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MILITARIZAÇÃO DA GESTÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS: A EXCLUSÃO DA ATIVIDADE POLÍTICA DEMOCRÁTICA

MILITARIZATION OF THE MANAGEMENT OF PUBLIC SCHOOLS: THE EXCLUSION OF DEMOCRATIC POLITICAL ACTIVITY

MILITARIZACIÓN DE LA GESTIÓN DE LAS ESCUELAS PÚBLICAS: LA EXCLUSIÓN DE LA ACTIVIDAD POLÍTICA DEMOCRÁTICA

RESUMO

O presente artigo analisa novas demandas conservadoras articuladas nas políticas educacionais para a educação básica, focando no modo como essa articulação vem excluindo a atividade política democrática por meio de um discurso autoritário. Essa análise toma como referência a proposta do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, operando com a estratégia teórico-discursiva proposta por Laclau e Mouffe. São destacados na análise a lógica de gestão educacional defendida nesse Programa, como essa lógica é constituída e as razões pelas quais isso se dá. O artigo considera limitados os discursos firmados na normatividade e na afirmação de totalidades essencialistas para a contestação dessa nova dinâmica social suturada e com diferentes identidades políticas emergentes.

Palavras-chave
Militarização da educação; Gestão democrática; Teoria do discurso

ABSTRACT

This article analyzes the new conservative demands articulated in educational policies for elementary and high school levels, focusing on the way in which this articulation has excluded democratic political activity through an authoritarian discourse. This analysis takes as a reference the proposal of the National Program of Civic-Military Schools, operating with the theoretical-discursive strategy proposed by Laclau and Mouffe. The analysis highlights the educational management logic defended in this Program, how this logic is constituted and the reasons why this happens. The article considers limited discourses based on the normativity and the affirmation of essentialist totalities for the contestation of this new sutured social dynamic and with different emerging political identities.

Keywords
Militarization of education; Democratic management; Theory of Discourse

RESUMEN

Este artículo analiza las nuevas demandas conservadoras articuladas en las políticas educativas para la educación básica, centrándose en la forma en que esta articulación excluyó la actividad política democrática a través de un discurso autoritario. Este análisis toma como referencia la propuesta del Programa Nacional de Escuelas Cívico-Militares, operando con la estrategia teórico-discursiva propuesta por Laclau y Mouffe. El análisis destaca la lógica de gestión educativa defendida en este Programa, cómo se constituye esa lógica y las razones por las que esto sucede. El artículo considera discursos limitados basados en la normatividad y la afirmación de totalidades esencialistas para la contestación de esta nueva dinámica social suturada y con distintas identidades políticas emergentes.

Palabras-clave
Militarización de la educación; Gestión democrática; Teoría del discurso

Introdução

A desfiguração da atividade política democrática da gestão é uma marca da reforma educacional brasileira inaugurada na década de 1990. Tal reforma buscou seguir os imperativos do capitalismo globalizado e operar sob uma lógica neoliberal, pela qual há uma “economização” da vida social (BALL, 2014BALL, S. J. Educação Global S.A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Tradução Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.). Demandas por accountability, gerencialismo, governança, gestão compartilhada, gestão por resultados, empreendedorismo e inovação foram e continuam sendo predominantes nessa trajetória, gerando um deslocamento para relações heterárquicas, nas quais o poder cria maior porosidade entre instituições públicas e privadas (ARAÚJO; LOPES, 2021ARAÚJO, M. S. S.; CARVALHO, A. M. P. Autoritarismo no Brasil do presente: bolsonarismo nos circuitos do ultraliberalismo, militarismo e reacionarismo. Revista Katálysis, Santa Catarina, v. 24, n. 1, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e75280
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; LIMA; HYPOLITO, 2020LIMA, I. G.; HYPOLITO, A. M. Escola Sem Partido: análise de uma rede conservadora na educação. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 15, 2020. https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15.15290.053
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). Tais demandas estão articuladas em um projeto educacional que procurou definir e controlar um padrão de qualidade, suposto como fundamentado em critérios de eficiência e excelência baseados em evidências do sistema educacional, a partir do estabelecimento de metas de indicadores de desempenho (rankings e bonificações, agregados ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica [IDEB]). De forma associada a esse processo, há o investimento em uma política de centralidade curricular, que busca estabelecer fundamentos para um currículo comum via parâmetros ou uma base nacional comum (LOPES, 2015LOPES, A. C. Por um currículo sem fundamentos. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 21, p. 445-466, 2015. https://doi.org/10.26512/lc.v21i45.4581
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). Completa esse quadro, o crescente investimento em um modelo de profissionalização docente que busca viabilizar o atendimento dessas metas instrucionais (BORGES; JESUS, 2020BORGES, V.; JESUS, A. P. Fazendo a “racionalidade” tremer: notas disruptivas acerca da BNC-Formação. Série-Estudos, Campo Grande, MS, v. 25, p. 31-50, 2020. https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v0i0.1494
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).

Entretanto, o que muda na atual conjuntura política?

Em nome de princípios tradicionais e valores morais conservadores, observamos formas funcionalistas da educação sendo reforçadas e privilegiadas. Como discutido por Brown (2019)BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo. Tradução Mario A. Marino, Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., a racionalidade neoliberal engendrou as condições para mobilizar e legitimar forças antidemocráticas na segunda década do século XXI e, mesmo que não desejasse a atual disseminação do reacionarismo, foram as falhas do neoliberalismo que favoreceram sua articulação com poderes e forças ultraconservadores, associados a racismo, niilismo, negacionismo, homofobia e misoginia, fatalismo e ressentimento.

Apoiadores do atual presidente no Brasil, eleito em 2018, não apenas se apegam à promessa de maior ordenamento e da efetividade dos serviços públicos prestados à população brasileira, apostando em uma gestão técnica, orientada à entrega de resultados como fruto de uma prática educacional cada vez mais instrumental. Seus apoiadores também defendem um projeto autoritário que ataca os ideais e os mecanismos democráticos.

Por meio de um discurso que se institui como um corte antagônico ao projeto educacional anterior – liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) –, uma das principais agendas do atual governo federal tem sido expressa no acordo de vencer o espectro político da esquerda e sua suposta influência ideológica e político-partidária nas escolas e nas universidades. No Plano de Governo apresentado em 2018, argumentava-se que “nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo, se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira” (BOLSONARO, 2018BOLSONARO, J. O caminho da prosperidade: proposta de plano de governo. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral, 2018.). Como já discutido em artigo anterior (LOPES, 2019LOPES, A. C. Articulações de demandas educativas (im)possibilitadas pelo antagonismo ao “marxismo cultural”. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 27, p. 109-129, 2019. https://doi.org/10.14507/epaa.27.4881
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), o antagonismo ao PT é realizado por meio da articulação de demandas ultraconservadoras que se contrapõem à fantasia de um “marxismo cultural”.1 1 Como destacado em Lopes (2019), nessa perspectiva, todo pensamento crítico nacional seria marxista e nisso se incluiriam os neomarxistas, os estritamente marxistas, mas também os que defendem a Escola de Frankfurt, os pós-estruturalistas, os desconstrucionistas e todos defensores do multiculturalismo. Diz-se do inimigo – defensor do “marxismo cultural” –, por exemplo: “Os socialistas de hoje praticamente abandonaram a velha retórica da ‘luta de classes’, a qual envolvia uma batalha entre as classes capitalistas e proletárias. Há agora uma nova batalha, a qual opõe ‘opressores’ a ‘oprimidos’. As classes oprimidas incluem os grupos LGBT, os negros, as feministas, os imigrantes, os ‘não assimilados culturalmente’ e várias outras categorias consideradas mascotes. Já a classe opressora é formada majoritariamente por homens e mulheres cristãos, brancos e heterossexuais, de qualquer profissão (empregado ou empregador), que não sejam ideologicamente simpáticos ao socialismo” (MUELLER, 2018). Esse “marxismo cultural” é identificado com as demandas da diferença e/ou inclusivas, cabendo às políticas ultraliberais ora se articular às demandas ultraconservadoras, ora se articular com as demandas inclusivas.

Sob um novo formato político, que indica ter como referência o “neoconservadorismo estadunidense” (LIMA; HYPOLITO, 2019LIMA, I. G.; HYPOLITO, A. M. A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, e190901, 2019. https://doi.org/10.1590/S1678-463420194519091
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), a disputa em torno da desfiguração da atividade política da gestão toma outras proporções. O movimento impulsionado pela “nova direita”2 2 A Nova Direita constitui uma aliança, principalmente, entre neoconservadores e neoliberais, central para o desmantelamento do Estado de Bem-Estar e para a criação de uma nova forma de administrar o Estado quando da crise de 1970 nos países centrais ao capitalismo – período em que tal aliança efetivamente começou a se consolidar. Constituem a aliança da Nova Direita nos EUA: os neoliberais, os neoconservadores, os populistas autoritários e a nova classe média profissional (LIMA; HYPOLITO, 2019). Dois fenômenos principais são relacionados ao surgimento da nova direita brasileira: o Movimento Brasil Livre, que conseguiu reunir milhões de pessoas em manifestações contra o governo em março de 2015 e a criação do Partido Novo e Libertários. Para aprofundar o assunto, ver Cepêda (2018). tem crescido significativamente no cenário político nacional, por meio da articulação de diferentes demandas. Vale destacar que a direita política sempre se fez presente e não é nossa intenção pensá-la como um espaço político de “estrutura ordenada”, sem demandas diferenciais. Aliás, consideramos que a emergência da pluralidade política ultrapassa a tarefa analítica de posicionar e fixar de uma vez por todas os sujeitos a priori da luta política, por uso dos termos como esquerda-direita, conservador-progressista. Em consonância com as proposições de Mouffe (2015)MOUFFE, C. Sobre o político. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015., ponderamos que o processo de identificação política agrega uma dimensão afetiva,3 3 A dimensão afetiva na política é discutida nos trabalhos de Mouffe (2015) e Stavrakakis (2007). Os autores consideram que, mesmo em sociedades que se tornaram extremamente individualistas, a necessidade de identificações coletivas nunca desaparece, já que ela é constitutiva do modo de existência dos seres humanos. Essas identificações desempenham um papel fundamental no campo da política e o laço afetivo que elas oferecem precisa ser levado em conta pelos teóricos democratas. Para maiores desenvolvimentos dessa questão no âmbito da educação, ver Borges e Lopes (2021). como uma força motriz, para além dos meros interesses e da razão. Nesse sentido, o atual movimento da nova direita, ao se constituir antagônico às demandas do suposto marxismo cultural, torna possível a equivalência (LACLAU, 2013LACLAU, E. A razão populista. Rio de Janeiro: EdUerj, 2013.; LACLAU; MOUFFE, 2015LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015.) entre demandas conservadoras, neoliberais e militares em prol do autoritarismo. Tal movimento tem conseguido afetar as percepções dos indivíduos sobre o que o autoritarismo representa e engajá-los em sua defesa.

A tentativa de intervenção desse movimento na política educacional tem-se dado em diferentes frentes e este texto também faz parte desse processo. No presente artigo, buscamos refletir como tal agenda se articula no debate político do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, mais especificamente em seus pronunciamentos sobre a gestão. Dedicamo-nos a analisar como se desenvolve, no momento atual, a hegemonização do projeto autoritário na educação, que demandas articuladas vêm contribuindo para tal processo e como ocorre a construção de um antagonismo à atividade política democrática da gestão da escola pública.

Hegemonização do Projeto Autoritário na Educação

Argumentamos que a prerrogativa da busca pela qualidade da educação, tão disseminada na reforma educacional da década de 1990, foi adicionada às evocações míticas de ordem e de segurança do atual governo, ressoando nos temas educacionais. Simultaneamente, tais evocações vão ao encontro dos temores da população quanto aos riscos da violência que o ambiente da escola pública oferece, bem como as suas expectativas quanto à preservação de valores morais conservadores.

Com base na teoria política do discurso proposta por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, ressaltamos neste texto que a hegemonia é alcançada quando “uma força social particular assume a representação de uma totalidade que é radicalmente incomensurável com ela” (2015, p. 37). Para os autores, determinados discursos se hegemonizam e constituem os sujeitos nos jogos políticos por meio da prática articulatória das seguintes lógicas: 1) da diferença – que desloca um particularismo (elemento/diferença) de modo que se torne universal um sistema de totalidade de forma provisória para se hegemonizar e representar a dispersão que as diferenças carregam; e 2) da equivalência – que relaciona múltiplas identidades em uma nova.

Nesse sentido, a hegemonia não é uma posição social ou um lugar a ser alcançado. Hegemonia é a constituição de um discurso pela articulação de diferentes demandas que se tornam equivalentes na negação de um exterior representado como ameaça ao atendimento a essas demandas. Tal equivalência minimiza, mas não apaga as diferenças entre essas demandas; o diferir permanece em jogo, impedindo uma hegemonia que se pretenda total.

Em nossa análise, destacamos que a política (aqui, no caso, engendrada pelo Programa das Escolas Cívico-Militares) representa a hegemonização de um projeto autoritário de educação e é tratada como constituída por articulações das seguintes demandas:

  1. Morais e comportamentais – com vistas ao controle e ao reestabelecimento de ordem no ambiente escolar e fora dele;

  2. Instrumentais – tendo como objetivo eliminar a chance de posicionamentos político-partidário dos profissionais da educação em suas atividades pedagógicas;

  3. Neoliberais – por uma administração eficiente do sistema educacional.

Essas se opõem à atividade da política democrática da escola em seus moldes tanto liberais quanto radicais.4 4 A atividade política democrática radical tem como objetivo a radicalização (aprofundamento da democracia), isto é, a necessidade de expandir os domínios em que a participação democrática pode ser exercida. Existem várias linhas de pensamento diferentes que compõem a teoria democrática radical contemporânea. Essas incluem concepções participativas, de gênero, discursivas, deliberativas e pluralistas da democracia radical. Todos elas tomam como ponto de partida análises dos limites e críticas da democracia liberal e estão comprometidos com sua radicalização e seu aprofundamento. Na perspectiva da teoria do discurso, a radicalização remete à não objetividade e ao não determinismo da ação política. Uma política democrática radical é, assim, uma política sem garantias, na medida em que a existência de garantias confere uma finalidade à política, encerra a luta de poder e, por isso mesmo, bloqueia a democracia.

Se, por meio das lógicas da equivalência e da diferença, podemos entender porque determinados discursos se hegemonizam e constituem os sujeitos (LACLAU, 2013LACLAU, E. A razão populista. Rio de Janeiro: EdUerj, 2013.; LACLAU; MOUFFE, 2015LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015.), é por meio da noção de fantasia que talvez seja possível entender porque esses mesmos discursos aderem aos sujeitos nas lutas políticas. Como afirmam Glynos e HowarthGLYNOS, J.; HOWARTH, D. Logics of critical explanation in social and political theory. Abingdon: Routledge, 2007. 280 p.,

[...] embora as práticas sociais sejam pontuadas pelos infortúnios, tragédias e contingências da vida cotidiana, as relações sociais são vivenciadas e compreendidas [...] como um modo de vida aceito. O papel da fantasia [...] não é estabelecer uma ilusão que forneça [...] uma imagem falsa do mundo, mas assegurar que a contingência radical da realidade social e a dimensão política de uma prática permaneçam apagadas.

(2007, p. 145).

O discurso fantasmático no apoio à militarização da gestão tem sido abordado por meio da exposição de casos de violência nas escolas, bem como em demonstrações de dados de resultados de desempenho elevados das escolas militares. Nesse sentido, a fantasia de que a militarização escolar será capaz de resolver esses problemas, proporciona uma imagem de plenitude, totalidade, salvação ou harmonia; preenche o vazio constitutivo do sujeito, ao mesmo tempo que situa ameaças e obstáculos à realização dessa plenitude em outro lado – o inimigo –, a ser combatido como causa do horror social. A sensação beatífica de plenitude produzida por tal discurso fantasmático engendra fundamentalismos e bloqueia o que pode vir a desestabilizar tal plenitude.

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim)

Alguns estudos internacionais têm se debruçado em compreender as novas tendências híbridas do autoritarismo, caracterizadas por governos eleitos democraticamente que desenvolvem rapidamente traços autoritários e oferecem um perigo para o respeito aos direitos humanos e às liberdades democráticas. Dentre diversas questões, tais estudos têm debatido sobre a maneira com que essas tendências afetam as percepções dos cidadãos sobre o autoritarismo, tornando-o desejável e sustentado pelo apoio popular (EZROW, 2018ESROW, N. Authoritarianism in the 21st century. Cogitatio, Lisbon, v. 6, n. 2, 2018. https://doi.org/10.17645/pag.v6i2.1610
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).

A atenção dada a essa tendência no contexto brasileiro tem sido atrelada ao bolsonarismo, fenômeno político de extrema-direita que despontou a partir da popularidade de Jair Bolsonaro durante sua campanha à eleição presidencial em 2018. Desde então, esse movimento representa a “convergência do reacionarismo político-cultural, militarismo e ultraliberalismo” (ARAÚJO; CARVALHO, 2021ARAÚJO, M. S. S.; CARVALHO, A. M. P. Autoritarismo no Brasil do presente: bolsonarismo nos circuitos do ultraliberalismo, militarismo e reacionarismo. Revista Katálysis, Santa Catarina, v. 24, n. 1, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e75280
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).

Na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, já era possível identificar uma forte fantasia sendo construída por meio de suas falas, dando destaque à atuação das Forças Armadas como uma instituição aliada para solução de diversos problemas sociais.

Dentre instituições, grupos, pessoas ou atividades, que tiveram sua imagem atacada pela doutrinação ideológica de esquerda, certamente as Forças Armadas do Brasil estão entre as que mais sofreram. Houve clara intenção de desconstruir a imagem desta espinha dorsal da Nação, afinal, elas são o último obstáculo para o socialismo. Saliente-se que as Forças Armadas do Brasil têm uma História que nos orgulha. Por exemplo, heróis brasileiros lutaram contra o Nacional Socialismo na Segunda Guerra Mundial. Fomos o único país da América Latina a lutar contra os Nazistas. Posteriormente, outros heróis impediram a tomada do poder por forças de esquerda que planejavam um golpe comunista no Brasil em 1964, conforme o editorial: Julgamento da Revolução – O GLOBO, 7 de outubro de 1984. Atualmente, a Nação olha para as Forças Armadas como garantia contra a barbárie. Devemos recuperar as condições operacionais de nossas Forças Armadas, com a valorização e a proteção de seus integrantes! Diante das crises, nossos combatentes precisam de equipamentos modernos, não somente de veículos e armas. Ameaças digitais já são presentes. Nossas Forças Armadas precisam estar preparadas, através de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com a participação das instituições militares no cenário de combate a todos os tipos de violência. Além disso, no papel de consolidação nacional, devemos lembrar da participação das Forças Armadas no processo de atendimento da saúde e da educação da população, principalmente em áreas remotas do país. As Forças Armadas terão um papel ainda mais importante diante do desafio imediato no combate ao crime organizado, sendo importante buscar uma maior integração entre os demais órgãos de segurança pública, principalmente na estratégia de elevar a segurança de nossas fronteiras. Teremos em dois anos um colégio militar em todas as capitais de Estado.

(BOLSONARO, 2018BOLSONARO, J. O caminho da prosperidade: proposta de plano de governo. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral, 2018., grifos nossos).

Esse ideário vem tomando forma em seu governo. De acordo com recente dossiê apresentado pela ANDES-SN (2021)ANDES-SN [SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR]. Dossiê: militarização do governo Bolsonaro e intervenção nas instituições federais de ensino. Brasília, DF: Sindicato Nacional, 2021., que mapeia a presença de militares, ativos e na reserva, ocupando cargos civis no atual governo federal, temos os dados que mostram o número total de (6.157) militares – um aumento de 108,22% em relação a 2016. Esses militares controlam oito dos 22 ministérios, estão atuando em cargos comissionados, por contratos temporários, e acumulando funções nas mais diferentes áreas da administração pública (ANDES-SN, 2021ANDES-SN [SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR]. Dossiê: militarização do governo Bolsonaro e intervenção nas instituições federais de ensino. Brasília, DF: Sindicato Nacional, 2021., p. 9).5 5 O levantamento foi realizado pela Secretaria Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) em julho de 2020 e fundamentou-se no indicativo de que estaria em curso uma possível militarização excessiva do serviço público civil. Para tanto, mapeou-se o número de militares da ativa e da reserva exercendo cargos no serviço público civil nos últimos três governos (Dilma Rousseff, Michael Temer e Jair Bolsonaro), evidenciando seu expressivo aumento (ANDES-SN, 2021).

[...] é necessário reconhecer que imaginávamos que o período autoritário e os tentáculos militares já não assombravam mais a história da frágil democracia construída a partir de 1985. Mas o que vemos hoje, diferente de 1964, não é uma ação de tomada repentina do poder, é uma sorrateira ação de domínio dos principais aparelhos públicos e postos de poder do país e, ao mesmo tempo, a imposição de “seguidores” em locais ainda não permitidos aos militares, como as instituições públicas de ensino superior.

(ANDES-SN, 2021, p. 40, grifos nossos).

Na arena política da educação básica, por exemplo, esse processo de militarização tem se reverberado, na medida em que os moldes da escola pública durante a ditadura militar passaram a ser enaltecidos por muitos sob a justificativa de apresentarem determinadas “ordem” e “qualidade”. Nessa conjuntura, as demandas em torno da gestão ocuparam espaço privilegiado, tornando-se hegemônica a ideia de que uma intervenção militar na escola seria necessária. Isso se concretizou com a instituição do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), pelo Decreto n. 10.004, de 5 de setembro de 2019.6 6 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10004.htm. Acesso em: 10 fev. 2020.

O Pecim justifica sua existência apresentando como finalidade promover a melhoria na qualidade da educação básica, com base no o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e expõe o objetivo de garantir um modelo de gestão de excelência das escolas a partir da intervenção dos militares (BRASIL, 2020aBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual das Escolas Cívico-militares. 1. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, 2020a. 324 p., p. 3, grifos nossos).

O programa integra o Ministério da Educação com o apoio do Ministério da Defesa e carrega o seguinte lema: “A Educação no Brasil ganhou reforço”. Os militares passam, portanto, a operar na escola por meio das seguintes áreas:

  1. Gestão de processos educacionais – refere-se à promoção de atividades com vistas à difusão de valores humanos e cívicos para estimular o desenvolvimento de bons comportamentos e atitudes do aluno e a sua formação integral como cidadão em ambiente escolar externo à sala de aula (ações destinadas ao desenvolvimento de comportamentos, valores e atitudes);

  2. Gestão de processos didático-pedagógicos – refere-se à promoção de atividades de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, respeitadas a autonomia das Secretarias de Educação dos entes federativos e as atribuições conferidas exclusivamente aos docentes (ações relacionadas à supervisão escolar, ao apoio pedagógico, à psicopedagogia, à avaliação educacional e à proposta pedagógica);

  3. Gestão de processos administrativos – refere-se à promoção de atividades com vistas à otimização dos recursos materiais e financeiros da unidade escolar (ações que contemplem a administração, nas áreas de pessoal, de serviços gerais, de material, patrimonial e de finanças).

A idealização7 7 Por meio do Decreto n. 9.665, foi criada a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim), em 2 de janeiro de 2019, para desenvolver esse modelo. do Pecim ocorreu a partir de práticas pedagógicas e padrões de ensino de instituições militares: Colégios Militares do Exército; Colégio das Polícias Militares; Colégio dos Corpos de Bombeiros Militares. Contudo, conforme já pontuado por Mendonça (2019), o art. 83 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n. 9.394/96) dispõe que o ensino militar é regulado em lei específica, portanto, diferente da configuração das escolas públicas regulares.

A fim de normatizar um padrão das escolas regulares que aderirem ao modelo de gestão cívico-militar, o programa dispôs inicialmente, em 2020, de um manual com 324 páginas que reuniu onze documentos estabelecendo como deveria ser a organização dessas escolas (Regulamento das Escolas Cívico-Militares; Projeto Político-Pedagógico; Projeto Valores; Normas de Apoio Pedagógico; Normas de Avaliação Educacional; Normas de Psicopedagogia Escolar; Normas de Supervisão Escolar; Normas de Conduta e Atitudes; Normas de Uso de Uniforme e Apresentação Pessoal dos Alunos; Normas de Gestão Administrativa; e Cartilha para os Responsáveis). Em 2021, esse mesmo manual foi reorganizado, apresentando algumas alterações, e foi nomeado Diretrizes das Escolas Cívico-Militares (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p.), com 190 páginas. Nesse texto, assumimos os dois documentos para a discussão.

Por meio de suporte técnico e financeiro,8 8 De acordo com a informação de 20 de fevereiro de 2020, no Portal do Governo Brasileiro, “o MEC destinará R$ 54 milhões para levar a gestão de excelência cívico-militar para 54 escolas, sendo R$ 1 milhão por instituição de ensino. São dois modelos. Em um, de disponibilização pessoal, o MEC repassará R$ 28 milhões para o Ministério da Defesa arcar com os pagamentos dos militares da reserva das Forças Armadas. Os outros R$ 26 milhões vão para o governo local aplicar nas infraestruturas das unidades com materiais escolares e pequenas reformas. – nessas escolas, atuarão policiais e bombeiros militares. Disponível em: http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/noticias-lista/72-saiba-quais-sao-as-54-escolas-que-receberao-o-modelo-civico-militar-do-mec. Acesso em: 22 fev. 2020. o programa tem como meta fomentar a proposta cívico-militar em 206 escolas públicas regulares municipais e estaduais do país até 2023. A adesão é supostamente voluntária e os critérios para escolha das escolas que recebem o programa são: 1) índice de vulnerabilidade social; 2) baixo desempenho no IDEB; 3) oferta de Ensino Fundamental 2 e/ou Médio; e 4) atendimento de quinhentos a mil alunos nos dois turnos.

Chama-nos atenção a forma acelerada com que essa proposta tem sido acolhida. Em 2020,9 9 Em função da pandemia da Covid-19, houve uma alteração no ano planejado para implantação do Programa. o formato-piloto foi aderido e implantado em 53 instituições distribuídas nas diferentes regiões do Brasil, sendo dezessete no Norte, treze no Sul, onze no Centro-Oeste, sete no Nordeste e cinco no Sudeste. Já em 2021, foram mais 74 instituições que aderiram ao programa.10 10 Lista de municípios que possuem uma escola cívico-militar disponível em: http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/images/pdf/lista_municipios.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.

Essas escolas passarão pelo processo de certificação (nível básico, intermediário e avançado) por meio de metodologia específica a ser divulgada pelo MEC. No momento, o que se tem é uma plataforma sendo desenvolvida com indicadores de desempenho divididos nos três eixos estruturantes do modelo de gestão de excelência proposto (educacional, didático-pedagógico e administrativo) para o monitoramento do Pecim (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 167).

Com o preceito da gestão democrática, assegurada pela Constituição Federal de 1988, o MEC sustenta o argumento de que o manual foi construído “democraticamente” junto com os representantes das redes municipais e estaduais e postula que as escolas que desejem implantar o programa precisam realizar consulta pública11 11 Para maiores informações sobre as sugestões do MEC para o processo de consulta pública, ver: http://portal.mec.gov.br/images/Consulta_Publica_IDV_Cartilha_V2.pdf. Acesso em: 12 ago. 2021. formal junto à comunidade escolar (pais, professores e funcionários) para discutir a questão e realizar votação quanto à sua adesão ou não. Todavia, na fala do Presidente durante o lançamento do programa em setembro de 2019, é possível identificarmos sinalizadores das novas tendências autoritárias emergentes:

Alguns bairros tiveram votação e não aceitaram. Me desculpa, não é uma questão de aceitar ou não, tem que impor! Se aquela garotada está na 5ª série ou na 9ª série e na prova do PISA eles não sabem uma regra de três simples, não sabem interpretar um texto e não respondem a uma pergunta básica de ciências, me desculpa, mas não tem que perguntar para o pai irresponsável nessa questão, se ele quer ou não uma escola de certa forma com uma militarização, tem que impor!12 12 Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/escolas-civico-militares-podem-melhorar-a-educacao-no-brasil. Acesso em: 8 abr. 2020.

Com as afirmativas supracitadas, o programa, mesmo fazendo uso de um instrumento democrático, converge para a hegemonização do projeto autoritário na educação, tendo a qualidade da educação como uma estrutura significante articuladora de novas demandas emergentes.

Vale destacar, que além das novas iniciativas, o programa visa fortalecer e padronizar também as escolas públicas regulares que já adotam um modelo de gestão cívico-militar. Isso porque, desde a década 1990, alguns estados brasileiros – a saber Goiás, Distrito Federal, Roraima, Pará, Amazonas, Bahia, Santa Catarina, Ceará, Tocantins, Sergipe e Piauí (RICCI, 2018RICCI, R. A militarização das escolas públicas. Le Monde Brasil Diplomatique, ed. 134, 31 ago. 2018. Educação. Disponível em: https://diplomatique.org.br/A-MILITARIZACAO-DAS-ESCOLAS-PUBLICAS. Acesso em: 09 jun. 2021.
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) – formalizaram mecanismos de gestão com a participação das instituições militares. Antes, portanto, da implantação do Pecim, o país já contava com 213 escolas públicas regulares com gestão militarizada. O estado que apresenta maior expressividade nessa experiência é o de Goiás, que tem 46 das 71 escolas da rede estadual com esse modelo de gestão compartilhada (GUIMARÃES; LAMOS, 2018GUIMARÃES, P. C. P.; LAMOS, R. A. C. Militarização das escolas da rede estadual de Goiás: a nova onda conservadora. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 20, n. 43, p. 66-80, jan./abr. 2018. https://doi.org/10.22196/rp.v20i43.4004
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). Também nessas escolas, como já investigado por Alves e Ferreira (2020)ALVES, M.; FERREIRA, N. O processo de militarização de uma escola estadual pública em Goiás. Educação & Sociedade, Campinas, v. 41, e0224778, 2020. https://doi.org/10.1590/ES.0224778
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e Lima, Brzezinski e Menezes Júnior (2020)LIMA, M. E.; BRZEZINSKI, I.; MENEZES JÚNIOR, A. S. Militarizar para educar? Educar para a cidadania? Educação & Sociedade, Campinas, v. 41, e228256, 2020. https://doi.org/10.1590/es.228256
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, para o caso de Goiás, e Santos (2021)SANTOS, C. “Sentido, descansar, em forma”: escola-quartel e a formação para a barbárie. Educação & Sociedade, Campinas, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.244370
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, para o caso do Distrito Federal, o medo e o combate à violência tornaram-se as principais justificativas para a aceitação da escola. O que ocorre no atual momento é o deslocamento das iniciativas locais para sua abrangência ao contexto nacional.

O MEC apoia e enaltece tais ações, apontando que:

[...] cada localidade estabeleceu o arranjo administrativo que melhor se adaptou às suas necessidades e às suas especificidades, a fim de garantir aos alunos um ensino fundamental e médio de qualidade, fundamentado em valores como: patriotismo; civismo; respeito aos símbolos nacionais; noções de hierarquia e de disciplina; valorização da meritocracia e outros.

(BRASIL, 2020aBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual das Escolas Cívico-militares. 1. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, 2020a. 324 p., p. 8).

Alguns trabalhos retratam essas experiências e discutem seus aspectos controversos, tais como: “o novo tipo de controle que se organiza em torno da gestão da vida e se exerce pelo engendramento de técnicas disciplinares aos dispositivos de segurança” (BRITO; REZENDE, 2019BRITO, E.; REZENDE, M. “Disciplinando a vida, a começar pela escola1”: a militarização das escolas públicas do estado da Bahia. RBPAE, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 844-863, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.95216
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); “a violação frontal de princípios constitucionais do direito à educação” (XIMENES; STUCHI; MOREIRA, 2019XIMENES, S.; STUCHI, C.; MOREIRA, M. Militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos: constitucional, educacional e administrativo. RBPAE, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 612-632, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.96483
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); “o tratamento diferenciado a essa proposta, em detrimento das demais escolas da rede estadual de educação” (SOARES et al, 2019SOARES, G. et al. Escola militar para quem? O processo de militarização das escolas na rede estadual de ensino do Piauí. RBPAE; Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 786-805, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.96132
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); “a transferência da responsabilidade do Estado pela educação básica para outra esfera, com mistura de privatização e militarização” (GUIMARÃES; LAMOS, 2018GUIMARÃES, P. C. P.; LAMOS, R. A. C. Militarização das escolas da rede estadual de Goiás: a nova onda conservadora. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 20, n. 43, p. 66-80, jan./abr. 2018. https://doi.org/10.22196/rp.v20i43.4004
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); “a ameaça ao Estado Democrático de Direito e o risco à formação cidadã, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (SANTOS; PEREIRA, 2018SANTOS, C.; PEREIRA, R. Militarização e Escola Sem Partido: duas faces de um mesmo projeto. Revista Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 12, n. 23, p. 255-270, jul./out. 2018. https://doi.org/10.22420/rde.v12i23.884
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); e “a forte interferência dos militares nas políticas públicas de educação” (MENDONÇA, 2019MENDONÇA, E. Militarização de escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça. RBPAE, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 594-611, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.96052
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), entre outros.

Perguntamo-nos, no entanto, que demandas articuladas vêm contribuindo para tal processo no contexto nacional e como ocorre a construção de um antagonismo a uma dada representação de gestão.

Demandas Articuladas no Processo de Hegemonização do Projeto Autoritário do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares

Sob a perspectiva de desenvolvimento de um ambiente escolar mais seguro para alunos, professores e funcionários, as demandas morais e comportamentais ocupam espaço central no Programa analisado e projetam “a aceitação de discursos salvacionistas, que são significados como capazes de impedir a desordem, a desorganização e a destruição das identidades sociais (a identidade da família ou da nação brasileira, por exemplo)” (LOPES, 2019LOPES, A. C. Articulações de demandas educativas (im)possibilitadas pelo antagonismo ao “marxismo cultural”. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 27, p. 109-129, 2019. https://doi.org/10.14507/epaa.27.4881
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).

Para tanto, a gestão dos processos educacionais, conforme já mencionado anteriormente, é compreendida no programa como ações destinadas ao desenvolvimento de comportamentos, valores e atitudes a partir de dimensões éticas, normativas e identitárias (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 38). Essa gestão é composta pelo oficial da gestão educacional e monitores, que, segundo o documento, “exercerão o papel de tutoria que muitos alunos não tiveram em seus ambientes familiares, proporcionando acolhimento, diálogo, dando o exemplo e servindo de referência” (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 83). Ambos são vinculados administrativamente ao Ministério da Defesa ou aos órgãos de segurança estaduais e municipais. Os militares passam, assim, a atuar na educação, promovendo atividades na escola que visem à difusão de um conjunto valores humanos e cívicos (sob uma ética militar) que adquiriram nesse programa o poder de ser essencial a ser ensinado e aprendido, quais sejam:

  1. Civismo: colocamos o bem da comunidade escolar e da sociedade em geral acima dos interesses individuais;

  2. Dedicação: acreditamos que, tanto no trabalho quanto nos estudos, precisamos empenhar o melhor dos nossos esforços;

  3. Excelência: buscamos o mais alto nível de qualidade em tudo o que fazemos;

  4. honestidade: pautamos as nossas relações pela verdade, integridade moral e correção de atitudes; e

  5. Respeito: procuramos tratar os outros com deferência e atenção à sua dignidade e aos seus diretos, bem como respeitar as instituições, as autoridades e as normas estabelecidas (BRASIL, 2020aBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual das Escolas Cívico-militares. 1. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, 2020a. 324 p., p. 7).

Como parte curricular (com carga horária semanal), cada escola deverá elaborar um “Projeto Valores”, tendo como base as diretrizes e os conteúdos previamente estabelecidos13 13 A partir do “conceito de Projeto Valores do Sistema Colégio Militar do Brasil” (BRASIL, 2020a). e “os monitores terão a responsabilidade de trabalhá-los e zelar pela sua fiscalização” (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 85). De modo prático, conduzirão no ambiente escolar: 1) o hasteamento diário da Bandeira Nacional junto aos alunos; 2) a formatura (formar fila dos alunos) antes do início das aulas para treinar a ordem unida, dar avisos, desenvolver algum aspecto do Projeto Valores e verificar o uniforme; 3) as rondas no ambiente escolar para verificar se alunos estão faltando a alguma atividade sem autorização; e 4) a resolução de conflitos, tendo como medida última14 14 As medidas são: a) Advertência; b) Repreensão; c) Atividade de Orientação Educacional; d) Suspensão; e e) Transferência compulsória. o encaminhamento do caso à respectiva Secretaria de Educação, a quem cabe informar ao Ministério da Defesa ou às Forças de Segurança Estaduais e Municipais para as providências cabíveis. Tudo isso reforça é claro, a manutenção das tradições e a valorização de um nacionalismo fantasioso tão promulgado pelos apoiadores do atual governo federal.

Tendo em vista a regulação desses valores, o programa suscita ainda um processo de mensuração de resultados de desempenho de toda a comunidade escolar, não só em relação aos aspectos didático-pedagógicos. A definição dos parâmetros de desempenhos e das habilidades previstas do que significa também ter um bom comportamento é designada a partir de um conjunto de Normas de Conduta e Atitudes, que sistematizem as relações interpessoais no ambiente escolar, as faltas comportamentais e atitudinais, as recompensas e as medidas educativas. Isso inclui aspectos como uso de uniforme, tamanho de cabelo, uso de adereço, entre outros, que tentam impor uma leitura de conteúdo moral e comportamental como a única correta e obrigatória. Ao deslocar as dimensões afetiva, social, ética, moral e simbólica, que integram a formação e o desenvolvimento humano, para esse novo agente da escola (os militares), torna-se dicotômica a relação educação-ensino.

As demandas instrumentais do ensino são, portanto, sustentadas no programa, mas adiciona-se, nesse contexto, a tentativa de apagar e eliminar a chance de posicionamentos político-partidários dos profissionais da educação em suas atividades pedagógicas. Em consonância ao projeto Escola Sem Partido (SANTOS; PEREIRA, 2018SANTOS, C.; PEREIRA, R. Militarização e Escola Sem Partido: duas faces de um mesmo projeto. Revista Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 12, n. 23, p. 255-270, jul./out. 2018. https://doi.org/10.22420/rde.v12i23.884
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), os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas são também ameaçados com o Programa das Escolas Cívico-Militares. Nesses moldes, aprofundam-se o autoritarismo e o reacionarismo na educação, sob uma espécie de defesa de uma escola que pressupõe uma iniciativa contra a suposta “doutrinação ideológica”. No entanto, essa defesa, ao contrário dessa pretensa neutralidade, é resultado de uma grande articulação de demandas conservadoras e partidárias.

A gestão de processos didático-pedagógicos é submetida ainda a uma organização hierárquica que reestabelece, no ambiente escolar, diferentes níveis de poder: diretor, vice-diretor, chefe da divisão de ensino, supervisor escolar, orientador educacional, coordenador pedagógico de ano e professor. Isso coloca novamente no centro do processo pedagógico questões referentes à autoridade, implicando, principalmente, a perda de autonomia dos professores na sala de aula, uma vez que o programa prevê acompanhamento/intervenção da prática pedagógica (sob o ensejo de corrigir o que for necessário para melhorar o processo de ensino-aprendizagem). O trabalho dos professores torna-se, portanto, ainda mais padronizado, instrumental e regulado/vigiado por agentes externos e os docentes são sujeitos a um rígido controle disciplinar. Tal vigilância ocorre, especialmente, em relação à exposição dos seus posicionamentos políticos – debates relativos a gênero e sexualidade, por exemplo, precisam ser estancados. Nesse sentido, a concepção de ensino disputada se equivale apenas à transmissão de um conhecimento supostamente neutro.

Para completar o panorama, demandas neoliberais são reafirmadas no programa, pressupondo a eficiência da escola a partir de critérios de excelência baseados no estabelecimento de metas de indicadores de desempenho. Trata-se de um programa que se pauta na lógica do planejamento estratégico (estabelecimento de metas) e toma o engajamento como fator de qualidade na prestação de serviços; a otimização de processos e a gestão do tempo; a valorização dos profissionais por meio da criação de estratégias de motivação como fundamental para o sucesso da instituição; a economia de recursos com base na eficiência, eficácia, efetividade; entre outros. Todavia, nesse novo arranjo, a gestão de processos administrativos (gestão de pessoal, de serviços gerais, de material, patrimonial e de contabilidade e finanças) foi passada na sua totalidade para os militares.

De acordo com os idealizadores do programa, essas medidas não representam “imposição da cultura militar comumente chamada de militarização. Não é ronda ostensiva. Não é assumir a direção da escola, nem ocupar as funções dos profissionais de educação” (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 40). Contudo, o que seria então? Como se pode observar, o antagonismo a uma dada representação de gestão está presente no programa, que busca expulsar da sua cadeia de articulação de demandas a atuação, tanto política como administrativa, pelas mãos dos docentes. Além disso, visa controlar sua atuação pedagógica, desfigurando, sim, a trajetória de conquistas constitucionais democráticas para a educação pública brasileira.

Militarização da Gestão da Escola Pública em uma Sociedade Democrática

É interessante observar que a expressão “pluralismo pedagógico” é discutida nos documentos do programa, que citam o art. 206 da Constituição Federal para justificar a autorização dos sistemas de ensino quanto à escolha e à prática de diferentes correntes pedagógicas. Nessa linha de pensamento, é sustentado que, tendo o sistema ou o estabelecimento de ensino realizado a escolha de adesão ao Pecim, os diversos componentes do processo educacional devem guardar coerência entre si, ou seja, o currículo, a didática e a avaliação – por exemplo – devem seguir a mesma orientação (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉDIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes das Escolas Cívico-militares. 2. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de fomento às escolas cívico-militares, 2021. 190 p., p. 43).

Tal afirmativa corrobora as tendências de um “autoritarismo híbrido”, conforme discutido anteriormente neste artigo, uma vez que uma lógica autoritária de escola está sendo constituída por meio de mecanismos supostamente democráticos. Revolver esse processo torna-se, portanto, fundamental para participarmos de intervenções políticas/educacionais dessa natureza, na tentativa de deter sua proliferação.

Alguns estudos (XIMENES; STUCHI; MOREIRA, 2019XIMENES, S.; STUCHI, C.; MOREIRA, M. Militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos: constitucional, educacional e administrativo. RBPAE, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 612-632, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.96483
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; MENDONÇA, 2019MENDONÇA, E. Militarização de escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça. RBPAE, Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 594-611, set./dez. 2019. https://doi.org/10.21573/vol35n32019.96052
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) já encaminharam reflexões que evidenciam a complexidade da militarização para a educação pública, especialmente no tocante ao seu respaldo no princípio constitucional da gestão democrática. Todavia, tais estudos, tendem a problematizar um conjunto de incoerências e potenciais tensões e oposições desses projetos em desalinhamento com a gestão democrática.

Neste artigo, no entanto, abordamos a gestão democrática da educação como um significante vazio ativo no jogo político para a luta/definição provisória e contingencialmente de estratégias organizacionais, administrativas e pedagógicas que negociam sentidos. No caso do programa analisado, alguns rastros democráticos são mencionados (o termo aparece, por exemplo, apenas nove vezes no documento de 190 páginas) e, ao ser mencionados, defende-se o engajamento coletivo em prol da qualidade educacional e tenta-se apagar qualquer possibilidade dos moldes radicais, oriundos do suposto “marxismo cultural”. Isso é possível evidenciar no trecho destacado a seguir:

Art. 68. De acordo com o princípio da gestão democrática, estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no art. 6º deste Regulamento, as Ecim devem criar ou manter os Conselhos Escolares já existentes.

Art. 69. Os Conselhos Escolares serão regulados por instrumento próprio e devem contar com representantes da comunidade escolar.

Art. 70. Os Conselhos Escolares das Ecim serão regulados por suas respectivas secretarias de educação, de acordo com as suas peculiaridades e atendendo aos seguintes princípios:

I – o Conselho Escolar é um órgão colegiado consultivo, deliberativo e representativo da comunidade escolar;

II – o Conselho Escolar tem por finalidade acompanhar as ações nos campos pedagógico, educacional, administrativo e financeiro da escola, mobilizando a comunidade escolar, a fim de colaborar para o aperfeiçoamento do processo educativo e para a melhoria da qualidade da educação;

III – o Conselho Escolar não terá finalidade e/ou caráter político-partidário, religioso, racial ou de qualquer outra natureza, salvo aquelas que dizem respeito diretamente à atividade educativa da escola, prevista no seu Projeto Político-Pedagógico;

IV – o Conselho Escolar será regido por Regimento Interno elaborado pelo próprio Conselho, que deve estar de acordo com os documentos existentes no Manual da Escolas Cívico-Militares.

(BRASIL, 2020aBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual das Escolas Cívico-militares. 1. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, 2020a. 324 p., p. 37, grifos nossos).

Considerações Finais

Neste artigo, começamos por postular a operação de demandas - por ordem, disciplina, hierarquia, instrumentalização, eficiência. Tais demandas, uma vez articuladas, constituem um discurso que emerge do regime de práticas de um projeto autoritário na educação. Com o intuito de compreender essa articulação das demandas, que estruturam a defesa de uma prática autoritária na política conservadora educacional, procuramos responder por que e como elas surgiram e como estão sendo sustentadas.

As eleições em 2018 envolveram uma forma de política populista, no sentido de Laclau (2013)LACLAU, E. A razão populista. Rio de Janeiro: EdUerj, 2013., que dividiu com sucesso o consenso de um estado democrático em dois campos, colocando aqueles a favor do projeto recém-proposto contra aqueles associados às perspectivas críticas e radicais, identificados como representantes do marxismo cultural. Entre os muitos grupos e instituições que se tornaram equivalentes pela negação ao novo projeto proposto estão muitos profissionais e acadêmicos da área de educação, independentemente das múltiplas diferenças entre suas concepções teóricas. Nessa luta política, passam todos a ser identificados em função do antagonismo ao projeto ultraconservador em pauta, que, entre outras demandas, tenta impor a militarização das escolas.

Os principais arquitetos do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares parecem ainda estar muito apegados a uma fantasia de que a militarização funciona como uma espécie de panaceia, prometendo resolver todos os problemas por meio de maior disciplina, maior instrumentalidade no ensino e eficiência administrativa. Interessa-nos, contudo, discernir as lógicas pelas quais tais práticas autoritárias estão sendo aderidas nas escolas. Dentre elas, podemos destacar o fato de aliviarem o impacto sobre o seu pessoal, bem como o fato de tais propostas se mostrarem claramente compatíveis com as perspectivas de diminuição da violência nas instituições, pretensamente podendo vir a garantir o respeito pela profissão docente.

O que se apreende é que a política em curso é caracterizada por um regime de práticas que evidenciam uma lógica econômica neoliberal de gestão articulada às lógicas de centralização, hierarquia e disciplina demandadas por conservadores e militares. A militarização da gestão educacional, em que se institui padronização do comportamento, apagamento de princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, rejeição do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, punição e castigo como respostas à indisciplina, revela-se diretamente oposta à atividade política da gestão democrática projetada para a educação nos últimos anos.

Ponderamos que a atual conjuntura nos desafia a não apenas caracterizar em nossa discussão a lógica de militarização da gestão educacional que passa a existir, mas também pensar de que forma é possível se estabelecer uma contestação dessa realidade para disputar sua hegemonia discursivamente. Gostaríamos de salientar que a vertente da política democrática radical e plural proposta por Laclau e Mouffe (2015)LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015. se coloca como disputa por outros discursos e, portanto, outras hegemonias, para pensarmos a gestão da educação diante dos desafios contemporâneos. Ou seja, uma gestão para além da ênfase restrita aos direitos individuais e à soberania, vontade coletiva/popular absolutas. A partir de suas contribuições, torna-se importante considerar como a formação das identidades coletivas está sendo desenvolvida.

Observamos que uma das marcas das discussões sobre a democracia no campo da gestão da educação tem sido firmada na normatividade e na afirmação de totalidades essencialistas que recorrem a identidades pré-determinadas e, por isso, tendem a prescrever um modelo ideal da atividade política democrática da escola pública. Logo, define um princípio geral, uma concepção de procedimento ideal do qual todos “devam” participar. Sob o compromisso da defesa do projeto democrático da educação, consideramos limitados esses discursos sedimentados para a contestação dessa nova dinâmica social suturada e com diferentes identidades políticas emergentes. Produzir outras significações discursivas no embate político com o autoritarismo da militarização em curso nos parece não apenas necessário, mas urgente.

Notas

  • 1
    Como destacado em Lopes (2019)LOPES, A. C. Articulações de demandas educativas (im)possibilitadas pelo antagonismo ao “marxismo cultural”. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 27, p. 109-129, 2019. https://doi.org/10.14507/epaa.27.4881
    https://doi.org/10.14507/epaa.27.4881...
    , nessa perspectiva, todo pensamento crítico nacional seria marxista e nisso se incluiriam os neomarxistas, os estritamente marxistas, mas também os que defendem a Escola de Frankfurt, os pós-estruturalistas, os desconstrucionistas e todos defensores do multiculturalismo. Diz-se do inimigo – defensor do “marxismo cultural” –, por exemplo: “Os socialistas de hoje praticamente abandonaram a velha retórica da ‘luta de classes’, a qual envolvia uma batalha entre as classes capitalistas e proletárias. Há agora uma nova batalha, a qual opõe ‘opressores’ a ‘oprimidos’. As classes oprimidas incluem os grupos LGBT, os negros, as feministas, os imigrantes, os ‘não assimilados culturalmente’ e várias outras categorias consideradas mascotes. Já a classe opressora é formada majoritariamente por homens e mulheres cristãos, brancos e heterossexuais, de qualquer profissão (empregado ou empregador), que não sejam ideologicamente simpáticos ao socialismo” (MUELLER, 2018MUELLER, A. O marxismo cultural e o politicamente correto contra o povo – quem vence? Instituto Ludwig von Mises Brasil, 16 out. 2018. Disponível em: https://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=2953. Acesso em: 8 mar. 2019.
    https://www.mises.org.br/ArticlePrint.as...
    ).
  • 2
    A Nova Direita constitui uma aliança, principalmente, entre neoconservadores e neoliberais, central para o desmantelamento do Estado de Bem-Estar e para a criação de uma nova forma de administrar o Estado quando da crise de 1970 nos países centrais ao capitalismo – período em que tal aliança efetivamente começou a se consolidar. Constituem a aliança da Nova Direita nos EUA: os neoliberais, os neoconservadores, os populistas autoritários e a nova classe média profissional (LIMA; HYPOLITO, 2019LIMA, I. G.; HYPOLITO, A. M. A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, e190901, 2019. https://doi.org/10.1590/S1678-463420194519091
    https://doi.org/10.1590/S1678-4634201945...
    ). Dois fenômenos principais são relacionados ao surgimento da nova direita brasileira: o Movimento Brasil Livre, que conseguiu reunir milhões de pessoas em manifestações contra o governo em março de 2015 e a criação do Partido Novo e Libertários. Para aprofundar o assunto, ver Cepêda (2018)CEPÊDA, V. A. A Nova Direita no Brasil: contexto e matrizes conceituais. Mediações, Londrina, v. 23, n. 2, p. 75-122, maio/ago. 2018. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018.2v23n2p40.
    https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018.2...
    .
  • 3
    A dimensão afetiva na política é discutida nos trabalhos de Mouffe (2015)MOUFFE, C. Sobre o político. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015. e Stavrakakis (2007)STAVRAKAKIS, Y. Lacan y lo politico. Buenos Aires: Prometeo, 2007.. Os autores consideram que, mesmo em sociedades que se tornaram extremamente individualistas, a necessidade de identificações coletivas nunca desaparece, já que ela é constitutiva do modo de existência dos seres humanos. Essas identificações desempenham um papel fundamental no campo da política e o laço afetivo que elas oferecem precisa ser levado em conta pelos teóricos democratas. Para maiores desenvolvimentos dessa questão no âmbito da educação, ver Borges e Lopes (2021)BORGES, V.; LOPES, A. C. Por que o afeto é importante para a política? Implicações teórico-estratégicas. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 17, p. 1-22, 2021. https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i48.8939
    https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i4...
    .
  • 4
    A atividade política democrática radical tem como objetivo a radicalização (aprofundamento da democracia), isto é, a necessidade de expandir os domínios em que a participação democrática pode ser exercida. Existem várias linhas de pensamento diferentes que compõem a teoria democrática radical contemporânea. Essas incluem concepções participativas, de gênero, discursivas, deliberativas e pluralistas da democracia radical. Todos elas tomam como ponto de partida análises dos limites e críticas da democracia liberal e estão comprometidos com sua radicalização e seu aprofundamento. Na perspectiva da teoria do discurso, a radicalização remete à não objetividade e ao não determinismo da ação política. Uma política democrática radical é, assim, uma política sem garantias, na medida em que a existência de garantias confere uma finalidade à política, encerra a luta de poder e, por isso mesmo, bloqueia a democracia.
  • 5
    O levantamento foi realizado pela Secretaria Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) em julho de 2020 e fundamentou-se no indicativo de que estaria em curso uma possível militarização excessiva do serviço público civil. Para tanto, mapeou-se o número de militares da ativa e da reserva exercendo cargos no serviço público civil nos últimos três governos (Dilma Rousseff, Michael Temer e Jair Bolsonaro), evidenciando seu expressivo aumento (ANDES-SN, 2021ANDES-SN [SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR]. Dossiê: militarização do governo Bolsonaro e intervenção nas instituições federais de ensino. Brasília, DF: Sindicato Nacional, 2021.).
  • 6
  • 7
    Por meio do Decreto n. 9.665, foi criada a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim), em 2 de janeiro de 2019, para desenvolver esse modelo.
  • 8
    De acordo com a informação de 20 de fevereiro de 2020, no Portal do Governo Brasileiro, “o MEC destinará R$ 54 milhões para levar a gestão de excelência cívico-militar para 54 escolas, sendo R$ 1 milhão por instituição de ensino. São dois modelos. Em um, de disponibilização pessoal, o MEC repassará R$ 28 milhões para o Ministério da Defesa arcar com os pagamentos dos militares da reserva das Forças Armadas. Os outros R$ 26 milhões vão para o governo local aplicar nas infraestruturas das unidades com materiais escolares e pequenas reformas. – nessas escolas, atuarão policiais e bombeiros militares. Disponível em: http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/noticias-lista/72-saiba-quais-sao-as-54-escolas-que-receberao-o-modelo-civico-militar-do-mec. Acesso em: 22 fev. 2020.
  • 9
    Em função da pandemia da Covid-19, houve uma alteração no ano planejado para implantação do Programa.
  • 10
    Lista de municípios que possuem uma escola cívico-militar disponível em: http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/images/pdf/lista_municipios.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.
  • 11
    Para maiores informações sobre as sugestões do MEC para o processo de consulta pública, ver: http://portal.mec.gov.br/images/Consulta_Publica_IDV_Cartilha_V2.pdf. Acesso em: 12 ago. 2021.
  • 12
  • 13
    A partir do “conceito de Projeto Valores do Sistema Colégio Militar do Brasil” (BRASIL, 2020aBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual das Escolas Cívico-militares. 1. ed. Brasília, DF: Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, 2020a. 324 p.).
  • 14
    As medidas são: a) Advertência; b) Repreensão; c) Atividade de Orientação Educacional; d) Suspensão; e e) Transferência compulsória.

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Editado por

Editor de seção: Antônio A. Soares Zuin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2021
  • Aceito
    30 Abr 2022
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