cunho educacional e os artísticos. Enquanto o primeiro, visa o desenvolvimento espiritual de seus praticantes e simpatizantes, o segundo, encontra-se assentado na produção e divulgação de eventos / festivais de música sufi, o que tem provocado novas discussões sobre os limites entre “cultura/patrimônio” (thaqafa/turath) e “religião”7 7 Entendo o termo tal qual assumido por Asad (1993), que a definiu como uma categoria antropológica que tem por base um processo histórico e transcultural e de exercício do poder. (din). Na última parte, descrevo algumas situações sobre os usos do estilo da música Hamadsha pelos discípulos da Hamdouchiya, com foco nos dilemas impostos pelo processo da comoditização das tradições.

O contexto político-religioso e sufi marroquino

O Marrocos contemporâneo é marcado pela diversidade étnica e religiosa (Njoku 2006NJOKU, Raphael. (2006), Culture and customs of Morocco. Culture and customs of Africa. Westport: Greenwood Press.), e conta com uma população estimada em 36 milhões de habitantes. Em termos de etnicidade, a população marroquina é composta, em sua maioria, por árabes (69,5%) e berberes8 8 Esse grupo étnico já se encontrava no norte da África bem antes da ocupação árabe iniciada no século VII. (29,6%), além de imigrantes vindos dos demais países da África e da Europa, que totalizam um percentual de 0,9%. No campo da religiosidade, sua população é predominantemente associada ao Islã sunita9 9 Os sunitas formam o maior ramo do Islã (85% dos muçulmanos) em comparação com os xiitas, que possuem apenas 15% (Pinto 2010). (98,7%), além de conter uma minoria de judeus (0,2%) e de cristãos (1,1%).

O sufismo (tasawwuf), dentro da tradição religiosa do Islã, se define como a busca de uma experiência direta com Deus (Trimingham 1971TRIMINGHAM, John Spencer. (1971), The Sufi Orders in Islam. Oxford: Oxford University Press.). Essa meta é considerada expressão de um longo processo iniciático individual por um caminho ou via mística (tariqa), sob a orientação de um mestre (shaykh). No Marrocos, rituais místicos e cultos aos santos (túmulos e mausoléus de homens reconhecidos por suas capacidades miraculosas) formam uma linguagem comum para as comunidades sufis no país desde o século XII (Dalle 2007DALLE, Ignace. (2007), Maroc: Histoire, société, culture. Paris: La Découverte.).

Três vertentes constituem os pilares do sufismo marroquino: a Qadiriyya, fundada por Abd al-Qadir al-Jilani (1077-1166), no Iraque; a Shadhiliyya, fundada por Abu al-Hasan ash-Shadhili (1196-1258), no Marrocos e; a Tijaniyya, fundada por Abu al-‘Abbas Ahmad Ibn Mohammed at-Tijan (1737-1815), na Argélia. A partir das duas primeiras é possível observar uma multiplicação de outras ramificações no país, o que tornou complexo o quadro dessas instituições religiosas (Er Rachid 2003ER RACHID, Ben Rochd. (2003), Douze siècles de Soufisme au Maroc. Casablanca: Déchra.). A tariqa Hamdouchiya remonta ao ramo sufi da Shadhiliyya e as trajetórias de seus adeptos muitas vezes estão imbricadas com demais afiliações, como a Tijaniyya, Kettaniya e ‘Issawiya.

O sufismo possui importância simbólica na sociedade marroquina e gera uma multiplicidade de percepções quanto às suas concepções e formas devocionais. Diversos exemplos ao longo da história do país destacam a capacidade que algumas comunidades sufis tiveram para: estabelecer relações de poder a partir do sistema de dádiva / obrigação entre populações rurais (Rodriguez-Mañas 2000RODRIGUEZ-MAÑAS, Francisco. (2002), “Charity and Deceit: The Practice of the it’am al-ta’am in Moroccan Sufism”. Studia Islamica, nº 91: 59-90.); constituir acordos com o poder governante (sultão) no desenvolvimento de políticas locais (Munson Jr. 1993MUNSON JR., Henny. (1993), Religion and Power in Morocco. New Haven/London: Yale University Press.); criar ambientes de hospitalidade, ensino e propagação de ideias reformistas (Spillmann 1951SPILLMANN, George. (1951), Esquisse d’histoire religieuse du Maroc: confréries et zaouias. Paris, Peyronnet.); organizar movimentos anti ou pró-nacionalistas (Vidal 1950VIDAL, Federico. (1950), “Religious Brotherhoods in Moroccan Politics”. Middle East Journal, vol. 4, nº 4: 427-446.); instituir diálogos com os novos fluxos religiosos praticados por uma elite New Age (Haenni & Voix 2007HAENNI, Patrick; VOIX, Raphael. (2007), “God by all means. Eclectic Faith and Sufi Resurgence among the Moroccan Bourgeoisie”. In: J. Howell; M. Bruinessen (org.). Sufi and the ‘modern’ in Islam. New York: I. B. Tauris & Company.) e; promover atualmente uma imagem e discurso público de tolerância (Chih 2012CHIH, Rachida. (2012), “Sufism, Education and Politics in Contemporary Morocco”. Journal for Islamic Studies, vol. 32: 24-46.) frente ao terrorismo internacional.

A dinastia Alauíta reina sobre os territórios do país como uma forma de autoridade centralizada desde a segunda metade do século XVII (1664). Ela se transformou gradativamente até assumir o regime político atual, representado sob a forma de uma monarquia parlamentar. A influência da família real sobre os grupos sufis faz parte de uma lista de vantagens e controles concedidos e impostos sobre eles ao longo da história marroquina (Abitbol 2009ABITBOL, Michel. (2009), Histoire du Maroc. Paris: Perrin.). Nesse sentido, as comunidades sufis sempre dependeram exclusivamente dos canais de comunicação e redes de apoio das instituições do governo (Makhzen) para a promoção/exibição dos status adquiridos ou dos prestígios acumulados por eles, além dos modelos de criação, manutenção e difusão de práticas religiosas e, sobretudo, mais recentemente, das formas de religiosidades expressas no espaço público.

Desde os atentados de Casablanca (2003) e Marrakesh (2011), a monarquia tem procurado administrar, por meio de seu aparato policial e burocrático, as ações de grupos sufis visando a promoção de uma imagem “moderada e tolerante” do Islã frente aos demais países de maioria islâmica. O sufismo ganhou visibilidade mundial como uma alternativa para o que se denominou de “Islã Político”,10 10 O termo deve ser compreendido como uma corrente religiosa que quer fazer do Islã e do uso da Lei Islâmica (sharia) um modelo político alternativo à noção de democracia proveniente do “Ocidente” (Roy 1994). Apesar de existirem diferentes visões concorrentes no campo político-religioso, o que se define como Islã Político não constitui um movimento uniforme, pois os significados e as ações associados com cada uma de suas manifestações públicas têm variado de acordo com o contexto cultural elaborado (Pinto 2010). após os atentados de 2001, nos Estados Unidos (Mamdani 2004MAMDANI, Mahmmod. (2004), Good Muslim, Bad Muslim: America, the Cold War, and the Roots of Terror. New York: Pantheon.). Isso vislumbrou uma possibilidade de ressurgimento midiático dessas comunidades religiosas no Norte da África (Werenfels 2014WERENFELS, Isabelle. (2014), “Beyond authoritarian upgrading: the reemergence of Sufi orders in Maghrebi politics”. The Journal of North African Studies, vol. 19, nº 3: 275-295.). Os sufis têm buscado se consolidar no Marrocos a partir da divulgação de projetos educacionais e artísticos incentivados e patrocinados por Mohammed VI (Chih 2012CHIH, Rachida. (2012), “Sufism, Education and Politics in Contemporary Morocco”. Journal for Islamic Studies, vol. 32: 24-46.).

Após o fim das experiências coloniais envolvendo o protetorado franco-espanhol no Marrocos (1912-1956), os governos de Mohammed V (1956-1961), Hassan II (1961-1999) e Mohammed VI (1999-atual) formam as bases para compreender as dinâmicas do campo político-religioso11 11 Segundo Bourdieu (2005), a noção de campo serve como instrumento ao método relacional de análise das dominações e práticas específicas de determinado espaço social, ou seja, ela caracteriza a autonomia de certo domínio de concorrência e disputa interna. no país, ressaltado o papel da monarquia constitucional. É importante destacar que a monarquia não é apenas mais um agente social atuante na disputa pelo campo político-religioso. Ao contrário, ela forma o próprio campo onde essas disputas ocorrem (Tozy 1999TOZY, Mohammed. (1999), Monarchie et islam politique au Maroc. Paris: Presses de la Fondation nationale des sciences politiques.). A presença da monarquia na imprensa religiosa (Al Hani 2014AL HANI, Hafida. (2014), La presse écrite religieuse au Maroc de 1956 à 1991. Rabat: Dar Al Qalam.), na mídia e comunicação social (Mouhtadi 2008MOUHTADI, Najib. (2008), Pouvoir et communication au Maroc. Monarchie, médias et acteurs politiques (1956-1999). Paris: L’Harmattan .) e, até mesmo, nas eleições do país (Tozy 2010TOZY, Mohammed. (2010), Élections au Maroc: entre partis et notables (2007-2009). Casablanca: Najah Al Jadida.) é notória. Ela tem nas formas institucionais de administração do governo (Makhzen) sua estrutura social e conta também com o apoio de acadêmicos marroquinos para justificar a percepção de que a própria dinastia Alauíta teria a capacidade concreta de realizar a transição pacífica do Marrocos rumo à “modernidade” (Tahiri-Alaoui 2013TAHIRI-ALAOUI, Touhami. (2013), Une Monarchie militante. Foi, sagesse et courage. Mohammed V, Hassan II, Mohammed VI. Casablanca: Les Editions Maghrébines.).

Para manter essa estrutura, muitos autores afirmam a necessidade de compreender o sistema complexo de cooptação e clientelismo vigente no país ao longo do tempo (Waterbury 1975WATERBURY, John. (1975), Le Commandeur des croyants. La monarchie marocaine et son élite. Paris: Presses universitaires de France.). O rei é denominado oficialmente de “Comandante dos Crentes” (Amir al-Um’minin), título que o caracteriza como o defensor da nação e protetor do “Islã marroquino” (Darif 2010DARIF, Mohamd. (2010), Monarchie Marocaine et Acteurs Religieux. Casablanca: Afrique Orient.). Com isso, o monarca ganha um papel fundamental na organização do campo político-religioso e nas disposições das relações entre os agentes sociais que participam desses processos. É a partir dele que se determinam as distinções de status entre os grupos sociais e as exigências por legitimação de determinados grupos religiosos, como os sufis.

No caso do sufismo, personalidades ligadas às distintas tariqas ocupam cargos no governo, direta ou indiretamente, graças às suas relações políticas com a monarquia (Darif 2010DARIF, Mohamd. (2010), Monarchie Marocaine et Acteurs Religieux. Casablanca: Afrique Orient.). Em algumas situações, a conversão de intelectuais12 12 Esse tem sido os casos de Faouzi Skali (1953-), criador do Festival de Fez das Músicas Sacras do Mundo, e Ahmed Toufiq (1943-), ministro de Habous e Assuntos Islâmicos do Marrocos. ou artistas tem contribuído para o fortalecimento de um projeto de expansão das redes políticas dessas comunidades (Dalle 2007DALLE, Ignace. (2007), Maroc: Histoire, société, culture. Paris: La Découverte.). A tariqa Qadiriyya Boutchichiyya, por exemplo, é atualmente o grupo sufi com maior penetração política no governo de Mohammed VI, justamente pela projeção pública proveniente do legado de conhecimentos religiosos e de redes pessoais construídas por seu renovador, o mestre (shaykh) Sidi13 13 O termo Sidi, no Marrocos, tem um sentido de admiração e de respeito para a pessoa que o recebe. Para mulheres, usa-se o termo Lalla. Hamza al-Qadiri al-Boutchichi (1922-2016).

As transformações do sufismo marroquino contemporâneo: tradições (re)inventadas a partir do suporte da monarquia

O sufismo é caracterizado por valores, práticas rituais, doutrinas e instituições particulares e representam a principal manifestação de devoção mística14 14 Esses estados experienciais refletem a transformação do self/ego (nafs) pelos mecanismos disciplinares inscritos nos rituais e exercícios espirituais que compõem a via mística (Pinto 2010). no Islã. A cultura marroquina foi profundamente influenciada por ele, desde sua penetração no país ao longo do século XV. Atualmente, o papel do sufismo na educação e na política do Marrocos contemporâneo (Chih 2012CHIH, Rachida. (2012), “Sufism, Education and Politics in Contemporary Morocco”. Journal for Islamic Studies, vol. 32: 24-46.) vem ganhando contornos relevantes que expressam não somente o grau de organização desses grupos perante as instituições do governo, mas também refletem os usos atribuídos ao sufismo para a obtenção de vantagens junto a uma rede de privilégios, tal como acontece em outros contextos islâmicos, como no Egito (Gilsenan 1973GILSENAN, Michael. (1973), Saint and Sufi in Modern Egypt. London: Oxford University Press.) e na Síria (Pinto 2006PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. (2006), “Sufism and the Political Economy of Morality in Syria”. Interdisciplinary Journal of Middle Eastern Studies, vol. 15: 103-136.).

Podemos citar como exemplo o caso do shaykh Sidi Hamza. Desde que sucedeu o pai no controle da Qadiriyya Boutchichiyya na década de 1970, a tariqa entrou em uma nova fase de renascimento. As ideias dele foram difundidas amplamente entre estudantes de instituições religiosas tradicionais, como a Universidade Qarawiyyin de Fez e o Instituto Superior de Estudos Religiosos (Dar al-Hadith al-Hassaniyya) de Rabat. Posteriormente, esse círculo de influência obteve uma penetração maciça nos departamentos de estudos islâmicos espalhados do país, que haviam sido criados nos moldes das universidades seculares europeias, em 1979, para competir com as instituições tradicionais de aprendizado islâmico (Chih 2012CHIH, Rachida. (2012), “Sufism, Education and Politics in Contemporary Morocco”. Journal for Islamic Studies, vol. 32: 24-46.). Além disso, os centros rituais (zawiyas)15 15 O termo significa “canto”, em árabe, e é usado para designar o edifício que serve como um centro ritual para uma comunidade sufi. Também pode ser usado em referência à própria comunidade. No meu contexto etnográfico, esse espaço físico reúne discípulos sob a interação com determinadas autoridades tais como líderes (moqaddims), mestres musicais (ma’alems) e, mais recentemente, presidentes (ra’is). da tariqa se propagaram para todo o Marrocos durante a década de 1990, graças às redes de emigrantes marroquinos da Europa (Chih 2012; Dalle 2007DALLE, Ignace. (2007), Maroc: Histoire, société, culture. Paris: La Découverte.).

Como a maioria das ordens sufis, a Qadiriyya Boutchichiyya tem se tornado mais propensa à prática cotidiana do que à especulação mística. A tariqa faz uso constante de suas redes de apoio existentes na sociedade e fora dela para recrutar novos discípulos, sobretudo, em escolas e universidades, desde que Mohammed VI assumiu o trono. A organização de eventos públicos, conferências, seminários, concertos e festivais sufis, que enfatizam as dimensões éticas e sociais da religião islâmica, são apresentados como contraposição ao mundo materialista e individualista contemporâneo e como uma alternativa para a promoção de um espaço de ajuda mútua e desenvolvimento do “espírito de comunidade” (Chih 2012CHIH, Rachida. (2012), “Sufism, Education and Politics in Contemporary Morocco”. Journal for Islamic Studies, vol. 32: 24-46.). Um tema recorrente nos últimos encontros é o benefício advindo de uma educação espiritual (tarbiya al-sufiya) em paralelo ao ritmo da vida “moderna”. Na maioria das vezes, essas reuniões debatem questões envolvendo a unidade e a tolerância do Islã diante das demais expressões religiosas no país.

Embora não haja uma manifestação política explícita por parte dos líderes ou dos simpatizantes, a tariqa tem atuado publicamente a partir de várias intervenções e atos em defesa do Islã, mas também em pautas específicas mobilizadas pela monarquia. Hlaoua (2012HLAOUA, Aziz. (2012), “Maroc: la confrérie Boutchichiya. Ethnographie rituelle et politique”. In: Maroc: les enjeux du religieux dans une société en transition (Colloque). Festival de Fès des Musiques Sacrées du Monde.) afirma que os discípulos ligados à Qadiriyya Boutchichiyya posicionaram-se publicamente contrários às seguintes questões: a divulgação das charges do profeta Mohammed realizadas por um jornalista dinamarquês (2008); a operação israelense (Operação Chumbo Fundido) ocorrida na Faixa de Gaza (2009) e; ao “sim” à proposta de uma nova constituição encaminhada por Mohammed VI (2011) como meio de conter os avanços da Primavera Árabe (2010-2012) no país, além de serem a favor da legitimidade das reivindicações nacionais do Saara marroquino (2012), territórios ao sul ocupados em 1975 durante o governo de Hassan II.

Ao encontro desses posicionamentos, o governo procura estabelecer novas formas de relacionamento com esse tipo de cidadão (e crente), engajado em temáticas político-religiosas relacionadas à sociedade marroquina. Ele tem financiado, por exemplo, atividades de divulgação de projetos de cunho educacional de inúmeros grupos sufis pelo país. Novamente, a Qadiriyya Boutchichiyya é uma das mais beneficiadas. É o caso das edições do “Encontro Mundial de Sufismo”,16 16 A 14ª edição do evento, realizado em novembro de 2019, teve o seguinte tema: “Sufismo e desenvolvimento, a dimensão espiritual e a edificação do homem”. O comitê organizador de 2019 mais uma vez destacou o papel do sufismo no desenvolvimento das sociedades, ao enfatizar a importância primordial do desenvolvimento espiritual humano. Disponível em: https://lematin.ma/journal/2019/madagh-abrite-14e-rencontre-mondiale-soufisme/326041.html. Acesso em: 30/01/20. realizados uma vez por ano em Madagh (nordeste do Marrocos), onde se localiza o principal centro religioso do grupo (Salinas, 2016SALINAS, Lucía. (2016), “El sufismo en Marruecos: relaciones entre religión y política”. Claroscuro, año 15, vol. 15: 58-79.). Esses projetos educacionais não visam somente a constituição de um universo religioso que reproduz a sua própria ordem institucional. No caso da Qadiriyya Boutchichiyya, os elementos do mundo social comuns à tariqa, tais como refeições, canções, invocações, peregrinações e reuniões, visam transpor a própria noção de hierarquia interna deles (Hlaoua, 2015HLAOUA, Aziz. (2015), La production de l’ordre et de la hiérarchie dans une confrérie soufie contemporaine: étude de cas de la Zawiya Al-Qadiriya Al-Boutchichiya au Maroc. Paris: Thèse Doctorat en Sociologie, EHESS.) para outros espaços sociais, mobilizando e difundindo assim os valores do sufismo marroquino compatíveis com os pontos de vista da política oficial do governo (Makhzen).

Uma outra possibilidade para os sufis é a atuação em festivais de música patrocinados pela monarquia. Nesses eventos, estilos musicais como Gnaoua,17 17 Gênero musical associado à figura de Bilal ibn Rabah (580-642) ou Sidna Bilal, primeiro muezzin (anunciador dos momentos que antecedem as cinco orações diárias dos muçulmanos) escolhido pelo profeta Mohammed devido a qualidade estética associada à sua voz. Aissawa18 18 Gênero musical associado a tariqa ‘Issawiya, fundada na cidade de Meknes. Mohammed ben Issa (1465-1526) é conhecido como o “mestre perfeito” (shaykh al-Kamil). e Hamadsha19 19 Gênero musical associado a tariqa Hamdouchiyya, fundada na província de Merhasiyne (Meknes). Sidi ‘Ali ben Hamdouche (1666-1722) é reconhecido popularmente por meio de seus múltiplos milagres (karamat) atribuídos. têm encontrado um amplo espaço de visibilidade e apoio institucional (Witulski 2019WITULSKI, Christopher. (2019), Music and Religion of Morocco. New York: Routledge .). A ascensão recente desses estilos a partir de novas “formações estéticas” e “formas sensoriais” (Meyer 2019MEYER, Birgit. (2019), “De comunidades imaginadas a formações estéticas: mediações religiosas, formas sensórias e estilos de vínculo”. In: E. Giumbelli; J. Rickli; R. Toniol (org.). Como as coisas importam: uma abordagem material da religião - textos de Birgit Meyer. Porto Alegre: Editora da UFRGS.), isto é, a aisthesis como engajamento sensorial com um mundo que afina os sentidos, induz sentimentos e estrutura a percepção de uma forma seletiva e específica, contribui para o fenômeno de competição e / ou fusão musical20 20 Para uma apreciação dos caminhos adotados pela Gnaoua e Aissawa, ver: Majdouli (2007) e Nabti (2006). dos espaços mediáticos. Tal situação tem colocado o campo musical marroquino em constante negociação com os já consagrados modelos estéticos do país, seja a partir de temas populares ligados à poesia / canção malhun (Schuyler 2002SCHUYLER, Philip. (2002), “Malhun: Colloquial Song in Morocco”. In: V. Danielson; S. Marcus; D. Reynolds (ed.). The Garland Encyclopedia of Music (The Middle East, vol. 6). New York: Routledge.), seja por meio de conteúdos elitistas da música Andalus (Shannon 2015SHANNON, Jonathan. (2015), Performing al-Andalus: Music and Nostalgia across the Mediterranean. Bloomington/Indianapolis: Indiana University Press.; Witulski 2018; 2019).

O estilo musical Hamadsha geralmente era visto como a expressão de uma religiosidade popular islâmica, praticada por indivíduos economicamente desfavorecidos e sem instrução educacional (Witulski 2019WITULSKI, Christopher. (2019), Music and Religion of Morocco. New York: Routledge .). Contudo, o ingresso de práticas devocionais, até então reservadas aos locais de cultos, em novos espaços, como os festivais de música sufi, provocou transformações recentes nas zawiyas da Hamdouchiya.

A seguir, descrevo um panorama dos três locais que fizeram parte da minha pesquisa etnográfica no Marrocos: Safi, Essaouira e Fez.

A zawiya Hamdouchiya de Safi, fundada em meados do século XIX, possuía entre 15 e 25 adeptos e prestígio devocional compartilhado entre os demais locais de culto da tariqa no país. A razão do prestígio era o grau de engajamento individual dos devotos na recitação e leitura das tradições textuais (dhikrs 21 21 Invocações dos nomes e da presença de Deus (Allah). e qasidas 22 22 Recitações dos poemas relativos ao santo patrono de uma tariqa. ), além do estilo performático dos instrumentos musicais de sopro (ghitas)23 23 Também conhecido como zurna esse instrumento se assemelha a um oboé formado por uma peça de madeira vertical de 40 cm (geralmente extraída dos pés de damasco) e é dotado de oito orifícios para os dedos, além de um orifício extra através do qual o instrumentista sopra. durante as sessões rituais (hadras) praticadas pelos membros locais.

A imagem pública da zawiya de Safi, à época da pesquisa, era difundida por intermédio do estilo musical Hamadsha, centrada nas habilidades e performances de três indivíduos de uma mesma família. Nas hadras e / ou demais eventos (moussems)24 24 Literalmente, a palavra significa colheita. O termo moussem compreende o período de celebrações do nascimento do Profeta (mawlid al-nabawi) organizado no Marrocos, segundo o calendário oficial do Ministério de Habous e Assuntos Islâmicos. Uma vez por ano, esse ritual de peregrinação (ziyara) tem proporcionado o encontro de discípulos dos múltiplos locais de culto da Hamdouchiya rumo ao mausoléu de Sidi ‘Ali ben Hamdouche (província de Merhasiyne, Meknes). da zawiya, eles tocavam flautas (ghitas) e eram acompanhados pelos demais membros locais, que utilizavam as percussões usuais (harraz 25 25 Peça de cerâmica vertical de 60 cm e que tem uma abertura coberta e revestida por uma pele de carneiro de 20 cm de diâmetro. , ta’arija 26 26 Também conhecido como darbuqqa esse instrumento constitui-se em um tambor de terracota formado por uma peça de cerâmica vertical de 15 cm e que possui uma abertura coberta e revestida por uma pele de carneiro de 10 cm de diâmetro. e tbal 27 27 Tambor formado por uma peça de madeira vertical de 40 cm e que contém duas tiras de pele de carneiro de 40 cm de diâmetro esticada e amarrada com cordas em suas extremidades. Usam-se duas baquetas de madeira, de formatos distintos, para se extrair os sons provenientes de suas extremidades. ). Os referidos flautistas eram os responsáveis pela criação da reputação, inclusive fora do ambiente religioso, nas populações do sul do Marrocos, onde a Hamdouchiya possui zawiyas, como nas cidades de Al Jadida, Essaouira, Azemmour, El Kelaa des Sraghna, Demnate, Marrakech, Tamazt e Taroudant.

A zawiya Hamdouchiya de Essaouira, fundada na metade do século XX, possuía entre 20 e 40 adeptos e participava ativamente da vida religiosa e cultural da cidade. Além do Festival de Música do Mundo Gnaoua, patrocinado pela monarquia marroquina, era comum a presença de membros da zawiya em diversos eventos religiosos - como o Festival de Música Sama’,28 28 O evento se refere ao desempenho da audição ou a promoção do concerto espiritual (sama’). Ela consiste em performances em que as recitações dos dhikrs guiam o público a um estado contemplativo. financiado pela Associação Mogador-Essaouira - e culturais - como o Festival de Humor e de Música Popular, custeado por empresas imobiliárias e pela Prefeitura e Porto de Essaouira. Nesse sentido, a inserção das atividades rituais pela zawiya local era incipiente no processo de comoditização das tradições em curso por meio dos festivais de música sufi.

A participação da Hamdouchiya nos festivas citados era motivo de controvérsias entre os membros da zawiya de Essaouira, por incitar o debate sobre a organização e a exibição dos rituais sufis (dhikrs, qasidas e hadras) para um público externo, sob o rótulo de atividade cultural ou de valorização do patrimônio imaterial mediante um pagamento previamente acordado.

A antiga zawiya de Fez encontra-se fechada devido ao desabamento do espaço religioso, ocorrido no final dos anos de 1980. Os discípulos de Fez renovavam as ações rituais coletivas a partir da liderança do filho do antigo líder (moqaddim)29 29 Em termos práticos, o termo moqaddim indica a presença de indivíduos responsáveis pelas incumbências de zelar pelos espaços das zawiyas, assim como a de representá-las durante as suas festividades religiosas. da zawiya local. Abdelaziz,30 30 Por ser uma figura pública de Fez, optei por manter o nome original. Quanto aos demais, modifiquei os nomes dos interlocutores para preservar suas identidades. 45 anos, músico e atual moqaddim da ta’ifa 31 31 Compreendo o termo como um grupo de discípulos reunidos em torno de uma liderança (moqaddim). Isso se aproxima do sentido de organização atribuído por Trimingham (1971) sobre a existência de cultos associados ao poder que emanaria de um santo (wali) patrono. No meu contexto etnográfico, esses encontros eram realizados nas casas dos adeptos ou na casa dos próprios moqaddims. de Fez, era um dos principais expoentes e divulgadores da tariqa por efeito de aparições com outros adeptos em programas de televisão, rádio e internet, além de participar em diversos festivais de música sufi e de cultura32 32 Entre os interlocutores o termo era compreendido como um modo de entretenimento voltado a um público amplo (sufis e/ou não sufis) e que tem no dinheiro a sua principal razão motivadora, além de se constituir no único meio de sustento para quem a exerce. marroquina no país e no exterior.

A organização de uma ta’ifa, em vez da restauração da antiga zawiya em consequência da falta de recursos financeiros, possibilitou que Abdelaziz se tornasse mais flexível na elaboração e divulgação do seu trabalho como músico e discípulo célebre da Hamdouchiya. Graças à ta’ifa, ele não tinha obrigações com a manutenção da zawiya local, já que presidia uma comunidade móvel (ta’ifa) de discípulos, decidindo, inclusive, quem faria parte da rede pessoal dele como colaborador nos projetos musicais.

Ao longo das últimas três décadas, a cidade de Fez se consolidou como um importante polo turístico no país. Atualmente oferece aos moradores e visitantes diversos eventos culturais, como o Festival de Fez das Músicas Sacras do Mundo, realizado todos os anos no mês de junho.33 33 A diversidade de gêneros musicais religiosos presente no evento tem difundido a ideia de “sacralidade” na maioria de suas edições (Kapchan 2008).

O evento supramencionado foi criado em 1994, com o objetivo de restabelecer o imaginário de um passado áureo da cidade e, ainda estar em consonância com a administração do governo (Makhzen) de Mohammed VI e dar visibilidade pública ao sufismo como um meio de confrontação à intolerância34 34 No Marrocos, a ideia de “intolerância” se manifesta contra a estereotipação do Islã como uma religião contrária a determinadas formas culturais, por exemplo, a dimensão estética contida na música. religiosa dos “povos islâmicos no mundo”. Ademais, os organizadores do festival procuram propagá-lo como alternativa ao avanço do “Islã Político”, nos últimos anos, na sociedade marroquina. Tal projeto tem por intuito construir a imagem do Islã como símbolo de tolerância,35 35 No Marrocos, a ideia de tolerância se refere às narrativas nacionalistas de convivência das três religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) até a criação do Estado de Israel em 1948 e durante o processo de independência do Marrocos em 1956 (Assaraf 1997). moderação e respeito no país (Driss 2002DRISS, Karim Ben. (2002), Sidi Hamza al-Qadiri Boudchich. Le renouveau du soufisme au Maroc. Beyrouth: Milano: Albouraq - Arché.). A empreitada é patrocinada pelo monarca Alauíta, embora estivesse associada à figura de Lalla Salma - ex-princesa consorte do Marrocos, separada de Mohammed VI desde 2019. Além do mais, o surgimento de figuras como Faouzi Skali - um discípulo da Qadiriyya Boutchichiyya - tem produzido narrativas públicas e acadêmicas no tocante a capacidade da cidade conseguir imbricar a história do sufismo com o desenvolvimento do turismo local por intermédio das concepções e práticas sufis (Skali 2007SKALI, Faouzi. (2007), Saints et sanctuaires de Fès. Rabat: Marsam.) desenvolvidas ao longo dos séculos no país.

Dilemas impostos pela comoditização das tradições nos centros rituais da Hamdouchiya

Na zawiya de Safi, a recusa em participar de eventos culturais/artísticos ligados a música sufi patrocinados pelas agências governamentais era levado com veemência pela maioria dos discípulos. O “núcleo-base” de Safi, isto é, os adeptos que sustentavam a maioria das atividades rituais, estavam ligados ao “movimento de correção”36 36 Período caracterizado pela reintrodução do livro Dala’il al-Khayrat, de Mohammed Sulaiman al-Jazouli (m.1465), como leitura obrigatória entre todos. Esse livro é considerado como um manual devocional, que reúne as orações relacionadas ao Profeta. O “movimento de correção” também criou uma série de transformações no cotidiano sufi, tais como: a expulsão de membros que consumiam álcool ou drogas (haxixe) nas dependências da zawiya e a organização de um calendário de atividades rituais. Além disso, pode-se dizer que houve uma busca pelo desenvolvimento moral dos membros locais a partir dos ensinamentos das produções textuais herdadas (dhikrs e qasidas) da Hamdouchiya. implementado desde 2012 e creditavam certo desprezo sobre colaborar em tais atividades visando fins lucrativos. Para eles, as formas herdadas da Hamdouchiya estavam destinadas as devoções individuais dos membros e para fins de experiências religiosas coletivas como os moussems nos locais de culto da tariqa.

Entretanto, esse posicionamento nem sempre foi tão rígido assim. Digo isso porque precisamente nos anos de 2014 e 2015, algumas aparições públicas foram realizadas pelos discípulos de Safi em espetáculos de cunho cultural/artístico, recitais de poesias/canções populares (malhun) e demais apresentações envolvendo o estilo da música Hamadsha, segundo os interlocutores. Essas atividades inseridas dentro de uma programação organizada pela prefeitura local foram alvo de expressivos comentários internos, posto que elas marcavam as recentes conquistas do “movimento de correção” em reorganizar a zawiya e, também, introduziam a ocupação de novos espaços pelos adeptos em ambientes fora dos rotineiros locais de culto da Hamdouchiya.

A experiência de divulgação do legado imaterial (estilo da música Hamadsha) para um público tão diversificado foi classificada como pertinente por todos. Mesmo assim, após algumas aparições públicas, foi acordado entre os discípulos o desligamento da zawiya de Safi em espetáculos patrocinados pela prefeitura local. Na época, a alegação mais usual recaiu sobre a falta de tempo dos adeptos diante dessa nova empreitada, uma que vez que ela demandava uma maior dedicação por parte de seus envolvidos. Para outros membros, essas aparições públicas colocavam em risco, inclusive, todos os avanços introduzidos pelo “núcleo-base” de Safi desde que as novas diretrizes organizacionais da zawiya local puderam ser reafirmadas pelo “movimento de correção”.

Cabe destacar que essas chances de ingresso na cena cultural/artística de Safi não se encontravam completamente ausente entre os discípulos. A possibilidade de participação em tais espetáculos foi observada durante a realização do meu trabalho de campo, porém conduzida de forma diferenciada quanto à falta de tempo anteriormente citada pelos adeptos. A nova problemática envolvendo as apresentações do legado da tariqa se concentrava, entre os interlocutores, sobre o significado do montante de dinheiro adquirido, após a formalização em tais espetáculos públicos.

Nisso, os interlocutores eram categóricos em afirmarem o seu desejo em “expressar o melhor da Hamdouchiya” (práticas devocionais) e não apenas “representar o estilo da música Hamadsha” (estética sonora), diante de um público mediante um pagamento prévio. A expressão do estilo da música Hamadsha exigiria, segundo os interlocutores, a produção de um “tempo adequado” (temporalidade ligada as práticas devocionais) como maneira de garantir a exposição de suas formas herdadas. Isso seguia um caminho oposto da temporalidade imposta pelos festivais de música sufi cujas apresentações, muitas vezes, não passavam de trinta minutos devido a presença de outros estilos musicais nessas solenidades.

Essa preocupação com a dimensão temporal pelos adeptos de Safi refletia a questão estética do legado da tariqa definida em termos de “tradição”. Era isso o que os diferenciavam dos demais círculos de membros da Hamdouchiya e de outras tariqas devido ao fato, segundo os interlocutores, de muitas delas terem somente o intuito de lucrarem a partir dessas aparições públicas sem a qualquer problematização de seus conteúdos devocionais exibidos. Tais situações eram rotulados como pertencentes a ordem da “cultura” (thaqafa) marroquina já que possuíam um foco sobre a (re)produção do estilo da música Hamadsha pautada apenas em seus ritmos musicais (estética sonora), e não na produção dos estados religiosos (hals)37 37 Termo equivalente à experiência mística sufi. Ela é o resultado da mobilização pelos participantes de ferramentas conceituais e técnicas corporais adquiridas por meio de um processo de iniciação, o qual compreende ensinamentos morais e exercícios físicos feitos em parceria com os demais membros da Hamdouchiya. relacionados aos seus modos de vivência da musicalidade devocional.

Muitas dessas aparições públicas eram alvos de críticas não somente pelo caráter mercantil associado como uma atividade vilipendiosa por quem as praticavam, mas também colocavam a questão da autenticidade (asala) dessas performances por meio dos comentários dos interlocutores sobre a baixa qualidade do estilo da música Hamadsha apresentada em tais eventos. Sobre isso, a preocupação com a imagem pública da zawiya de Safi fora dos locais de culto e para um público diversificado (sufis e/ou não sufis) buscava a preservação de seu estilo musical centrado, sobretudo, nas habilidades e performances de seu mestre musical (ma’alem) em parceria com os demais adeptos. Mesmo que os discípulos de Safi não tivessem os festivais de música sufi como uma meta a ser alcançada ou como uma extensão da comunidade religiosa (zawiya), as questões sobre quanto a sua inserção e posicionamento diante das formas conduzidas por outros membros da Hamdouchiya não deixavam de ter importância tampouco as reduziam a comentários internos difusos e sem verberações nos demais locais de culto da tariqa.

Os membros de Essaouira se encontravam divididos quanto as suas participações iniciantes ligadas a eventos religiosos - como o Festival de Música Sama’, financiado pela Associação Mogador-Essaouira - e culturais - como o Festival de Humor e de Música Popular, recentemente custeado por empresas imobiliárias e pela Prefeitura e Porto de Essaouira. O estilo da música Hamadsha tinha sido o principal formato de “produto cultural” apresentado por um círculo de adeptos em troca de algum pagamento previamente acordado com os organizadores desses festivais. A ideia de poder exibir “o que há de melhor” (estética sonora) para um amplo público, a partir do legado imaterial local, era conduzida por meio da colaboração de alguns membros e contava com a atuação esquadrinhada pelo líder (moqaddim) da zawiya. Quanto a isso, essa figura de autoridade havia estabelecido uma série de diretrizes formais como uma forma de sistematizar as apresentações públicas das formas herdadas da tariqa.

Entretanto, conflitos envolvendo a condução dessas performances em momentos anteriores ou posteriores a organização desses festivais eram frequentes e registravam algumas motivações relevantes. Certa vez, em maio de 2017, durante um Festival de Música Sama’, uma discussão entre o moqaddim e um discípulo se irrompeu pelas ruas de Essaouira quando todos os participantes retornavam à zawiya. Tal conflito foi estabelecido pelos seguintes motivos: a baixa qualidade da vestimenta (djellaba)38 38 Vestuário religioso usual marroquino. Trata-se de uma peça unissex feita de algodão e que pode ter cores variadas. exibida pelo adepto durante a apresentação coletiva que, segundo o moqaddim, continha pequenos rasgos na altura do braço e; o tacanho ânimo exposto pelo mesmo adepto em conduzir sua performance musical por intermédio do tambor (ta’arija) utilizado. Questionado sobre a pertinência desses elementos, o moqaddim disse que ficou desapontamento diante de tais atitudes devido à falta de respeito do adepto diante do “tipo de trabalho” (atividade desenvolvida) que vinha sendo elaborado por todos na zawiya. Por “trabalho”, ele compreendia não somente a dedicação dos discípulos para a realização dessas aparições públicas mediante um pagamento, mas também a execução de “boas” performances em nome do patrimônio imaterial disponível.

O ingresso pelos membros de Essaouira em situações como essas evidenciava a construção de formas criativas, porém embrionárias, de inserção no contexto de valorização de patrimônios expandido para as demais tariqas do país. A participação e o prestígio imputado desses discípulos envolvidos em performances musicais conduziam a produção de novos modos de relacionamento com as formas herdadas de cada comunidade sufi, além do estabelecimento de conexões com múltiplos agentes sociais como as instituições públicas e setores privados responsáveis pela produção, circulação e difusão das atividades. Mais do que uma imposição, em decorrência desses estímulos disponíveis, essa perspectiva mercadológica proporcionava uma possibilidade concreta de acesso dessas comunidades sufis no espaço público marroquino, bem como no desenvolvimento de estratégias de visibilidade diante da variação de tradições possíveis de serem resgatadas, consolidadas ou, porque não dizer, constantemente (re)inventadas.

A construção de um calendário associado com essas aparições públicas na cidade também provocava algumas disputas entre os discípulos de Essaouira quando o assunto era a formação dos “núcleos esporádicos”, isto é, o conjunto dos membros que participariam desses eventos. O moqaddim local, a princípio, já havia selecionado previamente os adeptos que possuíam a disponibilidade de tempo e o empenho motivacional diante de suas diretrizes destinadas a padronizar as formas herdadas da tariqa há cerca de dois anos. Por “empenho”, também deve ser levado em consideração o grau das relações de alianças e do sistema de afinidades por meio das interações internas da zawiya. Por exemplo, determinado discípulo de nome Chafiq, um motorista de caminhão com 37 anos de idade, era muito requisitado pelo moqaddim devido a sua habilidade musical com a flauta (ghita). Porém, a sua atividade como entregador de alimentos para locais afastados de Essaouira, a cada 15 dias, o impedia de se envolver em algumas festividades devido as suas constantes viagens de trabalho. Mesmo com esses impedimentos, o moqaddim optava por não substituir Chafiq em detrimento de outros.

A participação de discípulos da zawiya de Essaouira em apresentações ligadas a outras tariqas da cidade também eram significativas. Um dos mestres musicais (ma’alems) locais, por exemplo, participava ativamente com um círculo de adeptos da Gnaoua em espetáculos nos Festivais de Música Sama’, financiado pela Associação Mogador-Essaouira em junho de 2017. Como as suas habilidades com as castanholas de metal (krakebs) - típicos da Gnaoua - eram reconhecidas entre os envolvidos, isso reforçava a constituição de redes pessoalizadas por esse indivíduo, ou seja, o estabelecimento de círculos de lealdade vinculados ao ma’alem por meio da formalização desses convites.

Nesse caso, a comoditização das tradições implicava em repensar a ampliação das formas devocionais da zawiya de Essaouira por meio de outros termos, já que as oportunidades de inclusão dessas formas herdadas da Hamdouchiya vinham sendo impactadas pela política de valorização dos patrimônios sufis da cidade. Essa estratégia de regate desses conteúdos se inseria perfeitamente no grau de consumismo turístico existente no país (El Asri & Vuillemenot 2010EL ASRI, Farid; VUILLEMENOT, Anne-Marie. (2010), “Le World Sufism: quand le soufisme entre en scène”. Social Compass, vol. 57, nº 4: 493-502.), onde Essaouira exemplificava essa situação perfeitamente nos últimos anos. Ademais, a organização desses eventos provocou uma série de novas preocupações entre os discípulos para conseguir conciliar suas atividades religiosas nos locais de culto ao mesmo tempo em que buscavam se adaptar as demandas provocadas pelo contexto de Essaouira.

A ta’ifa de Fez era a unidade de culto da Hamdouchiya que mais se aproveitava desse campo de mudanças quanto o assunto se tratava da exibição de um patrimônio imaterial sufi. Desde 2010, Abdelaziz (moqaddim) e outros adeptos conseguiram um espaço de divulgação midiático considerável no Marrocos, haja visto as exibições da ta’ifa de Fez em diversas ocasiões pelo canal marroquino 2M. Era comum, de tempos em tempos, a produção de conteúdos televisivos por parte dessa emissora para a disseminação do legado da cidade de Fez como a “capital espiritual” do país com a colaboração de Abdelaziz como narrador. Além disso, as exibições da audição ou a promoção do concerto espiritual (sama’) por meio da invocação dos nomes e da presença de Deus (dhikr) e, sobretudo, a comunicação do estilo da música Hamadsha, por parte do círculo de Abdelaziz, eram bastante aguardados por eles, especialmente durante o Sha’aban, mês que antecede o Ramadan.39 39 Esse período se refere ao início do nono mês no calendário islâmico. Durante esse intervalo temporal, os muçulmanos devem praticar o jejum (sawm) de alimentos, bebidas e relações sexuais, desde os primeiros minutos de luz solar até o pôr do sol (Pinto 2010).

A exposição midiática maciça pela ta’ifa de Fez proporcionava a participação deles em diversos festivais de música sufi no país, especial destaque para o festival de músicas sacras da própria cidade de Fez. Além disso, as apresentações em países como os Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Bélgica, Japão e Austrália marcavam uma posição de proeminência e de reconhecimento público do círculo de Abdelaziz com relação aos demais locais de culto da Hamdouchiya. A consolidação da figura de Abdelaziz o tornou conhecido como “embaixador” da tariqa, como me relatavam alguns descendentes do santo patrono habitantes da vila de Sidi ‘Ali (província de Merhasiyne, Meknes), com quem o moqaddim da ta’ifa de Fez mantinha fortes vínculos e relações políticas de longa data.

Algumas controvérsias eram produzidas entre os discípulos de outros locais de culto da Hamdouchiya quanto ao modo de condução das formas herdadas pela ta’ifa de Fez. A questão do excesso de publicidade desse legado se constituía em um tema complexo para alguns. Uma das interpretações recorrentes era a de que os meios midiáticos não poderiam dar conta de todas as dimensões existentes na exibição das formas devocionais diante de seus expectadores. Assim, mesmo que um público fosse organizado em um estúdio fechado como o que acontecia nos eventos televisivos, isso não garantiria a compreensão das melodias, ritmos e harmonias musicais necessárias para a (re)produção do estilo da música Hamadsha visto o curto espaço de tempo disponível nessas apresentações. Alguns membros da Hamdouchiya resumiam essa questão dizendo que a maneira como esses programas midiáticos lidavam com as tariqas convidadas eram “vulgares”, pois muitos apresentadores deixavam transparecer o seu total desconhecido sobre os conteúdos devocionais exibidos. No final, todas essas narrativas apelavam para o reconhecimento de que haveria algo que pudesse contribuir para a “perda” da autenticidade (asala) das formas devocionais da Hamdouchiya.

Cabe salientar que, apesar desses impasses, os mesmos interlocutores admitiam os esforços de Abdelaziz quanto ao respeito das formas devocionais da tariqa na execução de notáveis performances da música Hamadsha. Por “notáveis”, eram compreendidas as sequências dos ritmos, os cantos e as métricas mobilizadas por ele durante as apresentações. As habilidades desse moqaddim em recitar os poemas (qasidas) e de tocar o alaúde de três cordas (guembri) eram frequentemente reconhecidas, o que também acabava se estendendo para as performances de seus discípulos por meio da condução dos tambores (harraz e ta’arija). Nesse sentido, a exibição de algo significativo, por exemplo, a qualidade performativa dos instrumentos associados ao patrimônio imaterial era um dado relevante, mesmo que as condições que garantiriam a “reprodutibilidade técnica”40 40 Esse caráter de reprodutibilidade técnica impõe questões sobre a “unicidade”, “singularidade”, ou melhor dizendo, a autenticidade (asala) do estilo da música Hamadsha. (Benjamin 1985BENJAMIN, Walter. (1985), “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: W. Benjamin. Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense.) das formas devocionais pelos adeptos não pudessem ser atendidas em virtude das limitações já ponderadas pelos interlocutores anteriormente.

O destino do dinheiro arrecadado nas aparições públicas da ta’ifa de Fez também era alvo de polêmicas entre os discípulos de outros locais de culto da Hamdouchiya. Alguns descendentes do santo patrono (sharifs) reclamavam que não recebiam nenhuma quantia desse montante, uma vez que alegavam que parte do legado musical da tariqa pertenciam a eles. Outros adeptos criticavam a concentração das atividades midiáticas, por parte do círculo de Abdelaziz, em detrimento da recusa pelo moqaddim de Fez em não querer bancar a reconstrução da zawiya local, fechada desde o final dos anos de 1980. Entretanto, havia também aqueles que defendiam o melhor uso do dinheiro por Abdelaziz desde que ele mantivesse a divulgação das formas herdadas por meio da qualidade performativa dos instrumentos associados ao patrimônio imaterial da tariqa.

A exposição pública amplificada pela ta’ifa de Fez trazia à tona uma quantidade de novos aspectos conectados com as maneiras de se lidar com o legado imaterial da Hamdouchiya. Esse contexto atual, em que é possível desenvolver a comoditização das tradições, estava intimamente imbricado com a difusão dos meios de comunicação disponíveis (televisão, rádio, internet e imprensa). Contudo, o aumento do interesse pelo sufismo no Marrocos como divulgador de uma mensagem positiva sobre o tipo de Islã vivenciado no país também contribuiu para que discursos de legitimidade sobre os seus conteúdos devocionais pudessem encontrar ressonância entre os discípulos e, de certa forma, na sociedade em geral.

Os debates apresentados a partir dos três locais de culto da Hamdouchiya citados no texto, Safi, Essaouira e Fez, sinalizavam a existência de uma “estética da autenticidade” (Shannon 2006SHANNON, Jonathan. (2006), Among the jasmine tree: music and modernity in contemporary Syria. Middletown: Wesleyan University Press.). Muitas das formas devocionais da Hamdouchiya, antes definidas a partir do rótulo de “folclore” (fulklur), especialmente durante o processo colonial do país (Aubin 1906AUBIN, Eugène. (1906), Morocco of Today. New York: E. P. Dutton.), hoje reaparecem sob o amparo da noção de “cultura” (thaqafa) e de “patrimônio” (turath), como uma forma de garantir o discurso de modernidade no Marrocos contemporâneo. Aliás, “tradição” e “modernidade” são palavras-chave (Darif 2010DARIF, Mohamd. (2010), Monarchie Marocaine et Acteurs Religieux. Casablanca: Afrique Orient.) e faces da mesma moeda, usadas recorrentemente como instrumento de ação retórica desde o governo de Hassan II e que continua com Mohammed VI. Desse modo, diferente dos debates sobre os limites entre sacralidade e secularismo já verificados em outros contextos islâmicos (Hirschkind 2006HIRSCHKIND, Charles. (2006), The Ethical Soundscape: Cassette Sermons and Islamic Counterpublics. New York: Columbia University Press.; Shannon 2006), a permeabilidade dos limites entre performances devocionais e culturais era o que pautava a maioria das proposições dos discípulos da tariqa.

Considerações finais

A comoditização da cultura tem sido um tema recorrente a partir dos impactos provocados pelo turismo globalizado em distintos contextos etnográficos (Scarduelli 2005SCARDUELLI, Pietro. (2005), “Dynamics of Cultural Change among the Toraja of Sulawesi. The Commoditization of Tradition”. Anthropos, vol. 100, nº. 2: 389-400.). O processo de comoditização do patrimônio imaterial, representado pelo estilo da música Hamadsha no contexto marroquino contemporâneo, expressa uma dessas múltiplas facetas de instrumentalização dominante das formas estéticas. Uma consequência direta desse processo tem sido verificada pelo movimento de (re)invenção dos locais de culto conduzidos pelos discípulos da tariqa Hamdouchiya. A constante atualização do passado pelos adeptos dos centros rituais (zawiyas/ta’ifa) decorre muito mais das transformações impostas pela lógica da organização dos festivais de música sufi do que por meio do resgate de um passado idealizado sobre essas mesmas formas utilizadas.

A comoditização tem sido um termo usado pelos antropólogos para descrever tanto as características sociais de circulação de mercadorias quanto os processos históricos abstratos de expansão das relações de mercado. Se a mercadoria resume “qualquer coisa destinada à troca” (Appadurai 2008APPADURAI, Arjun. (2008), “Introdução: mercadorias e a política de valor”. In: A. Appadurai. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EDUFF.:22), o processo de comoditização, sob o estilo da música Hamadsha, promove significativas consequências para os locais de culto, tais como: a negociação dos termos da participação local, desde que não se fira o princípio de devoção à “tradição”, constantemente difundida pela zawiya de Safi; a inserção no circuito de festivais locais, via a (re)organização das atividades devocionais, por parte da zawiya de Essaouira e; a manutenção/obtenção de prestígio por parte dos membros da ta’ifa de Fez. Cabe salientar que tais movimentos de reificação, substantivação, externalização e essencialização denotam verdadeiros processos de criatividade cultural por meio de seus sujeitos atuantes (Handler & Linnekin 1984HANDLER, Richard & LINNEKIN, Jocelyn. (1984), “Tradition, Genuine or Spurious”. Journal of American Folklore, vol. 97, nº 385: 273-90.).

Em vez de decidir se as criações humanas específicas merecem ser consideradas originais, autênticas ou únicas (Sapir 1924SAPIR, Edward. (1924), “Culture, Genuine and Spurious”. American Journal of Sociology, vol. 29, nº 4: 401-429.), os antropólogos têm geralmente se debruçado em um nível meta, estudando os contextos sociais de tais reivindicações (Lindholm 2008LINDHOLM, Charles. (2008), Culture and Authenticity. Oxford: Blackwell.). O contexto marroquino se relaciona com os processos igualmente presentes em outras situações etnográficas, como a transformação da economia local (Scarduelli 2005SCARDUELLI, Pietro. (2005), “Dynamics of Cultural Change among the Toraja of Sulawesi. The Commoditization of Tradition”. Anthropos, vol. 100, nº. 2: 389-400.), especialmente representado aqui pela ta’ifa de Fez; a encenação da autenticidade (Scarduelli 2005); a reinterpretação e negociação de significados (Kalshoven 2018KALSHOVEN, Petra. (2018), “Cultural Authenticity”. In: H. Callan (ed.). The International Encyclopedia of Anthropology. New Jersey: John Wiley & Sons.) e; a transformação/destruição da cultura local (Greenwood 1977GREENWOOD, Davydd. (1977), “Culture by the Pound: An Anthropological Perspective on Tourism as Cultural Commoditization”. In: V. Smith (ed.). Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.). Sobre esse último ponto, ao contrário do argumento da destruição, a comoditização do estilo da música Hamadsha em festivais de música sufi alterou, em parte, todo um campo de significados que diz respeito à vida devocional dos discípulos.

A questão da publicização das formas referentes ao patrimônio imaterial da Hamdouchiya permite que se focalize a análise para além da produção de uma identidade musical (alteridade diante do mundo) em relação às demais tariqas, que também buscam se inserir na lógica de comoditização das tradições. A construção de uma reflexividade (ação no mundo) por parte dos interlocutores promove a negociação prática quanto aos usos e sentidos atribuídos aos elementos devocionais sufis que são mobilizados por eles, mesmo que eles ocupem uma posição marginal e relativamente impotente diante de outros grupos.

A música Gnaoua, por exemplo, tem se mostrado eficiente quanto à sua política de visibilidade pública, do ponto de vista da performance-audiência, com base em três “narrativas de autenticidade” (Witulski 2018WITULSKI, Christopher. (2018), The Gnawa Lions: Authenticity and Opportunity in Moroccan Ritual Music. Indiana: Indiana University Press.). A primeira, procura exibir a linhagem do grupo a partir da ideia de um patrimônio africano compartilhado com o Marrocos. A segunda, busca reafirmar o valor do grupo enquanto promotor de uma devoção sufi específica. A última, preconiza o desenvolvimento de performances musicais centradas nas ideias de “realização/sucesso comercial” e de “presença de palco”, ou seja, práticas que almejam status e prestígio.

O contexto estético dos festivais de música sufi no Marrocos tem exibido processos de comoditização alicerçados em alguns eixos básicos. Primeiramente, procura-se reconhecer a transformação dos commodities sufis em termos “culturais” (Witulski 2018WITULSKI, Christopher. (2018), The Gnawa Lions: Authenticity and Opportunity in Moroccan Ritual Music. Indiana: Indiana University Press.; 2019). Todos os interlocutores da Hamdouchiya estavam de acordo quanto ao novo momento suscetível para a renovação dos elementos devocionais disponíveis entre eles. Em seguida, identifica-se a comoditização do patrimônio imaterial fundamentado na conceituação estática do sufismo, tal como os interlocutores de Safi a criticavam, mas que os de Essaouira e de Fez não viam problemas quanto ao seu uso. Em terceiro, admite-se a presença do consumo cultural/patrimonial sufi com base na noção de um misticismo atuante, caracterizado, sobretudo, pelo aproveitamento do turismo no país (El Asri & Vuillemenot 2010). Quanto a esse item, a ta’ifa de Fez possuía uma posição privilegiada frente aos demais centros rituais da Hamdouchiya devido às suas conexões de longa data com o Festival de Fez das Músicas Sacras do Mundo.

Algumas situações são importantes para compreender a dinâmica desses processos. Em primeiro lugar, cabe reforçar o uso do sufismo marroquino promovido pelas instituições governamentais. A instrumentalização política da autenticidade é enfatizada quando o Makhzen sugere que os elementos constitutivos das “tradições” sufis podem ser vistas como um tipo de ideal, altamente valorizado e mobilizados por indivíduos e grupos como parte do “Islã marroquino”. Alternativamente a isso, soma-se que “a autenticidade é frequentemente algo estrategicamente invocado como marcador de status ou método de controle social” (Vannini & Williams 2009VANNINI, Phillip; WILLIAMS, Patrick. (2009), Authenticity in Culture, Self, and Society. Farnham: Ashgate.:3). Isso pode ser exemplificado tendo por base a tariqa Qadiriyya Boutchichiyya. Ela alcança visibilidade nos debates públicos da sociedade marroquina, ao mesmo tempo em que se submete às diretrizes implementadas pela monarquia. Já a Hamdouchiya, ela é instrumentalizada em parte, justamente por negociar seus limites de inserção nas esferas de poder - representado aqui pela lógica de organização dos festivais -, o que lhes garante ainda a autonomia perante o governo.

No entanto, destaca-se como consequência direta desse movimento a diferenciação entre os centros rituais da Hamdouchiya no tocante às suas participações nos eventos em troca de pagamentos. Para a zawiya de Safi, a única possibilidade existente era a transformação desses cachês em uma ajuda de custeio ou de complemento financeiro no auxílio das atividades do dia a dia, opondo-se radicalmente a qualquer utilização para fins pessoais. Em Essaouira, parte desses esquemas causavam tensões recorrentes no cotidiano da zawiya, visto as ações de seletividade na organização das apresentações por parte das autoridades locais (moqaddim e ma’alems). Já em Fez, a questão do recebimento de dinheiro acabava por refletir o grau de inserção dos seus membros no cenário musical da cidade. Decerto, apenas Abdelaziz adquiria o reconhecimento individual no mercado industrial do país voltado para a comoditização da música sufi, como já acontecia entre os adeptos da Gnaoua (Witulski 2018WITULSKI, Christopher. (2018), The Gnawa Lions: Authenticity and Opportunity in Moroccan Ritual Music. Indiana: Indiana University Press.).

Deve-se pontuar ainda a importância da mídia marroquina na difusão do contexto musical sufi para o restante da população. O papel desenvolvido por ela permite indicar que as linhas entre gosto musical, entretenimento e devoção religiosa são perenes (Witulski 2019WITULSKI, Christopher. (2019), Music and Religion of Morocco. New York: Routledge .), uma vez que as performances e audiências se encontram contrastadas na definição do que seria “autêntico” (asil). Os caminhos percorridos pela Hamdouchiya buscam se atrelar justamente às formas estéticas disponibilizadas e mobilizadas pelo contexto marroquino como meio de delimitar as suas esferas de atuação. Ademais, os sentidos dados a autenticidade criavam uma série de expectativas assim como guiavam boa parte das ações dos interlocutores.

O governo e os marroquinos transitam pelas narrativas da “migração global da cultura” (Appadurai 1996APPADURAI, Arjun. (1996), Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press.) mediadas pelos limites entre autenticidades musicais, culturais e religiosas (Witulski 2018WITULSKI, Christopher. (2018), The Gnawa Lions: Authenticity and Opportunity in Moroccan Ritual Music. Indiana: Indiana University Press.). As novas formas criativas de inserção sufi desenvolvidas pela Hamdouchiya indicam o potencial reflexivo do grupo com base nos patrimônios imateriais mobilizados. Isso significa não apenas a capacidade dos sujeitos de criarem representações de como desejam ser visto, mas também, de maneira mais desafiadora, indica o papel da reflexividade deles “no sentido de abrir possibilidades de questionamento e reflexão sobre a natureza dessas próprias representações e, portanto, sobre a relação entre passado e presente, e de fato passado, presente e futuro” (MacDonald 2018MACDONALD, Sharon. (2018), “Heritage”. In: H. Callan (ed.). The International Encyclopedia of Anthropology . New Jersey: John Wiley & Sons .:10). No final, mesmo que isso ainda não se concretize em mobilidade social para os interlocutores, como ocorre com os grupos sufis marginalizados (Witulski 2018), a maneira pela qual essas dinâmicas são conduzidas leva em conta as negociações práticas envolvidas localmente, por onde a maioria desses fluxos são materializados.

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  • 1
    No contexto etnográfico analisado, o termo compreende tanto o processo iniciático individual por um caminho ou via mística (tariqa) quanto à forma organizacional religiosa (filiação) constituída por meio de uma tradição (Asad 1986ASAD, Talal. (1986), The Idea of an Anthropology of Islam. Washington, D.C, Center for Contemporary Arab Studies: Georgetown University. ), que tem como base a vida e obra de um santo patrono. Nessa perspectiva, a tariqa é vista como um caminho de santidade, um caminho “vertical” que une o discípulo ao mestre (ao santo como no caso descrito) e, além disso, ao Profeta (Geoffroy 2015GEOFFROY, Eric. (2015), Le soufisme: Histoire, fondements, pratique. Paris: Eyrolles.).
  • 2
    Acrescentarei um “s” no final dos termos em árabe para indicar o seu plural.
  • 3
    Entendo o termo tal qual assumido por Asad (1986) como discursos que visam instruir os praticantes a respeito do propósito e da forma correta de determinada prática que, precisamente porque foi estabelecida, tem uma história.
  • 4
    Durante a realização do trabalho de campo, pude presenciar diversos eventos e festivais de música sufi que contavam com o suporte do Ministério de Cultura e de Comunicação do país. Muitos dos interlocutores da Hamdouchiya organizavam dossiês nessa instituição com a finalidade de submeter projetos visando auxílio financeiro, seja para a reforma dos centros devocionais da Hamdouchiya (zawiyas), por meio da ideia de preservar o “patrimônio” (turath), seja para a realização de festivais, justificada pelo rótulo de “cultura” (thaqafa).
  • 5
    Latour (1994LATOUR, Bruno. (1994), Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora. 34.) descreveu a história ideológica do desenvolvimento da “razão ocidental” por meio da crítica de seu efeito ilusório. O autor afirma que esse ideal jamais chegou a penetrar, nem mesmo na totalidade, o que se convencionou a definir como “Ocidente”. Nesse sentido, compreendo operacionalmente a Modernidade como um discurso / projeto que objetiva institucionalizar vários princípios, às vezes, conflitantes e frequentemente em transformação (Asad 2003ASAD, Talal. (2003), Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford: Stanford University Press.).
  • 6
    Nesse caso, refiro-me aqui apenas aos dados construídos a partir da interação com os discípulos da tariqa Hamdouchiya. A inclusão de dados sobre as concepções e agências dos organizadores dos festivais ou demais agentes ligados às instituições governamentais locais, responsáveis pela criação, manutenção e difusão de tais atividades enquanto produtoras de sentidos, torna-se fundamental para uma análise de como esses “profissionais de marketing contribuem coletivamente para a semiose [processo de significação e produção de significados] sistêmica dos objetos como mercadorias [no caso, o estilo da música Hamadsha], em vez de meros objetos” (Applbaum 2000APPLBAUM, Kalman. (2000), “Marketing and commoditization”. Social Analysis: The International Journal of Social and Cultural Practice, vol. 44, nº 2: 106-128.:110). Desde a pesquisa de mestrado (Bartel, 2013BARTEL, Bruno Ferraz. (2013), A ambiguidade do sagrado: o culto a Aisha Qandisha na vila de Sidi ‘Ali, Marrocos. 2013. 184 f. Niterói: Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Federal Fluminense , Niterói.; 2016BARTEL, Bruno Ferraz. (2016), Representação, peregrinação, sacrifício e possessão no culto à Aisha Qandisha. Rio de Janeiro: Autografia.) realizada no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF), pude ampliar meu domínio da variante da língua árabe falada no Marrocos (darija), especialmente no desenvolvimento da leitura, já que eu ainda possuía dificuldade para manter longas conversas no idioma. Entender o árabe marroquino era importante para precisar o vocabulário presentes nas tradições textuais e doutrinárias e também nos rituais. Os dados aqui apresentados ampliam as discussões contidas na pesquisa de doutorado (Bartel, 2019BARTEL, Bruno Ferraz. (2019), Criações devocionais no sufismo marroquino: performance e ritual entre os discípulos da tariqa Hamdouchiya. 2019. 246 f. Niterói: Tese de Doutorado em Antropologia, Universidade Federal Fluminense.) realizada também no âmbito do PPGA/UFF. O trabalho de campo de 13 meses (janeiro/2015 e outubro/2016 a setembro/2017) contou com dois auxílios financeiros em momentos distintos: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 7
    Entendo o termo tal qual assumido por Asad (1993ASAD, Talal. (1993), Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), que a definiu como uma categoria antropológica que tem por base um processo histórico e transcultural e de exercício do poder.
  • 8
    Esse grupo étnico já se encontrava no norte da África bem antes da ocupação árabe iniciada no século VII.
  • 9
    Os sunitas formam o maior ramo do Islã (85% dos muçulmanos) em comparação com os xiitas, que possuem apenas 15% (Pinto 2010).
  • 10
    O termo deve ser compreendido como uma corrente religiosa que quer fazer do Islã e do uso da Lei Islâmica (sharia) um modelo político alternativo à noção de democracia proveniente do “Ocidente” (Roy 1994ROY, Olivier. (1994), The Failure of Political Islam. Cambridge: Harvard University Press.). Apesar de existirem diferentes visões concorrentes no campo político-religioso, o que se define como Islã Político não constitui um movimento uniforme, pois os significados e as ações associados com cada uma de suas manifestações públicas têm variado de acordo com o contexto cultural elaborado (Pinto 2010).
  • 11
    Segundo Bourdieu (2005BOURDIEU, Pierre. (2005), “Gênese e Estrutura do Campo Religioso”. In: P. Bourdieu. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva.), a noção de campo serve como instrumento ao método relacional de análise das dominações e práticas específicas de determinado espaço social, ou seja, ela caracteriza a autonomia de certo domínio de concorrência e disputa interna.
  • 12
    Esse tem sido os casos de Faouzi Skali (1953-), criador do Festival de Fez das Músicas Sacras do Mundo, e Ahmed Toufiq (1943-), ministro de Habous e Assuntos Islâmicos do Marrocos.
  • 13
    O termo Sidi, no Marrocos, tem um sentido de admiração e de respeito para a pessoa que o recebe. Para mulheres, usa-se o termo Lalla.
  • 14
    Esses estados experienciais refletem a transformação do self/ego (nafs) pelos mecanismos disciplinares inscritos nos rituais e exercícios espirituais que compõem a via mística (Pinto 2010).
  • 15
    O termo significa “canto”, em árabe, e é usado para designar o edifício que serve como um centro ritual para uma comunidade sufi. Também pode ser usado em referência à própria comunidade. No meu contexto etnográfico, esse espaço físico reúne discípulos sob a interação com determinadas autoridades tais como líderes (moqaddims), mestres musicais (ma’alems) e, mais recentemente, presidentes (ra’is).
  • 16
    A 14ª edição do evento, realizado em novembro de 2019, teve o seguinte tema: “Sufismo e desenvolvimento, a dimensão espiritual e a edificação do homem”. O comitê organizador de 2019 mais uma vez destacou o papel do sufismo no desenvolvimento das sociedades, ao enfatizar a importância primordial do desenvolvimento espiritual humano. Disponível em: https://lematin.ma/journal/2019/madagh-abrite-14e-rencontre-mondiale-soufisme/326041.html. Acesso em: 30/01/20.
  • 17
    Gênero musical associado à figura de Bilal ibn Rabah (580-642) ou Sidna Bilal, primeiro muezzin (anunciador dos momentos que antecedem as cinco orações diárias dos muçulmanos) escolhido pelo profeta Mohammed devido a qualidade estética associada à sua voz.
  • 18
    Gênero musical associado a tariqa ‘Issawiya, fundada na cidade de Meknes. Mohammed ben Issa (1465-1526) é conhecido como o “mestre perfeito” (shaykh al-Kamil).
  • 19
    Gênero musical associado a tariqa Hamdouchiyya, fundada na província de Merhasiyne (Meknes). Sidi ‘Ali ben Hamdouche (1666-1722) é reconhecido popularmente por meio de seus múltiplos milagres (karamat) atribuídos.
  • 20
    Para uma apreciação dos caminhos adotados pela Gnaoua e Aissawa, ver: Majdouli (2007MAJDOULI, Zineb. (2007), Trajectoires des musiciens Gnawa: approche ethnographique des cérémonies domestiques et des festivals de musiques du monde. Paris: L’Harmattan.) e Nabti (2006NABTI, Mehdi. (2006), “Soufisme, métissage culturel et commerce du sacré. Les Aïssâwa marocains dans la modernité”. Insaniyat, nº 32-33: 173-195. ).
  • 21
    Invocações dos nomes e da presença de Deus (Allah).
  • 22
    Recitações dos poemas relativos ao santo patrono de uma tariqa.
  • 23
    Também conhecido como zurna esse instrumento se assemelha a um oboé formado por uma peça de madeira vertical de 40 cm (geralmente extraída dos pés de damasco) e é dotado de oito orifícios para os dedos, além de um orifício extra através do qual o instrumentista sopra.
  • 24
    Literalmente, a palavra significa colheita. O termo moussem compreende o período de celebrações do nascimento do Profeta (mawlid al-nabawi) organizado no Marrocos, segundo o calendário oficial do Ministério de Habous e Assuntos Islâmicos. Uma vez por ano, esse ritual de peregrinação (ziyara) tem proporcionado o encontro de discípulos dos múltiplos locais de culto da Hamdouchiya rumo ao mausoléu de Sidi ‘Ali ben Hamdouche (província de Merhasiyne, Meknes).
  • 25
    Peça de cerâmica vertical de 60 cm e que tem uma abertura coberta e revestida por uma pele de carneiro de 20 cm de diâmetro.
  • 26
    Também conhecido como darbuqqa esse instrumento constitui-se em um tambor de terracota formado por uma peça de cerâmica vertical de 15 cm e que possui uma abertura coberta e revestida por uma pele de carneiro de 10 cm de diâmetro.
  • 27
    Tambor formado por uma peça de madeira vertical de 40 cm e que contém duas tiras de pele de carneiro de 40 cm de diâmetro esticada e amarrada com cordas em suas extremidades. Usam-se duas baquetas de madeira, de formatos distintos, para se extrair os sons provenientes de suas extremidades.
  • 28
    O evento se refere ao desempenho da audição ou a promoção do concerto espiritual (sama’). Ela consiste em performances em que as recitações dos dhikrs guiam o público a um estado contemplativo.
  • 29
    Em termos práticos, o termo moqaddim indica a presença de indivíduos responsáveis pelas incumbências de zelar pelos espaços das zawiyas, assim como a de representá-las durante as suas festividades religiosas.
  • 30
    Por ser uma figura pública de Fez, optei por manter o nome original. Quanto aos demais, modifiquei os nomes dos interlocutores para preservar suas identidades.
  • 31
    Compreendo o termo como um grupo de discípulos reunidos em torno de uma liderança (moqaddim). Isso se aproxima do sentido de organização atribuído por Trimingham (1971) sobre a existência de cultos associados ao poder que emanaria de um santo (wali) patrono. No meu contexto etnográfico, esses encontros eram realizados nas casas dos adeptos ou na casa dos próprios moqaddims.
  • 32
    Entre os interlocutores o termo era compreendido como um modo de entretenimento voltado a um público amplo (sufis e/ou não sufis) e que tem no dinheiro a sua principal razão motivadora, além de se constituir no único meio de sustento para quem a exerce.
  • 33
    A diversidade de gêneros musicais religiosos presente no evento tem difundido a ideia de “sacralidade” na maioria de suas edições (Kapchan 2008KAPCHAN, Deborah. (2008), “The Promise of Sonic Translation: Performing the Festive Sacred in Morocco”. American Anthropologist, vol. 110, nº 4: 467-483.).
  • 34
    No Marrocos, a ideia de “intolerância” se manifesta contra a estereotipação do Islã como uma religião contrária a determinadas formas culturais, por exemplo, a dimensão estética contida na música.
  • 35
    No Marrocos, a ideia de tolerância se refere às narrativas nacionalistas de convivência das três religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) até a criação do Estado de Israel em 1948 e durante o processo de independência do Marrocos em 1956 (Assaraf 1997ASSARAF, Robert. (1997), Mohammed V et les Juifs du Maroc à l'époque de Vichy. Paris: Plon.).
  • 36
    Período caracterizado pela reintrodução do livro Dala’il al-Khayrat, de Mohammed Sulaiman al-Jazouli (m.1465), como leitura obrigatória entre todos. Esse livro é considerado como um manual devocional, que reúne as orações relacionadas ao Profeta. O “movimento de correção” também criou uma série de transformações no cotidiano sufi, tais como: a expulsão de membros que consumiam álcool ou drogas (haxixe) nas dependências da zawiya e a organização de um calendário de atividades rituais. Além disso, pode-se dizer que houve uma busca pelo desenvolvimento moral dos membros locais a partir dos ensinamentos das produções textuais herdadas (dhikrs e qasidas) da Hamdouchiya.
  • 37
    Termo equivalente à experiência mística sufi. Ela é o resultado da mobilização pelos participantes de ferramentas conceituais e técnicas corporais adquiridas por meio de um processo de iniciação, o qual compreende ensinamentos morais e exercícios físicos feitos em parceria com os demais membros da Hamdouchiya.
  • 38
    Vestuário religioso usual marroquino. Trata-se de uma peça unissex feita de algodão e que pode ter cores variadas.
  • 39
    Esse período se refere ao início do nono mês no calendário islâmico. Durante esse intervalo temporal, os muçulmanos devem praticar o jejum (sawm) de alimentos, bebidas e relações sexuais, desde os primeiros minutos de luz solar até o pôr do sol (Pinto 2010PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. (2010), Islã: religião e civilização. Uma abordagem antropológica. São Paulo: Editora Santuário.).
  • 40
    Esse caráter de reprodutibilidade técnica impõe questões sobre a “unicidade”, “singularidade”, ou melhor dizendo, a autenticidade (asala) do estilo da música Hamadsha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2020
  • Aceito
    10 Maio 2021
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