Memes políticos, humor e eleições: o uso de memes como estratégia de propagação no Twitter

Political Memes, Humor and Elections: Memes Usages as Propagation Strategy on Twitter

Resumo:

O objetivo deste estudo é analisar como humor é utilizado como estratégia de propagação de mensagens políticas no Twitter. A discussão de literatura foca em estudos sobre câmaras de eco nas mídias sociais e no uso de humor e memes em contextos políticos. Para nossa análise, selecionamos dois tweets de Ciro Gomes, candidato nas eleições presidenciais brasileiras de 2018, postados durante o período de campanha. O método utilizado foi a Análise de Discurso Mediada por Computador ( HERRING, 2004). Os nossos principais resultados são (1) que a característica de replicabilidade dos memes é fundamental na propagação das mensagens e (2) que o uso do humor é capaz de suavizar o discurso político, possibilitando maior circulação das mensagens.

Palavras-chave:
Análise de Discurso Mediada por Computador; humor; meme; polarização política; Twitter

Abstract:

This study aims to analyze how humor is used as a strategy to propagate political messages on Twitter. The literature discussion focuses on studies on echo chamber on social media and humor and memes in political contexts. We analyze two tweets from Ciro Gomes, a Brazilian presidential candidate in 2018, during the political campaign. Our method is Computer-Mediated Discourse Analysis. Our main results show that (1) memes replicability is essential for its propagation and (2) humor is used to soften political discourse, also helping to propagate messages.

Keywords:
Computer-Mediated Discourse Analysis; humor; meme; political polarization; Twitter

1 Introdução

Contextos de polarização política são cada vez mais comuns, especialmente nas discussões em mídias sociais e no cenário político brasileiro ( FUCHS, 2015; HIMELBOIM et al., 2017 ; SMITH et al., 2014 ; SOARES; RECUERO; ZAGO, 2018). Os diversos acontecimentos políticos que antecederam a eleição presidencial brasileira de 2018, como a prisão de Luís Inácio Lula da Silva, além de fatores que influenciaram as campanhas, como a facada em Jair Bolsonaro, foram também relevantes para o favorecimento de um contexto polarizado.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar como o uso do humor em mensagens políticas no Twitter pode ser uma estratégia para ampliar a circulação de conteúdo de campanha. Para isso, serão analisadas duas publicações de Ciro Gomes (PDT), candidato à Presidência da República nas eleições brasileiras de 2018, no seu Twitter de campanha. O critério para a seleção destas mensagens foi o alto número de compartilhamentos. A análise será realizada por meio do aparato metodológico da Análise de Discurso Mediada por Computador ( HERRING, 2004).

Antes disso, serão discutidos os contextos de polarização nas conversações políticas em rede e como isso pode afetar o discurso político e o debate na sociedade por meio da formação de estruturas de câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001, 2017). Também são abordados conceitos relacionados com o humor e seu uso na política, incluindo a apropriação de memes para este fim.

2 Conversação política, fragmentação e câmaras de eco

Fenômenos relacionados com a polarização política nas conversações em rede vêm sendo observados nos últimos anos, apontando para um cenário em que usuários de plataformas de redes sociais tendem a participar de discussões fragmentadas ( FUCHS, 2015). Nessas redes, pequenos grupos de usuários participam de discussões fechadas, que não são assimiladas pela comunidade como um todo. Himelboim et al. (2017) e Smith et al. (2014) chamam de “multidões polarizadas” a estrutura típica das interações políticas nestes espaços. Esse tipo de estrutura, por sua vez, é composto por dois grupos defendendo posições opostas, com pouca interação entre eles. Ou seja, as discussões políticas possuem uma tendência a formar grupos antagônicos que interagem apenas internamente. Esse tipo de estrutura também é comum em conversações políticas no Twitter, no contexto brasileiro ( RECUERO; ZAGO; SOARES, 2017).

A ideia de “câmaras de eco” é um conceito associado a estas interações fragmentadas. O conceito, de Sunstein (2001), não é inicialmente vinculado a conversações em rede, ainda que o autor defenda que a mecânica de sites de redes sociais seja um fator que tende a ampliar as câmaras de eco ( SUNSTEIN, 2017). Assim como as multidões polarizadas, as câmaras de eco indicam a existência de grupos homogêneos, reproduzindo em grande escala a tendência à homofilia – isto é, a conexão entre indivíduos que compartilham preferências semelhantes ( MILSOVE et al., 2010 ; SUNSTEIN, 2017).

Uma discussão fundamental sobre as câmaras de eco é a quantidade de usuários que formam estes cenários ( GUESS et al., 2018 ). Pariser (2012), por exemplo, aponta que os processos de filtragem de conteúdo de plataformas de redes sociais via algoritmos são responsáveis por formar bolhas de conteúdos em torno dos usuários, de forma que estes somente acessam o que reafirma suas preferências. Guess et al. (2018), por outro lado, com base em revisão de literatura sobre o tema, defendem a existência de um cenário em que as câmaras de eco são formadas apenas por parte de usuários (com pouca influência de outros elementos, como algoritmos de filtragem social), sendo estes altamente engajados nos tópicos discutidos. Assim, enquanto a maioria dos usuários de uma plataforma tem acesso a maior diversidade de conteúdo, uma minoria forma grupos homogêneos, nos quais só percebem as informações que circulam dentro do próprio grupo. O que ocorre, porém, é que esta minoria é muito ativa na propagação de conteúdo relacionado ao que defende, formando uma espécie de “minoria barulhenta”, que pode criar a aparência de consenso sobre o que é debatido ( SOON; GOH, 2018).

A ideia de uma minoria motivada faz sentido quando são observados os usuários mais ativos em redes de discussão política. Soares, Recuero e Zago (2018) identificaram que os usuários que mais participavam, por meio de menções e retuítes (doravante RT), em conversações políticas no Twitter são responsáveis pela formação de grupos polarizados, já que interagem apenas com outros usuários que reforçam seus pontos de vista. Isto significa que os usuários altamente engajados nessas discussões são aqueles que impulsionam a formação de câmaras de eco.

Em disputas eleitorais, especialmente em campanhas majoritárias, torna-se fundamental aos candidatos e suas militâncias alcançar outros grupos, propagando as mensagens de presidenciáveis em outros espaços. Sendo assim, não basta aos usuários engajados reforçar seus posicionamentos em grupos homogêneos, é preciso que rompam a barreira de suas câmaras de eco para expandir o alcance do que falam os candidatos.

Uma das formas de ampliar a circulação de mensagens no Twitter, plataforma na qual este estudo foca, é o uso de retuítes. Recuero, Araújo e Zago (2011) mostraram que o uso de RT é a forma como mensagens se propagam na rede, já que, quando usuários compartilham mensagens de outros, estas passam a ampliar as redes de conexões nas quais circulam. Ou seja, cada vez que um usuário compartilha a mensagem de outro, este tweet começa a circular em uma nova rede de conexões em que estes usuários podem também retuitar a mensagem e seguir o processo de ampliação de grupos nos quais a mensagem reverbera, em um processo semelhante à formação de uma bola de neve. Dessa forma, a visibilidade de mensagens na rede não depende apenas de usuários com muitos seguidores, mas de usuários ativos que compartilham estas mensagens, de forma que a circulação ocorre com maior eficiência quando existem usuários muito engajados na rede ( BASTOS; RAIMUNDO; TRAVITZKI, 2013).

Mensagens com altos índices de RT não necessariamente escapam das câmaras de eco em que estão os usuários mais engajados, mas elas possuem um potencial maior de circulação e mais chances de reverberar em novos grupos. Esta tendência é ainda maior quando os índices de RT estão fora da curva média, já que os usuários mais engajados tendem a manter uma participação ativa durante toda a campanha política e que número de compartilhamentos muito superior à média pode indicar a participação de novos usuários na circulação da mensagem.

Em decorrência do caráter persuasivo mais sutil, entendemos que uma das estratégias que possui potencial para ser efetiva neste tipo de propagação é o uso do humor e de memes. As características deste tipo de mensagem são discutidas a seguir.

3 O humor como estratégia de propagação

A utilização do humor enquanto estratégia discursiva ¹ tem apresentado um importante reduto para a produção e até mesmo a absolvição do fazer político, com a suavização de debates controversos ou de difícil acesso para uma parcela expressiva da população através da comicidade. Mais do que um recurso utilizado para desqualificar adversários eleitorais e gestores públicos, o humor tem sido utilizado, cada vez mais, para consolidar e popularizar ideias e personagens no contexto político recente.

No entanto, é necessário destacar que, muito antes dos memes tornarem-se fenômenos de viralização pela internet, as sátiras políticas já povoavam o imaginário popular. Durante o período medieval, por exemplo, as paródias tornavam o cotidiano da realeza, tão distante do povo, fonte de entretenimento para a plebe ( PROPP, 1978). Da mesma forma, o semanário O Pasquim ² buscou o risível na tragédia imposta pela ditadura militar brasileira.

Esta capacidade do humor, de transformar o digno de drama em risível, é compreendida por Freud (1927) como resultado das relações mentais estabelecidas no pré-consciente dos sujeitos, onde o superego cria uma forma de escape para o ego de determinadas situações que podem afetá-lo, transformando o trauma em prazer. Assim, temas como o sofrimento de muitos para sustentar um sistema que privilegia poucos, ou os horrores de uma ditadura, são ressignificados e o dramático torna-se palatável.

Esse processo de transformação do drama em cômico é pensado também por Genette (2010), que o classifica como paródia ou literatura de segunda mão. O autor considera que o processo de ressignificação se dá a partir da redução de um texto, ou mesmo de uma temática, nobre para algo vulgar, transformando o dramático em risível, rebaixando-o de certo modo. No entanto, o autor destaca que, mesmo ressignificado, o cômico é apenas o trágico visto de costas, não podendo, assim, ser completamente desvinculado de sua origem ( GENETTE, 2010, p. 33).

Destacamos que o aspecto trágico apontado pelo autor remete à característica das grandes obras dramáticas, consideradas como obras sérias e refinadas. Genette (2010) utiliza-se da relação estabelecida entre grandes clássicos e suas releituras – classificadas como literatura de segunda mão ³ – para sua análise sobre a paródia. No entanto, Bergson (1924), Freud (1905, 1927) e Propp (1978) retomam a noção de que há um processo de releitura como elemento fundamental para a produção do risível.

Assim, a existência de um elemento primeiro é considerada condição necessária para que o texto segundo, o cômico, possa ser significado. Bergson (1924) considera, ainda, condição necessária para o risível a existência de um contexto de significação social, ou seja, o risível só o é a partir de um contexto social que o permita ser assim significado. Propp (1978) amplia esta noção, destacando, também, a importância do contexto histórico. Ou seja, aquilo que é considerado cômico em um determinado momento e contexto, não o será necessariamente em outro, podendo, inclusive, voltar a ser considerado trágico.

A associação entre tragédia e comicidade tem uma relação direta com o contexto no qual esse trabalho é desenvolvido. Não partimos do pressuposto de que o tema político seja necessariamente dramático ou traumático, no entanto, o contexto de produção dos discursos políticos no Brasil em 2018 é marcado por traumas de ordem política institucional. O expressivo número de candidaturas que se sustentam no distanciamento de sujeitos da esfera política, com o avanço de candidaturas de sujeitos oriundos especialmente do meio empresarial e que reforçam um discurso antipolítica, reflete um momento de elevada descrença no fazer político e nas instituições democráticas ⁴.

Nesse contexto, o aspecto apaziguador do humor ( FREUD, 1927) o transforma em via estratégica para a produção de discursos políticos ⁵ no contexto atual. Embora não determine necessariamente os espaços oficiais do processo político eleitoral de 2018 – como debates, propagandas de rádio e televisão –, o discurso cômico dos memes tem se apresentado como estratégico para que candidatos e militantes políticos consigam alcançar aqueles mais distantes ou marcados negativamente pela conjuntura atual.

Nos últimos anos, temos percebido o uso cada vez mais frequente de elementos e publicações em plataformas de rede social humorísticas, por parte de sujeitos políticos e suas militâncias, especialmente no contexto dos sites de rede social. Como efeito, essa apropriação tem se mostrado eficiente na produção de novos sentidos para discursos considerados complexos ou polêmicos, o que favorece a circulação dessas mensagens entre os usuários de tais sites ( SANTOS; CHAGAS, 2017; VOLCAN, 2014).

A própria imagem dos políticos, que remonta à ideia do ethos da retórica ⁶ ( FIDALGO, 2010), acaba se apropriando de alguns destes elementos. A persuasão política por meio da construção de uma imagem que está ancorada mais em elementos simbólicos do que racionais tem sido cada vez mais explorada em campanhas políticas ( FERREIRA, 2015; SERRA, 2015). Este tipo de estratégia produz discursos mais simples, que demandam menor reflexão crítica e acabam tendo maior aceitação entre eleitores. Dentre esses recursos persuasivos, especialmente dos que se apropriam do humor, um dos mais frequentes na produção de mensagens políticas tem sido o uso de memes, cujo conceito está profundamente relacionado à capacidade de propagação das mensagens.

4 Memes e política

O uso do termo “meme” foi inicialmente cunhado por Richard Dawkins no campo da sociobiologia: o autor trabalhava o contexto de meme a partir da ideia de entidade que poderia ser transmitida de um cérebro para outro ( RECUERO, 2010; CHAGAS et al., 2017 ). Em sentido análogo, o estudo dos memes tem focado na difusão de informações e está relacionado, de forma especial, aos estudos sobre a comunicação em ambientes digitais. Nesse contexto, os memes demonstram que podem ser potencializados nas redes, ampliando sua capacidade de repetição de ideias ( RECUERO, 2010).

Ainda que a ideia de meme não seja necessariamente associada a espaços online, as plataformas digitais são um meio fundamental para a propagação de memes, de forma que o próprio conceito de meme acaba sendo associado ao gênero digital em foco ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). Em função dessa associação, Knobel e Lankshear (2007) estudam as características dos memes na internet. Os autores partem das três características dos memes descritas originalmente por Dawkins: (1) fidelidade, característica relacionada às qualidades que fazem com que um meme possa ser copiado; (2) fecundidade, característica referente ao alcance e à velocidade com que um meme é espalhado; e (3) longevidade, característica relativa ao quanto um meme se mantém em alta. Em contextos online, os autores observam que a ideia de fidelidade é mais bem entendida no sentido de replicabilidade, de forma que as mutações no objeto muitas vezes são auxiliares para sua fecundidade. Sendo assim, a remixagem própria da replicabilidade (mais do que da fidelidade) é uma característica central para os memes. A internet também é facilitadora de sua distribuição (novamente auxiliando na sua fecundidade) e longevidade, já que os arquivos são mais facilmente gravados e acessados.

Knobel e Lankshear (2007) também identificam três características que facilitam a fecundidade dos memes na internet. São elas: 1) o uso do humor em suas diversas formas, a mais frequente das características em memes com alta fecundidade; 2) a intertextualidade, fazendo-se referência a eventos, ícones ou fenômenos da cultura popular; e 3) justaposições anormais, referindo-se especialmente a montagens com imagens e vídeos que buscam adicionar um elemento inesperado na imagem.

Dentre essas características, o uso de estratégias associadas ao humor vem dando força à presença de memes na discussão política, transformando-se em uma ferramenta persuasiva capaz de alcançar alta visibilidade nesse tipo de conversação ( CHAGAS, 2018; CHAGAS et al., 2017 ; SANTOS; CHAGAS, 2017). Os memes políticos também têm demonstrado capacidade de gerar maior engajamento, em função de características que favorecem sua propagação decorrentes da repetição ( CHAGAS, 2018).

Chagas et al. (2017) apresentam a classificação dos memes políticos em três tipos: (1) os memes persuasivos, fazendo referência a propostas, apelos ideológicos e emocionais ou que apresentam conteúdo crítico; (2) memes de ação popular, que são baseados em ações organizadas por instituições ou de redes auto-organizadas; e (3) memes de discussão pública, que possuem características mais gerais e podem ter referências em lugares-comuns da política, questões históricas e culturais, e piadas sobre determinada personagem ou situação. Estes memes políticos são de grande importância em contextos eleitorais, especialmente quando candidatos buscam difundir seu discurso nas mídias sociais, como no caso analisado neste trabalho.

Dessa forma, pretende-se analisar como o discurso político tem se apropriado do discurso cômico e dos memes para superar o enfraquecimento do debate político e torna-lo, ao mesmo tempo, mais acessível e atrativo aos usuários dos sites de rede social. Além disso, busca-se discutir como a capacidade de difusão dos memes é capaz de ampliar espaços de circulação de mensagens políticas.

5 Metodologia

Considerando o objetivo central deste trabalho, que é compreender como o uso de publicações humorísticas pode ampliar a circulação de mensagens no contexto do Twitter, optou-se por uma análise qualitativa de publicações de Ciro Gomes, candidato à Presidência da República em 2018. A metodologia utilizada foi a Análise de Discurso Mediada por Computador ( Computer Mediated Discourse Analysis – CMDA) ( HERRING, 2004), que busca compreender discursos produzidos no contexto da internet a partir de sua estrutura, significado, interação e comportamento social ⁷.

A escolha do candidato se fundamenta na observação de que sua campanha apresentou um forte apelo ao marketing digital, com base na ação do próprio político e dos grupos de apoiadores de sua candidatura. Sua campanha virtual foi desenvolvida em canais oficiais nas principais plataformas digitais, por sua vez, utilizadas para a difusão de informações oficiais de sua campanha; divulgação de conteúdos considerados relevantes no contexto eleitoral; mobilização da militância; e divulgação de conteúdos que se caracterizam pela comicidade, objeto deste estudo.

A partir da definição do candidato e do ambiente do Twitter como campos de observação, o método aplicado para a coleta dos tweets analisados foi o arquivar dados de duas semanas de Ciro Gomes em seu Twitter de campanha, tendo como foco o discurso institucionalizado desta. As duas semanas selecionadas para análise foram de 2 a 15 de setembro de 2018, período de campanha eleitoral. No dia 17 de setembro, foram coletados dados de todos os tweets do candidato no período delimitado. Foram excluídos da contagem retuítes simples (aqueles em que a mensagem de outro usuário é apenas compartilhada), mas mantidos os comentados (aqueles em que o usuário, além de compartilhar a mensagem, inclui um comentário, gerando uma nova publicação). Ademais, foram observados os números de retuítes e likes de todos os tweets do candidato nas duas semanas selecionadas para a análise, sendo que, na semana de 2 a 8 de setembro o perfil do candidato teve 74 mensagens e na seguinte, um total de 105.

Após a análise geral das interações dos tweets, foram selecionadas as duas publicações com o maior número de retuítes de cada uma das semanas, totalizando 4 tweets. Com isso, foi possível observar quais mensagens mais reverberaram na rede, já que o retuíte é a principal forma de propagação de conteúdo na rede social em foco ( BASTOS; RAIMUNDO; TRAVITZKI, 2013; RECUERO; ARAÚJO; ZAGO, 2011). Dos 4 tweets selecionados, 2 possuíam relação direta com memes associados a Ciro Gomes: o primeiro (compartilhado em 8 de setembro) fazia referência a um meme do então candidato à Presidência como sex symbol, e o segundo (em 11 de setembro), a um em que usuários questionavam se ele havia pronunciado “A, B ou C” ou “a Beyonce”, em uma entrevista. Além deles, foram escolhidos um tweet (postado em 6 de setembro) que reproduzia uma declaração de Ciro Gomes sobre o atentado a Jair Bolsonaro, também candidato à presidência, e um outro (publicado em 9 de setembro) que era acompanhado por um vídeo em que Ciro agradecia a participação de seus apoiadores na internet após o debate entre presidenciáveis na TV Gazeta. Os dados dos tweets (coletados em 17 de setembro de 2018) estão na tabela abaixo.

Tabela 1
- Dados dos quatro tweets de maior circulação no período analisado

Tweet	Data	RT	Likes
Sobre Jair Bolsonaro 8	06/09/2018	12.616	75.307
Ciro sex symbol 9	08/09/2018	9.879	37.603
Mensagem aos apoiadores 10	09/09/2018	4.104	26.787
“A, B ou C” ou “a Beyonce” 11	11/09/2018	23.339	69.693

Fonte: Elaboração dos autores (2022).

Visto que o objetivo deste estudo é compreender o uso do humor associado a memes para o aumento da circulação de mensagens, as duas mensagens que fazem referências a memes receberam análises pormenorizadas; as outras duas não. Ademais, o volume de retuítes e a circulação das mensagens serão nelas discutidos, embora, desde já, seja cabível destacar a relevância das duas mensagens, visto que atingiram números altos de RT e likes, principais ferramentas para propagação de mensagens no Twitter.

Como mencionado anteriormente, o método definido para a análise das duas publicações é a CMDA. Para tal, o aparato teórico proposto por Herring (2004) foi adequado ao objetivo deste estudo. Sendo assim, os elementos investigados em cada nível estão descritos na tabela abaixo.

Tabela 2
- Os quatro níveis da CMDA e os elementos de análise

NÍVEL	ELEMENTOS ANALISADOS
Estrutura	Este nível tem, principalmente, uma característica descritiva. Observa a linguagem utilizada na mensagem analisada, assim como o uso de mídias auxiliares. Também neste nível é observado o formato de mensagem na rede analisada, o Twitter (ou seja, a estrutura do tweet de Ciro Gomes e os elementos nele presentes, como imagem e texto).
Sentido	Neste nível, o que se observa é a mensagem em si, buscando compreender os sentidos produzidos pelo que é dito. Além disso, procuramos identificar que tipos de aspectos persuasivos podem ser utilizados pelo político.
Interação	Aqui são observados os elementos relacionados à interatividade da mensagem com a rede. Neste caso, estuda-se principalmente a circulação dos tweets analisados.
Comportamento Social	Este é o nível mais importante para a análise proposta, porque reúne o que foi observado nos níveis anteriores, com a finalidade de analisar o comportamento da rede em relação a mensagem produzida por Ciro Gomes. Neste nível, as dinâmicas sociais são o foco da análise, e as características dos memes são abordadas para facilitar o entendimento do que pode ter viabilizado sua repercussão. Ademais, esta análise tem como fundamento as características básicas dos memes e os elementos que favorecem sua circulação ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), além de sua classificação no espectro dos memes políticos ( CHAGAS et al., 2017 ).

Fonte: Elaboração dos autores (2022).

Após a análise dos dois tweets, discute-se sua relação com o contexto político; de modo mais específico, em campanha política. Dessa forma, em um contexto de polarização e fragmentação das discussões políticas, busca-se apontar relações entre o discurso político e o uso do humor para ampliar a repercussão de mensagens. Em particular, intencionamos observar como as características dos memes contribuem para a construção de sentido dos tweets analisados. Em outras palavras, observamos os tipos de memes políticos ( CHAGAS et al., 2017 ), bem como as características que facilitam a propagação do gênero em foco na internet ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007).

6 Análise dos dados

As duas publicações selecionadas para discussão, com o auxílio do aparato metodológico da CMDA, são analisadas individualmente a seguir. Posteriormente, discute-se o que foi observado nos tweets em relação aos elementos teóricos apresentados neste estudo.

6.1 Análise do tweet “Ciro sex symbol”

O primeiro tweet analisado ( FIGURA 1) é de 8 de setembro de 2018 e repercute o meme de Ciro Gomes como sex symbol. Abaixo, a mensagem é analisada a partir dos quatro níveis da CMDA.

Figura 1 -
Tweet “Ciro sex symbol”

6.1.1 Estrutura

O tweet foi publicado na página utilizada por Ciro Gomes no Twitter – inclusive, durante sua campanha. A mensagem é baseada no formato de RT comentado, em que um conteúdo original é compartilhado e acompanhado por um novo conteúdo, criado pelo usuário que retuíta a mensagem.

O tweet original inclui um link ¹² que dá acesso a uma reportagem sobre o meme de Ciro Gomes como um sex symbol. Além disso, inclui uma mensagem que indica o conteúdo da reportagem.

O comentário de Ciro é realizado em linguagem coloquial e reproduz a expressão popular “O melhor do Brasil é o brasileiro”. O uso de emojis sugere que o autor da mensagem está rindo sobre o conteúdo.

6.1.2 Sentido

Os elementos apontados na estrutura, como linguagem coloquial e uso de emoji, indicam uma intencionalidade direcionada à apropriação do humor na construção do sentido da mensagem produzida. Em um contexto de debate político, como o das campanhas eleitorais, muitas vezes pautados em ideias e propostas afins, o uso do conteúdo humorístico acaba por suavizar o discurso ( FREUD, 1927; BERGSON, 1983; VOLCAN, 2014), facilitando sua recepção entre outros usuários da rede.

Também conhecida como chiste ( FREUD, 1905; GENETTE, 2010), percebida aqui no gracejo do então candidato ao comentar uma publicação que o caracteriza como um símbolo sexual, a expressão do humor é compreendida como uma forma de manifestação do inconsciente humano. Nesse sentido, ele funciona como um recurso do inconsciente para externar assuntos de difícil abordagem ou recepção em um determinado contexto, isto é, se não pelo atravessamento da comicidade. Assim, em contextos marcados pela complexidade das disputas ideológicas, o humor tem como efeito possível a suavização do discurso, o que potencializa a sua circulação.

O aspecto persuasivo da mensagem também se apropria disso, sendo baseado em uma linguagem simples e elementos simbólicos do humor e da aparência do político ( FERREIRA, 2015; SERRA, 2015), ou seja, com reduzido foco em argumentos formais e maior foco em sentidos construídos de forma simbólica. Com isto, o sentido da mensagem se afasta da argumentação racional, mas busca adesão de eleitores por meio do simbólico, com o destaque para o uso do humor.

6.1.3 Interação

O tweet de Ciro Gomes foi o segundo com mais RT e likes durante a semana de sua publicação (atrás apenas da mensagem referente ao atentado sofrido por Jair Bolsonaro). A mensagem alcançou quase 9.900 RT e mais de 37 mil likes. A média de RT e likes dos tweets de Ciro durante a semana de 2 a 8 de setembro foi de, respectivamente, 601 e 3.556, ou seja, gerou uma interação muito superior à média dos tweets do político.

As respostas ao tweet também reforçam a mensagem de humor e representam suporte ao então candidato à Presidência da República. Entre elas, é possível perceber que o sentido ultrapassa apenas o aspecto do humor e avança também para a persuasão política. Um dos exemplos, que inclusive reforça o meme de Ciro como sex symbol, pode ser visto abaixo.

Figura 2 -
Interação no tweet “Ciro sex symbol”

As duas mensagens do Usuário 1, no exemplo acima, também receberam muitos likes e uma quantidade considerável de RT. Na primeira, o usuário reforça a narrativa do meme, enquanto na segunda acrescenta os aspectos políticos na mensagem de humor. Ou seja, a interação na mensagem de Ciro Gomes reforça o conteúdo já divulgado pelo político e tende a produzir também um sentido favorável à sua imagem ( FIDALGO, 2010).

6.1.4 Comportamento social

Os aspectos apontados nos níveis anteriores demonstram que o tweet de Ciro Gomes alcançou grande circulação no Twitter. Além disso, como foi constatado, outros usuários reforçaram a mensagem, tendente a gerar uma identificação com a imagem do político em função de suas características simbólicas ( FERREIRA, 2015), aqui relacionadas novamente à qualificação do candidato como um símbolo sexual.

O que gera a repercussão na rede, porém, não é o caráter político da figura de Ciro, mas a força do meme, enquanto um discurso atravessado pela comicidade, e a reportagem, ao ser compartilhada pelo político. Dessa forma, torna-se central para nossa análise a compreensão de como as características deste meme o fazem uma mensagem que consegue tamanha circulação no Twitter.

Como destacado na reportagem compartilhada no tweet analisado, o meme de Ciro como um sex symbol foi criado por indivíduos que o consideravam bonito. Esse tipo de manifestação gerou, inclusive, um perfil no Twitter, com a finalidade de reproduzir várias mensagens de conteúdos afins ( FIGURA 3). Com isso, surgiram mensagens de diversos tipos, como fotos, montagens e até mesmo outras mais simples, apenas contendo texto verbal (sem imagens ou vídeos). Alguns desses exemplos podem ser vistos na reportagem mencionada no tweet ¹³, os quais também apresentam a remixagem do meme.

Figura 3 -
Exemplo de mensagem do usuário “o ciro é bonito”

Ainda sobre o conteúdo do meme, é importante mencionar que o movimento de propagação de mensagens sobre a aparência de Ciro Gomes (como sex symbol) teve especial adesão de apoiadores do então candidato. Mais do que isso, muitas mensagens deixavam implícito que a beleza de Ciro estava vinculada justamente ao seu potencial como político (como o exemplo da Figura 2, que explica os motivos pelos quais considera-se Ciro bonito). Assim, a mensagem política não está afastada do meme, embora seu caráter político tenha sido atenuado pelo efeito do humor, facilitando, por consequência, sua difusão no contexto da rede.

Sobre as características do meme, pode-se destacar o seu potencial de replicabilidade ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), mesmo em um contexto de variações, como no caso analisado. Sob essa perspectiva, foram percebidas diversas versões que apresentam como elemento central, basicamente, a admiração pelo político em foco. Esta característica de replicabilidade facilita a fecundidade e a longevidade do meme, já que permite a remixagem do conteúdo de diversas formas ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007).

A replicabilidade, por sua vez, é um aspecto apontado desde as primeiras aparições do termo “meme” na literatura. Na argumentação inicial de Richard Dawkins, o autor aplicou a teoria da evolução genética nos estudos culturais e considerou que, assim como os genes se propagam pulando de corpo para corpo, os memes ¹⁴ propagam-se através dos cérebros dos sujeitos, por meio de um processo que pode ser chamado, em sentido amplo, de imitação (DAWKINS, 1979).

Outra característica marcante do meme é o uso do humor ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), que, aqui, acaba por fortalecer a imagem de Ciro Gomes na rede, em função dos elementos simbólicos que evoca ( FERREIRA, 2015) ao reforçar características físicas do candidato e o qualificar como símbolo sexual. O uso de justaposições ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007) também é comum – como mostram os exemplos na reportagem e na Figura 2, e, principalmente, na Figura 4 (abaixo) –, ainda que não seja necessário na reprodução do meme, por ser menos central para sua circulação.

Figura 4 -
Exemplo de justaposição do meme “Ciro sex symbol” ¹⁵

No contexto das redes sociais, os memes são construídos, normalmente, com base na linguagem informal e humorística, aproximando-se das piadas ( VOLCAN, 2014). A partir dessas características, os memes exercem o papel de auxiliar na difusão de informações. Da mesma forma, enquanto produções marcadas pela comicidade, memes também exercem o papel de suavização dos discursos, o que, consequentemente, reforça seu caráter multiplicador, sobretudo num contexto de disputas como o do debate político.

Por fim, na categorização meme político, de Chagas et al. (2017), a amostra aqui analisada aparece como um meme de discussão pública. Isso porque, apesar de fazer referência a temas políticos, como o plano de governo e a participação do candidato em debates eleitorais, em alguns momentos (o que poderia aproximá-la de memes persuasivos), a sua principal característica é justamente a reprodução de piada/humor sobre um personagem político em um contexto de disputa política eleitoral. Dessa forma, uma vez que o seu espalhamento na rede gera maior visibilidade ao então candidato, ela apresenta como principal trunfo persuasivo a disseminação e a popularização de Ciro Gomes.

6.2 Análise do tweet “A, B ou C ou a Beyonce”

O segundo tweet analisado ( FIGURA 5) é de 11 de setembro e repercute o meme “A, B ou C ou a Beyoncé”. Assim como na primeira mensagem, para sua análise utilizam-se os quatro níveis da CMDA.

Figura 5 -
Tweet “A, B ou C ou a Beyoncé”

6.2.1 Estrutura

Novamente, a mensagem trata-se de um RT comentado. O tweet original é acompanhado de um vídeo em que Ciro Gomes responde se falou “A, B ou C ou a Beyoncé”, em trecho de uma entrevista. Ainda no tweet original, há uma descrição da pergunta realizada ao político no vídeo.

No comentário de Ciro (“Verdade seja dita...”) não existem indícios explícitos do humor ou do que se trata a mensagem em questão – de forma que isto só fica claro em função do contexto e da popularização do meme, os quais serão discutidos em frente.

6.2.2 Sentido

O sentido da mensagem é, na verdade, construído muito fortemente associado ao meme a que se refere, de forma que mesmo o diálogo entre o então candidato à Presidência da República e a repórter no vídeo só tem lógica para aqueles que estão cientes da discussão. O áudio do vídeo está transcrito abaixo:

Repórter - Candidato, é “A, B ou C ou a Beyoncé”?

Ciro Gomes - Olha, isso é um assunto muito sério, eu sei que a polêmica está profunda, mas eu quero esclarecer isso de uma vez por todas: Beyoncé.

Repórter - Beyoncé?

Ciro Gomes - Beyoncé.

Em sua resposta à repórter, Ciro Gomes usa da comicidade para falar sobre o tema, já que, mesmo sendo abordado em um contexto de humor – e que, por isso, acabou repercutindo em diversos espaços (como será aprofundado no nível do Comportamento Social) –, o candidato o trata como um assunto de muita seriedade. E, mais uma vez, a mensagem está muito mais associada a elementos simbólicos da imagem que destacam seus aspectos físicos, com o objetivo de legitimá-lo como símbolo sexual, do que propriamente a questões políticas ideológicas ( FERREIRA, 2015).

6.2.3 Interação

Este foi o tweet de Ciro Gomes como o maior número de RT durante todo o período de coleta deste estudo e mais de 23 mil compartilhamentos. A mensagem também alcançou um número alto de likes, isto é, quase 70 mil, tendo se tornado o tweet com o maior número na semana de 8 a 15 de setembro e o segundo maior em todo o período de coleta – atrás apenas da mensagem sobre o atentado sofrido por Jair Bolsonaro. Em comparação com as médias de RT, 575, e likes, 3.045, da semana em que foi publicado é possível verificar que o tweet gerou uma repercussão muito superior do que o resto de suas mensagens – o tweet analisado recebeu mais de 40 vezes a média de RT do perfil de Ciro Gomes. Sendo o RT o principal meio de circulação da mensagem no Twitter ( BASTOS; RAIMUNDO; TRAVITZKI, 2013; RECUERO; ARAÚJO; ZAGO, 2011), percebe-se a visibilidade da mensagem na rede, possivelmente circulando em espaços nos quais os tweets do então candidato não costumavam circular com tanta frequência.

Dentre as interações nos comentários da publicação existem conteúdos diversos. Em sua maioria são mensagens de apoio, mas há também alguns comentários críticos – o que pode sugerir a presença da mensagem em redes para além de sua militância. Há, dentre as mensagens de suporte, respostas que se apropriam do meme ( FIGURA 6).

Figura 6 -
Exemplo de interação que mistura a campanha de Ciro Gomes como música de Beyoncé

Ainda entre as respostas de apoio ao político, aparecem comentários que retomam o meme presente no primeiro tweet aqui analisado ao congelar um frame do vídeo em que Ciro Gomes sorri ( FIGURA 7). Um elemento interessante é que a imagem recebe a resposta de outro usuário (Usuário 5) que inclui o número 13 ao lado de seu nome no Twitter. Durante a campanha eleitoral, muitos usuários utilizaram números junto aos seus nomes para indicar apoio a algum dos candidatos. Neste caso, o 13 é o número do Partido dos Trabalhadores (PT), que teve como candidatos Lula, que acabou tendo sua candidatura impugnada, e Fernando Haddad, que foi ao segundo turno, mas não se elegeu. O Usuário 5 ainda tem a arte de apoio ao PT em sua foto de perfil – que foi anonimizada nesta análise –, ou seja, o usuário que responde a mensagem e reforça o sentido do meme é apoiador de outro candidato, mas acaba por se engajar positivamente no tweet de Ciro Gomes.

Figura 7 -
Exemplo de interação sobre o meme “A, B ou C ou Beyoncé?”

Os três comentários dos exemplos nas Figura 6 e Figura 7 receberam muitos likes, além de alguns RT. Isso indica que eles foram bem recebidos por outros usuários da rede. Além disso, também retomaram o meme “Ciro sex symbol”, falando sobre o sorriso de Ciro e sua aparência.

6.2.4 Comportamento social

Novamente, os níveis iniciais da CMDA indicam a grande repercussão do tweet. Especialmente na interação, é possível ver o reforço do sentido da mensagem e um suporte de usuários na construção da imagem de Ciro Gomes por meio de elementos simbólicos, como o humor e a aparência ( FERREIRA, 2015).

Contudo, o elemento central da mensagem é, mais uma vez, um meme. Somente com a compreensão deste meme e dos sentidos a ele associados é que se torna possível entender de forma mais completa a mensagem do próprio Ciro Gomes, assim como muitas das respostas de usuários na publicação.

A principal característica deste meme está na sua força de replicabilidade ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). A sua construção está toda baseada na transformação que acontece ao longo do tempo, garantindo ao meme maior fecundidade e longevidade – esta, em especial, em função da “história” do meme na rede ¹⁶.

O início da vida do meme está em um GIF ¹⁷ retirado de uma entrevista. A forma como Ciro gesticula foi o que primeiro chamou a atenção de usuários do Twitter. Já em 2017 o meme possuía alguma circulação na rede, como no exemplo abaixo ( FIGURA 8) em que um usuário responde mensagem do próprio Ciro Gomes.

Figura 8 -
Mensagem de 2017 que menciona o início do meme

Com a campanha eleitoral em 2018, o GIF ganhou maior visibilidade na rede, e com a divulgação do vídeo acompanhado do áudio acabou por remixar ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007) o meme inicial, gerando maior repercussão. Além disso, o GIF fortaleceu a história do meme devido a este novo tipo de replicabilidade na rede. Na Figura 9, por exemplo, o Usuário 7 destaca o áudio da entrevista, gerando grande repercussão – quase 23 mil RT e 60 mil likes, além de quase 2,5 milhões de visualizações. A partir do meme, que se utiliza apenas de um recorte, a entrevista do então candidato acaba ganhando visibilidade, pois muitos usuários assistem ao vídeo instigados pela curiosidade sobre o que teria sido dito por Ciro. Assim, o meme contribui para o espalhamento de uma entrevista de cunho político, mas de forma leve e mais palatável ( FREUD, 1927) no contexto de disputa.

Figura 9 -
Mensagem que destaca o áudio do vídeo

Em um dos trechos do vídeo ¹⁸, Ciro Gomes fala: “A senhora chamou a Beyoncé para jantar e não me chamou também”. O contexto da mensagem é como crítica a Michel Temer, um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff. Não obstante, o que ocorre é que, mais uma vez, o meme passa por uma remixagem, e a partir dela os usuários se questionam se Ciro Gomes teria, de fato, enunciado “A, B ou C ou a Beyoncé”, o que, por sua vez, inspira a geração de outros tweets que abordam a questão em tom humorístico ( FIGURAS 10 ¹⁹ e 11).

Figura 10 -
Exemplo de interação sobre o meme “A, B ou C ou Beyoncé?”

Figura 11 -
Exemplo de interação sobre o meme “A, B ou C ou Beyoncé?”

É neste contexto que surge o tweet aqui analisado, quando Ciro Gomes responde que havia falado “Beyoncé” na entrevista, dando uma conclusão à história do meme. Percebe-se, portanto, que a replicabilidade (muito mais relevante neste caso do que a fidelidade) é fundamental na fecundidade e longevidade do meme ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007).

Dentre os aspectos de destaque do meme ao longo do tempo, o humor sempre ocupou papel central para sua propagação ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). Em um primeiro momento pelos gestos físicos do político, depois pela forma como faz a crítica a Michel Temer, seguido pela dúvida do “A, B ou C ou Beyoncé” e finalizado pela maneira caricata como o próprio Ciro Gomes responde quando questionado sobre a dúvida dos usuários. A questão da intertextualidade entre o meme e outras discussões ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007) tem pouca relevância, já que o mais forte é a narrativa gerada em torno do próprio meme. Por fim, as justaposições, ou seja, utilização de montagens e sobreposições anormais ou inesperadas ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), aparecem em algumas interações relacionadas ao meme, como na Figura 6 – mas não é também um aspecto central.

Sobre sua relação com a política, o meme analisado tem, mais uma vez, forte característica de um meme de discussão pública ( CHAGAS et al., 2017 ), já que explora diretamente um personagem político – Ciro Gomes. E mais do que isso, apropria-se deste de diversas formas, a começar por seus gestos, que geram o humor, chegando até a interação direta de Ciro na produção do meme pela repercussão que gera na rede. O meme tem base, portanto, em piadas situacionais (as expressões de Ciro) e, com sua repercussão, acaba sendo mais centralizado no personagem do político.

A narrativa do meme, portanto, acaba associando elementos simbólicos à imagem de Ciro Gomes, possivelmente fortalecendo seu valor político em novos espaços ( FERREIRA, 2015; SERRA, 2015). Um exemplo é a presença de apoiadores de outros candidatos que acabam participando da narrativa do meme ( FIGURA 7). Nesse sentido, o efeito apaziguador proveniente do humor ( FREUD, 1927; BERGSON, 1983) funciona como um elemento de persuasão para o discurso político, tornando-o mais aceitável para um grande público como o das plataformas de redes sociais. O seu aspecto cômico tem por efeito, ainda, a capacidade de facilitar o seu espalhamento enquanto uma peça de humor e não apenas uma produção política.

7 Discussão

A discussão política em mídias sociais vem gerando contextos de polarização, inclusive no Brasil – como mencionado na discussão teórica ( HIMELBOIM et al., 2017 ; RECUERO; ZAGO; SOARES, 2017; SMITH et al., 2014 ). Em campanhas políticas, quando reforçar as mensagens apenas entre militantes não é suficiente para um crescimento expressivo de candidatos, escapar da homofilia das câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001, 2017) é fundamental.

No Twitter, uma forma de atingir novos grupos sociais se dá por meio de compartilhamento de mensagens via RT ( RECUERO; ARAÚJO; ZAGO, 2011). Dessa forma, a análise de mensagens com alto número de RT pode indicar meios de aumento da circulação de mensagens políticas e, assim, gerar maior visibilidade a um candidato. Em cenários de grupos isolados, onde os usuários com maior visibilidade são aqueles que produzem um discurso alinhado com o resto dos usuários, e os ativistas são responsáveis por replicar estas mensagens, embora só o façam dentro desta câmara de eco ( SOARES; RECUERO; ZAGO, 2018), buscar tweets que fujam do padrão em números de RT pode sugerir tipos de conteúdo capazes de ampliar os grupos sociais onde circulam. Argumenta-se, portanto, que as mensagens analisadas neste artigo podem ter repercutido não apenas em grupos de poucos usuários muito motivados ( GUESS et al., 2018 ), mas também em uma rede mais ampla, chegando a usuários não previamente engajados com a campanha de Ciro Gomes. A presença de um eleitor (e aparente ativista) de outro candidato demonstrando apoio e fortalecendo a imagem de Ciro Gomes ( FIDALGO, 2010) na Figura 7 é uma indicação de que estas mensagens podem ter, de fato, circulado em novos espaços.

É relevante, dessa forma, compreender o que torna tais mensagens especiais – já que estão entre as mais retuitadas no período de coleta. Dos quatro tweets com mais RT entre 2 e 15 de setembro, entre as mensagens que não foram alvo de uma análise aprofundada, a mensagem sobre o atentado de Jair Bolsonaro atingiu também grande repercussão (ainda que em número de RT tenha tido quase a metade do tweet de Ciro respondendo sobre “A, B ou C ou a Beyoncé”). Entende-se que isto se deve à repercussão do assunto, que resultou em mensagens de solidariedade de diferentes candidatos no período, uma vez que o líder das pesquisas sofreu uma tentativa de assassinato e acabou hospitalizado. A solidariedade de Ciro Gomes, portanto, gerou tamanha mobilização. A outra mensagem, em que Ciro Gomes fala aos seus militantes internautas, por sua vez gera menor repercussão em comparação com as outras três. Ainda assim, a mensagem direta aos eleitores e a apreciação do trabalho deles foi provavelmente o que deu visibilidade para a mensagem.

Sobre as duas publicações analisadas, com o aparato metodológico da CMDA, suas características principais possuem semelhanças fundamentais. Primeiramente, as duas entram na narrativa de memes já popularizados na rede. Além disso, os dois memes tem como principais elementos de força o uso do humor ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007) e a replicabilidade, esta, fator central para a fecundidade e a longevidade dos objetos na rede ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), especialmente no que diz respeito ao segundo tweet analisado. A propósito, este tweet obteve o maior número de RT durante as duas semanas de coleta, e a narrativa (fruto da remixagem) nele envolta, geradora de uma expectativa para a resposta de Ciro Gomes, parece ter sido a principal força de sua ampla repercussão, sobretudo por ser este tipo de discussão – relacionada a um meme – pouco usual no debate político em um período de campanha eleitoral.

Os dois memes também compartilham suas características no espectro da política, podendo ser classificados como memes de discussão pública ( CHAGAS et al., 2017 ). Ambos se apropriam de piadas situacionais e do personagem Ciro Gomes para gerar humor. A suavização da mensagem política por meio do humor ( FREUD, 1927) e sua consequente persuasão, menos racional e mais simbólica ( FERREIRA, 2015), acabam por fortalecer significativamente a imagem de Ciro como político dentro da narrativa de sua campanha ( FIDALGO, 2010; SERRA, 2015). Com isso, mesmo que mantenham a característica dos memes de discussão pública de estarem mais associados ao humor e não se formarem a partir de forças ideológicas (ou de argumentos racionais, como propostas de campanha), acabam também persuadindo outros usuários que entram em contato com seu conteúdo. Isto pode ser visto mais claramente nos exemplos das Figuras 2 e 11, que associam questões relacionadas ao ethos do candidato e ao debate no espectro ideológico da política, respectivamente.

Pode-se dizer, portanto, que a maior aceitação da mensagem na rede reside no humor que produz, já que não trabalha de início com a argumentação política em seu âmbito mais racional. Por outro lado, a visibilidade gerada para o político, assim como algumas das interações que assumem posições mais claras e moldam positivamente a imagem de Ciro Gomes, acabam gerando benefícios políticos para o então candidato.

8 Considerações finais

Com o objetivo de compreender como o uso do humor em mensagens políticas é capaz de aumentar a circulação de conteúdo de campanha, analisamos, neste artigo, duas publicações de Ciro Gomes no Twitter. O critério de seleção das publicações foi o alto número de retuítes, e o aparato metodológico utilizado para sua análise foi o da Análise de Discurso Mediada por Computador – CMDA ( HERRING, 2004).

Dentre os principais resultados, foi possível observar que as duas mensagens analisadas se apropriaram do humor por meio de memes, assumindo narrativas já popularizadas na rede social. Além do humor, observou-se que a replicabilidade foi fator central para a fecundidade e longevidade dos memes na rede ( KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). Os dois memes foram usados em contexto de campanha como memes políticos ( CHAGAS et al., 2017 ), apropriando-se do humor como forma de atenuar o debate relacionado a um dos candidatos considerado menos polarizado. Como consequência, estes memes se tornaram objeto de riso, e não apenas de disputa, mesmo entre apoiadores de outros candidatos, ou seja, uma versão suavizada da política ( FREUD, 1927) ²⁰. Entende-se que estes aspectos foram os mais influentes para a grande circulação dos memes, que, por meio de retuítes, podem ter alcançado novos grupos sociais ( RECUERO; ARAÚJO; ZAGO, 2011), e, por consequência, facilitado seu escape de estruturas de câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001, 2017).

Este estudo tem algumas limitações. Em primeiro lugar, para mensurar a circulação das mensagens de forma mais completa, seriam necessárias outras análises (como a análise de redes sociais), visando a propagação deste conteúdo. Ainda assim, por meio do alto número de RT e presença de militantes de outros partidos/candidatos, é possível supor que essas mensagens alcançaram diferentes grupos sociais. Outra limitação é a análise de apenas duas publicações. Análises de mais mensagens poderiam indicar outras particularidades e aprofundar a discussão. De qualquer forma, foi possível identificar como o humor e, especificamente, o humor de memes, facilita a propagação de conteúdos políticos.

Para estudos futuros, é possível focar a análise nos elementos apontados acima. Além disso, seria relevante observar outros contextos, como diferentes momentos políticos ou campanhas de outros candidatos, uma vez que podem trazer novos resultados e ampliar a discussão aqui iniciada.

Referências

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• ¹
  Destacamos que consideramos aqui o humor a partir de seu aspecto risível, que pode ser encontrado em diversas manifestações discursivas, como a ironia, a charge, a paródia, entre outros. Enquanto estratégia, o uso do humor e de memes visa tornar algo risível, de modo que assim possa circular com mais facilidade no contexto da rede.
• ²
  http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/164411-O-PASQUIM\-\--A-SUBVERSAO-DO-HUMOR.html
• ³
  Obras clássicas como os quadros O grito, de Edvard Munch, e A última ceia, de Leonardo da Vinci, e textos como O mito da caverna, de Platão, são frequentemente apropriados e ressignificados na cultura popular, com o objetivo de apresentar críticas sociais, em diferentes contextos, de forma risível.
• ⁴
  Não é nosso objetivo discutir as causas ou efeitos da negação política no Brasil em 2018, no entanto, enquanto condição de produção dos discursos humorísticos, é relevante apontar este aspecto.
• ⁵
  Consideramos aqui como discurso político toda mensagem produzida por sujeitos políticos – como Ciro Gomes – ou sobre sujeitos políticos no contexto político eleitoral, como o analisado neste trabalho.
• ⁶
  Na retórica aristotélica, a noção de ethos se refere ao caráter do orador, que deve ser construído de forma intrínseca no discurso (ou seja, a forma como o orador se apresenta aos ouvintes).
• ⁷
  Herring (2012) sugere a inclusão da multimodalidade como um quinto nível de análise, mas optou-se por manter a análise apenas no âmbito dos quatro níveis da proposta inicial da autora. Isto porque entende-se que a multimodalidade pode ser explorada no nível da estrutura.
• ⁸
  https://twitter.com/cirogomes/status/1037786562300395520.
• ⁹
  https://twitter.com/cirogomes/status/1038532445279330304.
• ¹⁰
  https://twitter.com/cirogomes/status/1038939793546207239.
• ¹¹
  https://twitter.com/cirogomes/status/1039519041168134144.
• ¹²
  Disponível: https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/09/08/ciro-sex-symbol-meme-confunde-internautas-que-se-apaixonam-de-verdade.htm.
• ¹³
  Disponível: https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/09/08/ciro-sex-symbol-meme-confunde-internautas-que-se-apaixonam-de-verdade.htm.
• ¹⁴
  Aproximação da palavra grega mimeme ao termo gene.
• ¹⁵
  Utilização de uma montagem com sobreposição anormal e inesperada.
• ¹⁶
  Relatada também na reportagem do Buzzfeed Brasil, autor do tweet original: https://www.buzzfeed.com/victornascimento/ciro-gomes-abc-beyonce.
• ¹⁷
  GIF é um formato de imagem que permite a junção de uma sequência de imagens gerando uma sensação de movimento. O formato GIF é utilizado para gerar imagens animadas que se assemelham a um vídeo.
• ¹⁸
  O vídeo está disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?time_continue=7&v=z79F_BqNh3g.
• ¹⁹
  Contas verificadas no Twitter não foram anonimizadas em função de sua característica pública.
• ²⁰
  O humor não é resignado, mas rebelde. Significa não apenas o triunfo do ego, mas também o do princípio do prazer, que pode aqui afirmar-se contra a crueldade das circunstâncias reais.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Fev 2024
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  04 Dez 2020
• Aceito
  05 Set 2022