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Escrevivência: O Cansativo Processo de Ser uma Outsider Interna na Pós-Graduação em Administração

RESUMO

Objetivo:

este texto reflete sobre o cansaço presentes no processo de ser uma outsider interna na pós-graduação em Administração.

Marco Teórico:

a fim de explorar as entrelaçadas interseções presentes nas narrativas autobiográficas. Destaco o conceito outsider whitin para contemplar as experiências de grupos menos privilegiados, que se deparam com paradigmas estabelecidos por uma comunidade mais influente de insiders. Nesse movimento são desfeitas imagens que produzem identidades apáticas e sem possibilidade de se posicionar frente às dinâmicas sociais.

Método:

para isso, recorro ao operador teórico da Escrevivência de Conceição Evaristo para revisitar memórias e revelar, a partir de um diálogo transacional, produções localizadas nos saberes das mulheres negras. Além disso, incorporo o diálogo com as pensadoras feministas negras.

Resultados:

assim, são estimuladas reflexões, acolhimentos e representação de todos os povos, abordando não apenas o drama pessoal, mas a história de uma coletividade.

Conclusões:

por fim, articulo, por meio de um esforço utópico, possíveis caminhos para que cursos de pós-graduação em Administração possam romper os entraves vivenciados e elevar as potencialidades para aqueles que se dispõem a contribuir com o desenvolvimento social, científico e teórico do país.

Palavras-chave:
cansaço; interseccionalidade; feminismo negro; pós-graduação

ABSTRACT

Objective:

this reader reflects on the exhaustion of being an outsider within a postgraduate Administration program.

Theoretical approach:

I also incorporate dialogue with black feminist thinkers to explore the intertwined intersections in autobiographical narratives. I highlight the concept of outsider whitin to reflect experiences of less privileged groups, who come up against paradigms established by a more influential community of insiders. In this movement, I shatter images that produce apathetic identities, enabling them to position themselves in the face of social dynamics.

Method:

to do this, I use Conceição Evaristo's theoretical operator Escrevivência to revisit memories and reveal, through a transactional dialogue, productions located in the knowledge of black women.

Results:

in addition, I instigate reflections, acceptance, and representation of all peoples, addressing not only personal drama but also community history.

Conclusions:

finally, through a utopian effort, I articulate possible ways for postgraduate courses in Administration to break through the barriers experienced and raise the potential for those willing to contribute to the country's social, scientific, and theoretical development.

Keywords:
exhaustion; intersectionality; black feminism; postgraduate

FIO CONDUTOR DO PENSAMENTO: A PRESENÇA DO EU NEGRO NA CONSTRUÇÃO DE HISTÓRIAS

A escrevivência1 1 . Operador teórico que revisita memórias e revela estudos biográficos a partir de um diálogo transacional que enfatiza produções localizadas nos saberes das mulheres negras. Portanto, reflete conhecimentos ligados à memória, à oralidade, a histórias e a trajetórias fundadas em um fenômeno diaspórico fundado na figura da Mãe Preta. Assim, a escrevivência torna-se um ato de escrita das mulheres negras para desfazer imagens do passado e acordar a ‘casa-grande’ de seus sonos injustos (Evaristo, 2020; Fonseca, 2020). será o fio condutor de todas as percepções tratadas ao longo deste texto. Abraçar esse pensamento como cerne da escrita parte da necessidade primária de romper com descrições vazias, genéricas e universalizantes que circunscrevem o corpo que, antes de tudo, é vivido (Felisberto, 2020Felisberto, F. (2020). Escrevivência como rota de escrita acadêmica. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 164-181). Mina.). Alinho esse operador teórico à busca por refletir sobre as nuances presentes no meu cotidiano, fortalecendo o conhecimento advindo de minha dupla condição, o de mulher e negra, e como esse fato é atravessado por opressões. Portanto, a minha voz será ativa. Essa posição rompe com a práxis textual costumeiramente adotada na academia, que visa à neutralidade e reforça padrões acadêmicos que subscrevem as observações de mulheres do Sul Global (Akotirene, 2019Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA.; Anzaldúa, 2000Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: Uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas, 8(1), 229-236. https://doi.org/10.1590/%25x
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).

A autora responsável por fundamentar a escrevivência como um operador teórico é mulher, negra, brasileira, mineira e pensadora contemporânea, Conceição Evaristo. Conheci a sua potência em seu livro Olhos d’água que, àquela época, se tornou um estímulo para reflexões pessoais sobre mim, a realidade na qual estou inserida, os sujeitos e as sujeitas ao meu redor, bem como toda a estrutura que envolve a construção da imagem das pessoas negras na sociedade brasileira. Por meio de sua sensibilidade e ficcionalização da realidade, ela destaca o protagonismo do eu-feminino-negro envolvendo uma complexidade que se expressa no espaço literário, político e histórico (Nunes, 2020Nunes, I. R. (2020). Sobre o que nos move, sobre a vida. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 10-24). Mina.).

Segundo Conceição Evaristo, a figura fundante do termo é a Mãe Preta, escravizada na casa-grande, responsável por cuidar, alimentar, ninar e contar histórias para os futuros senhores (Evaristo, 2020). Essa articulação não foi concebida para adormecer a casa-grande que detém em suas mãos o futuro de uma sociedade, mas “acordá-los de seus sonos injustos” (Evaristo, 2020, p. 30). Assim, favorece uma resistência epistêmica que combate opressões em diferentes estruturas, como no foco deste texto: o poder estrutural intrínseco à academia. A erudição negra, portanto, busca produzir e disseminar conhecimentos, em busca de legitimidade, liberdade e construção do sentimento de pertencimento forjados pelo racismo (Muzanenhamo & Chowdhury, 2023Muzanenhamo, P., & Chowdhury, R. (2023). Epistemic injustice and hegemonic ordeal in management and organization studies: Advancing Black scholarship. Human Relations, 76(1), 3-26. https://doi.org/10.1177/00187267211014802
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).

Morfologicamente, Conceição Evaristo uniu os vocábulos ‘escrever’ e ‘viver’, formando um elemento textual que recupera e envolve, no ato de narrar as histórias, as vivências e as experiências das sujeitas e dos sujeitos brasileiros que têm uma nacionalidade hifenizada e diferenciada (Evaristo, 2020; Fonseca, 2020Fonseca, M. N. S. (2020). Escrevivência: Sentidos em construção. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 58-73). Mina.). Esses sujeitos e sujeitas se tornam detentores do poder para exercer uma autonomia literária, lexical e paradigmática. Assim, reflexionam demandas formuladas por e para nós, alinhando corpo, condição e experiência para compreender a revelação do negro, sendo as interseccionalidades inscritas em todo o texto e nas realidades expressas (Fonseca, 2020).

O termo ‘interseccionalidade’ se faz presente nos estudos acadêmicos e em outros contextos, como nas políticas públicas, nos debates jurídicos, no âmbito profissional, ativista, e até mesmo por blogueiros e blogueiras que influenciam a opinião pública (Collins & Bilge, 2021Collins, P. H., & Bilge, S. (2021). Interseccionalidade. Boitempo Editorial.). Segundo Yuval-Davis (2006Yuval-Davis, N. (2006). Intersectionality and feminist politics. European Journal of Women’s Studies, 13(3), 193-209. https://doi.org/10.1177/1350506806065752
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), as análises interseccionais se tornam centrais à medida que reconhecem a necessidade de observação das várias divisões sociais como categorias interconectadas. Hancock (2015Hancock, A.-M. (2015). Intersectionality: Intellectual property or meme. In A.-M. Hancock (Ed.), Intersectionality: An Intellectual History (pp. 1-36). https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199370368.003.0001
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) destaca que a maneira de pensar interseccionalidades impacta diferentes temas, pois pode ser interpretada como incompleta e permeada por políticas, uma ideia para um campo de estudo ou uma prática de alfabetização social. Essa lista se estende continuamente, fato que transcende o termo e o transporta para além da academia e das fronteiras nacionais.

Devido à multiplicidade de abordagens para o termo, utilizarei, ao longo deste projeto de estudo, a definição formulada nos estudos de Collins (1998Collins, P. H. (1998). It’s all in the family: Intersections of gender, race, and nation. Hypatia, 13(3), 62-82. https://www.jstor.org/stable/3810699
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, 2016, 2019, 2022) e Collins e Bilge (2021). A autora destaca que o pensamento interseccional é formado por sistemas de opressões que se retroalimentam. Desse modo, paradigmaticamente, interpreta e explica o conhecimento produzido e os processos utilizados para a fundamentação de sistemas de poder e suas conexões (Collins, 2022). Unidos esses eixos, forma-se uma arquitetura cognitiva própria de conhecimentos, não exclusivos e interconectados, que substanciam maneiras de pensar e favorecem a teorização. Ademais, possibilitam ruptura com a simples descrição dos fenômenos sociais, ampliando meios para compreender o mundo, entendendo-o como um produto da análise crítica. Fundamenta-se, assim, um vocabulário que permite pensar sobre o problema, suas semelhanças e diferenças (Collins, 2022).

Comungo também com as visões de Akotirene (2019Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA.) sobre o desafio político e o imperativo ativista envolvidos no tema, que preveem ações teóricas e práticas. Ademais, também é moldado pelo pensamento de hooks (2000hooks, b. (2000). Feminist theory: From margin to center. Editora Pluto Press.)2 2 . A autora bell hooks utiliza o seu nome grafado em letras minúsculas por uma opção política que visa a contrariar os ditames acadêmicos. Além disso, esse pseudônimo é um nome de família que visa a unir sentimentos sobre representações do eu, identidade e uma maneira de vincular a voz da autora a um legado ancestral da fala das mulheres (hooks, 2019). que, ao longo de suas vivências, sinaliza a importância de atentar para as inter-relações. Assim, busco evitar a marginalização de perspectivas e da hierarquia de opressões (que costumeiramente colocam o antagonismo entre sexos como o único prisma a ser investigado). Ademais, partilho o compromisso da criação de uma teoria feminista abrangente, com enfoque em um amplo leque de questões.

Nesse ponto vale destacar que a interseccionalidade também atua por meio de uma heurística própria para investigar os pensamentos estimulados pelas metáforas fundadas no pensamento interseccional (Collins, 2022Collins, P. H. (2022). Bem mais que ideias: A interseccionalidade como teoria social crítica. Boitempo Editorial.). Para estudos fundados sob essa ótica não é interessante entender fenômenos sociais de forma separada, mas encarar as relações que perpassam símbolos, práticas e ações. A heurística interseccional constrói meios para incorporar outros marcadores sociais da diferença de forma conectada aos tópicos de análise e, assim, possibilita meios para teorizar, estudar e repensar para explicar e estabelecer problemas sociais, além de conceder maior liberdade intelectual às pesquisadoras e aos pesquisadores que atuam na pauta a partir da sua abertura à atuação por meio de uma ferramenta inventiva que busca a resolução criticamente engajada de problemas sociais (Collins, 2022).

Segundo Conceição Evaristo, quando uma escritora afro-brasileira constrói uma personagem ficcional negra, ela é formulada a partir de dentro. Portanto, escre(viver) não é meramente a descrição de um corpo que ocorre através de uma narração inventiva e, muitas vezes, inanimada. A memória e as narrativas fundam-se nas marcas ancestrais inscritas na memória pessoal e coletiva que agrupa a experiência relatada. Manifestam-se como uma inscrição, notada pela memória da pele, das opressões e supressões, feitas a partir da identidade do corpo negro. Por esse sentido, a voz que enuncia traz uma memória histórica, enquanto descendente de mulheres que passaram por processos similares desde a escravização. Portanto, marca o lugar social contaminado de lembranças que estimulam o movimento de fazer e o dizer, bem como da palavra e da ação (Evaristo, 2020).

Além do mais, para o cenário nacional, pensando por intermédio de uma epistemologia feminista negra, possibilita a redução da supremacia feminista branca e ocidental nas pesquisas e práticas. Assim, influencia e gera integração do ideário de especificidades raciais, étnicas, religiosas e de classe social, além de reiterar a necessidade de superar visões limitantes acerca da identidade dos sujeitos. Logo, “ser mulher sem ser somente mulher … converter-se em um ser humano pleno e cheio de possibilidades e oportunidades para além de sua condição de raça e de gênero” (Carneiro, 2003Carneiro, S. (2003). Mulheres em movimento. Estudos Avançados, 17(49), 117-132. https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300008
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, p. 5).

Este artigo é forjado nessa comunhão conceitual que une feminismo negro e interseccionalidade para pensar experiências. Nesse caso, vivências individuais, mas que falam sobre outras mulheres. Portanto, eu, mulher, cis, hétero, negra, pobre, do interior de Minas Gerais, artista, pesquisadora e pensadora das realidades contemporâneas, falo sobre minha experiência na pós-graduação, interseccionada por todos os marcadores que me circunscrevem. As seções seguintes estão destinadas a favorecer essas visões. Na próxima, toma-se a escrevivência como um arcabouço teórico metodológico e sua potencialidade, e, nas seções seguintes, retomo minha voz para falar da minha realidade como estudante de doutorado e pesquisadora no campo da administração, a partir da observação por uma lente interseccional.

FORÇA MOTRIZ: A ESCREVIVÊNCIA COMO PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

Na comunhão entre o pensamento feminista negro e o interseccional, a escrevivência atua como um princípio conceitual-metodológico que busca suportar a história dos excluídos a partir de memórias e narrativas pessoais. É uma episteme que reflete a experiência, as perspectivas e a letra livre do agente da voz: o corpo negro (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.). Nesse processo, são desfeitas imagens do passado que produziram identidades subalternizadas, apáticas e sem voz frente às dinâmicas sociais (Nunes, 2020Nunes, I. R. (2020). Sobre o que nos move, sobre a vida. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 10-24). Mina.).

Portanto, o ato de escreviver auxilia a refletir sobre o estado das coisas, a partir de possibilidades de contestação e interrogação. Assim, auxilia mulheres negras a observarem o mundo e suas nuances não apenas em sua extensão, mas, principalmente, em profundidade (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.), além de provocar uma inserção de sujeitas e sujeitos para o mundo-vida a partir das próprias demandas, transversalmente às indagações daqueles que, por vezes, foram privados da condição de contar a sua história particular (Evaristo, 2020).

Alinhada a essa visão, que evita generalizações e adverte para a necessidade de observar demandas plurais, não busco delimitar etapas de condução metodológicas neste estudo. Contudo, entendo esse espaço como uma possibilidade de divulgação, discussão e ampliação da prática feminista negra e interseccional nos estudos organizacionais. Esse campo, historicamente, suporta processos de colonialidade e injustiça epistêmica que ordenam e simplificam o mundo segundo uma racionalidade instrumental (Dar, 2019Dar, S. (2019). The masque of Blackness: Or, performing assimilation in the white academe. Organization, 26(3), 432-446. https://doi.org/10.1177/1350508418805280
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; Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: Thinking otherness from the margins. Organization, 13(4), 463-488. https://doi.org/10.1177/1350508406065851
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). Entretanto, assim como Silva (2021Silva, C. R. (2021). Writing for survival (… and to breathe). Gender, Work & Organization, 28(2), 471-480. https://doi.org/10.1111/gwao.12578
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), entendo a academia como um potente espaço para construir uma luta acadêmica que reforça uma práxis subversiva. Portanto, nos próximos parágrafos, compartilho o percurso traçado da minha escrevivência, visando a romper padrões desenvolvidos que invalidam cosmologias presentes nas histórias, civilizações e culturas amefricanas3 3 . Segundo Lélia Gonzalez, a amefricanidade é uma categoria político-cultural, que permite construir um entendimento mais profundo de toda a América. Remete a uma identidade étnica que incorpora culturas que rompem com o racismo. Reforça o contexto histórico e cultural para além das regiões geográficas. Assim, refere-se ao caráter multirracial e pluricultural das sociedades da região. Ademais, contesta a apropriação do termo para definir apenas os estadunidenses (Gonzalez, 2020). (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras.; Martins, 2000Martins, L. M. (2000). A oralitura da memória. In M. N. S. Fonseca (Org.), Brasil Afro-Brasileiro (pp. 63-86). Autêntica.), além de promover novas abordagens que recriam a pesquisa por meio da observação das diferenças (Ibarra-Colado, 2006), evitando aniquilamento de narrativas localizadas em lugares de encruzilhadas (Martins, 2000).

Inicialmente, o ato de escreviver minhas memórias na pós-graduação se deu por meio do encontro simbólico com Conceição Evaristo, localizado na paixão por contar, reviver, escrever e observar histórias diversas. Escrever e ler se tornaram, desde a minha infância, uma experiência imersiva e o passatempo favorito. A biblioteca municipal da minha cidade foi o meu primeiro templo e lugar de refúgio onde encontrei referências e amizades, imaginárias e reais, que carrego comigo desde aquela época. Nesse período, também construí o hábito de traduzir minhas experiências cotidianas em diários, geralmente anotados em papéis coloridos à mão. Essa prática se mantém até minha vida adulta, um pouco difusa, sem a regularidade e o capricho da infância, mas com o mesmo propósito de transportar para o mundo físico sentimentos e percepções simbólicas.

Esses registros, além de fomentarem narrativas fundamentais à minha escrevivência, promoveram um mergulho profundo no universo pessoal e grupal observado. Nesse movimento, as memórias foram resgatadas e histórias próximas reconhecidas. Por meio de repertórios orais, corporais e hábitos, foram formadas compreensões que buscaram a criação, a passagem, a reprodução e a preservação das vivências (Martins, 2003Martins, L. M. (2003). Performances da oralitura: Corpo, lugar da memória. Letras, (26), 63-81. https://doi.org/10.5902/2176148511881
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). Nesse emaranhado de símbolos, articulei incessantemente a identidade e a voz, a partir de relações complexas entre o eu, o outro e os entornos históricos, sociais, culturais, linguísticos, econômicos e políticos, com os quais convivo (Martins, 2003). Assim, a minha experiência se intersecciona com a história coletiva e ancestral, principalmente aquelas vividas por negros e negras no contexto observado. Portanto, revelar essa observação reforça que o ato de escreviver não se restringe apenas a uma escrita de si (Felisberto, 2020Felisberto, F. (2020). Escrevivência como rota de escrita acadêmica. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 164-181). Mina.), mas retoma um sentido coletivo, notando a minha existência em comum à de outras mulheres (Cavalcante & Cavalcanti, 2021Cavalcante, I. F., & Cavalcanti, N. C. S. B. (2021). Escrevivendo: Experiências de docentes da educação básica, técnica e tecnológica representadas em memoriais de promoção para a carreira de titular. Humanidades & Inovação, 8(53), 87-102. https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/5925
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).

Para uma produção de conhecimento libertadora e organizada de acordo com a minha cosmovisão, busquei organizar minhas experiências, memórias, resgates e símbolos a partir da mítica dos abebés africanos dos orixás Oxum e Iemanjá. Segundo Evaristo (2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.), o espelho de Oxum traz à tona a verdade oculta nos corações das pessoas. Ao olhar para o espelho, a pessoa não poderia enganar-se ou esconder seus verdadeiros sentimentos e intenções. Esse artefato tem o poder de revelar a beleza interior, mas também as imperfeições e os aspectos sombrios. Por mito culturalmente descrito cria-se um símbolo que reflete a capacidade de enxergar além das aparências e acessar a verdade interior das pessoas. Ademais, permite observar as subjetividades e revelar os perigos experienciados, além de representar o autoconhecimento, a reflexão e a necessidade de encarar a si mesmo com sinceridade e honestidade para uma escrita vivida.

Já o espelho de Iemanjá reflete, acolhe e aponta para as necessidades da coletividade. Esse orixá é associado às águas salgadas, à maternidade, à fertilidade e à proteção. Frequentemente é retratada como uma figura materna e protetora, representando a energia feminina e a conexão com a natureza. O abebé de Iemanjá nos fortalece para compreender o outro (no caso deste estudo, as outras). Ao incorporar o coletivo, revela a nossa potência. Por esse espelho somos conscientizados da capacidade de escrever histórias por muitas vozes. Aprendemos também que a nossa imagem, o nosso corpo, é potência para acolhimento de nossos outros corpos, atrelando, assim, a palavra e a ação a uma forma de ler produções culturais múltiplas (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.).

Para transformar retalhos da memória em uma colcha repleta de sentidos, busquei costurar narrativas por meio de operadores teóricos baseados no pensamento feminista e interseccional. Compreender esse movimento e colocá-lo em prática atuaram como estímulos à minha criatividade. Além de pesquisadora, sou artista e a academia aniquilou o meu pensar vivo e imaginativo devido à recorrente necessidade de formulação de respostas universais e à obrigatoriedade de cumprir normas estruturais de escrita e pesquisa que se distanciam das experiências vividas (Gilmore et al., 2019Gilmore, S., Harding, N., Helin, J., & Pullen, A. (2019). Writing differently. Management Learning, 50(1), 3-10. https://doi.org/10.1177/1350507618811027
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). Assim, ao costurar, amarrar e promover um repertório feminista, negro e interseccional, fortaleci uma escrita autônoma e autoral (Felisberto, 2020Felisberto, F. (2020). Escrevivência como rota de escrita acadêmica. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 164-181). Mina.). Tornar a prática escrevivente um norte da escrita permitiu a ampliação e o aprofundamento de conhecimentos, possibilitando o fortalecimento e a criação de novos significados para aprender os caminhos que nos tornam humanos (Gilmore et al., 2019). Tornei-me artífice de memórias, capaz de exercer uma autonomia literária, lexical e estimular reflexões por e para nós, alinhando corpo, condição e experiência para compreender a revelação do negro, tornando, assim, as interseccionalidades um repertório inscrito em todo o texto e nas realidades expressas (Fonseca, 2020Fonseca, M. N. S. (2020). Escrevivência: Sentidos em construção. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 58-73). Mina.).

Dessa forma, explorar os caminhos traçados na construção da minha escrevivência, baseados nos conhecimentos delineados por Conceição Evaristo, favoreceu o processo de ruptura com padrões de importação, tradução e repetição de conhecimentos produzidos pelas lentes do mundo anglo-saxão (Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: Thinking otherness from the margins. Organization, 13(4), 463-488. https://doi.org/10.1177/1350508406065851
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; Sanabria et al., 2014Sanabria, M., Saavedra, J. J., & Smida, A. (2014). Los estudios organizacionales: Fundamentos evolución y estado actual del campo. Editorial Universidad del Rosario.). Além disso, aguçou a visão holística, configurativa e dialética, promovendo observações coletivas dos cotidianos (Ocaña et al., 2018Ocaña, A. O., López, M. I. A., & Conedo, Z. P. (2018). Metodología ‘otra’en la investigación social, humana y educativa. El hacer decolonial como proceso decolonizante. Revista FAIA-Filosofía Afro-Indo-Abiayalense, 7(30), 172-200. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6575303
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). Nesse sentido, a prática escrevivente auxiliou a construir uma perspectiva distinta sobre a ciência que visa a questionar: o que precisamos amar-refletir-configurar-entender? Que diferença isso fará? Como sabemos que vale a pena fazer e que é útil para a comunidade? Quem se beneficiará, como e com quê? (Ocaña et al., 2018). Portanto, remonta a um nós partilhado (Evaristo, 2017).

Como prevê Evaristo (2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.), contar algo não é apenas uma abstração e, sim, um meio para romper a passividade da leitura e se autoinscrever. Assim, transgrido o local de indivíduo, para tornar-me sujeita da pesquisa. Não sou mais o objeto, mas a sujeita. Sou aquela que escreve, não mais a descrita (hooks, 1990hooks, b. (1990). Yearning: Race, Gender, and Cultural Politics. South End Press; Kilomba, 2020Kilomba, G. (2020). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Editora Cobogó.). Escreviver, portanto, funda-se em um processo de ir e vir, ou seja, observar e refletir, além de encontrar nessas amarras pontos de contato com a teoria, além de trazer ao debate a presença de outras sujeitas com suas autorias negras, femininas e pobres. Assim como costurar à mão, o ato de ficcionalizar histórias de mulheres negras une perspectivas singulares e coletivas a partir de um processo que permite uma teorização crítico-biográfica que busca tratar epistemologicamente de vivências plurais e identificar relações (Medeiros & Nolasco, 2020Medeiros, P. H. A., & Nolasco, E. C. (2020). Mil rosas homo-bio-ficcionais: A exterioridade em Silviano Santiago. Fólio-Revista de Letras, 12(1). https://doi.org/10.22481/folio.v12i1.6206
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).

Em síntese, entendo-a como uma forma de resistência política e cultural que estimula falas localizadas em primeira pessoa a partir de narrativas que questionam a aplicação indiscriminada de perspectivas hegemônicas, trazendo novas propostas para a academia (Veiga, 2020Veiga, A. M. (2020). Uma virada epistêmica feminista (negra): Conceitos e debates. Revista Tempo e Argumento, 12(29), e0101. https://doi.org/10.5965/2175180312292020e0101
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). Por esse prisma, reflito sobre o cansaço e o profundo incômodo com situações ocorridas no processo de tornar-se uma outsider within na pós-graduação em administração. Para delinear esses pensamentos, rompo com as normas circunscritas de construção de artigos costumeiramente adotadas pela academia. De outra forma, as minhas observações serão delineadas pelas escrevivências e partirão da exposição do conceito de outsider whitin de Collins (2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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).

Ademais, conjugo ao debate autoras feministas negras para refletir sobre as intersecções presentes nas memórias expostas em minhas narrativas autobiográficas. Por fim, articulo, por meio de um esforço utópico pautado em autoras como Carneiro (2019Carneiro, S. (2019). Escritos de uma vida. Pólen Produção Editorial.), Collins (2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: Conhecimento, consciência e política do empoderamento. Boitempo Editorial.), Gonzalez (2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras.) e hooks (2021hooks, b. (2021). Ensinando comunidade: Uma pedagogia da esperança (K. Cardoso, trans.). Editora Elefante.), caminhos para que cursos de pós-graduação em administração possam romper os entraves mencionados e elevar as potencialidades para aqueles que se dispõem a contribuir com o desenvolvimento social, científico e teórico do país.

O CANSATIVO PROCESSO DE SER UMA OUTSIDER INTERNA NA PÓS-GRADUAÇÃO

O texto de Patrícia Hill Collins, de 1986Collins, P. H. (1986). Learning from the outsider within: The sociological significance of Black feminist thought. Social problems, 33(6), S14-S32. https://psycnet.apa.org/doi/10.1525/sp.1986.33.6.03a00020
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, traduzido em 2016 para o português, está no cerne da discussão que estimulou meus pensamentos, dúvidas, inquietações sobre o tema cansaço que atrelo à pós-graduação. Antes de abordar os conceitos fundamentais e aplicá-los às realidades que conheço, falo do meu contexto pessoal, social, cultural e econômico. Sou filha de secretária e metalúrgico, portanto, mulher, negra, de classe baixa e do interior. Estudei grande parte da minha vida em escola pública, contudo, pude experimentar alguns benefícios educacionais em uma rede privada, mas, para isso, meus pais sacrificaram muitas horas de trabalho, sono, sonhos e oportunidades - esse fato sempre foi usado como método de ‘estímulo’ à disciplina. Com essa prática, desde muito cedo pude perceber que, para nós, o sacrifício era a forma de romper com algumas limitações. Esse fato me atravessa até os dias atuais.

O esforço dos meus pais foi dedicado a um propósito fundamental: a única filha estudar em uma universidade federal. Não importava o curso. Uma federal era o interesse dos meus pais. Com esse discurso inculcado no meu dia a dia, prossegui. Anos de dedicação para, finalmente, ingressar em uma organização com ensino gratuito e de qualidade, e mais anos de esforços dos meus pais para me manter naquele ambiente. Abro um parêntese para expor o fato de existirem cursos extremamente elitistas dentro de instituições públicas. O curso de administração que cursei era assim. Na minha memória, alguns alunos não eram simbolicamente aceitos por não se adaptarem aos padrões de consumo e estéticos previstos por outros alunos. Essa observação, apesar de não ser o foco da discussão, me estimulou a construir questionamentos, difusos e pouco estruturados, mas que molduram minha percepção e o caminho que tracei visando à pós-graduação.

Naquele ambiente, no qual existiam apenas duas pessoas negras e a grande maioria era de filhos de grandes empresários regionais e nacionais, eu não via oportunidades para atingir os meus objetivos, que até aquele momento eram muito ambiciosos. Sem conhecer nenhuma teoria feminista, muito menos me reconhecer como uma mulher negra em um ambiente altamente branco, a única saída que eu tinha em mente era óbvia: me tornar funcionária daqueles que estavam ao meu lado. Alunos que pouco se dedicavam ao curso, não respeitavam o conhecimento adquirido e, ao contrário de mim, se esforçavam o mínimo. Sentada, hoje, em meio aos meus papéis e memórias, relembro um grupo de colegas de turma que se posicionavam sempre nas últimas carteiras, ignoravam todas as falas dos professores, zombavam dos alunos que se dedicavam e, ao final de cada disciplina, riam por conseguirem passar sem os mesmos esforços dos que se dedicavam. Eu estava no grupo que recebia olhares e risos porque se empenhava demais.

Pude entender todas as armadilhas da representação desses alunos na exposição de uma professora que trouxe a seguinte fala destacada em minhas anotações: “a meritocracia não existe”. Com isso, caíram por terra todos os estímulos internos que foram armazenados em mim. Ao lado da anotação dessa fala existe uma rasura e, logo após, um balão de destaque que escrevi em caixa alta: “as oportunidades são deles”. Eles, pronome masculino - me referia aos garotos das últimas carteiras, todos homens, brancos, heterossexuais, que, apenas por nascerem em lares privilegiados financeiramente, estavam garantidos com cadeira, crachá, uniformes alinhados e carros do ano em organizações de respeito.

Quando formulei esse pensamento, que está descrito em uma das folhas traseiras do meu antigo caderno, similarmente, dava início ao meu percurso na iniciação científica. Acredito que essa observação e a trajetória que decidi percorrer podem ser destacadas como o primeiro estímulo ao cansaço que sinto hoje. Estar em um ambiente de pesquisa me trouxe ânimo. Mais que isso, senti esperança. Apesar de muito perdida, sem entender as normas ABNT e a função que deveria cumprir, gostei da experiência. Devo admitir que o estímulo para me dedicar a essas funções, primeiramente, foi a bolsa de estudos, no valor de quatrocentos reais, que recebia mensalmente e que me possibilitou comprar um notebook novinho, um celular e ir aos lugares que meus colegas frequentavam. Além disso, pude ver pessoas como eu, vindas de realidades diferentes da dos filhos dos grandes empresários, prosperando em suas carreiras. Seria, então, uma saída para a garota pobre estudiosa que não queria ser funcionária dos herdeiros?

Sim! Naquele momento nada mais importou; a pós-graduação seria meu objetivo. Sempre fui boa com as palavras e curiosa; talvez pudesse me tornar professora. Essa era a minha linha de raciocínio. Terminei a graduação com um coeficiente de rendimento altíssimo e, ao contrário do que muitos experimentam, não foi um momento de ânimo e glória. Eu senti medo e desesperança. Somente o aval para estar no mestrado mudou por um momento essa lógica. Mas essa validação demorou a surgir. Só depois de um processo longo, cansativo e complexo consegui comemorar. Era quase um milagre, eu pensava. Pelo menos por ora, não seria funcionária do aluno branco e indisciplinado. Entender esse raciocínio a partir da cosmovisão feminista negra e interseccional me remete a uma ancestralidade latente que vibrou em mim contestações elaboradas por mulheres como Lélia Gonzalez. A autora, já em seus escritos na década de 1980, alertava para o fato de, em um país construído sob o mito da democracia racial, para mulheres e homens negros, muitas vezes, o que resta é vender sua força de trabalho a qualquer preço para um patrão branco que aceite assinar sua carteira (Gonzalez, 2020). Eu não queria fazer parte dessa lógica; pelo menos por ora, resisti.

Mesmo sem compreender as nuances do pensamento feminista, no período anterior à pós-graduação, já utilizava meu senso de observação para notar que não seria uma jornada fácil. Muitas vezes, ainda como aluna de iniciação científica, vi mestrandos e doutorandos lamentando a pressão por publicações em revistas de alto impacto. Em anotações passadas, recordei, em um recorte, uma doutoranda que estava grávida, queixando-se em voz baixa, para os professores não ouvirem, da falta de oportunidade, dos julgamentos e do medo de não ser bem aceita no mercado de trabalho, pois agora tinha uma criança que a própria denominava como ‘diploma’ para apresentar em congressos e futuros processos seletivos.

Mesmo com essas críticas preliminares, o caminho da pós-graduação era mais valoroso, gratificante e permitiria experimentar um status que foi historicamente vedado às pessoas que eu conheço. Destaco que eu sou a segunda da minha família a ter um diploma de graduação; a primeira foi minha prima, alguns anos antes. Desbravei os percursos do ensino público e fui a primeira em um mestrado e a única estudante de doutorado de uma família imensa, com histórias de vida próximas à minha realidade. Por todos esses fatores, os meses iniciais inserida no ambiente da pós-graduação me mostraram, na prática, o cansaço envolvido na tentativa de me tornar uma insider.

O conceito de insider, bem como seu oposto, outsider,4 4 . O termo outsider, bem como o seu oposto, insider, na tradução do artigo seminal de Patrícia Hill Collins, não foi traduzido devido à sua familiaridade e popularização no português. Ademais, não foi encontrada uma única palavra para traduzir esses substantivos, portanto, assim como o texto traduzido para o português, ao longo do texto manterei os termos originais no artigo (Collins, 2016). foi resgatado pela autora Patrícia Hill Collins (1986Collins, P. H. (1986). Learning from the outsider within: The sociological significance of Black feminist thought. Social problems, 33(6), S14-S32. https://psycnet.apa.org/doi/10.1525/sp.1986.33.6.03a00020
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, 2016). O primeiro reflete sobre sujeitos e sujeitas que têm visões, educação e treinamentos profissionais homogêneos. Ademais, são próximos em relação à classe social, gênero e background racial, isto é, apresentam experiências similares. Nesse sentido, os insiders, no contexto da pós-graduação na qual eu me inseri, eram, costumeiramente, brancos, da elite cultural e econômica. Além de compartilharem vivências, também comungavam de ontologias sobre como as coisas são e epistemologias de como podemos conhecê-las. Resgatando memórias sobre a socialização inicial a esse cenário, relembro práticas, principalmente de alunos veteranos, para produzir uma imersão teórica e cultural, a fim de traduzir teorias e visões de mundo em linguagem própria e atrativa aos entrantes (Collins, 2016).

Um registro na primeira folha do caderno do mestrado remete à exposição dos grupos de estudos e rodas de conversas inaugurais, que apresentaram aos novos alunos teorias, pesquisas e publicações realizadas por outros alunos da pós-graduação. Ao retomar os escritos, notei, quase que prontamente, que todas eram derivadas de visões fundadas no Norte Global. Analisando o texto construído, foi fácil notar a ausência de pessoas dedicadas à teorização de epistemologias críticas que rompem visões clássicas para compreender outras nuances relacionadas à administração. O mais impressionante dessa página inicial está no destaque feito, à época, aos termos ‘quantitativo’, ‘racional’ e ‘internacional’. Logo em seguida existe uma extensa explicação sobre fatores de impacto e a seguinte frase: ‘inglês é necessário’. Ao interpretar essa narrativa, acredito que se refira à língua inglesa, à sua relevância para a pós-graduação e ao fomento de publicações internacionais.

Quase que prontamente, essas informações foram absorvidas e, com o dinheiro da bolsa, me matriculei em um curso de inglês. Fui uma das únicas a começar do zero essa atividade extracurricular, pois a grande maioria que estava ali já dominava duas ou mais línguas. Da mesma forma, procurei aprender métodos quantitativos e empreender tentativas de olhar o mundo sob um olhar totalizante, sendo as pessoas ou os objetos artefatos de análise mensuráveis e genéricos. Não recordo o período de tempo que essa tentativa progressiva de permanecer anexa ao grupo insider durou, mas gerou impactos com os quais lido até hoje. Anexo a esse período, não consegui me desvencilhar de processos que Gonzalez (2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras.) denomina “efeitos da ideologia do branqueamento articulada com o mito da democracia racial” (Gonzalez, 2020, p. 27). Assim, absorvi, inconscientemente, no meu corpo, na escrita e na produção do conhecimento, a necessidade de manter características mais convenientes da ascendência europeia (Gonzalez, 2020).

Portanto, minimizei conhecimentos ancestrais que poderiam contribuir para a construção de uma herança cultural e intelectual em detrimento de visões do Norte Global. Nesse esforço de fazer parte de um grupo com o qual dificilmente me encaixaria por questões fenotípicas, sociais e de classe, reproduzi práticas educacionais e científicas que reforçam e estimulam a ideia de uma superioridade branca. Também reproduzi a única forma de escrita disseminada e postulada como correta: aquela que elimina da narrativa os sujeitos e as sujeitas pesquisadores. Dominei, assim, a terceira pessoa e anulei a minha identidade da pesquisa. Para além do ambiente da pós-graduação, mas muito influenciada pela necessidade de pertencer, não consegui romper a prática de alisar o cabelo, ação que realizava sagradamente de dois em dois meses, para manter as minhas raízes em um padrão. A frase anterior soa poética, mas também pode ser interpretada de forma literal. Simbolicamente, o meu corpo absorveu as informações em um nível público, consciente e inconsciente sobre os papéis da mulher pesquisadora negra no ambiente da pós-graduação.

Após essa escrita, que envolve corpo, condição e experiência, consigo reconhecer quantos padrões reforcei e o cansaço gerado pela tentativa de ser um insider na pós-graduação. Sendo assim, a busca por romper com essas necessidades se deu em vários níveis. De forma sintética, ocorreu a partir de uma conversa com colegas que zombaram da minha proposta de estudar, sob uma lente feminista, o tema de pesquisa que debatíamos. Um segundo momento se deu quando estava em um processo seletivo, concorrendo com outros homens a uma vaga no doutorado, e um membro da banca avaliadora questionou se as pautas feministas seriam economicamente viáveis para as empresas e, ao mesmo tempo, revirou os olhos para a ‘audácia’, nos seus termos, da minha proposta. Por fim, ocorreu quando, em um congresso, ao apresentar um estudo feminista e interseccional, me senti constrangida por tantos outros homens que, dentre diversos estudos, destacaram o meu como um exemplo de desconexão teórica. Segundo as justificativas, não abordei pautas que, segundo eles, homens, brancos, cis-heterossexuais, seriam fundamentais à minha análise. Nesse dia, é cômico/trágico ressaltar que os avaliadores sugeriram autoras que estavam citadas e fundamentavam toda a construção do meu estudo.

Fiquei em dúvida se o parágrafo anterior estaria presente no artigo final. Resquícios do medo de produzir estereótipos que estigmatizam mulheres, negras e pesquisadoras. Contudo, para a ilustração da minha transformação, os fatos anteriores são fundamentais. Viver as experiências descritas e tantas outras atravessadas por opressões interseccionadas minaram a minha tentativa, frustrada e cansativa, de ser uma insider. Refletir sobre os impactos e as causas fundantes das reações ao ver uma pesquisadora ocupando um espaço diferente do que é destinado à força de trabalho negra me transformou. Apenas após essa reflexão, que não foi construída isoladamente, pude compreender que, no contexto que envolve debates, pesquisas, salas de aula, conferências, status, disputas de poder e autoridade, eu sou uma estrangeira.

As memórias anteriores trazem reflexões similares às expostas por Dar (2019Dar, S. (2019). The masque of Blackness: Or, performing assimilation in the white academe. Organization, 26(3), 432-446. https://doi.org/10.1177/1350508418805280
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). A autora caracteriza metaforicamente a universidade como um quadro branco-marfim rodeado por rio migratório turquesa que tem à sua frente diferentes porteiros. Isto é, o rio e as cores representam os obstáculos e as distinções desse ambiente. Além disso, os porteiros são aqueles que permitem ou não a entrada de outros indivíduos. Esses, geralmente, são homens e mulheres brancas, muitas vezes munidos de discursos antirracistas e feministas. Entretanto, em suas práticas acadêmicas reforçam uma hierarquia da branquitude, tornando os ensinamentos do Norte ‘superiores’ aos conhecimentos racializados (Dar, 2019). Nesse contexto, conhecimentos de parte de pós-graduandas e estudantes como eu, vindos da margem atravessados por interconexões de classe, gênero e raça, são invalidados e subjetivamente compreendidos como inferiores (Dar, 2019; Martins, 2000Martins, L. M. (2000). A oralitura da memória. In M. N. S. Fonseca (Org.), Brasil Afro-Brasileiro (pp. 63-86). Autêntica.). A partir da exacerbação de novos operadores simbólicos, desenha-se a vivência negra alinhada às sombras, caracterizada como corpos fronteiriços na investigação científica, costumeiramente silenciada e degradada (Martins, 2000; Muzanenhamo & Chowdhury, 2023Muzanenhamo, P., & Chowdhury, R. (2023). Epistemic injustice and hegemonic ordeal in management and organization studies: Advancing Black scholarship. Human Relations, 76(1), 3-26. https://doi.org/10.1177/00187267211014802
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).

Portanto, estimula-se uma psique colonial em que a negritude nada mais é do que parte de uma cultura diversa (Dar, 2019Dar, S. (2019). The masque of Blackness: Or, performing assimilation in the white academe. Organization, 26(3), 432-446. https://doi.org/10.1177/1350508418805280
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). Além disso, reflete-se uma injustiça epistêmica que determina aqueles que são socialmente localizados como menos poderosos, menos informados, menos aceitáveis e, de forma mais ampla, estrangeiros, indignos de confiança em relação aos estudiosos brancos (Muzanenhamo & Chowdhury, 2023Muzanenhamo, P., & Chowdhury, R. (2023). Epistemic injustice and hegemonic ordeal in management and organization studies: Advancing Black scholarship. Human Relations, 76(1), 3-26. https://doi.org/10.1177/00187267211014802
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). Assim, o cansaço também se funda na dinâmica recorrente de contestação da autoridade, pois é recorrente a luta para que os esforços negros se mantenham e consigam produzir conhecimentos, devido às dificuldades ligadas ao poder estrutural que fundam a prática acadêmica a partir de marcas do racismo, elitismo, sexismo, dentre outras (Dar, 2019; Muzanenhamo & Chowdhury, 2023).

Para Collins (2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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), o termo ‘estrangeira’ define sujeitas que não compartilham suposições básicas propostas pelo grupo dominante e não participam da tradição histórica pela qual o grupo tem sido formado. Adicionando a esse termo as observações do feminismo negro, Collins (2016)introduziu a ideia de outsider within (na tentativa de uma tradução, outsider interna). Para a autora, o conceito reflete sobre experiências de grupos menos poderosos que defrontam pensamentos paradigmáticos de uma comunidade mais poderosa de insiders.

A ideia de ser uma outsider interna não aborda apenas o poder do grupo dominante que determina quais sujeitas e sujeitos estarão fora das relações. Reforça também a capacidade dos insiders de suprimir o conhecimento produzido por grupos subordinados (Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: Conhecimento, consciência e política do empoderamento. Boitempo Editorial.). Essa relação fica evidente na minha trajetória nas inúmeras vezes que questionei (e questiono) se deveria estar no ambiente da pós-graduação. Além disso, é reforçado pelo pouco enfoque dado às epistemologias fundadas em locais de diáspora, diferentes das manifestações supremacistas brancas do conhecimento. Retomo aqui uma contestação. No meu percurso acadêmico, não foram expostas em paridade teorias, métodos e pedagogias do Sul em relação às produções de outros países. Isso gerou em mim um cansaço imenso, alinhado a um diagnóstico de ansiedade que, na minha visão, é apenas o resultado do reconhecimento das diferentes opressões interconectadas que me tornam outsider em diferentes espaços.

Para romper esse movimento, compreendi a necessidade de me posicionar. Não só a favor do feminismo negro e interseccional, mas em relação aos paradigmas que envolvem a construção do pensamento, a formação de uma comunidade de produtores e participantes que comungam de uma visão congruente. Para isso, precisei romper com o ensino convencional promovido pela pós-graduação e recorrer a caminhos diversos. Esse movimento reflete uma luta epistêmica que busca produzir e disseminar conhecimentos enquanto enfrenta dificuldades ligadas ao poder estrutural intrínseco à academia racista (Muzanenhamo & Chowdhury, 2023Muzanenhamo, P., & Chowdhury, R. (2023). Epistemic injustice and hegemonic ordeal in management and organization studies: Advancing Black scholarship. Human Relations, 76(1), 3-26. https://doi.org/10.1177/00187267211014802
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). Para provar essa ruptura na minha jornada, dediquei horas extras a cursos e aulas on-line, muitas vezes ministrados por pessoas de fora da academia. Além disso, construí uma rotina para aprofundar leituras que refletem a minha visão de mundo, mas também outras marés que incitam discussões e mudanças na pauta.

Essas nuances expostas na minha realidade são escancaradas nos dados do Ipea, que analisa a última pesquisa do IBGE sobre educação e treinamento da mulher. Engel (2020Engel, C. L. (2020). Educação e treinamento da mulher. In N. Fontoura, M. Rezende, & A. C. Querino (Orgs.), Beijing +20: Avanços e desafios no Brasil contemporâneo (pp. 51-89). IPEA.) demonstra que a taxa de escolarização entre jovens de 18 a 24 anos, que envolve a formação superior, é maior entre mulheres e homens brancos. Mesmo entre esses grupos, quando estão em classe desprestigiada, são os negros e as negras que apresentam as menores médias de anos de estudos. Carneiro (2019Carneiro, S. (2019). Escritos de uma vida. Pólen Produção Editorial.), em uma escrita viva, afirma: “Nós, negros, somos mais de 44% da população do país, e apenas 2% de nós alcançam o ensino universitário. Esse é o patamar de ‘equidade’ atingido pelas políticas universalistas no campo da educação e pela democracia racial brasileira” (Carneiro, 2019, p. 117).

Essas informações reforçam a minha vivência e contestação, não apenas da memória individual, mas de simbologias coletivas e caminhos diversos para refletir sobre incômodos com o estado das coisas. Portanto, entendo os índices de acesso à educação não apenas como uma possibilidade de domínio, mas de contestação e existência para o mundo-vida (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.). Assim, continuo a indagar: eu deveria estar aqui? A participação de mulheres como eu no cenário acadêmico é vedada desde os primeiros estímulos ao letramento e à educação. Muitas de nós não conseguem ser uma outsider interna, mas apenas outsider, cumprindo um eterno papel de subordinação. Ao refletir sobre essas informações, sinto um profundo cansaço. E ele é fundado no retrocesso cultural de políticas públicas e do discurso, advindo, principalmente, das elites. Escrevo este texto acompanhando notícias sobre corte de recursos financeiros das universidades. O que antes se tornou uma possibilidade de ascensão e rompimento com o padrão histórico do trabalho destinado ao povo negro, nos dias atuais reforça a supremacia branca no campo do ensino, pesquisa e docência.

O ingresso no ensino público de qualidade, atualmente, tornou-se uma opção para poucos. Eu e outras tantas colegas, que experimentam opressões em outros níveis, dependemos da verba destinada à educação para nos mantermos inseridas nesse cenário. Privar recursos mina as possibilidades de pessoas de classe baixa e vindas de realidades diferentes dos insiders de participar da construção do conhecimento. Fazendo uso do pensamento de Carolina Maria de Jesus (1960Jesus, C. M. (1960). Quarto de despejo: Diário de uma favelada (Vol. 1). Livraria F. Alves.), com as ações implementadas por um governo nocivo que se atrela às necessidades das elites, eu e tantos sujeitos e sujeitas continuaremos no ‘quarto de despejo’, vedados de adentrar a ‘sala de visitas’, economicamente exploradas, atrelando o significado do trabalho a tantos estereótipos, experimentando apenas um lugar social ligado a formas peculiares de marginalidade (Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: Conhecimento, consciência e política do empoderamento. Boitempo Editorial.).

Para Collins (2016Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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), a saída está na conservação da tensão criativa do status de outsider interna, encorajando e institucionalizando suas perspectivas. Mas como esse trajeto pode ser percorrido sem estímulo, salário, reconhecimento e oportunidades futuras? O retrocesso a cada nova ação tornou-se uma regra. Assim, as necessidades das mulheres negras permanecem à margem. Pressupostos limitantes ascendem e são retificados pela branquitude que costumeiramente integra o pensamento feminista, e alia-se à masculinidade presente no pensamento social e político (Collins, 2019). A combinação de ambas, branquitude e masculinidade, reflete e constrói o setor dominante da academia, impedindo outsiders de ocuparem posição interna em qualquer área de pesquisa como sujeitos e sujeitas cuja marginalidade proporciona um ângulo de visão específico sobre essas entidades intelectuais e políticas (Collins, 2019).

IMAGINANDO FUTUROS

Nesse caminho, cansativo e repleto de barreiras, a ruptura com olhares negros funda-se nos pressupostos e nos paradigmas disseminados. Portanto, um legado de mudanças e construções de visões pautadas em perspectivas de diásporas é negado aos que possuem olhar, crítica e vivência para possibilitar mudanças. Segundo hooks (2021hooks, b. (2021). Ensinando comunidade: Uma pedagogia da esperança (K. Cardoso, trans.). Editora Elefante.), toda pessoa, inclusive negros, pode ser conivente com os sistemas em voga. Isso ocorre pelas maneiras sutis com que o capitalismo, o sexismo e o racismo operam conjuntamente e cooptam produtos da cultura a que somos expostos durante a socialização.

Para cruzar essas fronteiras, hooks (2021hooks, b. (2021). Ensinando comunidade: Uma pedagogia da esperança (K. Cardoso, trans.). Editora Elefante.) sugere o cultivo à descolonização do pensamento. Por esse caminho será possível romper os moldes dominantes e estimular diferentes formas de união entre pessoas, movimentos e instituições, além de construir novas formas de ação, reivindicando o enfraquecimento dos pressupostos que perpetuam dominação e relações de poder (hooks, 2021). Com base nessa visão, nos parágrafos seguintes são expostos argumentos de feministas negras para estimular o debate e fomentar caminhos à mudança em diversos âmbitos, mas, principalmente, na pós-graduação, tema desta escrevivência.

Nos escritos de Gonzalez (2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras.), referente ao contexto no qual a autora estava inserida, ela reflete sobre a ampliação do ingresso de pessoas negras na academia, propiciada pelas políticas de acesso. Essa ação fortaleceu os debates sobre raça e gênero em âmbitos nos quais pouco se refletia sobre o tema. Mesmo com a discrepância contextual, é possível destacar a importância da configuração de um novo perfil de alunos anexos à academia. Esses representantes, desde o seu tenro ingresso, produziram muito mais do que uma diversidade social e racial do corpo discente. Eles redefiniram as inquietações políticas e as trajetórias costumeiras dos negros na sociedade brasileira. Ademais, propiciaram um novo espaço para o debate público, orientados por pautas que envolvem diferentes marcadores sociais da diferença, que atuam de forma interconectada.

Entretanto, a autora não deixou de lado críticas ao sistema de ensino que dificilmente engloba pautas que celebram as origens do povo brasileiro em seus paradigmas fundantes. De forma contrária, repercute o racismo em diferentes níveis desde a educação básica, visto que os livros didáticos, as práticas de ensino, o sistema de ingresso, as atitudes dos professores em sala e a disseminação do mito da democracia racial e do branqueamento estão presentes em todas as etapas da educação, tornando as pessoas negras, nesse cenário, desprovidas de identidade e representação (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras.). Carneiro (2019Carneiro, S. (2019). Escritos de uma vida. Pólen Produção Editorial.) comunga com essa visão ao reconhecer e defender a valorização da participação de afro-brasileiros na história do país, bem como a necessidade do resgate dos valores culturais africanos, caminhos possíveis para a redução da disparidade entre aqueles que experimentam opressões interseccionadas em diferentes níveis (Carneiro, 2019).

Portanto, as interconexões entre raça, classe e gênero estão incrustradas no ensino e necessitam de atenção. Para combater essas limitações, a implementação de ações no sistema público ou privado deve ser pautada em práticas éticas e morais que condenam todas as formas de discriminação. Ademais, para Carneiro (2019Carneiro, S. (2019). Escritos de uma vida. Pólen Produção Editorial.), os mecanismos de inclusão também são uma prática de ordem econômica, pois o ato de apartar sujeitos e sujeitas negras das dinâmicas culturais, de consumo e de trabalho compromete a capacidade competitiva da nação. Para tanto, a atenção às necessidades e a inclusão de uma parcela significativa da população determinam mudanças basilares nas condições de vida de pessoas segregadas historicamente em relação à sua cor, gênero, sexualidade, etnia, raça, faixa etária e capacidade física, dentre outros (Carneiro, 2019).

Nesse viés, adiciono as perspectivas traçadas por hooks (2021hooks, b. (2021). Ensinando comunidade: Uma pedagogia da esperança (K. Cardoso, trans.). Editora Elefante.), para quem construir comunidades fundadas em um universo social de premissas feministas negras e interseccionais requer o fomento à tríade consciência crítica, amor e trabalho. A partir da comunhão dessas premissas será possível enfraquecer toda a socialização que nos leva a disseminar dominação. Para isso, hooks (2021)reforça a necessidade de aplicar, em diversos âmbitos, as teorias críticas que examinam e combatem o racismo, o sexismo e o elitismo. Ademais, reforça a ideia de elevar o poder dos grupos subordinados no intuito de implementar práticas para a alteração da cultura do dominador por meio da intervenção em estruturas historicamente fundadas. Essa ação, para o grupo dominante, torna-se uma desconstrução ativa do pensamento, com a intenção de criar relações com maior diversidade racial (hooks, 2021).

Nesse prisma, relembro os dizeres de Collins (2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: Conhecimento, consciência e política do empoderamento. Boitempo Editorial.) sobre a força alinhada à autodefinição. Segundo essa afirmação, as intelectuais negras devem enfatizar a sua autodefinição, pois falar sobre si e construir uma agenda apropriada às necessidades do grupo com o qual se identifica reforça diretrizes ao empoderamento. Reitero que o ato de empoderar, para o feminismo interseccional, não é individual, mas reflete experiências grupais a partir da interconexão de pensamento daqueles que se identificam com a luta ampla pela dignidade humana (Collins, 2019). Buscar essa autodefinição rompe com as críticas levantadas pelas autoras anteriormente citadas que destacam a importância da não reprodução da essência epistemológica, ontológica e paradigmática das hierarquias de poder existentes. Portanto, autodefinir-se permite a exposição de agendas que preveem a necessidade de resistir à ideologia dominante, combater a dialética da opressão, reforçar o ativismo, combater imagens de controle da condição da mulher negra e construir instituições comunitárias para o desenvolvimento de estratégias de resistência (Collins, 2019; Collins & Bilge, 2021).

Nesse compilado de observações e possibilidades de atuações, destaco também a importância da autodefinição em refletir a passagem da vitimização para uma mente livre (Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: Conhecimento, consciência e política do empoderamento. Boitempo Editorial.). Assim, ao ‘erguer a voz’, utilizando o termo original transmitido por hooks (2019hooks, b. (2019). Erguer a voz: Pensar como feminista, pensar como negra. Editora Elefante.), sujeitos e sujeitas comprometidos com combate às opressões de raça, classe e gênero articulam corpo, prática e ética na promoção da dignidade humana. Esse posicionamento visa a fundamentar (e fundar) os projetos políticos, intelectuais e sociais atrelados ao feminismo, destacando experiências de sujeitos e sujeitas que estão à margem (hooks, 2000). Portanto, transportamos o debate para além da discriminação única e genérica. De outro modo, atrelar voz, coragem e compromisso empodera sujeitos e sujeitas diversos no combate às questões em torno do uso da supremacia para expressar as hierarquias raciais, a homofobia nas comunidades negras, a violência no espaço privado, o culto narcisista à personalidade como epifenômeno das relações capitalistas e os perigos do confinamento das discussões feministas estritamente no âmbito acadêmico (hooks, 2019, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Unindo uma escrita viva, localizada e reflexiva, estimulada pela prática epistemológica de Conceição Evaristo (2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.), alinhada aos pensamentos de feministas negras interseccionais, refleti sobre as nuances que geram cansaço no ambiente da pós-graduação. Para isso, expus a minha realidade, mas, além disso, busquei refletir sobre desesperanças e frustrações que podem surgir em outsiders internas que vivenciam experiências devido à sua localização marginal em lógicas de ensino. Seguindo as observações traçadas ao longo do texto, essas práticas limitantes podem comprometer o percurso (bem como a manutenção) de mulheres negras em ambientes da pós-graduação em administração devido às projeções de diversas opressões.

Este texto, para além de uma reflexão pessoal e uma construção de possibilidades de atuação na minha realidade, revelou potencialidades fundamentais para que um ambiente de aprendizagem, construção e comunhão de conhecimento se fortaleça e combata manifestações de desigualdade em níveis institucionais, organizacionais e comportamentais. Portanto, foi exposta a importância de teorias críticas, pensamentos ancestrais e vivências múltiplas em um cenário historicamente elitizado, visando a direcionar mudanças para um caminho promissor, livre de barreiras destinadas a alguns indivíduos.

Mais que um texto destinado à publicação acadêmica, a escrevivência refletida nos itens anteriores tornou essa ação um exercício pessoal e social para expor o desejo de que mais mulheres como eu (negras e vindas de realidades periféricas) integrem essa comunidade que desenvolve teorias, promove mudanças e antevê relações organizacionais e sociais. Sendo assim, utilizo as facilidades que adquiri ao longo desses anos, por meio de muita luta e rompimento de barreiras com as quais não queria lidar, para reforçar a importância da união de vivências e pensamentos para combater as opressões que vêm de diferentes contextos e limitam participações, prática arcaica e prejudicial aos saberes que podem ser produzidos na pós-graduação em administração.

Seguindo os padrões necessários à publicação em diversas revistas científicas, vistos por muitos como limitantes, neste último parágrafo, uno observações e limitações visando a possibilitar mudanças, diálogos e a construção de uma comunidade. Assim, abraço a possibilidade de autocrítica para fomentar a comunicação científica e aprimorar pensamentos. Em relação às limitações, destaco a utilização de teorias, perspectivas e paradigmas familiares. Portanto, ao fazer escolhas, ignoro tantas outras possibilidades que seriam para aprimorar as argumentações e os pensamentos. Nesse ponto se encontra uma oportunidade para desenvolver a temática, adicionando outras teorias, visões e temas atrelados ao cansaço, o feminismo interseccional e as relações entre insiders e outsiders internos. Além disso, para as métricas convencionais, o rompimento com a estrutura de um artigo científico pode ser interpretado como limitante. Mas para a construção de uma escrevivência livre e autobiográfica, foi fundamental transgredir encaixotamentos-padrões. Essa ruptura permitiu erguer e estimular novos pensamentos, críticas e saberes.

Observando esses entraves, sugiro que novos textos pautados em outras pensadoras do feminismo negro interseccional atrelado às escrevivências de Conceição Evaristo surjam. Logo, gostaria de ler não só em chamadas especiais, mas em grande parte das revistas científicas da área, contribuições feitas por mulheres negras atreladas à administração, que imaginem cenários diversos, equânimes, respeitosos e comprometidos com a justiça social.

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  • Classificação JEL:

    Y9, Z00.
  • Pareceristas:

    Lílian Amorim Carvalho (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)
    Uma revisora não autorizou a divulgação de sua identidade.
  • 1
    . Operador teórico que revisita memórias e revela estudos biográficos a partir de um diálogo transacional que enfatiza produções localizadas nos saberes das mulheres negras. Portanto, reflete conhecimentos ligados à memória, à oralidade, a histórias e a trajetórias fundadas em um fenômeno diaspórico fundado na figura da Mãe Preta. Assim, a escrevivência torna-se um ato de escrita das mulheres negras para desfazer imagens do passado e acordar a ‘casa-grande’ de seus sonos injustos (Evaristo, 2020Evaristo, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A Escrita de Nós: Reflexões Sobre a Obra de Conceição Evaristo (pp. 26-47). Mina.; Fonseca, 2020Fonseca, M. N. S. (2020). Escrevivência: Sentidos em construção. In C. L. Duarte, & I. R. Nunes (Orgs.), Escrevivência: A escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 58-73). Mina.).
  • 2
    . A autora bell hooks utiliza o seu nome grafado em letras minúsculas por uma opção política que visa a contrariar os ditames acadêmicos. Além disso, esse pseudônimo é um nome de família que visa a unir sentimentos sobre representações do eu, identidade e uma maneira de vincular a voz da autora a um legado ancestral da fala das mulheres (hooks, 2019).
  • 3
    . Segundo Lélia Gonzalez, a amefricanidade é uma categoria político-cultural, que permite construir um entendimento mais profundo de toda a América. Remete a uma identidade étnica que incorpora culturas que rompem com o racismo. Reforça o contexto histórico e cultural para além das regiões geográficas. Assim, refere-se ao caráter multirracial e pluricultural das sociedades da região. Ademais, contesta a apropriação do termo para definir apenas os estadunidenses (Gonzalez, 2020).
  • 4
    . O termo outsider, bem como o seu oposto, insider, na tradução do artigo seminal de Patrícia Hill Collins, não foi traduzido devido à sua familiaridade e popularização no português. Ademais, não foi encontrada uma única palavra para traduzir esses substantivos, portanto, assim como o texto traduzido para o português, ao longo do texto manterei os termos originais no artigo (Collins, 2016).
  • Relatório de Revisão por Pares:

    O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.

  • # de revisores convidados até a decisão:
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    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Editado por

Editor-chefe:

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Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2022
  • Revisado
    24 Jul 2023
  • Aceito
    26 Jul 2023
  • Publicado
    25 Ago 2023
  • Publicado
    21 Set 2023
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