Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da Sustentabilidade dos Indicadores de Saneamento do Plano das Bacias PCJ 2020-2035

Resumo

Dada a limitação dos recursos naturais frente ao aumento crescente de sua demanda, torna-se imperativo conhecer como se comportam as diversas variáveis que compõem o processo de sustentabilidade hídrica. Apoiado na técnica de estudo de caso e na pesquisa de natureza exploratória, o presente trabalho objetivou analisar os índices de esgoto coletado e de esgoto tratado presentes no Plano de Recursos Hídricos das Bacias PCJ para o período 2020-35. Buscou-se validar os indicadores com os princípios de sustentabilidade de Gibson, relacionando-os, igualmente, às metas 6.2 e 6.3 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6. Concluiu-se que os indicadores são importantes para mensurar o processo rumo ao alcance do ODS 6, mas apresentam falhas, mascarando informações importantes para uma tomada de decisão mais assertiva. Em relação à meta de atendimento ao cenário de referência de 2035, foi observada a sua validade por quatro princípios de Gibson.

Palavras-chave:
Indicadores de sustentabilidade; ODS 6; princípios de Gibson; bacias sustentáveis

Abstract

Understanding how variables that integrate sustainability indexes behave is essential due to the limitation of natural resources under a growing demand. Based on case study and exploratory research techniques, this paper aimed to analyze the levels of collected and treated wastewater in the PCJ Basins Water Resources Plan for the 2020-35 period. We sought to validate the indicators based on Gibson’s sustainability principles, relating them to the 6.2 and 6.3 targets of the Sustainable Development Goal (SDG) 6. It was concluded that the indicators are important to evaluate processes to achieve SDG 6. However, the indicators have flaws and can mask important information, preventing more assertive decision making. The target to achieve the 2035 reference scenario was found to be valid for four of Gibson’s sustainability principles.

Keywords:
Sustainability indicators; SDG 6; Gibson’s sustainability principals; sustainable basins

Resumen

Dada la limitación de los recursos naturales ante la creciente demanda, es imperativo conocer cómo se comportan las distintas variables que componen el proceso de sostenibilidad del agua. Apoyado en la técnica de estudio de caso e investigación exploratoria, el presente estudio tuvo como objetivo analizar los indicadores de aguas servidas recolectadas y tratadas presentes en el Plan de Recursos Hídricos de las Cuencas del PCJ para el período 2020-35. Buscamos validar los indicadores contra los principios de sostenibilidad de Gibson, relacionándolos con las metas 6.2 y 6.3 del Objetivo de Desarrollo Sostenible (ODS) 6. Se concluyó que los indicadores son importantes para medir el proceso hacia el logro del ODS 6, sin embargo, poseen fallas que ocultan información importante para la toma de decisiones más asertiva. En relación al objetivo de cumplir con el escenario de referencia de 2035, su validez fue observada por cuatro principios de Gibson.

Palabras-clave:
Indicadores de sostenibilidad; ODS 6; principios de Gibson; cuencas sostenibles

1. Introdução

Falta consenso no meio científico sobre a interpretação do termo desenvolvimento sustentável, uma vez que os paradigmas que os atores se apoiam são diferentes, além de ser frequentemente confundido com a sustentabiulidade (SARTORI; LATRÔNICO; CAMPOS, 2014SARTORI, S.; LATRÔNICO, F.; CAMPOS, L.M.S. Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável: uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente & Sociedade, v. 17, n. 1, p. 1-22, 2014.). A palavra desenvolvimento aponta para a ideia de mudança gradual e orientada e não significa necessariamente Crescimento quantitativo; antes se assemelha ao conceito de desdobramento qualitativo de potencialidades de complexidade crescente, as quais, dependendo do caso, podem ou não envolver crescimento quantitativo (GALLOPÍN, 2003GALLOPÍN, G.C. Sostenibilidad y desarrollo Sostenible: un enfoque sistémico. Medio Ambiente y Desarrollo, 2003.). Dovers e Handmer (1992DOVERS, S.R.; HANDMER, J.W. Uncertainty, sustainability and change. Global Environmental Change, v.2, n.4, p.262-276, 1992.) definiram a sustentabilidade como a capacidade de um sistema (humano, natural ou misto) de resistir ou se adaptar às mudanças (endógena ou exógena) por tempo intermediário e, por sua vez, o desenvolvimento sustentável como a via de modificação intencional e melhoria que mantém ou aumenta esse atributo do sistema. Feil e Schreiber (2017FEIL, A. A.; SCHREIBER, D. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: desvendando as sobreposições e alcances de seus significados. Caderno EBAPE, v. 14, n. 3, 2017.) apontaram que a sustentabilidade é o reflexo da relação entre o ser humano e o meio ambiente e que o desenvolvimento sustentável consiste em um processo de aprendizagem direcionado por políticas públicas orientadas por um plano de desenvolvimento nacional. O Relatório de Brundtland (WCED, 1987) apresentou o desenvolvimento sustentável de forma simples, como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Esta definição permite interpretações, o que a torna duradoura (GIOVANNONI; FABIETTI, 2014GIOVANNONI, E.; FABIETTI, G. What is sustainability? A review of the concept and its applications. Integrated Reporting, p. 21-40, 2014.; SARTORI; LATRÔNICO; CAMPOS, 2014).

A avaliação de sustentabilidade é uma estrutura recente da avaliação de impacto ambiental que enfatiza a entrega de ganhos líquidos de sustentabilidade positivos agora e no futuro (BOND et al., 2012BOND, A. et al. Sustainability assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 30; n. 1, p. 53-62, 2012.). Hacking e Guthrie (2008HACKING, T.; GUTHRIE, P. A framework for clarifying the meaning of Triple Bottom-Line, Integrated, and Sustainability Assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 28, n. 2-3, p. 73-89, 2008.) a definiram como qualquer processo que direciona os tomadores de decisão à sustentabilidade. Ainda não há concordância universal sobre o que realmente é a avaliação de sustentabilidade e como deve ser feita a sua aplicação. Gibson (2012GIBSON, R. B. Why sustainability assessment? In: A. Bond, A. Morrison-Saunders e R. Howitt, eds. Sustainability assessment: pluralism, practice and progress. Capítulo 1, 1a ed. Londres, 2012.) relatou que a melhor prática deve levar em consideração um sistema ao invés da aproximação dos três pilares: social, ambiental e econômico. A prática internacional varia dependendo das ações legais, estruturas de governança e concepção de sustentabilidade incorporada no processo (ESTEVES et al., 2012ESTEVES, A. M. et al. Social impact assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 30, n. 1, 2012.).

Uma forma de avaliar a sustentabilidade quantitativamente é pela aplicação de índices e indicadores. Os indicadores de sustentabilidade são ferramentas utilizadas para auxiliar no monitoramento da operacionalização do desenvolvimento sustentável. Um indicador é desenvolvido com o intuito de conhecer uma dada realidade, devendo ser capaz de sintetizar um conjunto complexo de informações e expor o significado essencial dos aspectos analisados (SINGH et al., 2012SINGH, R. K. et al. An overview of sustainability assessment methodologies. Ecological Indicators, v. 15, n. 1, 2012.).

Flint (2004FLINT, R. Warren the sustainable development of water resources. Water Resources Update, n. 127, p. 41-51, 2004.) tratou o desenvolvimento sustentável em bacias hidrográficas como uma forma multidimensional de pensar sobre as conexões e interdependências entre os sistemas naturais, sociais e econômicos no uso da água, de modo que as tentativas de alcançar a vitalidade econômica sejam feitas no contexto de melhoria e preservação da integridade ecológica, bem-estar social e segurança para todos. No ano de 2018, a Agência das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) se tornou a primeira agência de águas do mundo a assinar o termo de adesão ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). A iniciativa visa mobilizar a comunidade internacional rumo à adoção de valores fundamentais e aceitos em distintas áreas (e.g., direitos humanos e meio ambiente), o que proporciona maior eficiência e visibilidade aos trabalhos da própria agência quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 (BRASIL, 2019a). Desde 1994, são elaborados Relatórios da Situação dos Recursos Hídricos das Bacias PCJ e, a partir de 2007, eles têm seguido a metodologia proposta pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) baseada na utilização de um conjunto de indicadores organizados em uma estrutura denominada “matriz FPEIR” (Força-Motriz, Pressão, Estado, Impacto e Resposta).

As Bacias PCJ garantem o abastecimento de água a mais de 5,8 milhões de pessoas em suas áreas, além de nove milhões da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). Em 2018, a oferta de água nas bacias era de aproximadamente 971 m³.hab-1.ano-1, considerada insatisfatória segundo os valores de referência adotados no Estado de São Paulo (< 1.500 m³.hab-1.ano-1) (SÃO PAULO, 2020). Pela criticidade hídrica (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2018), as sub-bacias menos sustentáveis são as dos Rios Piracicaba e Capivari, pois possuem os maiores volumes de água captados e concentram grande parte da população, apresentando situação crítica da demanda frente à disponibilidade. 60% e 38% dos municípios apresentaram classificação boa para a coleta e o tratamento de esgoto, respectivamente (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). Os dados evidenciam a necessidade de se avaliar o percentual de esgoto tratado em relação ao total gerado. Da análise da porcentagem de esgoto tratado em relação ao coletado, a parcela não coletada acaba sendo mascarada.

O desenvolvimento sustentável não pode se limitar ao desenvolvimento econômico, devendo abranger uma ampla gama de conceitos, inclusive os pertencentes à qualidade de vida. É admissível, portanto, incluir o uso da água e a geração de efluentes sanitários nos ODS (PNUD-BR, 2020). O ODS 6, composto por oito metas, monitoradas por onze indicadores, aborda a água potável e o saneamento (BRASIL, 2019a). Isto posto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar os indicadores de esgoto coletado e de esgoto tratado do Plano de Recursos Hídricos (PRH) das Bacias PCJ (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020), relacionando-os às metas 6.2 e 6.3 do ODS 6. Para a compreensão dos cenários futuros, foram analisadas as projeções referentes aos anos de 2025, 2030 e 2035 (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2020), aferindo, ainda, a sua validade quanto aos princípios de Gibson (GIBSON, 2006bGIBSON, R. B. Sustainability-based assessment criteria and associated frameworks for evaluations and decisions: theory, practice and implications for the Mackenzie Gas Project Review. Review Literature and Arts of The Americas n. January, p. 56, 2006b.). O trabalho consistiu em um estudo de caso. Todas as informações foram obtidas em fontes secundárias.

A importância deste estudo está em ressaltar a relevância cada vez maior da atuação da Agência das Bacias PCJ, visando aprimorar a gestão da sustentabilidade sob os aspectos econômicos, sociais e ambientais, no sentido de diminuir os riscos de uma eventual crise hídrica que pode afetar o desenvolvimento econômico e social, não só da região das bacias, mas inclusive da RMSP.

2. Referencial Teórico

2.1 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Em setembro de 2015, os líderes mundiais se reuniram na sede da ONU, em Nova Iorque, e decidiram sobre um plano de ações para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir a paz e a prosperidade das pessoas. Surgia, assim, a Agenda Mundial 2030 rumo ao desenvolvimento sustentável (AGENDA 2030, 2020).

Os ODS, igualmente conhecidos como Objetivos Globais, são ações universais, compostas por 17 metas, estabelecidas com base no sucesso dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM). Estes foram oito objetivos globais assumidos pelos países-membros da ONU, almejando o rápido progresso do mundo no sentido de eliminar a extrema pobreza e a fome do planeta (ROMA, 2019ROMA, J. C. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Milênio e sua transição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Indicadores de Sustentabilidade, 2019.). Nos ODS foram incluídos novos temas pertinentes à atualidade, como, por exemplo, desigualdade econômica, mudanças climáticas, inovação e consumo sustentável (PNUD-BR, 2020). Para o monitoramento global, a ONU realiza uma reunião anual, o Encontro do Alto Fórum Político dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na qual os países apresentam seus relatórios de progresso, possibilitando a comparação entre eles (SILVA, 2018SILVA, E. R. A. da (Coord.). Agenda 2030: ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: IPEA, 2018. Available at: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8855%0Ahttps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=33895. Accessed on: October 19, 2020.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
).

Tendo-se em vista as características transversais da água e os prejuízos provenientes da falta de coleta e de tratamento de esgotos sanitários (e.g., econômicos, sociais e ambientais), o ODS 6 busca assegurar a disponibilidade universal e a gestão sustentável da água e do saneamento. Em uma escala global, os ODS e as metas são monitorados e revisados ​​seguindo um conjunto de indicadores desenvolvidos pelo Grupo Interagencial de Peritos sobre os Indicadores dos ODS (SILVA, 2018SILVA, E. R. A. da (Coord.). Agenda 2030: ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: IPEA, 2018. Available at: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8855%0Ahttps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=33895. Accessed on: October 19, 2020.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
). A Comissão de Estatística da ONU analisou e verificou tais indicadores, escolhidos de acordo com a meta a ser alcançada. No Quadro 1 são apresentadas as metas para o ODS 6 e os indicadores correspondentes.

Embora os indicadores do ODS 6 sejam apresentados considerando o país, os cálculos elaborados em nível de Unidades da Federação, Regiões Geográficas e Regiões Hidrográficas podem auxiliar na gestão de áreas mais críticas. Além disso, reconhecendo os obstáculos que os países podem enfrentar, a ONU recomenda alternativas viáveis ​​aos cálculos dos indicadores para o ODS 6, a fim de incentivar os países que ainda não tomaram medidas referentes a este objetivo (BRASIL, 2019a).

2.2 Indicadores de Sustentabilidade Hídrica nas Bacias PCJ

A segurança hídrica é uma denominação abrangente sobre a garantia da disponibilidade hídrica nos diferentes usos. Ela envolve a capacidade de a população ter acesso à água em qualidade aceitável e em quantidade suficiente para que haja o bem-estar social e o desenvolvimento socioeconômico, além de se ter a aptidão de proteger os corpos hídricos contra a poluição, prevenir desastres naturais e preservar ecossistemas (UNITED NATIONS WATER, 2013). Desta forma, o saneamento básico é fundamental no alcance da segurança hídrica.

Levantamentos realizados nas Bacias PCJ (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2018) possibilitaram avaliar as condições de saneamento na região, medidas por meio de indicadores relacionados à coleta e ao tratamento de esgoto e à distribuição e ao consumo de água. Os indicadores de atendimento mostraram que, em 2017, 98% da população urbana das bacias recebia água tratada. Em relação à rural, 94%. Da análise de classificação dos índices pelos critérios da Coordenadoria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2020), considerando apenas a área urbana, 80% dos municípios foram classificados como bom. Por outro lado, quando se inclui a parcela rural, apenas 23%. Mediante o desenvolvimento de planos para a redução de perdas, regular em quase metade dos municípios, é possível reduzir os custos na distribuição e no tratamento de água. No mais, melhorias devem ser consideradas para a população rural.

A sustentabilidade da demanda por água com base na criticidade hídrica também foi avaliada, calculada por meio do balanço hídrico da região para o ano de 2016, aferido ao subtrair as demandas da disponibilidade hídrica e somadas as transposições e os retornos (lançamentos). De acordo com o Comitê das Bacias PCJ (2018), uma criticidade muito alta ocorre quando o saldo é negativo; um saldo menor que 50% da Q7,10 (vazão mínima em sete dias consecutivos para um tempo de retorno de dez anos) representa uma criticidade alta; entre 50% da Q7,10 e a Q95 (vazão na qual o rio está 95% do tempo acima) tem-se uma criticidade média; uma baixa criticidade ocorre quando o saldo é maior que a Q95. A sub-bacia do Rio Capivari apresentou a maior porcentagem das áreas de contribuição (40%) com criticidades muito alta e alta. As situações mais insustentáveis foram encontradas nas sub-bacias dos Rios Capivari e Piracicaba: relações demanda/disponibilidade iguais a 173% e 144%, respectivamente.

A disponibilidade hídrica está diretamente ligada à qualidade das águas superficiais. O PRH das Bacias PCJ aborda oito indicadores neste contexto, entre eles o Índice de Qualidade das Águas (IQA) e o Índice de Qualidade da Água Bruta (IAP). A análise de tais indicadores demonstrou que as sub-bacias dos Rios Capivari e Piracicaba apresentaram as piores condições de qualidade da água para abastecimento público. Portanto, a garantia da qualidade dos rios nas Bacias PCJ é fundamental para alcançar a sustentabilidade e promover a segurança hídrica. A melhora e expansão da rede coletora e dos serviços de tratamento de esgotos sanitários podem contribuir para aprimorar a qualidade da água.

O PRH abordou, ainda, o levantamento de fontes pontuais de poluição, como, por exemplo, por meio de indicadores de coleta e de tratamento de esgoto, os quais auxiliam a traçar um planejamento para propor melhorias na qualidade da água mediante investimentos em saneamento.

Quadro 1
Metas do ODS 6 e seus respectivos indicadores.

2.3 Princípios de Gibson

Princípios descrevem um conjunto de leis ou regras fundamentais utilizadas para governar o comportamento de um sistema (FLINT, 2013FLINT, R. W. Practice of Sustainable Community Development. New York: Springer, 2013.). Determinar quais aspectos de um sistema devem ser monitorados e quais variáveis podem avaliar o estado e o desempenho destes aspectos constitui o principal desafio no exercício à sustentabilidade (WU; WU, 2012WU, J.; WU, T. Sustainability indicators and indices: An overview. Handbook of Sustainability Management, p. 65-86, 2012.). Flint (2013FLINT, R. W. Practice of Sustainable Community Development. New York: Springer, 2013.) explicou que embora os princípios de sustentabilidade sejam diversos e apresentem um contexto político específico, eles abordam um conjunto de questões implícitas comuns, como integridade ecológica, igualdade social, tripé da sustentabilidade (dimensões sociais, ambientais e econômicas) e processos democráticos.

Os princípios baseiam-se na percepção de que o bem-estar humano e o meio ambiente são interdependentes e que o ser humano depende inevitavelmente das condições biosféricas e exerce papel fundamental na sua manipulação (GIBSON, 2006aGIBSON, R. B. Beyond the pillars: Sustainability assessment as a framework for effective integration of social, economic and ecological considerations in significant decision-making. Journal of Environmental Assessment Policy and Management v. 8, n. 3, p. 259-280, 2006a.). Nesse sentido, os princípios de sustentabilidade ampliam o conceito de ecossistemas para sistemas socioambientais dinâmicos, duradouros, adaptáveis e resilientes.

A procura por modelos mais transversais ao tripé da sustentabilidade foi surgindo como forma de trazer uma abordagem multifatorial e interdisciplinar, de modo a avançar no entendimento da integridade entre as dimensões sociais, ambientais e econômicas e minimizar os trade-offs comuns em questões de equidade e conservação da biodiversidade (HACKING; GUTHRIE, 2008HACKING, T.; GUTHRIE, P. A framework for clarifying the meaning of Triple Bottom-Line, Integrated, and Sustainability Assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 28, n. 2-3, p. 73-89, 2008.). Gibson et al. (2005GIBSON, R. B. et al. Sustainability Assessment: Criteria, Processes and Applications. London: Earthscan, 254 p, 2005.) capturaram e sintetizaram os princípios básicos de sustentabilidade frequentemente utilizados por agências e estudiosos na avaliação da sustentabilidade de forma integrada e representada por projetos em desenvolvimento, diretrizes específicas de avaliação e estruturas de nível estratégico. Gibson (2006b) apresentou um modelo integrador de avaliação de sustentabilidade, buscando ter uma visão sistêmica da tomada de decisão, respeitando as interconexões entre os objetivos, as ações e os efeitos, com vistas ao monitoramento dos resultados.

Em síntese, o modelo se baseia em oito princípios fundamentais, cuja ordem de apresentação não significa a maior importância de um em relação ao outro: 1°) Integridade de longo prazo do sistema socioambiental: visa proteger as funções de suporte de vida insubstituíveis; 2°) Suficiência de recursos para uma vida decente e acesso a oportunidades de subsistência que não comprometam as gerações futuras; 3°) Equidade intrageracional: busca reduzir as lacunas de oportunidades entre as diferentes classes socioeconômicas; 4°) Equidade intergeracional: favorece ações de preservação ou melhoria de oportunidades para as gerações futuras viverem sustentavelmente; 5°) Manutenção e eficiência de recursos: reduz as ameaças à integridade a longo prazo dos sistemas socioambientais; 6°) Civilidade socioambiental e governança democrática para a construção de decisões coletivas entre indivíduos, comunidades e órgãos diversos; 7°) Precaução e adaptação: procura respeitar as incertezas, evitando riscos, mesmo mal compreendidos, de danos graves ou irreversíveis aos fundamentos da sustentabilidade; e 8°) Integração imediata e de longo prazo: aplica todos os princípios de sustentabilidade ao mesmo tempo, buscando trazer benefícios mútuos e múltiplos ganhos rumo à sustentabilidade.

3. Procedimentos Metodológicos

3.1 Caracterização das Bacias PCJ

Na cidade de Piracicaba, interior do Estado de São Paulo, encontra-se a sede administrativa da Agência das Bacias PCJ (BRASIL, 2019b). O espaço territorial de abrangência das Bacias PCJ (localização: entre as coordenadas geográficas 45°50’ e 48°30’ de longitude oeste e 22°00’ e 23°20’ de latitude sul) compreende um recorte hidrográfico de 15.377 km² - 92,45% no Estado de São Paulo (71 municípios) e 7,55% no Estado de Minas Gerais (5 municípios). Nesta área de drenagem estão inseridas três bacias hidrográficas: Rio Capivari (1.568 km²), Rio Jundiaí (1.154 km²) e Rio Piracicaba (12.655 km²) (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020).

Em termos hidrológicos, a região está subdividida em sete sub-bacias principais, cinco pertencentes à bacia do Rio Piracicaba (Piracicaba, Corumbataí, Jaguari, Camanducaia e Atibaia) e mais as sub-bacias dos Rios Jundiaí e Capivari. Dentre os rios principais que as compõem, os rios Jaguari, Piracicaba, Atibaia e Camanducaia têm dominialidade federal, enquanto os rios Corumbataí, Capivari e Jundiaí pertencem aos domínios estaduais. Quanto à ocupação do solo, há a predominância de áreas com campo (25,30%), mata nativa (20,35%), agrícolas (19,02%) e urbanizadas (12,11%) (EMPLASA, 2015).

A população estimada para o ano de 2020 nas bacias foi de 5,8 milhões (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). De acordo com os dados do IBGE (2012), as condições dos domicílios são boas. Em área urbana, mais de 99% têm atendimento de energia elétrica, mais de 94% são atendidos por rede de abastecimento de água e 88% dispõem de rede geral de esgotamento sanitário. Em relação aos domicílios em área rural, 99% contam com acesso à energia elétrica, as formas predominantes de abastecimento de água são poços ou nascentes na propriedade e os efluentes gerados têm como destino final, em sua maioria, fossas rudimentares e sépticas.

No ano de 2014, os municípios das Bacias PCJ representavam 17% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, tendo maior participação: Campinas (18,3%), Jundiaí (11,5%) e Piracicaba (7%) (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). Comparando-se os dados de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) (IBGE, 2012) das cidades pertencentes às Bacias PCJ com o Estado de São Paulo (IDHM médio: 0,783), nota-se que 67,1% registraram crescimento igual ou superior ao do Estado.

3.2 Método

A presente pesquisa é um estudo de caso, caracterizada como exploratória por visar a elevação do conhecimento e a compreensão de um problema em perspectiva e ajudar no desenvolvimento de questões relevantes para o objetivo pretendido (MATTAR, 2000MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2000.). O procedimento empregue foi o de obtenção de informações em fontes secundárias, as quais compreenderam artigos científicos e relatórios disponibilizados por órgãos governamentais e concessionárias de serviços públicos. Desta forma, o risco de conduzir um estudo ineficiente e/ou não significativo foi evitado, poupando esforços e recursos. No caso da abordagem documental, foram consideradas informações da própria Agência das Bacias PCJ (e.g., COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2018; AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020).

Foram estudados dois dos indicadores de acompanhamento do PRH das Bacias PCJ 2020-35 (esgoto coletado e esgoto tratado), buscando relacioná-los com o alcance das metas estabelecidas para o ODS 6 (BRASIL, 2019a), em específico às 6.2 e 6.3. Com o intuito de avaliar os cenários futuros vinculados a estes indicadores, foram abordadas as projeções para os anos de 2025, 2030 e 2035 (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2020), verificando, também, sua validade quanto aos princípios de Gibson (GIBSON, 2006bGIBSON, R. B. Sustainability-based assessment criteria and associated frameworks for evaluations and decisions: theory, practice and implications for the Mackenzie Gas Project Review. Review Literature and Arts of The Americas n. January, p. 56, 2006b.), de forma a atingir a sustentabilidade nas Bacias PCJ no horizonte de 2035.

4. Resultados e Discussão

4.1 Panorama do Esgotamento Sanitário nas Bacias PCJ Relacionado ao ODS 6

No presente tópico é abordada a situação atual das Bacias PCJ no tocante aos indicadores de esgoto tratado e de esgoto coletado, acrescidos de outros vinculados ao saneamento (e.g., Indicador de Coleta e Tratabilidade de Esgoto (ICTEM) e IAP). O PRH das Bacias PCJ 2020-2035 (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2020) pretende melhorar as deficiências atuais nos cenários futuros (2025, 2030 e 2035).

O Relatório de Situação dos Recursos Hídricos das Bacias PCJ (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2019) traz, entre outras esferas do saneamento, a análise da situação do abastecimento de água e do esgotamento sanitário dos municípios da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) 05 do Estado de São Paulo. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) reúne anualmente as informações de esgotamento sanitário dos municípios paulistas e avalia a eficácia do sistema por meio do ICTEM. As dez cidades mais populosas das Bacias PCJ (Campinas, Piracicaba, Jundiaí, Limeira, Sumaré, Americana, Santa Bárbara D´Oeste, Rio Claro, Hortolândia e Indaiatuba) apresentaram os melhores resultados de ICTEM, evidenciando que ações estão sendo tomadas rumo à sustentabilidade dos recursos hídricos. Os ganhos vão além do plano ambiental ao considerar o IDHM. Conforme dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para o ano de 2010, quatro dos dez municípios supracitados apresentaram IDHM muito alto (IDHM > 0,800) e os seis restantes, alto (entre 0,700 e 0,799).

Em contrapartida, segundo o Relatório de Situação de 2018 (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2019), nove dos 57 municípios inseridos na UGRHI apresentaram valores de ICTEM (escala: 0,0-10,0) entre 0,0-2,5. O relatório aponta que as cidades situadas nas regiões de cabeceira apresentam as piores condições de esgotamento sanitário, com potencial de impactar os sistemas de abastecimento público a jusante.

Para subsidiar o entendimento do impacto das regiões com menores ICTEM na qualidade das águas superficiais das bacias, o IAP também foi avaliado. De fato, apenas Monte Alegre do Sul apresentou valor satisfatório, ao passo que os oito municípios restantes demonstraram deficiências na qualidade da água para abastecimento, variando entre regular e péssimo.

Os baixos valores de IAP nos municípios com menores valores de ICTEM ganham maior destaque quando avaliados os dados de disponibilidade das águas superficiais e subterrâneas nas Bacias PCJ. Desde 2015, quedas anuais de quase 10 m3.hab-1 têm sido observadas no contexto geral de disponibilidade das águas superficiais das bacias (Figura 1). A isso, soma-se a crescente demanda por águas subterrâneas.

Figura 1
Histórico anual da disponibilidade hídrica Disponibilidade per capita e da demanda de água nas Bacias PCJ.

Apesar da região contar com elevada quantidade de mananciais superficiais de interesse regional e grande porte (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020), houve redução de 4% na disponibilidade em cinco anos. Desde 2014, os valores se encontram bem abaixo do considerado como crítico (1.500 m3.hab-1.ano-1) (SÃO PAULO, 2020), tendo o crescimento populacional papel de destaque. Decorrente da crise hídrica de 2014, a fonte de captação subterrânea passou a ter mais influência no abastecimento (4% e 11% nos anos de 2014 e 2018, respectivamente). Ressalta-se o esforço do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) na regularização de outorgas de poços profundos. Oliveira et al. (2019OLIVEIRA, J. N. et al. O conflito entre a expansão urbana e o uso da água subterrânea. Journal of Hyperspectral Remote Sensing, v. 9, p. 373-386, 2019.) avaliaram o sistema de abastecimento de São José do Rio Preto - SP. Os autores identificaram o decréscimo paulatino da disponibilidade hídrica e o aumento imprudente no número de poços ao longo dos anos em um sistema próximo do colapso. Por mais distantes que estejam, há semelhança com as Bacias PCJ, caminhando no sentido contrário do que se espera para o desenvolvimento sustentável, como reforçaram Flint (2004FLINT, R. Warren the sustainable development of water resources. Water Resources Update, n. 127, p. 41-51, 2004.) e Feil e Schreiber (2017FEIL, A. A.; SCHREIBER, D. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: desvendando as sobreposições e alcances de seus significados. Caderno EBAPE, v. 14, n. 3, 2017.).

A garantia de água em qualidade e quantidade para as gerações futuras está prevista na meta 6.3 do ODS 6 (Quadro 1). Uma forma de atuar nesse viés trata-se da diminuição do aporte de cargas poluidoras aos corpos hídricos por meio de ações que vão além das convencionais empregadas na engenharia, como, por exemplo, o reflorestamento de matas ciliares. As metas previstas no PRH das Bacias PCJ 2020-35 (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2020) abordam a melhoria dos sistemas de tratamento e de coleta de esgoto. O cenário teto sem restrições (2035) prevê a coleta de 98% do esgoto e o tratamento de 100%. Caso efetivado, atende ao objetivo de reduzir à metade a proporção de águas residuárias não tratadas (meta 6.3).

No cenário atual, de acordo com os dados do Relatório Síntese do PRH das Bacias PCJ (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020), as áreas críticas apontadas no gerenciamento dos recursos hídricos referem-se à garantia de suprimento hídrico (GSH), à conservação e uso de solo e água no meio rural e recomposição florestal (CRF) e ao enquadramento de corpos hídricos (ECA). O último apresenta como temas principais a universalização da coleta de esgoto e o seu tratamento secundário e terciário (remoção de nitrogênio e fósforo). São estabelecidas, inclusive, ações prioritárias entre os municípios da UGRHI, prazos e investimentos para o cumprimento das metas previstas para os cenários de 2025, 2030 e 2035.

A Tabela 1 apresenta os dados de esgotamento sanitário nas Bacias PCJ entre os anos de 2014 e 2018.

Tabela 1
Cenário do esgotamento sanitário nas Bacias PCJ entre os anos de 2014 e 2018.

Conforme pode ser observado, a expansão da rede de esgotamento sanitário não tem acompanhado o crescimento populacional e territorial da região. Entretanto, houve melhora no tratamento. O trabalho para atingir a universalização no prazo de dez anos (2030), estipulado no ODS 6, precisa ser intenso. No geral, outrora apresentada, a classificação da coleta e do tratamento de esgoto foi considerada boa em 60% e 38% dos municípios das bacias, respectivamente (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2020). Assim, há necessidade de se avaliar o percentual do esgoto tratado em relação ao total gerado. Quando se analisa a porcentagem tratada em relação ao esgoto coletado, se mascara a parcela não coletada. No município de Jarinu, por exemplo, 100% do esgoto coletado é tratado. Todavia, nem todo o esgoto gerado é coletado (índice de tratamento do esgoto total gerado: 19%).

As ações do Consórcio PCJ estão relacionadas aos ODS, sobretudo àqueles direcionados para a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento (ODS 6) e o uso sustentável dos ecossistemas terrestres (ODS 14), embora o presente estudo não contemple o último. Em linhas gerais, a meta 6.2 prevê o acesso ao saneamento básico de maneira adequada, equitativa e universal, buscando eliminar a defecação a céu aberto. As seis ações de prioridade muito alta do conjunto de metas (2020-35) elaboradas para o Plano ECA, em termos de esgotamento sanitário em áreas urbanas, estão concentradas na elaboração de estudos, projetos e implantação de estações de tratamento de esgotos (ETEs) ou melhorias no tratamento secundário existentes, demandando prazos e investimentos elevados para a sua execução. As medidas buscam atender ao cenário teto sem restrições (2035). Projetos de melhoria no sistema de coleta e transporte de esgotos e avanços em estudos no tratamento terciário também compõem o conjunto de metas, porém com menor grau de prioridade em razão dos elevados investimentos. Neste ponto, a universalidade no acesso ao saneamento urbano parece ser atendida no rol de metas estabelecidas para as Bacias PCJ.

Para a área rural, especificamente, foi constatada uma única meta no Plano CRF. Esta prevê a substituição de sistemas rudimentares de tratamento de esgoto por outros mais eficientes. Atualmente, 33% do sistema de esgotamento é destinado às fossas rudimentares, o que contribui para a contaminação do solo e lençóis freáticos. O problema se reveste em magnitude com o aumento na demanda de águas subterrâneas frente ao panorama de escassez hídrica do Estado de São Paulo. A meta prevista para o ano de 2035 apresenta prioridade alta (não muito alta) e os investimentos são menores comparados aos projetos de instalação e adequação dos sistemas de esgoto nas áreas urbanas.

4.2 Diagnostico e Projeções de Segurança Hídrica nas Bacias PCJ

No plano das Bacias PCJ (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2020) consta a estimativa de crescimento de 22% da população e 24% da demanda até o ano de 2035. O aumento da população pode proporcionar a degradação dos corpos hídricos pela elevação no volume de esgotos sanitários gerado. Portanto, torna-se imprescindível maximizar a oferta por água e delinear planos para a gestão do esgotamento sanitário, visando o não comprometimento da segurança hídrica.

Horizontes para oferta de água com demandas, retornos e perdas foram projetados para 2025, 2030 e 2035. No cenário de 2035, foram avaliados diferentes níveis de intervenção, desde a ausência de medidas até a aplicação de reuso de água. Os estudos demonstraram que reservatórios melhoram o saldo hídrico, porém não são suficientes para reduzir para “baixo” a criticidade dos rios (COMITÊ DAS BACIAS PCJ, 2018). No mais, tais obras não são capazes de solucionar problemas de alta criticidade crônica em algumas regiões (e.g., parte dos Rios Atibaia, Capivari e Jaguari). Medidas alternativas como reuso de água e redução de perdas são eficazes para minimizar a demanda.

As ações evidenciam que apenas a construção de obras de cunho quantitativo não é suficiente para atender a alguns princípios de Gibson, como recursos suficientes para a população local (2° princípio), equidade intrageracional (3° princípio) e equidade intergeracional (4° princípio). Entretanto, os levantamentos serviram de base para identificar problemas nas ações propostas com vistas à adaptação da situação a longo prazo, conforme o 8° princípio de Gibson. Desta forma, há necessidade de aprimorar a qualidade das águas na região.

Simulações foram realizadas Agência das Bacias PCJ para entender o impacto do aumento da população na qualidade dos rios. Foram avaliados cenários para os anos de 2025, 2030 e 2035, considerando os índices de coleta e de tratamento de esgoto e eficiências de remoção de poluentes pelas ETEs (Quadro 2). As simulações com a vazão Q7,10 para o cenário consolidado de 2020 revelaram que 24%, 34%, 52%, 68%, 87% e 100% dos trechos dos rios nas Bacias PCJ atendem ao enquadramento de fósforo, coliformes termotolerantes, demanda bioquímica de oxigênio (DBO), nitrogênio amoniacal, nitrito e nitrato, respectivamente. Há aumento significativo na remoção de nitrogênio e fósforo nos cenários futuros, refletindo o alto investimento em tratamento terciário nas ETEs. De fato, também demonstra uma falha no sistema socioecológico na situação atual (1° princípio de Gibson). No cenário teto, sem restrições para 2035, há melhora em fósforo total, coliformes termotolerantes e DBO (enquadramento de 76%, 96% e 74% dos trechos, respectivamente). No que lhe concerne, a coleta universal de esgoto sanitário pode evitar a contaminação da população e melhorar a saúde e o bem-estar público.

As respostas das simulações elucidaram, ainda, que, mesmo com grandes investimentos para efetivar o cenário teto de 2035, 45% dos trechos da bacia não se enquadram em todos os quesitos. Além disso, aprimoramentos em áreas enquadradas podem gerar gastos adicionais sem benefícios expressivos. Uma avaliação das áreas prioritárias foi realizada. O levantamento revelou que há aumento na eficiência do plano de ações. Nesta situação, 80%, 89%, 85% e 95% dos trechos seriam atendidos para os parâmetros DBO, nitrogênio amoniacal, fósforo e coliformes termotolerantes, respectivamente, sendo possível aumentar a porcentagem de trechos que se enquadram nos parâmetros avaliados de 45% para 61%. Os resultados demonstram o direcionamento democrático em termos de governança, atendendo ao 6° princípio de Gibson (2006bGIBSON, R. B. Sustainability-based assessment criteria and associated frameworks for evaluations and decisions: theory, practice and implications for the Mackenzie Gas Project Review. Review Literature and Arts of The Americas n. January, p. 56, 2006b.), dado que haverá maior responsabilidade dos gastos públicos. Tais ações são eficazes para aumentar a segurança hídrica nas bacias, aprimorando a qualidade dos rios e a oferta hídrica.

Quadro 2
Descrição dos cenários estudados.

Mesmo após a otimização de custos para um melhor cenário de enquadramento, o tema estratégico de ECA deverá receber quase R$ 7 bilhões. Destes, mais de R$ 3 bilhões, equivalentes a 40% dos investimentos, estão previstos para o eixo temático de tratamento terciário. Do valor restante, metade será destinado à gestão de recursos hídricos. Há maior direcionamento de capital referente às metas 6.2 e 6.3 do ODS 6, focadas principalmente na segurança hídrica para as populações e qualidade dos corpos hídricos. O plano prevê, inclusive, gastos de aproximadamente R$ 34 milhões com Educação Ambiental, Integração e Difusão de Pesquisas e Tecnologias (EA) para maior civilidade socioambiental na região, também em consonância com o 6° princípio de Gibson (2006bGIBSON, R. B. Sustainability-based assessment criteria and associated frameworks for evaluations and decisions: theory, practice and implications for the Mackenzie Gas Project Review. Review Literature and Arts of The Americas n. January, p. 56, 2006b.). Além disso, o plano revela que existem ações voltadas para a coleta, o transporte e o tratamento do esgoto gerado de forma centralizada nas ETEs. No entanto, as simulações de cenários com foco em áreas críticas demonstraram que houve aumento significativo no enquadramento de trechos nas bacias. Neste sentido, estudos focados em escalas ainda menores poderiam ser realizados a fim de verificar a efetividade do tratamento de esgoto localizado; um sistema de tratamento de esgoto descentralizado poderia reduzir os custos relacionados à construção de ETEs.

5. Conclusões

Os indicadores de coleta e de tratamento de esgoto propostos no PRH das Bacias PCJ 2020-35 são importantes para medir a evolução da sustentabilidade quanto ao ODS 6, em específico às metas 6.2 e 6.3. Pelas ações traçadas no plano para um cenário teto sem restrições (2035), os objetivos esperados são atendidos. Entretanto, o índice de tratamento de esgoto é abordado apenas em relação ao que foi coletado e não sobre o que foi gerado, prejudicando a tomada de decisão mais assertiva. A parcela desconsiderada possui potencial poluidor significativo e, quando lançada no corpo hídrico, pode levar à redução da qualidade de suas águas.

Referente à meta de atendimento sob as perspectivas do cenário 2035, a sua validade é observada no sentido de contribuir para os seguintes princípios de Gibson: 2°) recursos suficientes para a subsistência e o acesso a oportunidades; 3°) equidade intrageracional; 4°) equidade intergeracional; e 5°) manutenção dos recursos naturais. Os indicadores analisados contribuem para demonstrar a evolução do impacto sobre a suficiência da disponibilidade dos recursos hídricos e favorecem as opções e ações com maior probabilidade de preservar ou aumentar as oportunidades das gerações futuras de viver de maneira sustentável. O cenário de referência reproduz a preocupação com a garantia de suficiência de recursos hídricos para todos e fornece uma base maior de recursos hídricos para a sua garantia, enquanto minimiza danos com o lançamento de efluentes, evitando o desperdício e cortando o uso geral de materiais e energia por unidade de benefício.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

References

  • AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ. Disponibilidade Hídrica: águas superficiais, jan. 2020. Available at: http://www.agenciapcj.org.br/novo/informacoes-das-bacias/disponibilidade-hidrica Accessed on: September 04, 2020.
    » http://www.agenciapcj.org.br/novo/informacoes-das-bacias/disponibilidade-hidrica
  • AGENDA 2030. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Available at: http://www.agenda2030.org.br/ods/6/ Accessed on: September 04, 2020.
    » http://www.agenda2030.org.br/ods/6/
  • BOND, A. et al. Sustainability assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 30; n. 1, p. 53-62, 2012.
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. ANA: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. ODS 6 no Brasil: visão da ANA sobre os indicadores. Brasília: ANA, 2019a. 94 p. Available at: https://www.ana.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/publicacoes/ods6/ods6.pdf Accessedon: September 23, 2020.
    » https://www.ana.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/publicacoes/ods6/ods6.pdf
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. ANA: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2019: informe anual / Agência Nacional de Águas. Brasília: ANA, 2019b. Available at: http://conjuntura.ana.gov.br/static/media/conjuntura-completo.bb39ac07.pdf Accessed on: September 23, 2020.
    » http://conjuntura.ana.gov.br/static/media/conjuntura-completo.bb39ac07.pdf
  • BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 04 nov. 2010. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/ Accessed on: September 04, 2020.
    » https://censo2010.ibge.gov.br/
  • COMITÊ DAS BACIAS PCJ. Primeira Revisão do Plano das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí 2010 a 2020-Relatório Final-Tomo IV-Plano de Ações. 5. rev, Consórcio Profill-Rhama PCJ, abr. 2018.
  • COMITÊ DAS BACIAS PCJ. Relatório de situação dos recursos hídricos: versão simplificada - ano base 2019. Fundação Agência das Bacias PCJ. Piracicaba: [s.n.], 2019. Available at: http://www.agencia.baciaspcj.org.br/docs/relatorios/relatorio-situacao-2019/relatorio-situacao-2019.pdf Accessed on: September 23, 2020.
    » http://www.agencia.baciaspcj.org.br/docs/relatorios/relatorio-situacao-2019/relatorio-situacao-2019.pdf
  • COMITÊ DAS BACIAS PCJ. Relatório Síntese: Plano de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, 2020 a 2035. Porto Alegre: Consórcio Profill-Rhama PCJ, 2020. Available at: https://agua.org.br/biblioteca/relatorio-sintese-pbh-pcj/ Accessed on: September 28, 2020.
    » https://agua.org.br/biblioteca/relatorio-sintese-pbh-pcj/
  • DOVERS, S.R.; HANDMER, J.W. Uncertainty, sustainability and change. Global Environmental Change, v.2, n.4, p.262-276, 1992.
  • EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO (EMPLASA). Projeto Mapeia Paulo: Projeto de Atualização Cartográfica do Estado de São Paulo. Base de dados: 2010/2011. São 4582 Paulo, 2015. 4583
  • ESTEVES, A. M. et al. Social impact assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 30, n. 1, 2012.
  • FEIL, A. A.; SCHREIBER, D. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: desvendando as sobreposições e alcances de seus significados. Caderno EBAPE, v. 14, n. 3, 2017.
  • FLINT, R. Warren the sustainable development of water resources. Water Resources Update, n. 127, p. 41-51, 2004.
  • FLINT, R. W. Practice of Sustainable Community Development. New York: Springer, 2013.
  • GALLOPÍN, G.C. Sostenibilidad y desarrollo Sostenible: un enfoque sistémico. Medio Ambiente y Desarrollo, 2003.
  • GIBSON, R. B. et al. Sustainability Assessment: Criteria, Processes and Applications. London: Earthscan, 254 p, 2005.
  • GIBSON, R. B. Beyond the pillars: Sustainability assessment as a framework for effective integration of social, economic and ecological considerations in significant decision-making. Journal of Environmental Assessment Policy and Management v. 8, n. 3, p. 259-280, 2006a.
  • GIBSON, R. B. Sustainability-based assessment criteria and associated frameworks for evaluations and decisions: theory, practice and implications for the Mackenzie Gas Project Review. Review Literature and Arts of The Americas n. January, p. 56, 2006b.
  • GIBSON, R. B. Sustainability assessment: Basic components of a practical approach. Impact Assessment and Project Appraisal v. 24, n. 3, p. 170-182, 2006c.
  • GIBSON, R. B. Why sustainability assessment? In: A. Bond, A. Morrison-Saunders e R. Howitt, eds. Sustainability assessment: pluralism, practice and progress. Capítulo 1, 1a ed. Londres, 2012.
  • GIOVANNONI, E.; FABIETTI, G. What is sustainability? A review of the concept and its applications. Integrated Reporting, p. 21-40, 2014.
  • HACKING, T.; GUTHRIE, P. A framework for clarifying the meaning of Triple Bottom-Line, Integrated, and Sustainability Assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 28, n. 2-3, p. 73-89, 2008.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
  • MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2000.
  • OLIVEIRA, J. N. et al. O conflito entre a expansão urbana e o uso da água subterrânea. Journal of Hyperspectral Remote Sensing, v. 9, p. 373-386, 2019.
  • PNUD-BR. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - Brasil. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Available at: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/sustainable-development-goals.html Accessed on: October 19, 2020.
    » https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/sustainable-development-goals.html
  • ROMA, J. C. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Milênio e sua transição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Indicadores de Sustentabilidade, 2019.
  • SARTORI, S.; LATRÔNICO, F.; CAMPOS, L.M.S. Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável: uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente & Sociedade, v. 17, n. 1, p. 1-22, 2014.
  • SÃO PAULO (Estado). CRHi: Coordenadoria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Relatório de situação dos recursos hídricos da bacia hidrográfica: roteiro para elaboração e fichas técnicas dos parâmetros. Outubro de 2020. Available at: http://www.sigrh.sp.gov.br/relatoriosituacaodosrecursoshidricos Accessed on: September 04, 2020.
    » http://www.sigrh.sp.gov.br/relatoriosituacaodosrecursoshidricos
  • SILVA, E. R. A. da (Coord.). Agenda 2030: ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: IPEA, 2018. Available at: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8855%0Ahttps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=33895 Accessed on: October 19, 2020.
    » http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8855%0Ahttps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=33895
  • SINGH, R. K. et al. An overview of sustainability assessment methodologies. Ecological Indicators, v. 15, n. 1, 2012.
  • UNITED NATIONS WATER. Water security & the global water agenda. UN Water Analytical Brief. Hamilton, Canada: UN University, 2013.
  • WCED. Our common future. Oxford: Oxford University Press, 1987
  • WU, J.; WU, T. Sustainability indicators and indices: An overview. Handbook of Sustainability Management, p. 65-86, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2021
  • Aceito
    13 Jul 2021
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com