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AÇÕES AFIRMATIVAS E TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO INTELECTUAL: UMA REFLEXÃO

AFFIRMATIVE ACTIONS AND TRANSFORMATIONS IN THE INTELLECTUAL FIELD: A REFLECTION

ACCIONES AFIRMATIVAS Y TRANSFORMACIONES EN EL CAMPO INTELECTUAL: UNA REFLEXIÓN

RESUMO

Ações afirmativas, na forma de cotas raciais, são utilizadas no Brasil há quase duas décadas, sobretudo no Ensino Superior. Este trabalho analisa uma das potencialidades pouco mencionadas dessas medidas: o adensamento das discussões sobre relações raciais e a formação de uma nova geração de intelectuais negros. A partir da periodização de 1950 até 1970, de 1980 até 2000 e de 2000 até o momento atual, foram analisados, com base em pesquisa bibliográfica e documental, processos e diálogos intergeracionais que levaram à formação de novos sujeitos negros, considerados em seu vínculo com o campo acadêmico, especificamente com as ciências sociais brasileiras (cuja literatura subsidiou este trabalho), assim como suas novas “narrativas de enfrentamento”, agenda de demandas e formas de organização.

Palavras-chave
Ação afirmativa; Intelectuais negros; Relações raciais; Ensino Superior

ABSTRACT

Affirmative actions, in the form of racial quotas, have been used in Brazil for nearly two decades, especially in Higher Education. This work analyzes one of the little mentioned potentialities of these measures: the deepening of discussions on racial relations and the formation of a new generation of black intellectuals. From the periodization of 1950 to 1970, from 1980 to 2000, and from 2000 to the present moment , based on bibliographic and documentary research, we analized processes and intergenerational dialogues that led to the formation of new black subjects, considered in their connection with the academic field, specifically with the Brazilian social sciences (whose literature supported this work) , as well as their new “narratives of confrontation”, agenda of demands and forms of organization.

Keywords
Affirmative action; Black intelectuals; Racial relation; Higher Education

RESUMEN

Las acciones afirmativas, en forma de cuotas raciales, se han utilizado en Brasil durante casi dos décadas, especialmente en la Educación Superior. Este trabajo analiza una de las potencialidades poco mencionadas de estas medidas: la profundización de las discusiones sobre las relaciones raciales y la formación de una nueva generación de intelectuales negros. Desde la periodización de 1950 a 1970, de 1980 a 2000 y de 2000 a la actualidad, fueron analizados, a partir de investigaciones bibliográficas y documentales, procesos y diálogos intergeneracionales que llevaron a la formación de nuevos sujetos negros, considerados en su vinculación con el campo académico, específicamente con las ciencias sociales brasileñas (cuya literatura apoyó este trabajo), los grupos sociales brasileños, así como sus nuevas “narrativas de afrontamiento”, agenda de demandas y formas de organización.

Palabras clave
Acción afirmativa; Intelectuales negros; Relaciones raciales; Educación Superior

Introdução

Brasil, anos 1990. Nesse período tomava corpo um campo de debates em torno da possibilidade de adoção de políticas de ação afirmativa como forma de corrigir desigualdades raciais históricas.

Brasil, ano 2022. A academia vem se preparando para as discussões acerca da revisão da Lei de Cotas (Lei n. 12.711/2012), prevista para este ano. Simultaneamente, organiza bancas de heteroidentificação para coibir possíveis fraudes no acesso às graduações de universidades públicas; implementa cotas nas pós-graduações e debate sua aplicação em concursos públicos.

Mais de vinte anos separam os dois momentos. Durante esse tempo, uma série de transformações mudaram o campo acadêmico e, de forma específica, o campo intelectual.

Aqui, defende-se que, após quase duas décadas, a adoção de ações afirmativas no Ensino Superior contribuiu para promover uma sequência de transformações estruturais nos campos acadêmico e político, com a inserção de novos debates e, sobretudo, novos sujeitos; para a formação e a potencialização de nova geração de intelectuais, ainda em curso; e para a configuração de um novo cenário, que, embora ainda em construção, apresenta características específicas, as quais já podem ser observadas e, portanto, analisadas.

Neste sentido, este ensaio objetiva analisar as relações estabelecidas entre intelectuais negros e academia, dispostas ao longo de três gerações, a fim de compreender como as graduais transformações permitiram que, neste último período, fossem impactados o conjunto de discussões sobre relações raciais; as dinâmicas de interlocução entre os novos sujeitos e o campo acadêmico; e os modelos de narrativas construídas. Seguindo esse pressuposto, os debates raciais produzidos no campo acadêmico e os processos de organização do ativismo negro serão apresentados simultaneamente e servirão como subtextos para a reflexão acerca do ambiente que influenciou a atuação de intelectuais negros ao longo dos períodos compreendidos entre: 1) 1950 a 1970; 2) 1980 a 1990; e 3) de 2000 até a atualidade.

Sem desconsiderar sua presença em períodos anteriores, este texto pretende analisar o processo de formação de uma inteligência negra a partir da segunda metade do século XX, considerada em seu vínculo com a academia, em especial com as ciências sociais brasileiras. Do mesmo modo, não desconhecendo a existência de demais intelectuais não acadêmicos nos períodos estudados (nos campos político, das artes, da imprensa, entre outros), aqui o termo será aplicado aos que foram formados por processos institucionais vinculados essencialmente à formação universitária. Por essa razão, para efeitos de análise, a categoria intelectual negro utilizada diz respeito aos sujeitos localizados no campo das ciências humanas e sociais que tenham construído trajetória acadêmica.

Evidentemente, os três cortes temporais propostos levam a opções metodológicas: para as duas primeiras gerações, serão considerados intelectuais já em seu estágio maduro, com inclinações e trajetórias definidas, sem que essa opção, no entanto, caracterize proposta de análise de trajetórias individuais; para a terceira geração, que vem sendo formada, optou-se por considerar os discursos produzidos coletivamente, no interior da academia.

Seguindo a proposta iniciada por Mannheim (1952)MANNHEIM, K. The problem of generations. In: KECSKEMETI, P. (ed.). Essays on the sociology of knowledge. London: Routledge and Kegan Paul, 1952. (p. 276-320., será adotada a perspectiva sociológica1 1 Consideram-se distintos usos para “geração”, a partir de tradições específicas: a estatística ou demográfica, a antropológica e a sociológica (MOTTA, 2010) de “geração”, entendendo-a como um conjunto de indivíduos posicionados em tempo e espaço específicos, compartilhando experiências, práticas sociais, acontecimentos, conteúdos de vida e processos históricos (FEIXA; LECCARDI, 2010FEIXA, C.; LECCARDI, C. O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 185-20, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922010000200003
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; MOTTA, 2010MOTTA, A. B. A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre o envelhecimento. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 225-250, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-69922010000200005
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).

O corte geracional referenciou-se nos discursos raciais que orientavam os períodos e a experiência e trajetória negra como produto de cada momento. Desse modo, como delineamento, o primeiro período é definido pela institucionalização das ciências sociais no Brasil, a construção de um campo de pesquisas sobre raça e a revisão de um projeto de estudos ensaísticos e análises culturalistas sobre as relações raciais. O momento seguinte marca a consolidação de uma abordagem orientada para a percepção das estruturais desigualdades raciais e o início das discussões sobre ação afirmativa, bem como as primeiras pesquisas com abordagem política sobre as relações raciais. Por fim, a partir dos anos 2000 foram iniciadas as primeiras experiências de ação afirmativa orientadas para o ingresso no Ensino Superior.

Primeira Geração: Experiências Excepcionais e a Falácia da “Democracia Racial”

Os anos compreendidos entre as décadas de 1950 e 1970 foram especialmente importantes para a produção intelectual sobre as relações raciais no Brasil. O processo de institucionalização das ciências sociais, consolidado no início do período e impulsionado, sobretudo, pelo desenvolvimento das pesquisas do projeto UNESCO, garantiu a ruptura com as influências do racismo científico difundido no país desde o início do século XX e amplamente explorado nas obras de autores como Oliveira Vianna, Sylvio Romero e Nina Rodrigues, bem como o fim das interpretações “culturalistas” sobre o Brasil e suas relações raciais, que se expressaram fundamentalmente nas obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda (MAIO, 2000MAIO, M. C. O projeto UNESCO: ciências sociais e o credo racial brasileiro. Revista USP, São Paulo, v. 1, n. 46, p. 115-128, 2000. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i46p115-128
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).

Contudo, o desenvolvimento de um campo acadêmico e de um projeto de investigação comprometido com princípios científicos não foi suficiente para desconstruir um dos principais arcabouços da época: a ideia de democracia racial. Tendo sido reproduzido por intelectuais, integrantes das elites nacionais e, a princípio, pelo próprio movimento negro (GUIMARÃES, GUIMARÃES, 2001GUIMARAES, A. S. A. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 20, n. 61, p. 147-162, 2001., 2006GUIMARAES, A. S. A. Depois da democracia racial. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 269-287, 2006. https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000200014
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, 2016GUIMARAES, A. S. A. O legado de Carlos Hasenbalg (1942–2014). Afro-Ásia, Salvador, n. 53, p. 277-290, 2016. https://doi.org/10.9771/aa.v0i53.22477
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; GUIMARÃES; MACEDO, 2008GUIMARAES, A. S. A.; MACEDO, M. Diário trabalhista e democracia racial negra dos anos 1940. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 1, p. 143-182, 2008. https://doi.org/10.1590/S0011-52582008000100005
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), a ênfase no discurso de democracia racial representou, ao longo da primeira metade do século XX, um pacto de “cooperação”, “consentimento” ou “compromisso político”3 (GUIMARÃES, 2006GUIMARAES, A. S. A. Depois da democracia racial. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 269-287, 2006. https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000200014
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, p. 270), sob o qual foi edificada a crença em um projeto de integração nacional e na produção de um tipo mais cordial de relações inter-raciais. Por consequência, essa linha argumentativa acabou por orientar estudos nacionais e internacionais, tornando-se um paradigma para a compreensão das dinâmicas aqui desenvolvidas.

Na realidade, durante todo o período, boa parte dos estudos sobre relações raciais, mesmo aqueles que denunciaram práticas de preconceito e discriminação, em alguma medida, dialogaram com essa ideologia, a ponto de, já no final desse período, em 1979, Hasenbalg, em Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil, ainda dedicar esforços para contestar a ideia que, em certa medida, persistia, como fundamento para as reflexões sobre as relações raciais brasileiras.

Simultaneamente, uma contradição importante foi construída: enquanto o campo intelectual incorporava referenciais propriamente científicos, tornando raça/cor categorias a serem problematizadas e investigadas, por outro lado, organizações do movimento negro, à margem da academia, tentavam manter-se após sucessão de ações políticas desestabilizadoras, evidenciadas no forçado encerramento das atividades da Frente Negra Brasileira ainda em 1937, durante o Estado Novo de Vargas; na tentativa de organização do Primeiro Congresso Negro em 1950; e no golpe militar, em 1964, que, assim como com demais movimentos associativos, precipitou o enfraquecimento e a dispersão do movimento negro (DOMINGUES, 2007DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007
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).

Com atividades políticas reprimidas, grande parte das ações do movimento negro concentrou-se em experiências que, embora importantes, foram bastante pontuais, com destaque para a União dos Homens de Cor (1943–1960), o Teatro Experimental do Negro (TEM; 1944–1968), fundado por Abdias Nascimento, e o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (criado em 1975), já no final do período. O TEN, em específico, com franca aproximação com os movimentos negros franceses, foi uma das mais icônicas práticas de mobilização e resistência, com propostas de ação direcionadas exclusivamente para pessoas negras: formação de grupo teatral, realização de cursos de capacitação e alfabetização, promoção de concursos de valorização da beleza e, sobretudo, publicação e veiculação do jornal Quilombo.

Somente no final dos anos 1970 as organizações raciais retornam às atividades por meio da fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) e da série de manifestações que ficaram conhecidas como “protesto negro contemporâneo” (ANDREWS, 1991ANDREWS, G. R. O protesto político negro em São Paulo: 1888-1989. Estudos Afro-Asiáticos, São Paulo, n. 21, p. 27-48, 1991.; RIOS, 2012RIOS, F. O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978–2010). Lua Nova – Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 85, p. 41-79, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-64452012000100003
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), cujo marco foi o ato organizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 1978, para denúncia e repúdio à discriminação sofrida por quatro jovens da equipe infantil de vôlei impedidos de entrar no Clube Tietê. Também intentava-se protestar contra a morte de Robson Silveira da Luz, que, acusado de roubar frutas em uma feira, foi torturado e morto em um distrito de polícia de Guainases.

O enfraquecimento de organizações negras e o esvaziamento de um conjunto militante mais organizado ajudou a consolidar o espaço da academia como principal produtor de reflexões sobre relações raciais. Por consequência, demarcou a oposição entre a experiência de resistência e luta de membros do movimento negro e a inteligência nacional, com evidente sub-representação de intelectuais negros.

Um argumento possível para tal sub-representação é encontrado na baixa escolarização da população brasileira à época, sobretudo quando observada a partir da raça/cor. Certamente, em tempos anteriores, como o do Brasil Império, a escolarização ainda menor não impediu a existência de intelectuais negros (CARVALHO, 2017CARVALHO, M. A. R. Três pretos tristes: André Rebouças, Cruz e Sousa e Lima Barreto. Topoi, Rio de Janeiro, v. 18, n. 34, p. 6-22, 2017. https://doi.org/10.1590/2237-101X0183401
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; FELIPE, 2016FELIPE, A. E. Homens de letras: intelectuais negros no Brasil Imperial. Sankofa – Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 74-98, 2016. https://doi.org/10.11606/issn.1983-6023.sank.2016.119061
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). Contudo, os princípios que orientavam o processo de inserção no campo intelectual no Brasil Império são distintos daqueles verificados em períodos posteriores, nos quais a escolarização formal tornou-se fundamental instrumento de atuação e ascensão.

Para o primeiro caso, na ausência de instituições universitárias consolidadas, a formação de intelectuais seria feita pela inserção em Academias e Institutos e, embora existissem cursos de Direito, Medicina e Engenharia, “tais Escolas não conformavam o centro da vida intelectual no Brasil, consistindo, antes, em espaços de socialização de jovens da elite [...] para ocupação de cargos públicos” (CARVALHO, 2007CARVALHO, M. A. R. Temas sobre a organização dos intelectuais no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 65, p. 17-31, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-69092007000300003
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, p. 18). Ademais, a formação nas academias frequentemente direcionava para a atuação na imprensa da época (CARVALHO, 2007CARVALHO, M. A. R. Temas sobre a organização dos intelectuais no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 65, p. 17-31, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-69092007000300003
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, 2017CARVALHO, M. A. R. Três pretos tristes: André Rebouças, Cruz e Sousa e Lima Barreto. Topoi, Rio de Janeiro, v. 18, n. 34, p. 6-22, 2017. https://doi.org/10.1590/2237-101X0183401
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; GUIMARÃES, 2011GUIMARAES, A. S. A. A república de 1889: utopia de branco, medo de preto (a liberdade é negra; a igualdade, branca e a fraternidade, mestiça). Contemporânea, São Carlos, v. 10, n. 2, p. 17-36, 2011.; FELIPE, 2016FELIPE, A. E. Homens de letras: intelectuais negros no Brasil Imperial. Sankofa – Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 74-98, 2016. https://doi.org/10.11606/issn.1983-6023.sank.2016.119061
https://doi.org/10.11606/issn.1983-6023....
), o que se aplicava, igualmente, aos intelectuais negros, “geralmente considerados apenas jornalistas ou subliteratos” (GUIMARÃES, 2011GUIMARAES, A. S. A. A república de 1889: utopia de branco, medo de preto (a liberdade é negra; a igualdade, branca e a fraternidade, mestiça). Contemporânea, São Carlos, v. 10, n. 2, p. 17-36, 2011., p. 27).

Assim, retornando à análise proposta, embora entre as décadas de 1950 e 1980 as taxas de alfabetização no país tenham apresentado relativa melhora – como consequência das sucessivas políticas sociais direcionadas para educação e daquelas iniciadas com as Constituições de 1934 e 1937, passando pela Reforma Capanema e pela Constituição de 1946 e chegando à promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1961 –, o impacto entre brancos e negros foi desproporcional.

As taxas de escolarização da população com 5 anos ou mais de idade, a partir da variável cor/raça, verificadas no Censo/IBGE evidenciam nítida desvantagem para a população negra. Para homens brancos e negros foram verificadas, respectivamente, taxas de escolarização de 53,89% e 24,49% no ano censitário de 1950; 64,22% e 34,75% em 1960; 73,08% e 45,68% em 1970; e 80,42% e 57,05% em 1980 (BELTRÃO; NOVELINO, 2002BELTRÃO, K.; NOVELINO, M. S. Alfabetização por raça e sexo no Brasil: evolução no período 1940-2000. Texto para Discussão. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. n. 1. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv1425.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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). O mesmo ocorrendo para mulheres brancas e negras: 46,80% e 18,76% em 1950; 64,22% e 29,78% em 1960; 69,64% e 41,53% em 1970; e 78,40% e 54,34% em 1980 (BELTRÃO; NOVELINO, 2002BELTRÃO, K.; NOVELINO, M. S. Alfabetização por raça e sexo no Brasil: evolução no período 1940-2000. Texto para Discussão. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. n. 1. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv1425.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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).

Contudo, embora os indicadores educacionais para alfabetização e acesso à educação entre os anos de 1950 e 1980 ajudem na compreensão das desvantagens de negros no processo de realização educacional, com consequente impacto no acesso ao Ensino Superior, não é suficiente para explicar a não regularidade das experiências daqueles que, tendo superado o obstáculo estrutural da educação brasileira, acessaram o setor terciário. Não raro os intelectuais negros desse período, embora vinculados à academia, encontraram atuação mais frequente no campo político partidário ou no ativismo,2 2 Ativismo e militância serão definidos como atuação engajada formal (nos movimentos sociais organizados) e informal (de modo individual ou coletivo) em diversas expressões de manifestações públicas (SCHERER-WARREN, 2014). com nítidos exemplos, como Edison Carneiro (1912–1972); Abdias do Nascimento (1914–2011); e Alberto Guerreiro Ramos (1915–1982); e, já no final do período analisado, Clovis Moura (1925–2003); Lélia Gonzalez (1935–1994); Beatriz Nascimento (1942–1995); e Sueli Carneiro (1950–).

O caso de Guerreiro Ramos é exemplar. O autor que afirmara que o “problema do negro”, apresentado como uma questão de investigação, seria “uma das maiores ilusões da sociologia brasileira” (RAMOS, 1981RAMOS, A. G. O problema do negro na sociologia brasileira. In: SCHWARTZMAN, S. (ed.). O pensamento nacionalista e os “Cadernos de Nosso Tempo”. Brasília, DF: Câmara dos Deputados/Biblioteca do Pensamento Brasileiro, 1981., p. 21). Apesar de atualmente encontrado na bibliografia de cursos de pensamento social das mais distintas universidades brasileiras, apenas recentemente foi resgatado (BRINGEL; LYNCH; MAIO, 2015BRINGEL, B.; LYNCH, C. E. C.; MAIO, M. C. Sociologia periférica e questão racial: revisitando Guerreiro Ramos. Cadernos CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 9-13, 2015. https://doi.org/10.1590/S0103-49792015000100001
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), mais precisamente a partir de 1995, quando “a obra sociopolítica de Guerreiro Ramos tem passado por uma reabilitação lenta, mas segura” (BRINGEL; LYNCH; MAIO, 2015BRINGEL, B.; LYNCH, C. E. C.; MAIO, M. C. Sociologia periférica e questão racial: revisitando Guerreiro Ramos. Cadernos CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 9-13, 2015. https://doi.org/10.1590/S0103-49792015000100001
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, p. 11).

Na verdade, não é raro encontrar a associação entre Guerreiro Ramos e os termos “esquecido” (OLIVEIRA, 1995OLIVEIRA, L. L. A Sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.), “esquecimento” ou “deixada para trás”, como visto em: “Em parte, o ‘esquecimento’ da obra de Guerreiro Ramos deve-se ao período do regime militar [...]” (BRINGEL; LYNCH; MAIO, 2015BRINGEL, B.; LYNCH, C. E. C.; MAIO, M. C. Sociologia periférica e questão racial: revisitando Guerreiro Ramos. Cadernos CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 9-13, 2015. https://doi.org/10.1590/S0103-49792015000100001
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201500...
, p. 9) e “[...] é possível dizer que a obra de Guerreiro foi sendo progressivamente deixada para trás [...]” (MAIA, 2012MAIA, J. M. Reputações à brasileira: o caso de Guerreiro Ramos. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 265-291, 2012. https://doi.org/10.1590/2238-38752012v2412
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, p. 272).

De modo geral, as experiências dos intelectuais negros que produziram entre as décadas de 1950 e 1970 foram marcadas pelo inevitável confronto com os valores de miscigenação/democracia racial e, do mesmo modo, com discursos de modernização do país. Diante dessas narrativas hegemônicas, que sobrepunham a cordialidade das relações raciais ao conflito; a experiência integradora à silenciosa prática de exclusão; e a perspectiva de modernidade à possibilidade de resgate das tradições negras, havia pouco que aquela geração pudesse fazer para a desconstrução do discurso nacional de assimilação. Ao contrário, visto como exemplos da vitalidade da democracia racial, tais sujeitos vivenciaram uma experiência profundamente singular e individualizada, entendida, quando em contraste com a maioria da população negra, como excepcional e extraordinária.

Sem potência para a produção de discurso dissonante e contra-hegemônico no interior do campo intelectual, muitos daquela geração reagiram ao caráter refratário das instituições formais de conhecimento por uma intercessão entre o estar na academia e a ação militante, ou pela ruptura total e o desenvolvimento de trajetória de ativismo artístico ou político, bem como pela ação e a produção intelectual outsider.

Segunda Geração: Trajetórias Individuais e a Falácia da “Meritocracia”

O otimismo gerado com processo de redemocratização do Brasil, na passagem entre os anos 1970 e 1980, foi acompanhado pela reorganização e a reelaboração da agenda de reinvindicações e demandas da sociedade civil, incluindo, para além dos tradicionais movimentos da classe operária e de setores populares urbanos ou rurais, uma pauta vinculada aos novos atores sociais. Nessa “era da participação” (GONH, 1997, p. 273) junto à potente onda grevista iniciada em 1978, outros tipos de protestos foram deflagrados por “coletividades organizadas, como o movimento de bairros, o movimento feminista, grupos ecológicos e grupos de negros” (BOCHI, 2016BOCHI, R. R. A abertura e a nova classe média na política brasileira: 1977-1982. In: SZWAKI, J. ; D’AVILA FILHO, R. M. P. (orgs.). Estado e sociedade no Brasil: a obra de Renato Boschi e Eli Diniz, Rio de Janeiro: Ideia D, 2016., p. 271).

Para o caso específico do movimento negro, foi lançado, em 1982, o “Programa de Ação”, no qual eram apresentadas metas fundamentais, como a desconstrução da ideologia da democracia racial, agora entendida como um mito que deveria ser combatido (ALBERTO, 2017ALBERTO, P. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Editora Unicamp, 2017.), a inclusão do ensino de História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares e o enfrentamento à violência policial. Propunham-se, igualmente, ampliação, massificação e visibilização das pautas de ação e a aproximação com as lutas político-partidárias, uma estratégia que definiu a retomada das atividades e o modus operandi de diversos movimentos populares na América Latina a partir anos 1980.

[...] vários movimentos populares, das mulheres, dos negros etc., não direcionaram suas frentes de luta totalmente fora das estruturas de poder estatal. Aliar-se a partidos, por exemplo, foi uma necessidade estratégica imperiosa para atingira a sociedade política, para tentar mudar as leis e algumas das estruturas de organização da sociedade como um todo

(GOHN, 1997GOHN, M. G. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2016., p. 130).

No Brasil, a aproximação entre militantes negros e partidos políticos levou à consideráveis desdobramentos, cujos impactos foram especialmente sentidos nas décadas subsequentes. O MNU nasceu em proximidade com a Convergência Socialista, que viria a fazer parte da estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT) (DOMINGUES, 2007DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007
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). O Partido Democrático Trabalhista (PDT), sob liderança de Leonel Brizola, criou a Secretaria do Movimento Negro do PDT (1982) com presidência de Abdias do Nascimento; e, mais tarde, fundou o primeiro órgão executivo estadual de políticas públicas para a questão racial, a Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Negras (SEDEPRON, 1991), depois denominada Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (SEAFRO), para a qual Abdias do Nascimento foi também nomeado titular. Ao PDT vincularam-se outros membros do movimento negro, como Lélia Gonzalez e Carlos Alberto de Oliveira, autor da Lei n. 7.716/89 (Lei Caó), que previa o crime de racismo. Nesse ponto, ressalta-se que a experiência de ações afirmativas desenvolvida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) nos anos 2000 foi igualmente desenvolvida ao longo da gestão PDT no estado do Rio de Janeiro.

Os movimentos negros conseguiram potencializar sua proximidade com estruturas político-partidárias, como visto no período próximo ao Centenário da Abolição (1988), quando o investimento nas lutas pela patrimonialização levou ao tombamento e à garantia de preservação de símbolos da cultura negra, como o Terreiro da Casa Branca (Bahia), o primeiro terreiro de candomblé do Brasil, e a Serra da Barriga (Alagoas), localização do Quilombo de Palmares. Ao subverter as convencionais patrimonializações de igrejas e construções representativas da colonização portuguesa, o tombamento de espaços de afirmação e valorização étnico-racial representou, simbolicamente, a pontual vitória de uma narrativa produzida na tradição negra e confirmou a que, a partir daquele momento, a arena preferencial para as lutas e reivindicações dos movimentos negros seria o campo das políticas públicas.

Simultaneamente, no campo acadêmico, a atuação de Carlos Hasenbalg foi especialmente importante para a formação da segunda geração de intelectuais negros. Suas produções tornaram-se decisivas para promover três conjuntos de mudanças nos usuais paradigmas utilizados até aquele momento. Em primeiro lugar, ajudaram a romper com ideia de persistência do passado, ou legado, do escravismo para a compreensão das desigualdades e das relações raciais no Brasil, refutando “as explicações historicistas ou culturalistas de herança escravocrata ou de ethos católico e assimilacionista” (GUIMARÃES, 2016GUIMARAES, A. S. A. O legado de Carlos Hasenbalg (1942–2014). Afro-Ásia, Salvador, n. 53, p. 277-290, 2016. https://doi.org/10.9771/aa.v0i53.22477
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, p. 280-281). Em segundo lugar, confrontaram a perspectiva de que haveria incongruência entre o processo de industrialização nas sociedades e a persistência do racismo, defendida por Florestan Fernandes, indicando, ao contrário, a presença de sólida relação entre estratificação social e relações raciais (LIMA, 2014LIMA, M. A Obra de Carlos Hasenbalg e seu legado à agenda de estudos sobre desigualdades raciais no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, p. 919-933, 2014. https://doi.org/10.1590/00115258201428
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). Por fim, superaram as clássicas produções que tomavam práticas de preconceito, individuais, como epicentro das explicações do racismo, apresentando, pela perspectiva quantitativa, a correlação entre práticas discriminatórias e desigualdades estruturais com “desvantagens cumulativas dos negros” (GUIMARÃES, 2016GUIMARAES, A. S. A. O legado de Carlos Hasenbalg (1942–2014). Afro-Ásia, Salvador, n. 53, p. 277-290, 2016. https://doi.org/10.9771/aa.v0i53.22477
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, p. 282).

Do mesmo modo, também as práticas profissionais de Hasenbalg contribuíram para o fortalecimento do campo intelectual negro: coordenou o Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA, 1986–1996), atuou como professor no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e liderou o Grupo de Trabalho “Temas e Problemas da População Negra”, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) (LIMA, 2014LIMA, M. A Obra de Carlos Hasenbalg e seu legado à agenda de estudos sobre desigualdades raciais no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, p. 919-933, 2014. https://doi.org/10.1590/00115258201428
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), espaços importantes para a formação de intelectuais e pesquisadores negros que chegavam à pós-graduação e para a divulgação de uma série de trabalhos com a temática racial.

À frente do CEAA, Hasenbalg investiu na aproximação entre academia e ativismo; fortaleceu parceria com intelectuais e ativistas negros, como Lélia Gonzalez e Maria Beatriz Nascimento; desenvolveu o “Concurso de Dotações sobre o Negro do Brasil”, que, ao longo de uma década, destinou apoio financeiro às pesquisas de jovens estudantes de pós-graduação e pesquisadores; além de ter incentivado diversos eventos com participação de intelectuais e do movimento negro (LIMA, 2014LIMA, M. A Obra de Carlos Hasenbalg e seu legado à agenda de estudos sobre desigualdades raciais no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, p. 919-933, 2014. https://doi.org/10.1590/00115258201428
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; FIGUEIRDO, 2015FIGUEIREDO, A. A obra de Carlos Hasenbalg e sua importância para os estudos das relações das desigualdades raciais no Brasil. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 30, n. 1, p. 11-16, 2015. https://doi.org/10.1590/S0102-69922015000100002
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; GUIMARÃES, 2016GUIMARAES, A. S. A. O legado de Carlos Hasenbalg (1942–2014). Afro-Ásia, Salvador, n. 53, p. 277-290, 2016. https://doi.org/10.9771/aa.v0i53.22477
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).

Contudo, os efeitos das conquistas do movimento negro, do novo corpus teórico produzido e dos primeiros passos para a aproximação entre academia e militância foram sentidos por parcela reduzida da população negra, ainda em desvantagem no processo de realização sócio-educacional. Se, em um plano geral, as políticas de universalização do acesso à educação, implementadas a partir dos anos 1990, contribuíram para o aumento da escolaridade nos níveis fundamentais, para a redução do número de jovens fora da escola e da evasão antes da primeira série do Ensino Fundamental, por outro, a discrepância no desempenho de brancos e negros mantinha-se, sobretudo no acesso ao Ensino Superior. No final da década de 1990, 89% dos jovens brancos entre 18 e 25 anos não haviam ingressado na universidade, contrastando com um percentual de 98% para os jovens negros (HENRIQUES, 2001HENRIQUES, R. Desigualdade Racial no Brasil: Evolução das condições de vida na década de 90. Texto para discussão. Brasília, DF: Ipea, 2001. n. 807. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4061. Acesso em: 08 jul. 2018.
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).

Além dos obstáculos encontrados no fluxo do processo educacional, a dificuldade de acesso ao Ensino Superior também é reforçada pela utilização do vestibular como um exame de aferição de proficiência adquirida nos níveis fundamental e médio; e, subsequentemente, como mecanismo de ranqueamento e classificação para a entrada em instituições. Ao fazê-lo, permite-se a reprodução das discrepâncias verificadas entre escolas públicas e privadas, tornando o acesso às universidades uma seleção de pré-selecionados (RIBEIRO; KLEIN, 1982RIBEIRO, S. C.; KLEIN, R. A divisão interna da universidade: posição social das carreiras. Educação e Seleção, São Paulo, n. 5, p. 29-44, 1982. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/es/artigos/43.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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).

Por outro lado, negros que obtiveram acesso a esse segmento o fizeram, sobretudo, pelas instituições do setor privado, cuja expansão foi o ponto central das políticas de Ensino Superior dos anos 1990 (CALDERÓN, 2000CALDERÓN, A. I. Universidades mercantis: a institucionalização do mercado universitário em questão. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 61-72, 2000. https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000100007
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; MARTINS, 2000MARTINS, C. B. O Ensino Superior brasileiro nos anos 90. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 41-60, 2000. https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000100006
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). A permanência nesse segmento – geralmente pago e, frequentemente, caro – implica, não raro, a necessidade de conciliação entre trabalho e formação universitária, dificultando, muitas vezes, ao estudante a criação de um ethos acadêmico, o que, associado com a obtenção de diplomas menos prestigiados, produz efeitos negativos nas possibilidades de absorção pelo no mercado de trabalho. (VIEIRA, 2010VIEIRA, A. L. C. Dilemas da Inclusão e entraves à permanência: por uma reflexão multidimensional das políticas de ação afirmativa no Brasil. O Social em Questão, Rio de Janeiro, v. 22, p. 72-92, 2010.)

A fragilidade na inclusão e na formação de negros no Ensino Superior refletiu-se igualmente no quadro docente das universidades. Ao se propor um “censo inexistente das desigualdades raciais na academia” (CARVALHO, 2003CARVALHO, J. J. Ações afirmativas para negros na pós-graduação, nas bolsas de pesquisa e nos concursos para professores universitários como resposta ao racismo acadêmico. In: SILVA, P. B. G.; SILVÈRIO, V. R. (orgs.). Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília, DF: Inep, 2003., p. 163), notou-se a sub-representação de professores negros em instituições públicas de ensino, levando a crer que os diversos e distintos mecanismos estruturais de produção de exclusão para negros e, nesse caso para a formação de intelectuais negros, adensam-se pela existência de um “racismo acadêmico”.

A geração de intelectuais negros que atravessou essa sucessão de obstáculos deparou-se com um postulado subjetivo: enquanto a educação básica e fundamental é entendida como um direito a ser garantido a todos, coletivamente, o Ensino Superior, sobretudo o público, como um processo de profissionalização, representa crença no mérito individual, reforçada pelo exame vestibular, responsável por evidenciar a concorrência e a seletividade no acesso a essa etapa de ensino.

Os intelectuais formados nessa geração vivenciaram um paradoxo: à medida que a defesa da democracia racial caiu em desuso nos circuitos acadêmico e em descrédito nos discursos de senso comum, gradativamente foi substituída pela noção mais clássica de democracia liberal. Assim, as presenças de negros nas cadeiras universitárias acabaram representando, implicitamente, a comprovação da premissa de que, se a democracia racial seria um mito a esconder as práticas de preconceito e discriminação, por outro lado, haveria a possibilidade de que o racismo pudesse ser superado pelo empenho individual e de que a meritocracia, sendo o princípio mais acabada das relações democráticas e republicanas, pudesse levar à superação dos possíveis obstáculos encontrados. Se, no início do século XX, a presença de certa mobilidade de mulatos/mestiços seria o indício incontestável da existência de democracia racial (OSÓRIO, 2003), a presença dos negros no Ensino Superior, nos anos 1990, passa a ser a atualização das falácias, sob nova perspectiva, a da meritocracia.

Todavia, ao contrário do que os defensores da democracia liberal defendiam, essa geração foi formada na mínima ruptura com as barreiras que limitam a mobilidade social no Brasil (OSÓRIO, 2004OSORIO, R. G. A Mobilidade Social dos negros brasileiros. Texto para Discussão. Brasília, DF: Ipea, 2004. n. 1033. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1033.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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; RIBEIRO, 2006RIBEIRO, C. A. C. Classe, raça e mobilidade social no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 49, n. 4, p. 833-873, 2006. https://doi.org/10.1590/S0011-52582006000400006
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), produzindo sujeitos que, em sua maioria, foram os primeiros de suas famílias a ingressarem no Ensino Superior, o que torna o “estar” nos meios universitários, assim como ocorreu com a geração anterior, uma experiência vivida de modo ímpar e singular. Como consequência indireta, a inserção dessa geração foi caracterizada pela adaptabilidade ao sistema: adaptação aos conteúdos, à perspectiva epistemológica, ao ethos acadêmico, à autoridade argumentativa apresentada pelo mainstream acadêmico.

Se a presença desses jovens negros reforçava a tese do falso ideário meritocrático, eles, por sua vez, integravam a geração que, ao longo dos anos 1990, ajudou a problematizá-lo, analisando e revelando dimensões persistentes do processo de produção de desigualdades raciais, desempenhando, assim, papel fundamental para os debates do período seguinte. Foi a geração que investiu no processo de ascensão pela via educacional e pela entrada em programas de pós-graduação, com construção de uma carreira acadêmica. Por essa razão, esteve no centro da polarização dos debates sobre a adoção de ações afirmativas, vivenciando a retomada das reinvindicações por políticas públicas e participando ativamente de seu gradual desenvolvimento.

Foi, igualmente, a geração que acompanhou ativamente a implementação de cursos comunitários, em especial os Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC); a elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD) (VIEIRA, 2003VIEIRA, A. L. C. Políticas de educação, educação como política: observações sobre a ação afirmativa como estratégia política. In: SILVA, P. B. G.; SILVÉRIO, V. R. (orgs.). Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília, DF: Inep, 2003. p. 81-97.), em 1996, primeiro documento oficial do governo brasileiro a contemplar a adoção de medidas de ações afirmativas como mecanismo de minimização de desigualdades raciais; a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI); do Grupo de Trabalho contra a Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTDEO), da Fundação Palmares e da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) (LIMA, 2010LIMA, M. Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 87, p. 77-95, 2010. https://doi.org/10.1590/S0101-33002010000200005
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) no início dos anos 2000; os encontros preparatórios; a realização e os desdobramentos da Conferência de Durban, de 2001, da qual o Brasil foi signatário; além de acompanharem a adoção de cotas raciais na Uerj e na Universidade de Brasília (UnB).

Geração em Formação: Práticas Compartilhadas e a Produção de Novas Narrativas

As demandas por políticas de ações afirmativas do período anterior se concretizaram na experiência pioneira da Uerj, em 2002, causando considerável ressonância nos setores ativistas, no campo intelectual e na opinião pública; como desdobramento imediato, diversas universidades públicas brasileiras incorporaram a discussão, submetendo, em seus conselhos universitários, propostas semelhantes para o acesso discente, de tal forma que, em 2007, já existiam 37 instituições federais de Ensino Superior com algum tipo de ação direcionada para diferentes grupos vulnerabilizados, definidos a partir da realidade de cada instituição (integrantes de reforma agrária, estudantes negros, indígenas, oriundos de escolas públicas, deficientes físicos, e outros) (MACHADO, 2007MACHADO, E. A. Acompanhamento e Monitoramento das Políticas de Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras. Desigualdade & Diversidade, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 139-160, 2007. Disponível em: http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br/uploads/pucrio_artigo_2007_EAMachado.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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). Simultaneamente, o Governo Federal criou o Programa Universidade para Todos (Prouni) (Lei n. 11.096, em 13 de janeiro de 2005), que estimulava a inclusão e direcionava as ações afirmativas para universidades privadas.

Instaurou-se um cenário de otimismo, potencializado pela unânime decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2012, em favor da constitucionalidade das cotas raciais adotadas pela UnB, seguida pela promulgação da Lei n. 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que garantiu àqueles alunos que comprovassem ter realizado o Ensino Médio integralmente em instituições públicas ou EJA a reserva de 50% das matrículas em universidades e institutos federais de educação, ciência e tecnologia, a serem distribuídas considerando critérios étnico-raciais, entre outros.

Autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

(BRASIL, 2012BRASIL. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Seção 1, p. 1., p. 1).

Assim, o Governo Federal complementou seu projeto para a expansão do Ensino Superior, pois, enquanto o Prouni investia na ampliação das vagas em instituições privadas, com cotas para estudantes carentes (que compreendiam, igualmente, critérios étnico-raciais como forma de distribuição de vagas), a Lei de Cotas complementava o Programa de Apoio à Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) (Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007), para as instituições públicas.

Como esperado, ao longo de quase vinte anos de ações afirmativas, diversas avaliações foram produzidas, seja a partir das análises quantitativas que tentam mensurar o rendimento de alunos cotistas, o índice de evasão e o perfil dos ingressantes, seja as análises que tentam compreender os efeitos do ingresso de cotistas nas relações entre cotistas e não cotistas da universidade, a percepção de professores e discentes, além de análises e estudos de casos sobre experiências específicas de universidades e questões subsequentes, como a permanência. Em termos efetivos, os resultados têm sido positivos. Cotistas têm obtido sucesso no rendimento acadêmico aferido ao longo de sua formação e, do mesmo modo, apresentam baixas taxas de evasão (MENDES JUNIOR, 2014MENDES JUNIOR, A. A. F. Uma análise da progressão dos alunos cotistas sob a primeira ação afirmativa brasileira no Ensino Superior: o caso da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 82, p. 31-56, 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-40362014000100003
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; SILVA; SILVA, 2012SILVA, P. B.; SILVA, P. Representações sociais de estudantes universitários sobre cotas na universidade. Fractal – Revista de Psicologia, Niterói, n. 24, v. 3, p. 525-542, 2012. https://doi.org/10.1590/S1984-02922012000300007
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; LEMOS, 2017LEMOS, I. B. Narrativas de cotistas raciais sobre suas experiências na universidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 71, p. 1-25, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227161
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; WAINER; MELGUIZO, 2018WAINER, J.; MELGUIZO, T. Políticas de inclusão no ensino superior: avaliação do desempenho dos alunos baseado no Enade de 2012 a 2014. Educação e Pesquisa, São Paulo, n. 44, v. e162807, p. 1-15, 2018. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201612162807
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).

Contudo, interessa a este trabalho uma análise ainda pouco explorada que diz respeito ao processo de formação de uma nova geração de intelectuais negros. Nesse sentido, alguns pontos indicam características que, como defendido neste texto, foram potencializadas pela experiência de ações afirmativas. Em termos objetivos, para além da já mencionada diversificação do ambiente universitário, um primeiro impacto é o aumento da produção intelectual sobre relações raciais (ARTES; MENA-CHALCO, 2017ARTES, A.; MENA-CHALCO, J. Expansão da temática das relações raciais no banco de dados de teses e dissertações da Capes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1221-1238. 2017. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201702152528
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), o que permite inferir que a entrada de novos sujeitos no campo acadêmico tem impacto direto sobre o volume de uma produção intelectual que reflete a diversidade da realidade social.

Para além disso, os intelectuais da primeira e da segunda gerações vivenciaram típicas experiências pulverizadas de negros em ascensão: seus dilemas, reflexões e produções foram apropriados e apresentados como evidências da possibilidade de ruptura de barreiras em uma sociedade que estaria aberta para a produção de relações igualitárias, fosse pela democracia racial assimilacionista, fosse pelo vigor da meritocracia (mesmo que tenham dedicado esforços para desconstruí-lo).

A geração que ingressa no Ensino Superior após os anos 2000, por sua vez, pôde reunir algumas características específicas, cuja primeira talvez seja o contato prévio com discussões sobre raça e racismo. Na realidade, essa geração se encontra em um ambiente na qual reivindicações, denúncias e demandas raciais já haviam sido apresentadas ao debate público pelas atuações dos movimentos e intelectuais negros dos períodos anteriores, que pautaram o debate e a opinião pública, permitindo um conhecimento mínimo, comum tanto no campo intelectual como nas narrativas das mídias e nos discursos do cotidiano sobre os efeitos das utilizações da raça e do racismo.

Desse modo, com a democracia racial longe das narrativas de explicação sobre o Brasil e a falácia do mérito e das potencialidades individuais em descrédito, a geração que vem se formando desde a adoção de ações afirmativas pôde produzir suas narrativas de forma a associarem-se em um processo compartilhado de experiências e de subjetividades. A principal expressão disso talvez seja a organização em coletivos, que, se evidentemente não agregam todos os estudantes negros ingressantes no Ensino Superior, constituem certamente objeto útil para a análise de uma nova forma de interação produzida nas universidades.

As experiências de coletivos não são recentes, a literatura sobre o movimento negro com frequência relata experiências com grupos de trabalhos, núcleos e coletivos, sobretudo entre os anos 1970 e 1980 (DOMINGUES, 2007DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007
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, 2018DOMINGUES, P. Em defesa da humanidade: a Associação Cultural do Negro. Dados, Rio de Janeiro, v. 61, n. 1, p. 171-211, 2018. https://doi.org/10.1590/001152582018150
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; MARTINS; IORUBÁ; GOMES, 2015MARTINS, S. M.; IORUBA, T.; GOMES, F. Redemocratizando na raça: sobre memórias, intelectuais negros e movimentos sociais contemporâneos (notas de pesquisa). História – Questões & Debates, Curitiba, n. 63, v. 02, p. 195-210, 2015. Https://doi.org/10.5380/his.v63i2.46707
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), organizados frequentemente fora da academia e mais raramente em seu interior. Nesse sentido, pode-se inferir que a peculiaridade dos coletivos, a partir dos 2000, repousa em suas potentes ampliação e proliferação para as instâncias de Ensino Superior,3 3 Em 2016 foi realizado, no Rio de Janeiro, o Encontro de Estudantes e Coletivos Universitários Negros (EECUN). com desdobramentos recentes para Ensino Médio e pós-graduações.4 4 Como exemplo, o coletivo de estudantes negros do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ) e o Coletivo Marlene Cunha de alunos negros e negras do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (MN/UFRJ). Devem também ser entendidos como resultado de novas configurações no ambiente político recente: crise nos discursos e formas de atuação dos movimentos sociais tradicionais; crise das instituições democráticas, como Estado e partidos políticos; descrença no pacto democrático e na possibilidade de negociação de conflitos sociais; emergência de novas identidades; e visibilidade das redes sociais e do ativismo digital.

De forma geral, a geração que vem se constituindo após os anos 2000 produziu para si e para os demais o discurso de que a experiência vivida por negros é compartilhada e comum, propondo o que se decidiu chamar, neste texto, de “narrativa do enfrentamento”, em muito potencializada pelas ações em ambiente virtual.

Por meio dessas práticas, jovens instrumentalizam tantos outros e atualizam para o público que acessa seus canais em busca de informação e elementos para “empoderamento”5 5 Termo popularizado por movimentos sociais, sobretudo feministas e negros, para definir estratégias e ações que têm impacto na desconstrução das relações de subalternização e na produção de protagonismo. o conhecimento já consolidado em períodos anteriores, seja pela atualização de personalidades de outras gerações, como o caso de Sueli Carneiro, seja pela atualização de discussões clássicas do pensamento racial brasileiro, das quais, um exemplo aparece no uso de termos como “colorismo”, “solidão da mulher negra” e “palmitagem”.

Por “colorismo” entendam-se as nuances ou peculiaridades do racismo quando usadas em dimensões cromáticas, de forma que situações de discriminação e posições sociais seriam acentuadas ou amenizadas, alcançadas ou obstaculizadas, a partir da tonalidade da pele, sendo os tons de pele mais claros os que levariam às vantagens e aos privilégios objetivos e simbólicos, por exemplo nos campos profissional e afetivo. “Solidão da mulher negra”, por sua vez, refere-se à dificuldade das mulheres negras para encontrarem parceiros no mercado das relações afetivas. Diametralmente, “palmitagem” evidencia a mesma desvalorização da mulher negra, refletida, dessa vez, na constante escolha de parceiras brancas por homens negros.

Contudo, se os termos estão atuais nas narrativas recentes, certamente são antigos como objeto de reflexão: conforme já mencionado, Oracy Nogueira (2007[1954])NOGUEIRA, O. (1954). Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 287-308, 2007. https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000100015
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havia investigado as implicações das definições fenotípicas para o racismo brasileiro. Do mesmo modo, Helieth Saffioti (1979)SAFFIOTI, H. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1979. descreveu como a triangulação entre gênero, raça e classe formam um sistema de escolhas que tornam a mulher negra pouco valorizada e Elza Berquó (1987)BERQUÓ, E. Nupcialidade da população negra no Brasil. Núcleo de Estudos de População, Campinas, n. 11, 1987. publicou inúmeros trabalhos sobre a desvantagem da mulher negra no mercado das relações afetivas. Mesmo entre ativistas tradicionais, o tema foi alvo de polêmicas, quando Carneiro reagiu à Joel Rufino dos Santos, que, ao tentar explicar a desqualificação da mulher negra, afirmou que brancas seriam mais bonitas e, nesse sentido, tal como trocar um Fusca por um Monza como indicativo de ascensão social, preferir brancas às negras reforçaria a mobilidade social ascendente de homens negros (CARNEIRO, 1995CARNEIRO, S. Gênero, raça e ascensão social. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 544-552, 1995. https://doi.org/10.1590/%25x
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).

Nesse sentido, as “narrativas de enfrentamento” atualizam para os discursos ativistas e não acadêmicos uma pauta de reflexões produzida no contexto das primeiras gerações, mas que se manteve circunscrita ao ambiente intelectual, em especial das ciências sociais. A atualização das “narrativas de análise” produzidas anteriormente alimenta as “narrativas de enfrentamento” e torna-se um instrumento que “empodera” os novos sujeitos na condição de agentes coletivos.

A entrada dessa nova geração, em plena formação intelectual, deflagrou outro movimento: tal conjunto de subjetividades produzidas nessa experiência de coletividade, quando observado especificamente no contexto do espaço das universidades, permitiu a produção de um olhar crítico sobre a própria experiência vivida, deflagrando problematizações constantes das relações travadas no Ensino Superior, as quais incluem críticas à epistemologia hegemônica produzida e reproduzida, considerações sobre as interações entre professores e alunos, bem como entre os próprios alunos, e, em um limite, reivindicações por respeito às subjetividades e alteridades apresentadas em processo. Assim, passou a ser frequente a denúncia ao perfil eurocêntrico dos conteúdos programáticos apresentados nos cursos e disciplinas e, subsequentemente, a solicitação por inclusão de literatura que expresse o conhecimento de intelectuais que representem grupos subalternizados, no caso específico, mulheres, negros e mulheres negras.

Nesse sentido, ganham espaço os conjuntos teóricos do pós-colonialismo, estudos de subalternidade e perspectivas decoloniais, os quais, apresentando como ponto de convergência a reflexão sobre os efeitos da história de colonização sobre diferentes experiências nacionais (países africanos, sul-asiáticos e latino americanos, respectivamente), propõem o deslocamento do processo de produção de conhecimento, em um movimento de autonomia em relação às perspectivas centrais elaboradas nos centros europeus ou americanos, seja pela crítica à insuficiência dos referenciais tradicionais para pensar experiências particulares, seja pela inserção de outras perspectivas para a compreensão da própria realidade, como no caso da adoção de referenciais de grupos étnicos na América Latina.

Tanto quanto movimentos epistemológicos, são perspectivas igualmente políticas. Autores como Partha Chatterjee, Dipesh Chakrabarty e Gayatri Chakrabarty Spivak (estudos subalternos); Aimé Césaire, Frantz Fanon, Edward Said, Paul Gilroy e Hommi Babha (estudos pós-coloniais); e Walter Mignolo, Anibal Quijano e Enrique Dussel (perspectiva decolonial); ou ainda Maria Lugones, Gloria Anzaldúa e Ochy Curiel (feminismo decolonial) expõem a colonização do pensamento presente no projeto de essencialização da epistemologia ocidental e colocam em xeque as formas usuais de produção de conhecimento.

Por sua vez, autores não usuais nos circuitos científicos passam a ser entendidos como literatura possível, por exemplo Angela Davis, bell hooks, Chimamanda Adichie e Conceição Evaristo, fazendo com que, algumas vezes, seja adotada, contraditoriamente, uma postura antiacademicista, com a rejeição dos princípios e autores canônicos. Tais críticas ao conjunto epistemológico hegemônico refletem a reivindicação por representatividade e associam-se à problematização da experiência no Ensino Superior, na qual se potencializa a ideia do “lugar de fala” em um exercício de alteridade que, embora constitutivamente defendido no campo das ciências sociais pela Antropologia, é levado a outros níveis nessa vivência de novos sujeitos na universidade.

Desdobramentos mais recentes aparecem na denúncia produzida, com protagonismo dos coletivos negros, de fraudes na entrada no Ensino Superior pela autodeclaração inverídica. Nesse sentido, instituições de Ensino Superior, para além de constituírem espaço de empoderamento, suporte coletivo e compartilhamento das experiências vividas, permitem que os novos acadêmicos negros, integrantes de organizações sociais ou não, tomem para si o papel de ombudsman, acompanhando e fiscalizando, por dentro da universidade, as cotas raciais; levando às constantes denúncias, cujo desdobramento efetivo é percebido nas recentes formações de comissões de verificação.

Definidas para a heteroidentificação, a reivindicação por essas comissões expõe um interessante contorno da relação entre as gerações de negros no Ensino Superior. Como valor, a “autodeclaração também foi historicamente reconhecid[a] e pleitead[a] pelo movimento negro, como modo de valorização identitária da população negra” (COSTA, 2018COSTA, N. L. A implementação da Lei de Cotas Raciais nos concursos públicos federais: Análises dos processos de execução da ação afirmativa. In: DIAS, G. R. M.; TAVARES JUNIOR, P. R. F. (orgs.). Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos Canoas: IFRS, 2018., p. 42), significando, para as gerações anteriores, um reconhecimento produzido à luz da presunção de veracidade (SANTOS; ESTEVAM, 2018SANTOS, A. P.; ESTEVAM, V. S. As comissões de heteroidentificação racial nas instituições federais de ensino: panorama atual e perspectiva. Anais do X Congresso Nacional de Pesquisadores Negros, Uberlândia, 2018.) e um dos principais critérios para indicação de identidade racial. Os novos sujeitos, contrapondo-se, em sua narrativa de enfrentamento, acionam a heteroatribuição para defender o controle sobre os ingressantes, evitar possíveis fraudes e garantir a objetividade da avaliação, com relativo sucesso na mobilização de setores mais tracionais do movimento negro.

Na realidade, como um dos pontos centrais nas discussões sobre relações raciais no Brasil, entende-se que classificações raciais são sempre dotadas de inquestionável subjetividade, estando aquela que estabelece a autoidentificação fundamentalmente suportada pelas noções sobre ascendência, práticas, discursos e ethos familiares, tanto quanto pela inserção social, enquanto a subjetividade presente na heteroidentificação, mesmo acionando elementos constitutivos pessoais e próprios, define-se sob a análise da aparência e traços visíveis (PETRUCCELLI, 2013PETRUCCELLI, J. l. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação. In: PETRUCCELLI; J. L.; SABOIA, A. L. (orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. estudos e análises informação demográfica e socioeconômica. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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).

Quando apresentada no campo das lutas políticas, a defesa da autoidentificação evidencia o diálogo travado por décadas entre o movimento negro tradicional e o Estado brasileiro, de forma que os termos utilizados pelo IBGE refletem históricas produzidas na academia, processos de intercâmbio e construção do ativismo negro, sobretudo do Sudeste do Brasil (PETRUCCELLI, 2013PETRUCCELLI, J. l. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação. In: PETRUCCELLI; J. L.; SABOIA, A. L. (orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. estudos e análises informação demográfica e socioeconômica. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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; OSÓRIO, 2013OSORIO, R. G. A classificação de cor ou raça do IBGE revisitada. In: PETRUCCELLI; J. L.; SABOIA, A. L. (orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. estudos e análises informação demográfica e socioeconômica. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf. Acesso em: 08 jul. 2018.
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). Nesse sentido, a reivindicação por heteroidentificação insere nesse campo um componente tradicionalmente desconsiderado pelos grupos negros tradicionais e, sobretudo, refutado pela narrativa produzida pelas gerações anteriores.

Dessa forma, tendo sido formada no desdobramento das gerações anteriores, aqueles que vêm se constituindo como intelectuais na universidade pós-ações afirmativas tendem a tomar raça como pressuposto para o estabelecimento de quaisquer relações, dentro e fora da universidade, o que permite aliar militância e atuação acadêmica, sem que isso configure, por si, uma contradição, como ocorria para as gerações anteriores.

Do mesmo modo, não é uma contradição que, como consequência, suas práticas permitam, simultaneamente, a associação entre constantes continuidades (ao legitimarem para si os discursos e lutas tradicionais) e reiteradas descontinuidades (ao construírem uma pauta de reivindicações que nem sempre coincide com aquelas colocadas pelas gerações anteriores).

Considerações Finais

Entre os vários balanços produzidos após vinte anos de ações afirmativas, certamente a formação de uma nova geração de jovens e intelectuais negros e os desdobramentos causados a partir de sua inserção no ambiente universitário figuram entre os mais visíveis, mas ainda pouco analisados.

A existência e a experiência das três gerações complementam-se fazendo com que análises e estratégias das primeiras gerassem acúmulo no conhecimento acionado pelas recentes. Seja pelo contato direto entre gerações, seja pela repercussão dos efeitos objetivos e subjetivos de ações, lutas e análises desenvolvidas entre os anos 1950 e 2000, é certo que, entre os períodos considerados, estratégias de inserção, produção de narrativas e pertencimento foram produzidas e compartilhadas e que seus efeitos podem ser sentidos na contundência dos argumentos sobre questões raciais presentes dos debates da mídia e da opinião pública; na politização e na judicialização da agenda de atuação de movimentos e intelectuais negros; na construção de práticas sistemáticas e organizadas de denúncia às desigualdades e discriminações raciais; na utilização do acesso à educação como estratégia de ascensão individual e potencialização coletiva; e, mais notoriamente, na luta pela manutenção e a ampliação dos efeitos das políticas de ação afirmativa.

Diante disso, duas décadas após a primeira universidade brasileira adotar políticas de inclusão com perspectiva racial, ainda é necessário acompanhar esses novos sujeitos em sua trajetória como ingressantes e egressos do Ensino Superior. Contudo, algumas características são notáveis: a geração que se forma no período subsequente à adoção de políticas de ação afirmativa e, especificamente, de reserva de vagas e cotas raciais pôde investir em uma estratégia coletiva, o que, consequentemente, gera potência para o exercício cotidiano de enfrentamentos e denúncias.

Nesse cenário favorável, é evidente a construção de novo modus operandi, com perceptível orientação para desconstrução das relações estabelecidas, que se inicia pela inserção de um novo sujeito, o qual entende estética e corpos como instrumentos políticos e termina por defender discursos como resistência. Do mesmo modo, em um limite, leva ao questionamento da própria autoridade argumentativa tradicional e hegemônica. Por fim, se a universidade ainda se mantém estruturalmente elitizada, esses novos discursos permitem a produção de novas narrativas dos sujeitos sobre si mesmos, sobre seus processos de inserção no Ensino Superior e sobre o significado de ser negro no Brasil.

Notas

  • 1
    Consideram-se distintos usos para “geração”, a partir de tradições específicas: a estatística ou demográfica, a antropológica e a sociológica (MOTTA, 2010MOTTA, A. B. A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre o envelhecimento. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 225-250, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-69922010000200005
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    )
  • 2
    Ativismo e militância serão definidos como atuação engajada formal (nos movimentos sociais organizados) e informal (de modo individual ou coletivo) em diversas expressões de manifestações públicas (SCHERER-WARREN, 2014SCHERER-WARREN, I. Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI. Política & Sociedade, Florianópolis, n. 13, v. 28, p. 13-34, 2014. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v13n28p13
    https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v1...
    ).
  • 3
    Em 2016 foi realizado, no Rio de Janeiro, o Encontro de Estudantes e Coletivos Universitários Negros (EECUN).
  • 4
    Como exemplo, o coletivo de estudantes negros do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ) e o Coletivo Marlene Cunha de alunos negros e negras do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (MN/UFRJ).
  • 5
    Termo popularizado por movimentos sociais, sobretudo feministas e negros, para definir estratégias e ações que têm impacto na desconstrução das relações de subalternização e na produção de protagonismo.

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Editor de seção: Salomão Barros Ximenes
Editores convidados: Nilma Lino Gomes, José Eustáquio Brito e Paulo Vinicius Baptista da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    23 Jun 2022
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