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Do campo ao texto em pesquisas com tradutores e intérpretes de Libras-português: desafios na transcrição de corpora bilíngue intermodal simultâneo

From field to text in research with sign language translators and interpreters: challenges in the transcription of simultaneous intermodal bilingual corpora

RESUMO

Este artigo tem como objetivo realizar uma discussão sobre transcrição de corpora envolvendo uma língua gesto-visual e uma língua vocal-auditiva em atividades enunciativo-discursivas de autoconfrontação com tradutores e intérpretes intermodais. A discussão aqui engendrada parte da concepção de texto do Círculo de Bakhtin em diálogo com os estudos linguísticos, tradutórios e interpretativos das línguas de sinais. Discutimos como o dispositivo da autoconfrontação adotado em pesquisas com intérpretes e tradutores de línguas de sinais permite a ocorrência de fenômenos de linguagem como a sobreposição de línguas (Quadros et al., 2011Quadros, R. M., Lillo-Martin, D., & Pichler, D. C. (2011). Desenvolvimento Bilíngue Intermodal: Implicações para Educação e Interpretação de Língua de Sinais. In M. C. Mour, S. R. L. Campos, & S. A. A. Vergamini (Eds.). Educação para surdos: práticas e perspectivas II (pp. 1-14). Santos Editora.) e a citação bilíngue intermodal (Nascimento & Brait, 2021Nascimento, V., & Brait, B. (2021). Citação bilíngue intermodal: o discurso citado no contexto de formação de intérpretes de Libras-português. Letras de Hoje, 56(3), 726-737. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/40581 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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), impactando o processo de escrita do texto científico, em especial a transcrição e a apresentação dos enunciados produzidos durante a construção do corpus. Apresentamos a proposta de transcrição dos enunciados bilíngues bimodais construído em nossa tese de doutoramento (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) e seu aperfeiçoamento em pesquisas posteriores (Melo & Nascimento, 2021Melo, L. M., & Nascimento, V. (2021). Tradução audiovisual do português para a Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica. Letras & Letras, 37(2), 271-291. https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/57455/33071 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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; Nascimento & Nascimento, 2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) para estudar a tradução e a interpretação intermodal em contextos audiovisuais.

Palavras-chave:
transcrição; estudos bakhtinianos; libras; tradução; interpretação

ABSTRACT

This article aims to discuss corpus transcription involving a visual-gesture language and a vocal-auditory language in enunciative-discursive activities of self-confrontation with intermodal translators and interpreters. The discussion starts at the Bakhtin Circle’s conception of text in tandem with linguistic, translational, and interpretive studies of sign languages. We discuss how the self-confrontation device adopted in studies involving sign language interpreters and translators allows for the appearance of language phenomena such as code-blending (Quadros et al., 2011Quadros, R. M., Lillo-Martin, D., & Pichler, D. C. (2011). Desenvolvimento Bilíngue Intermodal: Implicações para Educação e Interpretação de Língua de Sinais. In M. C. Mour, S. R. L. Campos, & S. A. A. Vergamini (Eds.). Educação para surdos: práticas e perspectivas II (pp. 1-14). Santos Editora.) and intermodal bilingual citation (Nascimento & Brait, 2021Nascimento, V., & Brait, B. (2021). Citação bilíngue intermodal: o discurso citado no contexto de formação de intérpretes de Libras-português. Letras de Hoje, 56(3), 726-737. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/40581 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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). We also explore how such phenomena impacts the process of writing scientific texts, especially those related to the transcription and presentation of statements produced during the construction of the corpus. We present how the proposal for the transcription of bimodal bilingual utterances constructed in our doctoral thesis (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) was improved in later research (Nascimento & Nascimento, 2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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; Nascimento & Nascimento, 2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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), to study translation and intermodal interpretation in audiovisual contexts.

Keywords:
transcription; Bakhtinian studies; Brazilian Sign Language; translation; interpretation

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo realizar uma discussão sobre transcrição de corpus envolvendo uma língua gesto-visual e uma língua vocal-auditiva em atividades enunciativo-discursivas de autoconfrontação com tradutores e intérpretes intermodais. Por não haver competição dos canais articulatórios durante o ato enunciativo de bilíngues bimodais, como são os intérpretes e tradutores de línguas de sinais (Quadros et. al, 2011Quadros, R. M., Lillo-Martin, D., & Pichler, D. C. (2011). Desenvolvimento Bilíngue Intermodal: Implicações para Educação e Interpretação de Língua de Sinais. In M. C. Mour, S. R. L. Campos, & S. A. A. Vergamini (Eds.). Educação para surdos: práticas e perspectivas II (pp. 1-14). Santos Editora.), discutimos de que forma o plurilinguismo/heterodiscurso (Bakhtin, 2015Bakhtin, M. M. (2015). Teoria do romance I. A estilística. Tradução Paulo Bezerra. Editora 34.) de línguas de diferentes modalidades pode ser transcrito em pesquisas com esses profissionais.

A discussão aqui engendrada parte da concepção de texto do Círculo de Bakhtin, coletivo de intelectuais russos do início do século XX que pensaram sobre linguagem, atividade, comunicação, cultura, semiótica e outros temas, em diálogo com os estudos linguísticos, tradutórios e interpretativos das línguas de sinais a partir da adoção do dispositivo da autoconfrontação, originalmente elaborado pela Clínica de Atividade Francesa (Faïta, 2005Faïta, D. (2005). Análise dialógica da atividade profissional. Tradução. Maristela Botelho França, Maria da Glória Correa di Fanti & Adautos Antonio M. Vieira. Imprinta Express.; Moura-Vieira & Faïta, 2003Moura-Vieira, M. A. (2012). A atividade e o discurso na clínica: uma análise dialógica do trabalho médico. CreatSpace Independet Publishing Platform.), realizado em nossa tese de doutoramento (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) e seu aperfeiçoamento em pesquisas posteriores (Melo & Nascimento, 2021Melo, L. M., & Nascimento, V. (2021). Tradução audiovisual do português para a Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica. Letras & Letras, 37(2), 271-291. https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/57455/33071 (Acessado 18 de agosto, 2023).
https://seer.ufu.br/index.php/letraselet...
; Nascimento & Nascimento, 2022) para estudar a tradução e a interpretação de Libras-português em contextos audiovisuais.

2. Texto e enunciado científico em estudos da linguagem

Valentin Volochínov, o linguista do Círculo de Bakhtin, inicia o ensaio “Estilística do discurso literário I: O que é linguagem/língua?” com uma ilustração extremamente interessante para explicar aquilo que ele denominou de “tormento da palavra”, ou seja, a falta das palavras “[...] para ‘expressar’ nossas vivências [...]” (Volóchinóv, 2019Volóchinóv, V. (2019). Estilística do discurso literário I: O que é a linguagem/língua? (1930). In V. Volóchinóv. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grilo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34. , p. 252):

Um autor iniciante está sentado à mesa e olha com desalento para a folha de papel em branco diante dele. Antes de pegar a pena nas mãos e se preparar para escrever, havia tantas ideias na sua cabeça... Ontem mesmo ele contou em detalhes a um amigo o conteúdo de sua futura primeira novela... Mas agora - cada frase com o qual pretende começar a sua obra parece obtusa, desajeitada, estranha e artificial. Além disso, foi só ele querer anotar a novela que parecia já estar pronta na sua cabeça, que logo surgiu uma série de questões (Volóchinov, 2019Volóchinóv, V. (2019). Estilística do discurso literário I: O que é a linguagem/língua? (1930). In V. Volóchinóv. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grilo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34. , p. 235).

Apesar de a ilustração se remeter à criação literária, ela é muito útil para compreender qualquer processo que mobiliza a língua enquanto instância criativa, incluindo a produção de textos científicos e acadêmicos, pois, na perspectiva bakhtiniana, todo movimento de criação implica uma dupla posição: a de autor-pessoa e a de autor-criador. A primeira é da pessoa, do sujeito empírico que produz a obra. E a segunda é a da função estético-formal que essa pessoa (artista, escritor, pintor, músico) assume enquanto engendrador da obra (Faraco, 2008Faraco, C. A. (2008). Autor e autoria. In B. Brait (Ed.). Bakhtin: conceitos-chave (pp. 37-60). Editora Contexto.).

Durante o movimento de criação, para se tornar autor-criador, o autor-pessoa precisa se deslocar, precisa se colocar anteposto àquilo que quer criar a partir de uma posição axiológica que permitirá com que ele seja “[...] capaz de trabalhar numa linguagem enquanto permanece fora dessa linguagem. Mesmo que a voz do autor-criador seja a voz do escritor como pessoa, ela só será esteticamente criativa se houver deslocamento [...]” (Faraco, 2008Faraco, C. A. (2008). Autor e autoria. In B. Brait (Ed.). Bakhtin: conceitos-chave (pp. 37-60). Editora Contexto., p. 40).

Nesse deslocar-se para criar, o autor-pessoa pode se deparar com o “vazio” no processo de escrita narrado na ilustração, mesmo que tudo já esteja, de certa forma, “pronto em sua cabeça”. E essa “pane” é bem comum entre pesquisadores, independentemente do nível em que estão. No momento em que o pesquisador se desloca do campo para assumir um novo lugar axiológico, que é o de escritor e de produtor de conhecimento por meio da escrita, alguns elementos até podem parecer claros o suficiente justamente porque ele estava lá, nas fases de construção do corpus, mas quando ele dá um passo na direção de transformar tudo o que vivenciou, presenciou, construiu, dialogou, filmou, registrou em texto, em discurso escrito instaurando leitores, destinatários específicos, parece que as ideias ficam confusas e somem como nuvens passageiras.

Uma das estratégias comuns, então, é revisitar o material registrado construído na cena de pesquisa para “aquecer” e provocar uma possibilidade de entrada de escrita e, por consequência, de análise. Isso acontece porque, conforme alerta Amorim (2009Amorim, M (2009). Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana. Eutomia, 2, 01-14. https://periodicos.ufpe.br/revistas/EUTOMIA/article/view/1787 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 1), “a escrita de uma pesquisa, embora tratada comumente como uma escrita dos ‘resultados da pesquisa’, é ela o próprio lugar de pesquisa, de descobertas e de produção de conhecimentos”.

Essa dificuldade pode ser atribuída às complexidades do que Mikhail Bakhtin denominou ser o objeto das Ciências Humanas: o texto. Bakhtin (2010Bakhtin, M. (2010). O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin. Estética da criação verbal (pp. 307-336). Tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes., p. 307) define texto como “qualquer conjunto coerente de signos” que são dotados de autoria, temporalidade, espacialidade e dialogicidade. O texto, para ele, envolve uma dupla dimensão: (i) a da repetibilidade, que tem a ver com reprodução sígnica, e (ii) a da irrepetibilidade, que está relacionada com a dimensão criativa e singular do autor-criador e do tempo-espaço nesse processo de reprodução:

Portanto, por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema corresponde no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo o que pode ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado como fora de tal texto (o dado). Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido (sua intenção em prol da qual ele foi criado) (Bakhtin, 2010Bakhtin, M. (2010). O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin. Estética da criação verbal (pp. 307-336). Tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes., p. 309-10)

O texto é “[...] o ser expressivo e falante”, pois “são pensamentos sobre pensamentos, vivências sobre vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos” (Bakhtin, 2010Bakhtin, M. (2010). O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin. Estética da criação verbal (pp. 307-336). Tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes., p. 307). Machado (1996Machado, I. A. (1996). Texto como enunciação. A abordagem de Mikhail Bakhtin. Língua e Literatura, 22, 89-105, Língua e Literatura, 22, 89-105, https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/view/114125 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 90) nos lembra que, nessa perspectiva, “texto é evento que se desenrola entre discursos e em enunciações precisas; é signo que se constitui nas fronteiras do dito e do não-dito; do verbal e do extraverbal onde se desenrola a situação comunicativa”.

Dentre os grandes desafios impostos aos pesquisadores das Ciências Humanas que trabalham com pesquisas de campo, por exemplo, o processo de construção daquilo que se depreendeu, construiu, observou na concretude da construção do corpus em forma de texto por meio da escrita se destaca. O pesquisador, enquanto autor-criador no processo de construção do seu texto a fim de revelar ao leitor os acontecimentos da pesquisa e de construção de conhecimento, enfrenta uma dura missão de traduzir, em palavras, diferentes acontecimentos e nesse movimento descobre que a escrita não é a reprodução dos eventos, mas a própria elaboração de todo o processo. Por ser um evento que permite a expressão de pensamentos, vivências e acontecimentos, todo processo de elaboração e construção de textos invoca o autor-criador, na sua posição social, histórica, cultural e, portanto, ideológica a lidar com o repetível e o irrepetível, porque não existe criação fora dessas dimensões.

A tese bakhtiniana de que toda pesquisa em Ciências Humanas arbitra com e sobre textos nos leva a compreender que, caso o pesquisador eleja como foco sujeitos empíricos, reais e concretos, o enfrentamento será o de mobilizar atos em textos. Dessa forma, “o ato humano enquanto texto não pode então ser compreendido fora de seu contexto dialógico, do contexto em que figura a título de réplica e de posição de sentido” (Amorim, 2004Amorim, M (2004). O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. Musa., p. 188).

Nesse prisma, qualquer ato transformado em texto convoca o pesquisador ao enfrentamento da situação concreta de realização da pesquisa e de suas diversas singularidades sociais, linguísticas, discursivas, culturais e interacionais. Ainda que, na tentativa de minimizar o esforço nesse intenso processo de passagem do campo ao texto, se negue, as forças coercitivas do contexto convocam o pesquisador, no processo de escrita, a detalhar e destrinchar cada elemento constitutivo da cena para que se reconstitua as relações de sentido. Segundo Amorim (2004Amorim, M (2004). O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. Musa., p. 190), os sentidos nesse árduo processo são produtos “[...] da relação complexa que se tece entre o texto, objeto de estudo e de reflexão, e o contexto discursivo que o transmite e no qual se realiza o pensamento cognoscente”.

Esse desafio se impõe aos pesquisadores devido à diferença constitutiva das materialidades semióticas construídas entre a situação em que o corpus foi gerado e o texto que apresenta ao leitor, o destinatário, aquilo que o pesquisador vivenciou em interação com os sujeitos da pesquisa nessa etapa do estudo. Entretanto,

é preciso não confundir a composição enunciativa do texto com a enunciação real que se deu na situação de campo. Na enunciação real, o outro era o tu ao qual se dirigia o pesquisador e que tomava a palavra tornando-se um eu. No texto, o outro está necessariamente no lugar de objeto, logo do ele. Que sua voz faça no texto o papel de um tu que interfere na palavra do autor obrigando-o a lhe responder, não restitui magicamente a co-presença do outro (Amorim, 2004Amorim, M (2004). O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. Musa., p. 199, grifos do autor).

O texto já é, por excelência, segundo a perspectiva bakhtiniana, o objeto que define esse campo científico e o difere de outros como, por exemplo, as Ciências Naturais ou as Ciências Exatas. Quando adentramos, entretanto, nos estudos da linguagem, encontramos uma dimensão singularmente complexa sobre esse objeto. Brait (2012Brait, B. (2012). Perspectiva dialógica. In B. Brait, & M. C. Souza-e-Silva (Eds.). Texto ou discurso? (pp. 9-30). Editora Contexto.) mostra que, para Bakhtin e o Círculo, é necessário considerar tanto a materialidade linguística, aquilo que pode ser considerado interno ao texto/discurso/enunciado, como a exterioridade, o extralinguístico incluindo na complexidade do discurso, das relações dialógicas. Por isso, o texto, não se constitui, tão somente, o lugar de aparição das reflexões e conceitos, mas do exercício metalinguístico para a análise e discussão do corpus implicando construção de métodos e formas para mostrar ao leitor o que se pretende analisar do ponto de vista linguístico e extralinguístico. Nos estudos da linguagem, uma das formas consagradas de se reconstituir no texto científico os enunciados produzidos no campo de pesquisa é a transcrição.

3. A transcrição como reconstituição de atos em textos nos estudos da linguagem e os efeitos das modalidades de língua

A transcrição é um desafio em boa parte das pesquisas que lidam com corpus linguístico em diferentes perspectivas, sobretudo as que enfrentam a linguagem em suas condições de uso. A complexidade existente no movimento de passagem de enunciados que são produzidos oralmente, as vezes em interações reais, as vezes em interações simuladas, para a dimensão gráfica impulsiona pesquisadores dos referidos campos a adaptar sistemas de transcrição existentes ou, no limite, criar sistemas que respondam diretamente àquilo que desejam mostrar em suas pesquisas.

Segundo Flores (2006Flores, V. N. (2006). Entre o dizer e o mostrar: a transcrição como modalidade de enunciação. Organon, 40/41, 61-75. https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/178431/000601529.pdf?sequence=1 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 62), a transcrição é um ato enunciativo, “[...] uma enunciação sobre outra enunciação”, que é composta de dois tempos distintos, mas que se encontram no produto transcrito: o mostrar, a transcrição da cena, e o dizer, a transcrição como outra enunciação. Por ser um ato enunciativo que visa reconstruir eventos e atos em forma de texto, a transcrição não pode ser produzida sem singularidades e, obviamente, desvinculada do sujeito que a produz. Por isso, “[...] cabe dizer que a transcrição é, nesse caso, um ato de enunciação em que o ‘dado’ a ser transcrito tem seu estatuto enunciativo alterado” (Flores, 2006Flores, V. N. (2006). Entre o dizer e o mostrar: a transcrição como modalidade de enunciação. Organon, 40/41, 61-75. https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/178431/000601529.pdf?sequence=1 (Acessado 18 de agosto, 2023).
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand...
, p. 62). Para o autor, a transcrição é uma modalidade enunciativa porque nela há um movimento no qual se passa de uma forma à outra, de uma substância à outra e que, grosso modo, constitui-se da operação de ciframento, “uma tentativa de burlar o tudo não se diz” e de decriframento que implica uma leitura do que foi transcrito: “há quem escreve, há o escrito e há quem lê”. (Flores, 2006Flores, V. N. (2006). Entre o dizer e o mostrar: a transcrição como modalidade de enunciação. Organon, 40/41, 61-75. https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/178431/000601529.pdf?sequence=1 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 72 e 73).

A transcrição, nessa direção, coloca o pesquisador na complexa posição de (re)enunciar o enunciado produzido no contexto de construção do corpus o obrigando a ter um excessivo cuidado na seleção e tratamento daquilo que será demonstrado durante a análise. Por essa razão, “não existe uma fórmula ideal para a transcrição ‘neutra’ ou pura, pois toda transcrição já é uma primeira interpretação na perspectiva da escrita” (Marcuschi, 2001Marcuschi, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. Editora Cortez. , p. 53).

Na tradição dos estudos da linguagem, a transcrição costuma ser caracterizada pela transposição do oral para o escrito sendo que aquele está atrelado, do ponto de vista verbal, à produção linguística realizada pelo/no aparelho fonador (laringe, pregas vocais, boca, dentes, língua) e recebida pela audição e este a sistemas de representação ortográficos, nem sempre fidedignos, como debate Marcuschi (2001Marcuschi, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. Editora Cortez. ), mas que, de certa forma, aproximam-se, no caso das escritas alfabéticas, das formas orais.

No contexto brasileiro, as pesquisas lideradas pelo professor Dino Preti da Universidade de São Paulo (USP) no Projeto Norma Urbana Culta (NURC), na década de 1970, e os estudos do, já citado, professor Luiz Antônio Marcuschi na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), debatem o tema da transcrição de dados orais com rigor e seriedade. Na obra de Preti há referência constante da relação entre oralidade e escrita no processo de captação, transcrição e análise de dados linguísticos:

Quem faz pesquisa de língua oral se defronta, após colher o seu corpus, com o problema da transcrição do material colhido. Realizar o trabalho somente como texto gravado não é uma estratégia que se revele eficaz. O ideal será utilizar uma transcrição de base ortográfica que, com toda a precariedade que possa apresentar, é mais oportuna [...] (Preti, 2009, p. 305).

Do mesmo modo, Marcuschi (2001Marcuschi, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. Editora Cortez. ) debate essa questão e, embora a problematize, focaliza a dimensão oral como aquela que é produzida pela vocalização e a gráfica pela escrita. No segundo ponto, o autor amplia a discussão ao destacar que “o aspecto gráfico não está aqui sendo equiparado a uma de suas formas de realização, isto é, a forma alfabética, pois a escrita abrange todos os tipos de escrita, sejam eles alfabéticos ou ideográficos, entre outros” (Marcuschi, 2001Marcuschi, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. Editora Cortez. , p. 26). No que diz respeito ao oral, o autor destaca que a fala, embora definida como uma “forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral” caracterizando-se “pelo uso da língua na sua forma de sons3 3 Grifo meu. sistematicamente articulados e significativos, bem como aspectos prosódicos”, envolve, também, “uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica” (Marcuschi, 2001Marcuschi, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. Editora Cortez. , p. 25).

Os autores citados destacam em suas obras a questão gestual e corporal do processo de comunicação face-a-face e apontam o “problema” desses elementos para transcrição em pesquisas com dados orais provenientes de situações interacionais. Entretanto, eles não propõem uma discussão adensada sobre os modos de transcrever o gestual atrelado ao oral para além da descrição verbal desses elementos.

O gesto, abordado sempre como elemento não verbal e abandonado, na maioria das vezes, na transcrição de enunciados produzidos em situações face-a-face constitui-se, historicamente, um problema para a linguística enquanto disciplina. Isso porque na história da linguística a língua sempre foi observada a partir da sua produção exclusivamente vocal e fonatória sendo deixado de lado outros elementos de significação e sentido que são elementares na comunicação entre pessoas.

Segundo McCleary (2011McCleary, L. E. (2011). História oral: questões de língua e tecnologia. In R. Santhiago, & V. B. Magalhães (Eds.). Memória e diálogo: Escutas da zona leste, visões sobre a história oral (pp. 93-123). Letra e Voz. ), o distanciamento da linguística das situações de uso e a estratificação da língua a partir daquilo que é produzido pelo aparelho fonador não foi feito para a comunicação a priori. Isso se deu porque a língua se constituiu como objeto científico a partir da tecnologia escrita. Porém, o autor defende também que na década de 1960, com o advento da possibilidade de registro das interações face-a-face por meio de vídeo, uma nova perspectiva de estudo baseada no uso da língua passa a ser apresentada no panorama dos estudos linguísticos.

O problema com o gestual pode ser evidenciado com o desprezo que as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades surdas ao redor do mundo tiveram ao longo da História para a linguística moderna. Dada a invisibilidade dessas línguas quando Ferdinand Saussure (1995[1916]) propôs o estudo científico da língua e instituiu, com isso, a linguística como disciplina, a discussão realizada no Curso de linguística geral sobre as faces do signo linguístico, significado e significante, recaem, no caso de significante, somente sobre a “imagem acústica”. Com isso, se estabeleceu como pressuposto, durante muito tempo, o princípio de que as línguas funcionam, do ponto de vista da produção e da recepção, apenas, no plano da sonoridade.

Entretanto, as pesquisas produzidas pelo linguista americano Willian Stokoe na década de 1960 na Gallaudet University sobre a American Sign Language (ASL) desestabilizaram os pressupostos até então consolidados pela linguística estruturalista de que a produção das línguas estava limitada ao aparelho fonador e seus articuladores. As pesquisas realizadas por Stokoe introduziram à linguística uma discussão que, a princípio, parecia encerrada, mas que foi abalada com a “descoberta” das línguas de sinais (Xavier, 2006Xavier, A. N. (2006). Descrição fonético-fonológica dos sinais da língua de sinais brasileira (libras) [Dissertação de mestrado]. Universidade de São Paulo. ). O ponto apresentado por Stokoe levantou um debate mais adensado sobre as diferentes formas de produção e recepção das línguas humanas e introduziu a questão das modalidades das línguas no cenário científico da época.

O tema da modalidade das línguas tem sido analisado, desde então, com mais cuidado e tem trazido ganhos significativos para os estudos da linguagem apresentando elementos significativos para a confirmação dos princípios que regem as línguas humanas (Quadros, 2006). Com isso, a discussão sobre os meios como as línguas são produzidas e percebidas (Meier, 2004Meier, R. P. (2004). Why different, why the same? explaining effects and non-effects of modality upon linguistic structure in sign and speech. In R. P. Meier, R. P., K. Cormier, & D. Quinto-Pozos (Eds.). Modality and structure in signed and spoken languages (pp. 1-25). Cambridge University Press.) passou a figurar com mais intensidade nos estudos da linguagem em geral a partir da década de 1960.

Com isso, um novo olhar para o gesto foi inaugurado: além de ser um elemento que acompanha o verbal quando se trata de línguas de modalidade vocal-auditiva, ele teria, também, uma dimensão verbal em si mesmo quando observado em línguas que dele se utilizam como materialidade. Os estudos da gestualidade e os estudos linguísticos das línguas de sinais redimensionaram, então, a compreensão sobre o papel do gesto na comunicação humana e ofereceram aos estudiosos desafios para descrevê-lo no âmbito das pesquisas. O gesto, nesse prisma, não seria mais, apenas, se encarado como elemento extralinguístico, um complemento passível de abandono durante a transcrição de enunciados orais. E quando tratado enquanto substância linguística deveria ser observado, descrito e analisado com o mesmo instrumental da linguística moderna utilizado para descrição de línguas vocais-auditivas.

No segundo caso, um desafio então se apresentou aos estudiosos das línguas de sinais: como representar graficamente uma língua que, a princípio, não possuía um sistema gráfico de ampla circulação? Muitos pesquisadores que atuam com línguas dessa modalidade, especialmente na sua descrição, têm se deparado com o constante desafio e problema metodológico de “cifrá-las” como plano de expressão verbal, visto que os sistemas de transcrição vigentes são pouco eficazes para abordar os aspectos como a organização simultânea dos discursos dessas línguas. Segundo McCleary e Viotti (2007McCleary, L. E., & Viotti, E. (2007). Transcrição de dados de uma língua sinalizada: um estudo piloto da transcrição de narrativas na língua de sinais brasileira (LSB). In H. Salles (Ed.) Bilinguismo e surdez: questões linguísticas e educacionais (pp. 73-96). Cânone Editorial. , p. 2), as línguas de sinais carecem de um sistema de escrita aceito, tal como nas línguas orais:

Se, por um lado, essa falta de um sistema de escrita significa que as línguas sinalizadas não sofreram influência de uma modalidade escrita, persistindo apenas em sua corporalidade original, por outro, significa que os linguistas não têm acesso a corpora de textos escritos das línguas sinalizadas por onde começar sua análise, e nem a uma ferramenta básica por meio da qual construir um sistema de transcrição.

Todavia, o debate sobre a transcrição de enunciados em pesquisas com línguas de sinais tem ganhado outra direção com o advento da tecnologia. Leite et. all (2021Leite, T. A., Ampessan, J. P, Boldo, J., Tasca Lohn, J., & Azevedo, G. S. O. (2022). Semântica lexical na libras: libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, 20(2), 1-23. https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) argumentam que quando os primeiros estudos linguísticos sobre as línguas de sinais surgiram, um sistema de notação escrito foi proposto a fim de registrar e analisar os dados. O uso de um sistema gráfico aconteceu porque Stokoe precisou usar o sistema já consagrado pela linguística da época para desvendar e evidenciar, pela primeira vez, “[...] o caráter combinatório e produtivo de unidades mínimas na ASL, explorando o mesmo arcabouço teórico-metodológico estruturalista vigente em sua época [...]” (Leite, et. all, 2021Leite, T. A., Ampessan, J. P, Boldo, J., Tasca Lohn, J., & Azevedo, G. S. O. (2022). Semântica lexical na libras: libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, 20(2), 1-23. https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 6).

Se os desafios de transcrever as línguas de sinais no âmbito da linguística descritiva é imenso, os que permeiam os estudos discursivos que enfrentam as línguas de sinais e as línguas vocais em contato são ainda maiores. O contato entre línguas de diferentes modalidades é um fenômeno recorrente dada a condição de minorização das línguas de sinais, o que afeta grandemente a sua produção e circulação (Rubio e Souza, 2021Rubio, C. F., & Souza, J. C. (2021). Perfil sociolinguístico dos surdos de São Carlos: o bilinguismo bimodal Libras/ língua portuguesa. Signótica, 33, 1-33. https://www.revistas.ufg.br/sig/article/view/68412 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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).

Com o advento da mudança dos posicionamentos sociais, institucionais e discursivos das pessoas surdas na sociedade contemporânea, percebe-se uma evidência social muito maior da língua de sinais do que se podia perceber há algum tempo. Esse deslocamento sócio-histórico tem sido promovido, dentre outros fatores, pela presença de tradutores e de intérpretes de língua de sinais que tem atuado em diferentes contextos sociais a fim de garantir às pessoas surdas falantes dessas línguas acesso aos bens e serviços públicos como quaisquer outros cidadãos (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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; Rodrigues; Santos, 2018Rodrigues; C. H., & Santos, S. A. (2018). A interpretação e a tradução de/para línguas de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em Revista, 24, 1-29. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/34535/34535.PDF (Acessado 18 de agosto, 2023).
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).

A atuação de tradutores e de intérpretes de língua de sinais vem abrindo espaços no Brasil para a emergência de um profícuo e, ainda, incipiente campo de pesquisas denominado Estudos da Tradução e Interpretação da Língua de Sinais (ETILS) que, conforme defendem Rodrigues e Beer (2015Rodrigues, C. H., & Beer, H. (2015). Os estudos da tradução e da interpretação de língua de sinais: novo campo disciplinar emergente? Cadernos de Tradução , 35(2), 17-45. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35nesp2p17
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, p. 18-9) se constitui em um “campo extremamente jovem e em significativa expansão”.

Dentre os diferentes interesses que as pesquisas produzidas nesse cenário vêm apresentando, destacam-se os efeitos das modalidades de língua nos processos de tradução e de interpretação. Segundo Rodrigues (2018bRodrigues, C. H. (2018b). Tradução e Língua de Sinais: a modalidade gestual-visual em destaque. Cadernos de Tradução, 38(2), 294-319. https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-7968.2018v38n2p294 (Acessado 18 de agosto, 2023)
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), “embora as características intrínsecas à tradução e à interpretação de línguas orais sejam partilhadas pelos processos tradutórios e interpretativos que envolvem línguas de sinais, esses processos possuem especificidades”, o que demanda dos pesquisadores inseridos nesse campo atenção sobre as diferenças conceituais e os seus efeitos práticos na pesquisa e na formação de tradutores e de intérpretes dessas línguas.

Os ETILS, a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas, vêm mostrando que a interpretação e a tradução intermodal envolvem uma série de aspectos inerentes às diferenças decorrentes das modalidades das línguas mobilizadas nos processos tradutórios e interpretativos (Rodrigues 2018aRodrigues, C. H. (2018a). Interpretação simultânea intermodal: sobreposição, performance corporal-visual e direcionalidade inversa. Revista da Anpoll, 1(44), 111-129. https://doi.org/10.18309/anp.v1i44.1146
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; 2018bRodrigues, C. H. (2018b). Tradução e Língua de Sinais: a modalidade gestual-visual em destaque. Cadernos de Tradução, 38(2), 294-319. https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-7968.2018v38n2p294 (Acessado 18 de agosto, 2023)
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; Nascimento, 2017Nascimento, V. (2017). Janelas de Libras e gêneros do discurso: apontamentos para a formação e atuação de tradutores de língua de sinais. Trabalhos em Linguística Aplicada, 56(2), 461-492. https://doi.org/10.1590/010318138649203273941
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), dentre eles a disponibilidade das duas línguas aos profissionais no ato tradutório e interpretativo. Quadros, Lillo-Martin e Pichler (2011Quadros, R. M., Lillo-Martin, D., & Pichler, D. C. (2011). Desenvolvimento Bilíngue Intermodal: Implicações para Educação e Interpretação de Língua de Sinais. In M. C. Mour, S. R. L. Campos, & S. A. A. Vergamini (Eds.). Educação para surdos: práticas e perspectivas II (pp. 1-14). Santos Editora., p. 12), por exemplo, destacam que “os intérpretes [...] precisam desenvolver um controle cognitivo mais acurado, uma vez que os bilíngues intermodais em geral não têm esse controle desenvolvido. As duas línguas apresentam-se em modalidades diferentes e podem ser produzidas simultaneamente”.

Esses efeitos são evidenciados também na forma de apresentação dos dados e enunciados em pesquisas sobre a tradução e a interpretação de língua de sinais. Santiago (2014) realizou uma pesquisa documental com dez publicações entre artigos científicos, dissertações e teses a fim de analisar como os enunciados produzidos em pesquisas sobre a tradução e a interpretação da Libras foram transcritos e identificou dez estratégias de apresentação de enunciados variando do uso de glosas, que são estratégias de atribuição semântica de enunciados de uma língua por meio de outra (Leite et al., 2021Leite, T. A., Ampessan, J. P, Boldo, J., Tasca Lohn, J., & Azevedo, G. S. O. (2022). Semântica lexical na libras: libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, 20(2), 1-23. https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) até o uso de imagem do vídeo com a disposição verbo-visual em tabelas.

Apesar das pesquisas dos ETILS sobre modalidade apontarem aspectos interessantes e importantes durante as atividades tradutórias e interpretativas, existem poucos estudos que exploram o uso discursivo dessas línguas durante a produção de uma autoavaliação da prática, isto é, quando tradutores e intérpretes comentam em língua vocal escolhas realizadas durante a produção de língua de sinais.

Nesse ponto, se o impasse da transcrição de enunciados orais para a escrita já envolve uma série de questões, o que dizer, então, de um corpus que mescla materialidades verbais de diferentes modalidades? Como transpor elementos mistos de uma enunciação que tem como língua de comentário o português e língua objeto de demonstração a Libras (língua brasileira de sinais)? Esses desafios podem se impor em pesquisas que adotam como dispositivo metodológico a autoconfrontação.

4. Autoconfrontação com tradutores e intérpretes e os enunciados bilíngues bimodais

Dentre as possibilidades metodológicas de pesquisas com tradutores e intérpretes de línguas de sinais, o uso do dispositivo da autoconfrontação simples e cruzada tem se mostrado um caminho interessante para revelar a relação desses profissionais com suas próprias práticas e, também, o contato simultâneo de línguas de diferentes modalidades.

O dispositivo da autoconfrontação foi formalmente proposto pelo linguista francês Daniel Faïta (1995Faïta, D. (1995). Dialogue entre expert et opérateur: contribuition à la connaissance de l’activité par l’analyse des pratiques langagières. Connexions, 65, 77-98. ; 2005Faïta, D. (2005). Análise dialógica da atividade profissional. Tradução. Maristela Botelho França, Maria da Glória Correa di Fanti & Adautos Antonio M. Vieira. Imprinta Express.), no contexto da Clínica da Atividade, com o objetivo de olhar a linguagem em situação de trabalho possibilitando ao analista/pesquisador observar como os protagonistas da atividade mobilizam em palavras aquilo que se encontra no campo da ação. O dispositivo foi criado com base nos estudos vygotskyanos de desenvolvimento e enunciativo-discursivos de linha bakhtiniana e visa proporcionar ao protagonista de certa atividade “[...] contemplar a si mesmo como um outro, de um ponto externo que amplia sua visão, facilitando a objetivação de seu ponto de vista sobre si mesmo, suas ações e o vivido” (Farias, 2016Farias, A. L. G. (2016). Análise de diálogos de autoconfrontação: relações dialógicas e transformação na atividade linguageira de professores estagiários de francês sobre a sua atividade docente. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual do Ceará. , p. 146). Segundo Faïta e Maggi (2007Faïta, D., & Maggi, B. (2007). Um débat em alayse du travail: deux méthodes em synergie dans l’étude d’une situation d’enseignement. Octares Éditions. , p. 26), “a natureza da metodologia da autoconfrontação é a de instaurar um conjunto de relações dialógicas: entre as situações sucessivas, entre um agente, ele mesmo, e o observador, depois entre esse mesmo agente e um par etc.”.

Nesse sentido, a metodologia usada, costumeiramente, em análises de situações de trabalho apresenta certa flexibilidade, bem como a possibilidade de transposição e uso em diferentes contextos em que sujeitos estejam em atividade, independentemente de sua natureza. Moura-Vieira (2012Moura-Vieira, M. A. (2012). A atividade e o discurso na clínica: uma análise dialógica do trabalho médico. CreatSpace Independet Publishing Platform., p. 136) afirma que a metodologia permite e aposta na possibilidade de desenhos metodológicos variados e criativos que façam dialogar materiais diversificados, haja vista que “[...] não é a sofisticação tecnológica do dispositivo que garante um efeito transformador da atividade, mas sim essa capacidade de escuta dialógica do pesquisador, nos diferentes planos enunciativos-discursivos que a própria atividade permite”.

Originalmente, essa metodologia se estrutura em três fases: 1) constituição do grupo de análise, que consiste na escolha do coletivo a ser analisado e na quantidade de protagonistas que farão parte das atividades a serem filmadas; 2) realização das autoconfrontações simples e cruzada, quando, após a filmagem das atividades realizadas, os participantes mobilizam discursivamente as experiências observadas no ato registrado. Na autoconfrontação simples o protagonista produz um discurso em referência à atividade observada juntamente com o analista/pesquisador. E na autoconfrontação cruzada, a produção discursiva sobre a atividade é realizada pelo protagonista, pelo analista/pesquisador e por outro sujeito envolvido na ação e que ocupara, até então, o lugar de observador; e 3) extensão do trabalho de análise, que corresponde ao trabalho com os enunciados produzidos nas autoconfrontações (Vieira & Faïta, 2003Vieira, M. A., & Faïta, D. (2003). Quando os outros olham outros de si mesmo: reflexões metodológicas sobre a autoconfrontação cruzada. Polifonia, 7, 27-65. https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/1137 (Acessado 18 de agosto, 2023)
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).

Para este artigo, apresentamos três usos específicos da metodologia da autoconfrontação em pesquisas com intérpretes e tradutores de Libras: nossa pesquisa de doutoramento (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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), uma pesquisa de iniciação científica (Melo e Nascimento, 2021Melo, L. M., & Nascimento, V. (2021). Tradução audiovisual do português para a Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica. Letras & Letras, 37(2), 271-291. https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/57455/33071 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) e um trabalho de conclusão de curso (TCC) (Nascimento & Nascimento 2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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).

No primeiro caso, o dispositivo foi usado em uma situação de formação de intérpretes de Libras-português em um curso de pós-graduação lato sensu ofertado por uma instituição de educação superior privada na cidade de São Paulo. Nessa situação, os protagonistas da atividade estavam tecendo com as mãos, corpos, expressões - literalmente - a linguagem enquanto objeto advindo do e para o trabalho, visto que todos os estudantes do curso possuíam alguma experiência no campo da interpretação. Nesse contexto, o uso do dispositivo diferiu das propostas que utilizaram a autoconfrontação até aquele momento no contexto brasileiro porque elas, cada qual com seus objetivos, contemplaram o trabalhador durante a realização de sua atividade em situação de trabalho.

No contexto do curso de formação de intérpretes, a atividade, embora tenha sido real no plano da vivência laboral dos sujeitos, foi produzida em um processo de formação profissional. O dispositivo foi adotado para alcançar o objetivo proposto por possibilitar, tanto para o protagonista do ato interpretativo como para o formador/pesquisador, a identificação, mapeamento e descrição de elementos de significação e sentido de materialidade verbal sobre o ato interpretativo, além de dar condições de observar o redimensionamento dos saberes investidos, aqueles construídos em aderência à vivência do sujeito no trabalho (Schwartz, 2010Schwartz, Y. (2010). A experiência é formadora? Educação e Realidade, 35(1), 35-48. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11030 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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), e os processos de renormalização (Schwartz, 2011Schwartz, Y. (2011). Manifesto por um ergoengajamento. In P. F. Bendassolli, & L. A. P. Soboll (Eds.). Clínicas do trabalho: novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade (pp. 132-166). Editora Atlas. ) durante a atividade interpretativa.

Atualmente temos orientado trabalhos de pesquisa a nível de graduação, como iniciações científicas e TCCs, e de mestrado, na pós-graduação, que têm adotado o dispositivo para investigar, dentre diversos aspectos, a relação dos tradutores e dos intérpretes em contexto audiovisual com sua própria atividade. Caso de Melo e Nascimento (2021Melo, L. M., & Nascimento, V. (2021). Tradução audiovisual do português para a Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica. Letras & Letras, 37(2), 271-291. https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/57455/33071 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) que buscou mapear, por meio da relação dialógica de tradutores de uma instituição de ensino superior pública com vídeos de divulgação científica traduzidos para a Libras, estratégias de tradução audiovisual em função de um gênero institucional e de Nascimento & Nascimento (2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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) que observou, por meio do dispositivo autoconfrontativo, a atuação de intérpretes de Libras audiovisuais surdos e ouvintes em um programa de entrevistas em um canal de televisão.

Em todas as situações do uso do dispositivo foi necessário a criação de um cenário em que os protagonistas pudessem visualizar a si mesmos enquanto sujeitos enunciativos a partir de uma outra posição axiológica. A presença de línguas de diferentes modalidades durante as atividades autoconfrontativas demandaram a construção de settings de pesquisa criativos a fim de permitir a visualização da língua de sinais e da língua vocal simultaneamente. Em geral, no contexto de construção do corpus com o dispositivo da autoconfrontação, garante-se a captação, por meio da filmagem, do sujeito vendo a si mesmo. Nas pesquisas aqui retomadas, além de filmar o sujeito vendo a si mesmo, foi necessário garantir que a filmagem também captasse o sujeito realizando enunciados com sobreposição de língua, tais como mostram as imagens das Figuras 1 a 3.

Figura 1
Imagens capturadas pelas câmeras durante a atividade de autoconfrontação em situação de ensino-aprendizagem

Figura 2
Imagens capturadas pelas câmeras durante a atividade de autoconfrontação em atividade de tradução audiovisual da Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica

Figura 3
Imagens capturadas pelas câmeras durante a atividade de autoconfrontação com intérpretes de Libras na TV Cultura

A Figura 1 apresenta o contexto de pesquisa da nossa tese de doutoramento quando foram utilizadas 3 câmeras em diferentes perspectivas a fim de (i) gravar os estudantes na posição de autoconfrontados, (ii) gravar a exibição do vídeo que seria o disparador para a autoconfrontação e (iii) gravar a visualização de toda a sala, visto que os alunos observadores também fariam intervenções na autoconfrontação cruzada.

Na Figura 2, é possível visualizar duas cenas de autoconfrontação, pois, neste estudo, dois sujeitos participantes da mesma atividade - a tradução audiovisual de um vídeo institucional para a Libras - foram autoconfrontados com o objetivo principal de mapear as estratégias utilizadas por ambos durante a atividade tradutória. Nesse caso, foi utilizada uma câmera que permitiu captar a imagem do tradutor olhando a tela do computador e da pesquisadora que conduzia a autoconfrontação.

E na Figura 3 observa-se a autoconfrontação de duas intérpretes - uma surda e uma ouvinte - que atuam na interpretação de um telejornal e de um programa de entrevistas no formato de arena. Nesse estudo, o pesquisador se deslocou até o ambiente de trabalho das intérpretes e utilizou duas câmeras em que uma captava somente as protagonistas da atividade e a outra captava elas juntamente com ele.

É importante destacar que as três pesquisas citadas foram avaliadas e aprovadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições em que foram realizadas4 4 A pesquisa publicada em Nascimento (2016) foi aprovada pelo CEP da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o número de protocolo 821.744 (CAAE: 35519214.4.0000.5482), a publicada em Melo e Nascimento (2021) foi aprovada pelo CEP da Universidade Federal de São Carlos (CAAE: 94338418.5.0000.5504) e a de Nascimento e Nascimento (2021) também (CAAE: 27001119.5.0000.5504). , conforme preconiza as Resoluções N. 466/2012 e 519/2016 do Conselho Nacional da Saúde acerca dos princípios éticos das pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, e os participantes autorizaram, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o uso de imagem e de seus nomes reais.

O deslocar-se do espaço-tempo da atividade realizada para observá-la de outro espaço-tempo implicou, para os sujeitos que realizaram este movimento, deparar-se com o desconhecido, com o inesperado em relação àquilo que poderiam encontrar e com suas reações diante do encontrado já que a “[...] tomada de consciência precisa do discurso interior, da entonação interior e do estilo interior embrionário [...]” (Volóchinov, 2017Volochínov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila Grillo e Ekaterina Vólkva Américo. Editora 34. , p. 207). A autoconfrontação, nessa direção, por ser um dispositivo constitutivamente exotópico, impulsiona os que dele fazem uso - seja na posição de pesquisador, seja na de participante da pesquisa - a ansiar pelas reações e manifestações daquilo que é produzido interiormente por meio dos discursos gerados durante seu uso.

5. O desafio da transcrição intermodal

Nos três estudos, o processo de transcrição dos enunciados constitui-se em uma das mais desafiadoras fases das pesquisas com intérpretes e tradutores de línguas de sinais com o dispositivo da autoconfrontação porque o corpus, como discutimos anteriormente, é formado por uma discursividade intermodal.

Os discursos orais realizados nas autoconfrontações apresentam citações literais de partes dos vídeos em Libras e, nessas citações, os participantes mostram, durante os comentários, trechos da língua de sinais que, para eles, foram complexos, às vezes no nível lexical, às vezes no nível sintático, para serem mobilizados para o português durante o ato interpretativo. Denominamos esse uso característico do discurso reportado de citação bilíngue intermodal, que pode ser compreendido como “fenômeno enunciativo-discursivo realizado quando bilíngues bimodais ouvintes fazem uso de uma língua vocal para comentar enunciados em uma língua gestual” (Nascimento & Brait, 2021Nascimento, V., & Brait, B. (2021). Citação bilíngue intermodal: o discurso citado no contexto de formação de intérpretes de Libras-português. Letras de Hoje, 56(3), 726-737. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/40581 (Acessado 18 de agosto, 2023).
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, p. 728).

Ao dizerem “este sinal aqui foi difícil”, por exemplo, sem descreverem em português exatamente o que seria “este sinal” e sem detalharem sua composição, justamente porque a autoconfrontação acontece presencial ou sincronicamente (no caso de pesquisas na modalidade remota) e todos os presentes na situação podem, literalmente, ver o que está sendo feito enquanto eles falam, surge a necessidade de adotar um sistema de transcrição que possa revelar os fenômenos da intermodalidade constitutiva de um ato enunciativo envolvendo sistemas semiótico-ideológicos de modalidades distintas como, por exemplo, a sobreposição de línguas.

Esse fenômeno possui efeitos concretos na produção de sentido do ponto de vista enunciativo-discursivo já que, nesse caso, não há competição entre os canais articulatórios na produção desses dois planos de expressão verbal permitindo uma enunciação dupla, se consideramos a materialidade das línguas. Diante disso, para efeitos de transcrição, ainda que os sujeitos realizem uma descrição detalhada da composição material do trecho em Libras citado, o discurso oral transcrito, apenas, sem a imagem, não revela a intermodalidade como complexidade discursiva.

Nesse sentido, ao referenciar algum léxico, expressões não manuais (ENM) ou qualquer outro marcador linguístico da Libras utilizado pelo enunciador do vídeo disparador, que pode ser ele próprio, os sujeitos lançam mão de recursos gramaticais do português com função dêitica e citam o que se quer mostrar do vídeo em Libras. Portanto, ao considerar os planos de expressão, os corpora dessas pesquisas apresentam uma dupla materialidade linguístico-enunciativa: “(i) enunciações monomodais, quando os intérpretes utilizam apenas uma das línguas sem sobrepor a outra [...]; e (ii) enunciações intermodais, quando são produzidas, durante os comentários das atividades, as duas línguas simultaneamente” (Nascimento, 2016Nascimento, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de libras e língua portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19562 (Acessado 18 de agosto, 2023).
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/195...
, p. 222).

Na perspectiva bakhtiniana, “o estudo dos elementos extralinguísticos e ao mesmo tempo extra-semânticos (artísticos, científicos, etc.) do enunciado” são de extrema relevância, visto que “do ponto de vista dos objetivos extralinguísticos do enunciado todo, o linguístico é apenas um meio” (Bakhtin, 2010bBakhtin, M. (2010b). O autor e a personagem na atividade estética. In Estética da Criação Verbal (pp. 3-194). Tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes., p. 313). Todavia, as especificidades materiais dos recursos linguísticos que compõe os discursos produzidos, especialmente porque eles estão sendo mobilizados em uma atividade metalinguística enunciativa via autoconfrontação, precisam ser tratados com cautela e atenção sem, obviamente, excluir o devido contexto de produção.

Com base nessas questões, na tese de doutorado, para dar conta desta materialidade enunciativa inédita naquele momento, optamos por utilizar dois métodos de transcrição: para as enunciações monomodais, adotamos o modelo de Pretti (2003Pretti, D. (Ed.). (2003). Interação na fala e na escrita. Humanitas. ) no Projeto NURC e para as enunciações intermodais adotamos um método combinado no qual são exploradas algumas soluções do modelo de Pretti e imagens como registros materiais dos enunciados em Libras. Como os protagonistas da atividade falavam em português possíveis equivalências semântico-lexicais dos sinais em português, optamos, também, pelo uso da glosa em português (a partir da equivalência dada pelos sujeitos) junto com as imagens produzidas.

Nesse caso, colocamos os discursos em um quadro de transcrição que se organiza em quatro colunas: na primeira, consta o tempo específico da enunciação durante o vídeo, na segunda a transcrição do discurso em LP (língua portuguesa) seguido das glosas referentes aos sinais enunciados simultaneamente, na terceira a imagem correspondente à sobreposição intermodal da Libras e da LP e na última o enunciado em Libras que foi retomado via citação durante a enunciação, conforme a Figura 4.

Figura 4
Exemplo de transcrição intermodal

Nos estudos posteriores, percebemos que, apesar do modelo anterior dar conta da materialidade linguística intermodal, a legibilidade e compreensão da sobreposição não ficou tão clara, uma vez que havia uma divisão de tempo, dos enunciados em português e das imagens obrigando o leitor a procurar em diferentes colunas o texto em português e a imagem do léxico em Libras. Por essa razão, decidimos por adotar um modelo mais linear em que a sobreposição das línguas ficasse mais visível. A estratégia, então, foi usar “[”, tal como no modelo de Pretti (2003Pretti, D. (Ed.). (2003). Interação na fala e na escrita. Humanitas. ), para evidenciar a sobreposição de língua. Para mostrar o uso do dêitico que os enunciadores faziam durante a citação bilíngue intermodal, usamos a cor vermelho e, abaixo da imagem, a glosa do léxico equivalente dado pelo sujeito da atividade ou a descrição do aspecto gramatical da Libras.

Nesse novo modelo, mantivemos uma tabela, mas com a referência de quem seria o enunciador na primeira coluna, o enunciado intermodal na segunda e o discurso citado na terceira sem a marcação de tempo. Abaixo da imagem foram colocadas descrições e, quando era o caso, referência à qual citação estava sendo realizada de acordo com a terceira coluna (vide Figura 5).

Figura 5
Novo modelo de transcrição linear com imagens

O mesmo aconteceu em Nascimento e Nascimento (2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
https://periodicos.ufes.br/contextosling...
), na Figura 6, quando se usou o modelo anterior, mas com maior presença de glosas, uma vez que a autoconfrontada enunciava em português e em Libras o tempo todo da pesquisa para permitir com que a tradutora surda, também participante do estudo, compreendesse as discussões. Como a discussão envolvia as duas línguas, a intérprete em questão optou por produzir um discurso simultâneo com Libras e português e, em alguns momentos, produzia os sinais e dava a ele equivalências na língua vocal-auditiva.

Figura 6
Modelo de transcrição linear com imagens

Se, na perspectiva bakhtiniana, o texto em Ciências Humanas constitui um objeto falante e expressivo em que “os elementos de expressão (o corpo não como materialidade morta, o rosto, os olhos, etc.); neles se cruzam e se combinam duas consciências (a do eu e a do outro) [...]” (Bakhtin, 2017Bakhtin, M. M. (2017). Por uma metodologia das ciências humanas. In M. Bakhtin. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. (pp. 57-79) Tradução Paulo Bezerra. Editora 34. , p. 58), o movimento para mostrar as diferentes dimensões de um corpus intermodal revela a necessidade de fazer falar o sujeito de pesquisa em sua totalidade para quem está na posição de destinatário: o leitor do texto acadêmico.

A construção de sentidos estabelecida durante a construção desses corpora que adotaram a autoconfrontação como dispositivo metodológico urgiu em aparecer no texto de pesquisa porque no contexto concreto de registro dos enunciados que se flagrou a relação dialógica do protagonista da atividade com sua própria atividade. Como o dispositivo incita o sujeito a se posicionar discursiva e axiologicamente extraposto à sua atividade, por meio da(s) língua(s) que utiliza, faz-se necessário reconstruir para o leitor a riqueza de detalhes que essa relação possui. A produção enunciativa bilíngue intermodal evidenciada nos contextos supra descritos demonstram que o trabalho de análise enunciativo-discursivo de textos gerados por e com intérpretes e tradutores de língua de sinais demandam uma análise no nível do enunciado, da irrepetibilidade, e não no da oração, do repetível, justamente porque “[...] como enunciado (ou parte do enunciado) nenhuma oração, mesmo de uma só palavra, jamais pode repetir-se: é sempre um novo enunciado (ainda que seja uma citação)” (Bakhtin, 2010Bakhtin, M. (2010). O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin. Estética da criação verbal (pp. 307-336). Tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes., p. 313).

6. Considerações Finais

As complexidades inerentes ao texto, enquanto objeto, nas Ciências Humanas impõem aos pesquisadores desafios em todo o processo de construção da pesquisa. Esses desafios são notórios quando, ao iniciar a escrita do objeto que vai ser compartilhado com o grande público (o relatório, o TCC, a dissertação, a tese etc.), o pesquisador percebe que não existe nada pronto, nada fácil, porque tudo é fruto de uma intensa relação dialógica que o próprio pesquisador estabelece com seu objeto de estudo, que, na verdade, é sujeito, pois fala, tem voz, e com a forma como esse objeto será narrado e mostrado no texto final que fará circular o conhecimento construído no seu percurso.

A transcrição é, por excelência, um método consagrado nesse movimento de passagem do campo ao texto nos estudos da linguagem. A presença das línguas de sinais no cenário contemporâneo em pesquisas que adotam diferentes perspectivas vem movimentando estudiosos a pensar - e enfrentar - os desafios de ciframento dessas línguas e, aqui neste artigo, buscamos evidenciar as dificuldades da transcrição envolvendo duas línguas distintas não apenas pela diferença cultural e idiomática, mas, em especial, pela diferença de modalidade, em atividades de pesquisa com o dispositivo da autoconfrontação.

Nosso objetivo, neste artigo, foi o de mostrar um caminho possível de realização dessa passagem do campo ao texto construído para mostrar atos enunciativo-discursivos em forma de um texto singular, multimodal, composto por uma especificidade semiótica que as línguas presentes no contexto de construção dos corpora impuseram nos estudos. A riqueza discursiva proveniente do contato dessas línguas de diferentes modalidades decorrentes de atividade de pesquisa com intérpretes e tradutores nos deslocou a pensar modelos diferentes do que se apresentava até então no campo dos estudos da linguagem envolvendo as línguas de sinais. Entretanto, o interessante é notar que o modelo permite diferentes adaptações para quem quiser trabalhar com bilíngues bimodais em diferentes contextos.

Devido à autoconfrontação, o uso de glosas nos nossos modelos precisou ser adotado, mas para marcar as equivalências léxico-semânticas que os próprios autoconfrontados atribuíam aos sinais da Libras. Nesse caso, o uso dessa estratégia foi imposto pelos corpora que nos colocou na complexa missão de dizer e mostrar o que foi dito, enunciado e vivido no contexto concreto de pesquisa.

Atualmente os pesquisadores que trabalham com línguas de sinais em estudos descritivos, tradutórios, interpretativos, educacionais ou em qualquer contexto em que seja preciso mostrar a materialidade gesto-visual de uma língua de sinais ao público leitor podem contar com estratégias que fazer uso de novas tecnologias como, por exemplo, o QR Code que permite, no caso, o acesso ao texto na sua versão em movimento foi meio de um link que disponibilizado em um quadro no papel e que é acessado por meio de câmeras de celular. Nesse caso, o acesso é à imagem totalmente em produção concreta e não estática por meio de fotografias. Sem dúvidas, essa estratégia parece contemplar as especificidades da produção enunciativo-discursiva de corpora envolvendo línguas de sinais, mas demandará de quem a adotar novas reflexões sobre como essa forma de registrar o texto linguístico gesto-visual, pois, diferente do que se tem feito até o momento com transcrições de enunciados em línguas de sinais, o recorte de um trecho e seu acesso por meio de vídeo apresenta novas singularidades para o pesquisador e, certamente, para quem lê os textos de pesquisa.

O campo dos ETILS vem crescendo paulatinamente nos últimos anos e é promovido pelo intenso deslocamento axiológico dos surdos que são os que, majoritariamente, utilizam a Libras como primeira língua no Brasil. Nesse sentido, a elaboração de sistemas possíveis de transposição enunciativo do campo de construção do corpus ao texto científico precisa ser, cada vez mais, pensado, elaborado e refinado a fim de permitir não apenas a aparição dos discursos analisados em pesquisas discursivas, mas, sobretudo, a potência e a riqueza que as línguas de sinais oferecem aos pesquisadores quando entram em cena.

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    https://tede2.pucsp.br/handle/handle/195...
    ) foi aprovada pelo CEP da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o número de protocolo 821.744 (CAAE: 35519214.4.0000.5482), a publicada em Melo e Nascimento (2021Melo, L. M., & Nascimento, V. (2021). Tradução audiovisual do português para a Libras a partir do gênero institucional de divulgação científica. Letras & Letras, 37(2), 271-291. https://seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/57455/33071 (Acessado 18 de agosto, 2023).
    https://seer.ufu.br/index.php/letraselet...
    ) foi aprovada pelo CEP da Universidade Federal de São Carlos (CAAE: 94338418.5.0000.5504) e a de Nascimento e Nascimento (2021Nascimento, V., & Nascimento, N. (2021). Interpretação do português para a Libras no Programa Roda Viva da TV Cultura: aspectos e estratégias do trabalho em equipe. (Con)Textos Linguísticos, 15(32), 128-148. https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/35913 (Acessado 18 de agosto, 2023).
    https://periodicos.ufes.br/contextosling...
    ) também (CAAE: 27001119.5.0000.5504).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    08 Ago 2023
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