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INTEGRAÇÃO INTERDISCIPLINAR NO ENSINO PRÉ-CLÍNICO DO APARELHO DIGESTIVO: DESCRIÇÃO E AVALIAÇÃO

Resumo:

Este trabalho apresenta um estudo avaliador acerca de um curso de Aparelho Digestivo em nível pré-clínico e de caráter interdisciplinar, cujas características são descritas. Utilizou-se um questionário, compreendendo múltiplos indicadores das percepções dos alunos, que foi aplicado a turmas sucessivas do curso, numa série temporal. Os propósitos da avaliação eram monitorar o funcionamento do curso e verificar os efeitos de mudanças seletivas no estilo de ensino. Os resultados obtidos sugerem maior impacto da integração interdisciplinar, melhor adaptação dos alunos ao processo de ensino-aprendizagem e aumento no valor e no significado pessoal do aprendizado adquirido. Os efeitos podem ser atribuídos, em boa parte, ao impacto da combinação de módulos de aprendizagem, estudo baseado em problemas clínicos e trabalho em grupo pequeno. Os dados apresentados contribuem para a apreciação da potencialidade dos métodos empregados e da possibilidade de inovação seletiva no ensino pré-clínico.

Summary:

This work presents an evaluative study of a pre-clinical course on the digesitve systems that features an interdisciplinary approach. The purposes of the evaluation where monitoring of the course and the assessment of planned changes in educational style. Using a time series design data were obtained by mean of a broad questionnaire on succsessive groups of students. The results suggest a greater impact of the interdisciplinary integration, better adaptation of the students and an increased value and meaning-fulness of their learning. These effects can be ascribed mostly to the association of problem-based learning modules with small group work. This study contributes information on the potential value of these techniques in selective innovation of pre­ clinical teaching.

INTRODUÇÃO

Os efeitos da integração interdisciplinar nos estudantes dependem, presumivelmente, dos métodos empregados na operacionalização desse conceito. Benor descreve os tipos de métodos e a diversidade de combinações possíveis.11. BENOR, D. E. - Interdisciplinary integration in medical education: theory and method. Medical Education, Edinburgh, 16 (6): 355-61, 1982.

No Curso Médico da Universidade de Brasília, a articulação e interrelação de matérias básicas, reunidas em temas de sistemas e aparelhos, caracterizam a integração interdisciplinar na etapa pré-clínica.77. SOBRAL, Dejano T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5 (3): 216-21, 1981. Em 1978, uma apreciação crítica do funcionamento dessa abordagem revelou discrepâncias entre as características almejadas e a realidade percebida. No curso de Aparelho Digestivo1 1 No currículo, Aparelho Digestivo é uma disciplina obrigatória, aqui denominada curso para maior clareza. , essas discrepâncias assumiam três aspectos principais: desproporção entre a quantidade de matéria ministrada e a aplicação prática correspondente, limitação na capacidade dos alunos em usar a informação adquirida e má-adaptação de muitos alunos ao sistema de ensino.

No intuito de promover uma aprendizagem mais satisfatória e eficaz, decidiu-se renovar o estilo de ensino do curso em questão. Numa fase inicial, incorporou-se uma variante do método do grupo de aprendizagem em combinação com material didático de apoio (estudo orientado)66. PEALMUTTER, Shirley - Dynamics of a learning group. In: Educacional strategies for health professions, ed. G.E. Miller & T. Fülöp. Public Health Papers n.o 61. Geneva, WHO, 1974, p. 46-54.. A mudança subseqüente consistiu na adaptação do estudo orientado ao método da aprendizagem baseada em problema99. SCHMIDT, H. G. - Problem-based learning: rationale and description. Medical Education , Edinburgh, 17 (1): 11-16, 1983.. Neste particular levaram-se em consideração os modelos e as evidências favoráveis registradas na literatura44. ENGEL, C. E. & CLARKE, R. M. - Medical education with a difference. PLET, London, 16(1): 70-87, 1979.),(55. NEUFELD, V. R. & BARROWS, H. S. - The “McMaster Philosophy”: an approach to medical education. J. Med. Educ., Washington, 49 (11): 1040-50, 1974.. Os efeitos das mudanças no estilo de ensino foram acompanhadas pela aplicação de um questionário de avaliação, respondido por alunos de turmas sucessivas do curso, na série temporal de períodos letivos. Os resultados dessa avaliação indicam aumento na utilidade e adequação do processo de ensino-aprendizagem, intensificação da reação afetiva positiva e, paralelamente, um incremento no valor atribuído ao aprendiz ado no curso.

Este trabalho contém uma descrição das condições e dos processos definidos no plano de ensino de curso e uma apreciação seletiva da avaliação realizada, em relação ao impacto da renovação no estilo de ensino.

DESCRIÇÃO DO CURSO

Nesta descrição, apresentam-se alguns aspectos das metas, do programa, dos recursos docentes e dos métodos de organização e apresentação do conteúdo, contidos no plano de ensino atual do curso Aparelho Digestivo. Este curso se situa no quinto, ou sexto, período letivo - por força da cadeia de pré-requisitos - e tem uma carga horária semanal de oito e uma duração total de cento e vinte horas, desdobradas em sessenta sessões de ensino-aprendizagem.

Metas

As metas do curso são compatíveis com os propósitos gerais da etapa pré-clínica do currículo, descritas noutro trabalho e são sintetizadas a seguir77. SOBRAL, Dejano T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5 (3): 216-21, 1981.. Ao completar o curso, no confronto de situações definidas, o aluno deve estar capacitado a: 1) explicar a base biomédica de cada problema clínico selecionado, de acordo com o programa de tópicos; 2) avaliar a natureza e o modo de controle dos problemas clínicos selecionados, em relação a questões explícitas; 3) demonstrar o desenvolvimento de um perfil de conduta adequado, no papel de médico-estudante, em termos de atitudes e habilidades especificadas.

Conteúdo

O programa do curso abrange tópicos de anatomia, histologia, embriologia, fisiologia e fisiopatologia, patologia, farmacologia, nutrição e metabolismo e iniciação à clínica. A interrelação desses tópicos se faz através da seqüência de boca, faringe, esôfago, estômago, intestinos, fígado e vias biliares e aparelho digestivo em geral. Problemas clínicos (quinze, no total) servem como elementos de integração, de orientação de estudo e de aplicação prática em cada parte dessa seqüência.

Recursos docentes

A execução da instrução no curso tem sido feita por seis, ou sete, professores2 2 Além do autor, os seguintes docentes participam do ensino, por ordem de antiguidade: Renato R. Figueira, Gabriela C. Saraiva, Albino V. Magalhães, Maria Lucia Teixeira, Armando Bezerra e Fernando B. Ubatuba. que se responsabilizam pelas diversas áreas disciplinares. A disponibilidade total da equipe docente alcança duzentas horas ao longo do período letivo, o que permite distribuir os alunos matriculados (cerca de quarenta e cinco por semestre) em turmas de tamanho variável, conforme o método de ensino.

Métodos

Os cenários, onde se realiza a instrução didática, variam entre a sala de seminário, o laboratório multidisciplinar e o laboratório de anatomia, principalmente. Diversas formas de ensino - preleção, seminário, discussão em pequeno grupo (cinco a oito alunos), demonstração, trabalho laboratorial, estudo orientado e projeto eletivo - são utilizadas, em proporções que variam de 5 a 34% do tempo total. O estudo orientado estrutura-se em módulos de instrução - contendo roteiro, questões, exercícios, problemas clínicos, verificação e referências - para cada parte (boca, esôfago etc.) da seqüência do curso.

O uso da variedade de cenários e formas de ensino e de problemas clínicos visa a facilitar uma integração de processos de aprendizagem, não apenas em nível cognitivo, mas, também, em nível afetivo. Em particular, busca-se desenvolver no estudante vários atributos pertinentes ao papel do médico (autocrítica, responsabilidade, cooperação, independência na aprendizagem e capacidade de solucionar problemas), além de domínio de informação. Outra expectativa é o fortalecimento do papel ativo do estudante, não somente em termos de participação, mas, ainda, no sentido de integrador do aprendizado.

AVALIAÇÃO DO CURSO

Neste trabalho, a avaliação dos processos e dos resultados do sistema de ensino de Aparelho Digestivo focaliza estas questões: a) Quais são os efeitos principais do curso em termos das apreciações de seus participantes? b) Que diferenças ocorreram ao longo da duração do estudo? c) Que vantagens, ou desvantagens, são percebidas na comparação com disciplinas congêneres?

Métodos

A captação de informações foi iniciada em 1976 e, desde 1979, mantém o formato e a cobertura atuais. Ao longo de quinze semestres, contribuíram no estudo seiscentos e vinte e cinco alunos, distribuídos em treze turmas. (Não houve avaliação no período 1/77 e oferta do curso no período 2/82). As treze turmas foram agrupadas em três fases da série temporal do estudo: a primeira fase abrange quatro turmas, a segunda cinco e a terceira, quatro turmas. Na primeira fase, o sistema de ensino se equiparava ao do pré-clínico em geral, com ênfase em seminário, demonstração, trabalho laboratorial e preleção77. SOBRAL, Dejano T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5 (3): 216-21, 1981.. A segunda fase caracterizou-se pelo desenvolvimento do estudo orientado (módulo de instrução) e pela introdução da técnica de grupo de aprendizagem com supervisão intermitente. A terceira fase definiu-se pela adaptação do estudo orientado ao modelo de aprendizagem baseada em problema clínico44. ENGEL, C. E. & CLARKE, R. M. - Medical education with a difference. PLET, London, 16(1): 70-87, 1979..

Dois instrumentos básicos foram utilizados na captação de dados:

  1. inventário de características e expectativas dos estudantes, contendo itens sobre motivação, estilo de aprendizagem, interesses e necessidades percebidas, que são respondidas na primeira semana do curso. Essa documentação não será analisada neste trabalho. Cumpre referir, porém, que não houve alterações significantes no perfil do alunado em, pelo menos, três características: motivação inicial, estilo de aprendizagem e preferência por habilidades;

  2. questionário de avaliação do curso, segundo as percepções dos estudantes, consistindo de indicadores de organização do processo de ensino-aprendizagem (15 itens), desenvolvimento de habilidades (12 itens), valor e significado do aprendizado (15 itens) e reação afetiva. Essa documentação é preenchida na última semana do curso, antes da divulgação da menção final.

Na análise dos dados foram computados os seguintes índices:

  1. índices de tono afetivo, definidos pelas pontuações feitas pelo estudante, numa escala gráfica ortogonal, da intensidade de seus afetos de prazer vs ansiedade e de satisfação vs mágoa, em relação à vivência do curso; a resultante algébrica desses índices permite classificar cada estudante segundo quatro combinações de afetos ou sinais de adaptação (segundo French & Steward33. FRENCH, A P. & STEWARD, M. S. - Adaptation and affect: toward a synthesis of piagetian and psychoanalytic psychologies. Persp. Biol. Med., Chicago, 18 (4): 464-74, 1975.) que são identificados na Tabela 1.

  2. Graus de discrepância em fatores de aprendizagem; cada grau representa a diferença entre índices de extensão desejada e de extensão realmente percebida (ambas em escalas crescentes de um a cinco), numa característica do processo de ensino-aprendizagem: conhecimento dos resultados de desempenho, flexibilidade no ritmo de estudo, magnitude da correlação disciplinar, papel ativo do aluno, interação entre colegas na aprendizagem, oportunidade de prática e influência do aluno na seleção do conteúdo;

  3. índices de utilidade de métodos de ensino; cada índice representa a média de pontuações dos alunos (em escala crescente de zero a cinco), sobre a utilidade de determinada forma de ensino - a exemplo de preleção - na vivência de aprendizagem no curso;

  4. índice de valorização do aprendizado, representa a média de pontuações atribuídas a quinze itens agregados, que abrangem áreas de aprendizado cognitivo, afetivo e expressivo e de reação ao curso, em geral77. SOBRAL, Dejano T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5 (3): 216-21, 1981.. Cada item é uma afirmação com uma escala de resposta de cinco pontos (1 = discordo totalmente, 5 = concordo totalmente). Cinco itens típicos, utilizados na comparação entre vivências paralelas de aprendizagem, são: (a) a vivência de aprendizagem foi um tempo e esforço bem empregado; (b) a vivência de aprendizagem foi construtiva e definida­ mente proveitosa; (c) a vivência de aprendizagem foi significativa; (d) o curso ajudou a adquirir conhecimentos básicos importantes; e (e) tenho agora uma noção clara e integrada de conteúdo do curso;

  5. índice de desenvolvimento de habilidades, representa a extensão de capacitação ou progresso, percebido pelo estudante, em cada uma de doze diferentes habilidades e atributos, que incluem aquelas características preferidas pelos alunos(7. Calculou-se para cada item as médias das turmas sucessivas e de turmas agregadas em cada fase. Os dados de oito habilidades, identificadas na Tabela 5, são relatados neste trabalho.

TABELA 1
Distribuição dos Alunos Segundo Tipos de Adaptação Efetiva em Três Fases do Ensino de Aparelho Digestivo

RESULTADOS

Tono afetivo

O Gráfico I mostra o comportamento dos dois índices de afetos secundários, de sentidos opostos (resultantes das combinações de satisfação + prazer e de ansiedade + mágoa), na série temporal de turmas sucessivas. Ocorreram saltos significativos na pontuação do índice positivo (satisfação + prazer), em correlação com a introdução da técnica do grupo de aprendizagem na segunda fase e com a inovação do estudo orientado por problemas, na terceira fase. O índice negativo (ansiedade + mágoa) apresentou menor tendência crescente de uma fase para outra e maior flutuação dentro de cada fase (associada à variação da ocorrência de ansiedade), por fatores indefinidos.

GRÁFICO I
Tono afetivo*

A tendência para uma reação afetiva mais positiva, em associação com a mudança no estilo de ensino, expressa-se também na elevação da relação entre estudantes com adaptação plena (predo mínio de satisfação e prazer) e estudantes com má-adaptação (predomínio de ansiedade e mágoa). Ao longo da série temporal, essa relação passou de 2:1 para 7:1. A Tabela 1 revela a distribuição dos estudantes entre quatro tipos de adaptação e a variação observada na seqüência das fases da série temporal.

Fatores de aprendizagem

Os índices de expectativa (extensão, intensidade ou freqüência almejada) para os diferentes fatores do processo de ensino-aprendizagem variaram entre o mínimo de 2,4 para “influência do aluno na seleção do conteúdo” e o máximo de 4,0 para “correlação disciplinar” (na escala crescente de cinco pontos). A Tabela 2 mostra a ordem de preferência dos estudantes, em termos dos índices de expectativa para cada fator. Além disso, para cada característica, são comparados os graus de discrepância (diferença entre índices de expectativa e de realidade percebida) observados em Aparelho Digestivo e nos cursos congêneres. Os dados apresentados denotam que: (a) os graus de discrepância observados na vivência de Aparelho Digestivo são de magnitude mínima ou restrita, exceto no fator “influência do aluno na seleção do conteúdo”; (b) para qualquer característica, o grau de discrepância observado foi menor na vivência de Aparelho Digestivo do que na dos cursos congêneres.

TABELA 2
Fatores de Aprendizagem: Ordem de Expectativa e Grau de Discrepância Observados na Vivência de Aparelho Digestivo e de Cursos Congêneres

Esses dados referem-se à terceira fase da série temporal. Em comparação com a segunda fase, houve quedas significativas (acima de 25%) nos graus de discrepância no caso de dois fatores: “correlação disciplinar” e “conhecimento dos resultados do desempenho”. Não houve diferença no caso de “flexibilidade no ritmo de estudo” e de “papel ativo do estudante”.

Métodos de ensino

Observaram-se diferenças no impacto dos diversos métodos de ensino usados, em termos de utilidade na aprendizagem, segundo a percepção dos alunos. A Tabela 3 ilustra essas diferenças e, também, a elevação do índice de utilidade, para cinco dos sete métodos, na terceira fase da. série temporal. (O módulo de aprendizagem é representado, no horário didático, pelo tempo alocado ao estudo orientado).

TABELA 3
Métodos de Ensino: Diferenças de Utilidade Percebida na Aprendizagem em Duas Fases de Turmas Sucessivas de Aparelho Digestivo

Valorização do aprendizado

Uma medida da apreciação do curso pelos estudantes é dada pelo nível do índice global de valorização. Observou-se um salto significativo na pontuação deste indicador (na escala de cinco pontos), comparando-se turmas sucessivas da segunda e da terceira fases série temporal:

Períodos Letivos

Turmas Sucessivas:

1/79 2/79 1/80 2/80 1/81 2/81 1/82 1/83

Índice de Valorização:

3,84 3,64 4,07 3,89 4,34 4,31 4,33 4,44

A Tabela 4 mostra esse incremento na valorização do aprendizado, em termos da distribuição dos estudantes segundo níveis de valor atribuído à vivência do curso.

TABELA
4. Distribuição dos Alunos Conforme a Extensão do Valor Atribuído à Vivência de Aprendizagem em Duas Fases de Turmas Sucessivas de Aparelho Digestivo

O nível de valorização foi utilizado para comparar a vivência de aprendizagem em Aparelho Digestivo com aquela em cursos congêneres, na etapa pré-clínica. Uma comparação emparelhada dos índices de valorização de aprendizado revelou diferença significante, a favor da primeira, em cada turma consecutiva a partir do período 1/79.

Desenvolvimento de habilidades

Por fim, foram registradas tendências históricas crescentes no desenvolvimento de diversas habilidades durante a vivência do curso, segundo as percepções dos estudantes. A Tabela 5 mostra que os incrementos mais significativos foram observados em relação às capacidades de exploração e de solução de problema. Em contraste revelador, não houve alteração no índice de desenvolvimento da habilidade de leitura na vivência do curso, ao longo das três fases cie avaliação neste estudo.

TABELA 5
Percepção de Desenvolvimento de Habilidades: Tendências Observadas em Três Fases de Turmas Sucessivas de Aparelho Digestivo

COMENTÁRIOS

Na versão atual do plano de ensino, o curso Aparelho Digestivo apresenta uma extensão significativa de integração interdisciplinar, em termos de vários critérios discutidos por Benor, a saber, âmbito de integração, papel do estudante e modos de aprendizagem. Essas características são discernidas em termos de processos e parecem representar vantagens do curso, na comparação com programas de ensino equivalentes1. Além disso, seus efeitos são apreciados pela maioria dos alunos, a julgar pelos indicadores utilizados.

O comportamento dos indicadores de adequação de ensino-aprendizagem, de valorização do aprendizado e de desenvolvimento de habilidades, sugere uma melhoria progressiva na qualidade dos processos e dos resultados da aprendizagem, ao longo da duração da série temporal de turmas sucessivas. Em particular, vale ressaltar a evidência positiva do indicador de valorização do aprendizado, que reflete a qualidade e o significado pessoal do aprendizado adquirido nos aspectos cognitivo, afetivo e expressivo.

Os efeitos observados são significativos, no sentido educativo e podem ser atribuídos, em parte, às mudanças no estilo de ensino pela combinação de módulos de aprendizagem baseados em problemas clínicos com a técnica do grupo de aprendizagem. O benefício dessa associação é discutido, entre outros, por Neufeld & Barrows, Engel & Clarke e Schmidt, comparando currículos inovativos e tradicionais55. NEUFELD, V. R. & BARROWS, H. S. - The “McMaster Philosophy”: an approach to medical education. J. Med. Educ., Washington, 49 (11): 1040-50, 1974.),(44. ENGEL, C. E. & CLARKE, R. M. - Medical education with a difference. PLET, London, 16(1): 70-87, 1979.),(99. SCHMIDT, H. G. - Problem-based learning: rationale and description. Medical Education , Edinburgh, 17 (1): 11-16, 1983.. No presente caso, a comparação dos efeitos se faz entre cursos congêneres do mesmo currículo, antes e depois da renovação seletiva nos métodos de ensino.

Alguns indícios obtidos, a exemplo do incremento no índice de utilidade dos métodos de ensino (preleção e demonstração, entre outros), sugerem que houve também uma melhoria na própria efetividade docente, em termos de condutas específicas de ensino88. SOBRAL, Dejano T. - O papel docente em medicina: avaliação pelos estudantes. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 7 (1): 9-13, 1983.. Outras possibilidades para explicar as tendências observadas não podem ser totalmente descartadas, pelas próprias limitações do modelo de estudo empregado22. FITZ-GIBBON, Carol T. & MORAIS, Lynn L. - How to design a program evaluation. Beverly Hills, Sage Publications, 1978, p. 93-112.. Em particular, a possível mudança nas características iniciais dos alunos - ao longo da série temporal - não se refletiu na composição das turmas agregadas, ao menos em termos de preferência por habilidades específicas e motivação inicial. Entretanto, a influência de eventos externos inidentificáveis não pode ser eliminada.

A evidência de melhoria apresentada neste trabalho se limita aos efeitos percebidos pelos alunos, em conexão com medidas de apreciação e de receptividade continuada, quanto aos processos e resultados do curso. Cabe indagar se respostas equivalentes seriam observadas em medidas de efetividade, especialmente em termos do grau de transferência e da duração de retenção do aprendizado. Dificuldades metodológicas ainda impedem uma abordagem decisiva da questão.

Em conclusão, os indícios obtidos neste estudo sugerem a potencialidade da aprendizagem baseada em problemas, em particular, no sentido de ampliar o benefício educativo da integração interdisciplinar, ainda que adotada seletivamente na estrutura de um curso. Ademais, o exemplo indica a possibilidade dessa inovação no estilo de ensino a ser concretizada no ambiente de restrições e oportunidades do regime acadêmico de créditos, em vigor nas instituições universitárias brasileiras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BENOR, D. E. - Interdisciplinary integration in medical education: theory and method. Medical Education, Edinburgh, 16 (6): 355-61, 1982.
  • 2
    FITZ-GIBBON, Carol T. & MORAIS, Lynn L. - How to design a program evaluation Beverly Hills, Sage Publications, 1978, p. 93-112.
  • 3
    FRENCH, A P. & STEWARD, M. S. - Adaptation and affect: toward a synthesis of piagetian and psychoanalytic psychologies. Persp. Biol. Med, Chicago, 18 (4): 464-74, 1975.
  • 4
    ENGEL, C. E. & CLARKE, R. M. - Medical education with a difference. PLET, London, 16(1): 70-87, 1979.
  • 5
    NEUFELD, V. R. & BARROWS, H. S. - The “McMaster Philosophy”: an approach to medical education. J. Med. Educ, Washington, 49 (11): 1040-50, 1974.
  • 6
    PEALMUTTER, Shirley - Dynamics of a learning group. In: Educacional strategies for health professions, ed. G.E. Miller & T. Fülöp. Public Health Papers n.o 61. Geneva, WHO, 1974, p. 46-54.
  • 7
    SOBRAL, Dejano T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro, 5 (3): 216-21, 1981.
  • 8
    SOBRAL, Dejano T. - O papel docente em medicina: avaliação pelos estudantes. R. Bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro, 7 (1): 9-13, 1983.
  • 9
    SCHMIDT, H. G. - Problem-based learning: rationale and description. Medical Education , Edinburgh, 17 (1): 11-16, 1983.
  • 1
    No currículo, Aparelho Digestivo é uma disciplina obrigatória, aqui denominada curso para maior clareza.
  • 2
    Além do autor, os seguintes docentes participam do ensino, por ordem de antiguidade: Renato R. Figueira, Gabriela C. Saraiva, Albino V. Magalhães, Maria Lucia Teixeira, Armando Bezerra e Fernando B. Ubatuba.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1983
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