Acessibilidade / Reportar erro

O Ensino da Ética nas Faculdades de Medicina do Brasil

The Teaching of Ethics in Medical Schools in Brazil

Resumo:

Avaliou-se o ensino da ética nas 103 faculdades de Medicina existentes no Brasil, em 2001, confortando-o com pesquisa realizada há uma década. O levantamento foi realizado por meio de questionários e contato com os responsáveis pela disciplina. Os resultados principais mostram que a ética é ensinada em 93 faculdade e 10 são escolas novas; em 32,3% das escolas, a ética e disciplina autônoma, em 58% é matéria lecionada em outra(s) disciplina(s), principalmente a Medicina legal, em 5,4% disciplina autônoma e também matéria associada a outra(s) disciplina(s), e em 4,3% é matéria associada a módulos interdisciplinares. Na maioria das faculdades, é lecionada apenas no 4° ano; em 63,4% da faculdade, a carga horária de ética não ultrapassa 45 horas, e em 74,2% delas é de 60 horas, no máximo. Conclui-se que nos últimos dez anos não houve mudanças significativas no ensino da ética nas faculdades de Medicina do Brasil, mais nota-se uma tendência para sua melhoria.

Palavra-chave:
Ética Médica; Bioética; Educação Médica; Escolas Médicas; Brasil

Abstract:

The current study focused on an evaluation of the teaching of ethics in the 103 accredited medical schools in Brazil in 2001. The results were compared with those of an equivalent study conducted ten years previously. The survey was conducted using questionnaires and personal contact with subjects. The main results showed that ethics is taught in 93 schools ( of which tem are new).In 32,3% of the schools, ethics is a course in itself, while in 58% of these schools it is taught within another/other subject(s), mostly together with forensic medicine. In 5,4% of the medical schools it is both a course in itself and is taught within another/other discipline(s). In 4,3% of the cases, teaching of ethics is associated with interdisciplinar modules. In most medical schools it is only a lecture topic in the fourth year. In 63,4% of the schools, total ethics course time does not exceed 45 classroom hours, in 74,2% it corresponds to a maximum of 60 hours. The authors conclude that in the last 10 years no significant changes have taken place in the teaching of ethics in medical schools in Brazil, although there appears to be a trend towards improvement.

Key-words:
-Etnies, Medical; Bioethics; Education, Medical; Schools, Medical; Brazil

INTRODUÇÃO

Nos últimos 150 anos, a acelerada evolução científica da Medicina suplantou, certamente, todo o desenvolvimento técnico que ela teve até então. O acentuado progresso dos métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, que se iniciou com o aporte dos conceitos da biologia experimental, fundada por Claude Bernard11. Bernard C. Introduced the study of experimental medicine. New York: Macmillan; 1927. em meados do século XIX, ocasionou um aumento de cerca de 50% na vida média do ser humano, nos países desenvolvidos, nesse período. Esse desenvolvimento técnico tem contribuído para a inegável ascensão do prestígio social da Medicina, como ciência, em nossa sociedade, porém acarretou um distanciamento entre a medicina e a Ética. A publicação do Relatório Flexner22. Camargo MCZA. O ensino da ética médica e o horizonte da bioética. Bioética 1996; 4(1): 47-51., contendo a realidade da Medicina do início deste século e as propostas de mudança para que se chegasse à Medicina científica da atualidade, é acusado de ter contribuído para esse fato(16).

É interessante notar que, no final da obra magna que tem embasado a ética médica há mais de dois milênios - o Jura mento Médico -, Hipócrates já prognosticava: "Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, a minha vida e a minha arte de boa reputação entre os homens; se eu o infringir ou dele me afastar, suceda-me o contrário"99. Lacaz CS. O prestígio do médico. Folha de São Paulo; 10 ago 1980.p.14..

O que se observa, hoje em dia, é que o prestígio social do médico não aumentou na mesma proporção do alcançado pela ciência que ele pratica. Ao contrário, as queixas contra médico no, Conselho, Regionais de Medicina e as frequentes notícias da mídia, nas duas últimas décadas, acusando médicos de serem pouco "humanos" e de não terem uma conduta digna maculam a boa reputação dos profissionais da medicina e diminuem seu prestígio.

A carência de postura ética compatível com os elevados ideais da profissão é mencionada como um dos principais fatores para essa diminuição de prestígio do médico1010. Lopes JL. A ética médica na formação profissional de medicina. Rev Bras Educ Méd 1980; 4(2): 45-52.). A deficiência de formação humanística, com cursos de Medicina voltados eminentemente para os aspectos técnicos da profissão, é também apontada como uma das causas preponderantes do problema.

O surgimento da Bioética, na década de 70, representa uma promessa de mudança dessa situação. A Medicina, com a assimilação dos princípios da Bioética, tende, atualmente, a lutar não apenas pelo prolongamento da vida, porém, cada vez mais, pela promoção da qualidade de vida e da dignidade do ser humano1313. Serrano OR. La enseñanza de la Ética Médica en las Escuelas de Medicina. In: Proceedings XIVth CIOMS Round Table Conference; 1-3 dec. 1980; Geneva: CIOMS, 1981. p.38-41.. Mas é necessário incentivar o seu ensino nas escolas médicas, para que essas mudanças sejam alcançadas.

Por outro lado, os Conselhos de Medicina, ao exercerem sua atividade judicante, se debatem com o problema de punir médicos que infringiram os artigos do Código de Ética Médica por desconhecerem a existência das normas éticas que regem o exercício profissional, como fica patente durante o processo disciplinar. Em outras palavras, adotaram condutas antiéticas porque não receberam, na escola médica, a instrução adequada que poderia ter evitado que cometessem o delito. Desse modo, o ensino da ética, para esses órgãos, deve assumir caráter prioritário, a fim de se buscar o ideal expresso pela máxima "instruir para não punir".

Neste panorama, sobressai, portanto, a importância do ensino da ética nas faculdades de Medicina, para a melhoria do perfil profissional do médico e o resgate do seu prestígio social.

O ensino da ética médica, no Brasil, foi ministrado, classicamente - desde o final do século XIX - pela disciplina de Medicina Legal e Deontologia Médica. Mestres como Oscar Freire, Flamínio Fávero, Estácio de Lima e outros nos legaram aulas e escritos notáveis sobre ética, que fazem parte da nossa literatura médico-legal. A justificativa maior dessa ligação entre a ética e a medicina legal é a íntima relação entre a lei e o exercício profissional1111. Meira AR, Cunha MMS. O ensino da ética médica em nível de graduação nas faculdades de medicina do Brasil. Rev Bras Educ Méd 1992; 18(1): 7-10..

Fávero descrevia as qualidades morais que um médico deve ter para o exercício da medicina, citando em primeiro lugar a vocação médica, a dignidade, a honestidade e a coragem, além de um verdadeiro espírito de sacrifício, ʺpronto sempre para o bem, a avaliar e consolar os que ele necessitamʺ66. Fávero F. Medicina Legal. São Paulo: Martins Fontes; 1973..

Gomes afirma que, entre nós, consideramos como princípios fundamentais para a formação do caráter ou do acervo ético-crítico de que deve estar dotado o profissional de saúde: a justiça, a bondade, o respeito à autonomia, a beneficência, a não-maleficência ou primum non nocere, a solidariedade, o sigilo, a preservação da vida (humana ambiental), a índole para alívio do sofrimento. Portanto, o objetivo imediato da educação ética em Medicina vem a ser inculcar valores, moldar o caráter, promover os princípios essenciais e alcançar como resultado a modelagem das virtudes, mínima e consistente, para uma conduta profissional adequada. As razões ditas antigas na modelagem ética do profissional de saúde estão ligadas à necessidade de formar uma consciência ética de relação ou imprimir na personalidade um forte acento de respeito incondicional aos direitos fundamentais. Essas razões estão ligadas, ainda, à necessidade de oferecer ao profissional de saúde a postura ética aprendida e estimulada, saudável e proveitosa na relação com o paciente, outros profissionais e a sociedade em geral88. Jones WS. Hippocrates. In: Reiser SJ, Dyck PJ, Curran WJ. Ethics in Medicine: historical perspectives and contemporary concerns. Cambridge: MIT Press; 1977. p.23-7..

O Conselho Federal de Medicina decidiu, em 1975, que "o ética médica deve ser ensinada aos estudantes de Medicina ao longo de todo o seu curso médico"33. Conselho Federal de Medicina. Resolução 664. Brasília (DF): CFM; 1975..

Coura defende que esse ensino deve começar no primeiro e segundo anos com "bases éticas da experimentação", seguindo-se no terceiro ano junto à propedêutica médica44. Coura JR. Uma proposta para o ensino da ética nas faculdades de medicina. Rev. Bras. Educ. Méd. 1984; 8(1): 38- 41..

Souza & Dantas, por outro lado, mostraram que, em 1984, a maior concentração do ensino da Deontologia era no oitavo e nono período do curso, compatível com o aprendizado clínico; achavam que o ensino da ética deveria constituir um momento de reflexão pessoal de cada um dos alunos sobre valores, objetivos de vida, preceitos éticos e legais e a profissão que deverão exercer com sua qualidade, direitos e deveres(15).

O relatório elaborado em 1985 pela Comissão de Ensino Médico do Cremesp, composta por professores de ética das faculdades de Medicina de São Paulo apontava que na maioria das escolas a ética médica era ministrada no ciclo profissional do curso, mas propunha que o seu ensino tivesse início no ciclo pré-clínico, se prolongasse ao longo de toda a graduação e se estendesse, inclusive, aos cursos de pós-graduação e de educação médica continuada55. Segre M, Meira AR, Pereira V, Almeida M, Sant'ana LA, Lima MCC, Muñoz DR. Relatório da Comissão de Ensino de Ética Médica nas Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo: CREMESP; 1985. (mimeo)..

Meira & Cunha, em levantamento realizado em 1992, detectaram que, na maioria dos cursos, a ética era ensinada no quarto ano médico e que só 24% das escolas ofereciam a disciplina nos três primeiros anos1212. Munoz DR, Fortes PAC. O princípio da autonomia e o sentimento livre e esclarecido. In: Cosia SI, org. Oselka GW, org. Garrafa V, org. Iniciação à Bioética. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1998 p. 53-70..

Para Serrano, o ensino da ética médica, tanto para estudantes de graduação como para os residentes e médicos em exercício, não deve consistir na análise de conceitos teóricos e sim no próprio exercício da atividade, pontuada pela máxima de que "a ética médica se ensina exercitando-a"1414. Souza EG, Dantas F. O ensino da deontologia nos cursos de graduação médica no Brasil. Rev Bras Educ Méd 1985; 9(1): 7-9..

Coura, após citar Serrano, complementa que outros advogam o ensino da ética por teólogos, filósofos ou "eticistas", com maior ênfase ora no ensino do humanismo médico, ora nas ciências da conduta e que, finalmente, os de visão mais eclética acreditam que a cooperação entre "cientistas" ou filósofos e professores-médicos daria os melhores resultados. Aduz o mesmo autor que, apesar de uma série de opiniões e experiências recentes, ainda estamos muito longe de um consenso sobre a melhor metodologia de ensino da ética médica. Perguntas básicas, como quem, como, quando e onde ensinar a ética médica, ainda não foram definitivamente respondidas33. Conselho Federal de Medicina. Resolução 664. Brasília (DF): CFM; 1975..

No Brasil, o levantamento mais recente que temos sobre o ensino da ética nas escolas médicas foi publicado há aproximadamente uma década1111. Meira AR, Cunha MMS. O ensino da ética médica em nível de graduação nas faculdades de medicina do Brasil. Rev Bras Educ Méd 1992; 18(1): 7-10.. Desde então, a ênfase dada ao estudo da ética nas ciências da saúde tem sido extraordinária. Alguns fatos vêm demonstrando a importância da ética para os profissionais de saúde, como a concretização da implantação das Comissões de Ética Médica e de Bioética nos hospitais e serviços de saúde; a criação, no Brasil, de periódicos e livros dedicados exclusivamente à ética na área de saúde; a fundação da Sociedade Brasileira e de sociedades regionais de Bioética; a regulamentação da ética em pesquisa com seres humanos em nosso país, tomando obrigatórios os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) em todas as instituições que realizam experiências no homem, como ocorre com os hospitais universitários; a realização de eventos nacionais e internacionais de ética nas ciências da saúde, como os Congressos Mundiais de Bioética, iniciados em 1994, nos quais o Brasil tem se destacado a ponto de ter sido escolhido para sede do que foi realizado em 2002. Entretanto, será que esse movimento tem se refletido no sistema formador, isto é, tem havido correspondente mobilização no ensino da ética nas faculdades de Medicina do Brasil?

OBJETIVOS

O objetivo central deste artigo é fornecer subsídios para responder às seguintes questões:

  • Como está sendo feito, atualmente, o ensino da ética nas faculdades de Medicina do Brasil?

  • Houve mudança significativa desse ensino na última década?

MATERIAL E MÉTODOS

O método utilizado no levantamento de dados sobre o ensino atual de ética nas 103 faculdades de Medicina existentes no Brasil, em 2001, foi, predominantemente, o envio de questionários aos professores responsáveis pelo ensino de ética. Estes questionários eram constituídos de questões fechadas (perguntas com várias opções de respostas, podendo ser assinalada mais de uma alternativa), porém no final havia um espaço aberto para respostas não especificadas no texto e para comentários e/ou explicações. Os professores foram contatados diretamente, por telefone, e-mail ou por meio de pessoas conhecidas, e, antes de responderem os questionários, a pesquisa lhes foi explicada, sendo solicitada a participação deles através de um termo de consentimento livre e esclarecido. Em alguns casos, os dados foram escolhidos por intermédio de entrevista por telefone, devido a dificuldades na recepção dos questionários. Nas escolas novas, em que nenhuma turma alcançou a série prevista para o ensino de ética, e nas faculdades em que não se conseguiu contato com o professor ou não se obteve a resposta do mesmo, os dados foram colhidos junto ao coordenador pedagógico ou à secretaria da escola, através dos meios citados, conseguindo-se, desse modo, obter os dados das 103 faculdades.

A relação das escolas médicas existentes no Brasil em 2001 e seus respectivos endereços e telefones foram obtidas por intermédio do Ministério da Educação e Conselho Federal de Medicina.

O questionário enviado abordou as seguintes questões:

  • A ética é lecionada na graduação?

  • Ê disciplina independente (nome da disciplina) ou é matéria associada (lecionada em outra disciplina)? Qual?

  • Em que departamento e ano (s) da graduação é lecionada?

  • Qual a carga horária para o aluno na graduação?

  • Quantos professores participam do ensino de ética na graduação? Exclusivos da disciplina? De outras disciplinas da faculdade? Não vinculados a outras disciplinas da faculdade? Convidados ocasionais? Outros?

  • Quais os métodos de ensino utilizados para lecionar ética na graduação?

  • Quais os objetivos do curso de ética na graduação?

  • Quais os principais temas abordados no ensino de ética na graduação?

  • Que elementos foram levados em consideração para a escolha dos objetivos e do conteúdo programático?

  • Quais as formas de avaliação do ensino de ética na graduação?

  • A escola tem pós-graduação (mestrado / doutorado)?

  • Em caso positivo, a ética é lecionada nesse curso?

  • Qual a formação básica do professor responsável pelo ensino de ética?

RESULTADOS

Das 103 faculdades de Medicina existentes no Brasil em 2001, 93 responderam que lecionam ética e 10 informaram que têm ética em seu currículo, mas, como são escolas novas, nenhuma turma alcançou a série prevista para o ensino da disciplina.

Os dados referentes ao ensino de ética nas faculdades de Medicina do Brasil em 2001 encontram-se nas Tabelas de 1 a 14.

TABELA 1
Distribuição das Faculdades de Medicina de Acordo com a Modalidade de Ensino de Ética na Graduação, em 2001

TABELA 2
Distribuição das Faculdades de Medicina de Acordo com a Designação Dada à Ética como Disciplina Autônoma do Curso de Graduação, em 2001

TABELA 3
Distribuição das Faculdades de Medicina de Acordo com a Designação Dada à Disciplina da Graduação em que a Ética é ministrada como Matéria Associada, em 2001

TABELA 4
Distribuição das Faculdades de Medicina de Acordo com o Departamento ou Local em que a Ética é Lecionada na Graduação, em 2001

TABELA 5
Distribuição das Faculdades de Medicina de Acordo com o Ano da Graduação em que a Ética é lecionada, em 2001

TABELA 6
Distribuição da Carga Horária/ Aluno de Ética nas Faculdades de Medicina na Graduação, em 2001
TABELA 7
Distribuição das Faculdades de Medicina Quanto ao Número de Professores que Participam do Ensino de Ética na Graduação, em 2001
TABELA 8
Distribuição do Número de Faculdades de Medicina em Relação aos Métodos de Ensino Utilizados para Lecionar Ética Médica, em 2001
TABELA 9
Distribuição do Número de Faculdades de Medicinas Quinto aos Objetivos do Curso de ética Médica na Graduação, em 2001
TABELA 10
Distribuição do Número de Faculdades de Medicina Quanto aos Principais Temas Abordados no Ensino de ética Médica na Graduação, em 2001
Tabela 11
Distribuição do Número de Faculdades de medicina em Relação aos Elementos Considerados na Escolha dos Objetivos e do Conteúdo Programático
Tabela 12
Distribuição do Número de Faculdades de Medicina Quanto às Formas de Avaliação da Ética, em 2001
Tabela 13
Distribuição do Número de Faculdades de Medicina Quanto ao Ensino de Ética Médica na Pós-Graduação, em 2001

Tabela 14
Relação do Número de Professores de Acordo com a Formação Básica que Exercem, em 2001

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Neste trabalho, incluímos como ensino de ética tanto os cursos de ética médica e Bioética quanto os de Deontologia e outros com diferentes denominações, mas cuja finalidade é ensinar ética.

As 103 faculdades de Medicina do Brasil responderam, por intermédio de seus professores ou responsáveis, que possuem ética em seu currículo de graduação em 2001, porém, 10 são escolas novas, cujas turmas não alcançaram a série prevista para o seu ensino. A ética existe formalmente no currículo, como disciplina independente, em 37,7% das faculdades; em 62,3% é matéria ministrada por outra (s) disciplina (s), ou está distribuída ao longo do curso, sendo seus temas lecionados ou discutidos em módulos interdisciplinares (Tabela 1). A ética, como matéria associada a outra (s) disciplina (s), é ministrada junto com Medicina Legal na maioria (81,5%) das faculdades (Tabela 3).

A maior parte das escolas médicas (76,1%)leciona ética em uma única série da graduação, sendo que 27,8%delas concentram seu ensino no 4° ano, e 60%o ministram no 3°, 4° ou 5° ano. A ética é ensinada em dois anos em 11% das faculdades e somente 2,2% a incluem em três anos letivos. Apenas 3 faculdades (3,1%) têm ética nos seis anos do curso médico. A carga horária/aluno é de, no máximo, 45 horas em 63,4% das faculdades; em 20,4%, o número de horas destinado ao ensino da ética é de, no máximo, 15 horas, e em 7 escolas (9,1%) é de mais de 76 horas. Em 18,3% das escolas, não foi possível saber a carga horária dedicada à ética, por se tratar de matéria associada a uma ou mais disciplina(s) ou por seus temas serem discutidos ao longo do curso dentro de módulos interdisciplinares.

Trinta e sete faculdades (41,7%) têm somente 1 professor de ética; 62 (67,4%) têm no máximo 2, e 13 escolas (14,6%) não os têm, sendo a matéria lecionada por docentes de outras disciplinas. Em 38 estabelecimentos (42,7%), professores de outras disciplinas participam do ensino de ética.

Os principais métodos de ensino utilizados, na maioria das faculdades, para lecionar ética são aulas magistrais, mesas-redondas, discussão de casos e apresentação de seminários. Vinte e quatro escolas (26,9%) utilizam também outros métodos.

Os três objetivos mais importantes do curso de ética na graduação, apontados pelos professores, são: 1) formar profissionais mais humanos; 2) formar profissionais com postura ética compatível com elevados ideais da profissão;3) ensinar as normas que regem a profissão médica.

Os elementos considerados na escolha dos objetivos e do conteúdo programático são:1) a importância do tema salientado pela literatura especializada; 2) o programa tradicional da disciplina; 3) problemas e dúvidas ou sugestões de alunos e professores.

As formas de avaliação mais citadas pelos professores são: prova escrita dissertativa (77,5%), apresentação de seminário (60,7%), prova escrita através de testes (58,4%) e trabalho escrito sobre tema escolhido pelo professor (56,2%).

O programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado/ doutorado) existe em 54 faculdades de Medicina do Brasil, sendo que a ética só é lecionada em 44,4% delas.

A maioria (94,5%) dos professores responsáveis pelo ensino de ética nas faculdades de Medicina são médicos, sendo que alguns (5,6%), além de médicos, são também advogados.

É interessante notar que, confrontando nossos dados com os de Meira & Cunha1111. Meira AR, Cunha MMS. O ensino da ética médica em nível de graduação nas faculdades de medicina do Brasil. Rev Bras Educ Méd 1992; 18(1): 7-10., vemos que, em 1992, havia 79 faculdades de Medicina no Brasil, das quais 5,1% não lecionavam ética. Atualmente, há 103 faculdades, sendo que 100% delas possuem a disciplina em seu currículo da graduação. Ocorreu, portanto, aumento significativo (23,3%) do número de escolas, e todas lecionam ética.

Há uma década, em 33,3% das faculdades a ética era ministrada como disciplina autônoma, sendo que 68%delas a denominavam Deontologia, e em nenhuma o nome era Bioética; nesse intervalo de tempo, o número de escolas em que a ética e disciplina independente aumentou 4,4%, o termo Deontologia é mantido por 40% delas, e em 26,7% a designação utilizada é Bioética. Mesmo quando a ética é lecionada como matéria associada, a denominação Bioética é acoplada ao nome da disciplina por várias escolas.

No que tange ao conteúdo programático, dos 10 temas mais citados no levantamento daqueles autores, somente 2 (ética no início e no fim da vida) indicavam uma possível discussão filosófica, eventualmente afastada do que está codificado na legislação. Pelos nossos dados, entre os 10 principais temas abordados no ensino da ética em 2001, mais de 85% das escolas médicas responderam que 5 são eminentemente bioéticas: os direitos do paciente, os princípios da Bioética, a ética no início da vida (reprodução assistida, engenharia genética, esterilização, abortamento, etc.), a ética no fim da vida (postura frente ao paciente com doença incurável e de mau prognóstico, paciente terminal, eutanásia, etc.) e a ética na pesquisa com seres humanos. Note-se que apenas de 9% a 13,5% delas responderam que não lecionam esses temas.

Há dez anos, todas as escolas ministravam ética em um só ano letivo; a carga horária/aluno em 81,4% das faculdades era de, no máximo, 50 horas. Atualmente, a carga horária é oferecida em 79,3% das faculdades de, no máximo, 45 horas, e em 91,5% delas é de, no máximo, 60 horas. Portanto, percebe se que não houve mudanças significativa sem termos do número de horas dedicadas ao ensino de ética nas faculdades de Medicina neste período; o número de professores em 85,3% das escolas era de no máximo 2, sendo 96,1% médicos; atualmente, 69,7% delas têm, no máximo, 2 professores, e 1, 4 7% não têm professores exclusivos desta disciplina, sendo 94,4 médicos.

Em suma, na última década, houve a introdução da Bioética em um número significativo de faculdades de Medicina e nota-se uma propensão de mudança na filosofia do ensino de ética, que se reflete no conteúdo programático. Verifica-se também uma acentuada tendência (23,5% das escolas) de selecionar ética em mais de um período letivo. Entretanto, na maioria das faculdades, apesar de se observar um discreto aumento da carga horária para o aluno e do número de docentes, estes dados são insignificantes quando comparados aos de outras disciplinas consideradas importantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Bernard C. Introduced the study of experimental medicine. New York: Macmillan; 1927.
  • 2
    Camargo MCZA. O ensino da ética médica e o horizonte da bioética. Bioética 1996; 4(1): 47-51.
  • 3
    Conselho Federal de Medicina. Resolução 664. Brasília (DF): CFM; 1975.
  • 4
    Coura JR. Uma proposta para o ensino da ética nas faculdades de medicina. Rev. Bras. Educ. Méd. 1984; 8(1): 38- 41.
  • 5
    Segre M, Meira AR, Pereira V, Almeida M, Sant'ana LA, Lima MCC, Muñoz DR. Relatório da Comissão de Ensino de Ética Médica nas Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo: CREMESP; 1985. (mimeo).
  • 6
    Fávero F. Medicina Legal. São Paulo: Martins Fontes; 1973.
  • 7
    Gomes JCM. O atual ensino da ética para os profissionais de saúde e seus reflexos no cotidiano do povo brasileiro. Bioética. 1996; 4(1) : 53-64.
  • 8
    Jones WS. Hippocrates. In: Reiser SJ, Dyck PJ, Curran WJ. Ethics in Medicine: historical perspectives and contemporary concerns. Cambridge: MIT Press; 1977. p.23-7.
  • 9
    Lacaz CS. O prestígio do médico. Folha de São Paulo; 10 ago 1980.p.14.
  • 10
    Lopes JL. A ética médica na formação profissional de medicina. Rev Bras Educ Méd 1980; 4(2): 45-52.
  • 11
    Meira AR, Cunha MMS. O ensino da ética médica em nível de graduação nas faculdades de medicina do Brasil. Rev Bras Educ Méd 1992; 18(1): 7-10.
  • 12
    Munoz DR, Fortes PAC. O princípio da autonomia e o sentimento livre e esclarecido. In: Cosia SI, org. Oselka GW, org. Garrafa V, org. Iniciação à Bioética. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1998 p. 53-70.
  • 13
    Serrano OR. La enseñanza de la Ética Médica en las Escuelas de Medicina. In: Proceedings XIVth CIOMS Round Table Conference; 1-3 dec. 1980; Geneva: CIOMS, 1981. p.38-41.
  • 14
    Souza EG, Dantas F. O ensino da deontologia nos cursos de graduação médica no Brasil. Rev Bras Educ Méd 1985; 9(1): 7-9.
  • *Bolsa de iniciação científica fornecida pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Número do cadastro do projeto: 80033

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2003

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2002
  • Revisado
    14 Mar 2003
  • Aceito
    14 Mar 2003
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com