Acessibilidade / Reportar erro

Os limites e possibilidades do jogo didático Kallipolis: o jogo dos governos

The limitations and possibilities of the didactic game Kallipolis: the governments’ game

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo apresentar as premissas e justificativas que embasam o processo de elaboração e teste do projeto Kallipolis: o jogo dos governos. O projeto consistiu no desenvolvimento de um jogo que tem como objetivo ilustrar e criar um ambiente no qual um estudante ou interessado em filosofia descubra e pense a partir das reflexões que Platão apresenta no oitavo livro d’A República. Em vista disso, primeiro discorremos brevemente sobre os fundamentos filosóficos que embasam a concepção do jogo, isto é, como pensamos os seus elementos a partir do livro VIII d’A República de Platão. Em seguida, explicamos a metodologia que propusemos para sua elaboração e testagem e, a partir do que foi observado no processo de realização dos testes, discutimos e apontamos algumas potencialidades e limitações do jogo em vista de seu uso pelo professor de Filosofia no Ensino Médio.

Palavras-chave:
Jogo; Platão; República; Educação

Abstract:

The present article has as its object to present the elaboration and testing process of the project Kallipolis: the governments’ game. The project involves the development of a game, aiming at the illustration and creation of an environment where a student can discover and think with the reflections that Plato presents in the eighth book of the Republic. In the light of that, firstly it is briefly explained the game’s theoretical basis and how it stems from the book VIII of Plato’s Republic. Subsequently, based on what has been observed in the testing process, the game’s limitations are considered along with its possible uses by a secondary school Philosophy teacher.

Keywords:
Game; Plato; Republic; Education

Introdução

Ao lermos alguns livros didáticos de Filosofia para o Ensino Médio,1 1 Aranha & Martins (2009); Chaui (2014); Gallo (2017); Vasconcelos (2016). percebemos que Platão é frequentemente apresentado como um filósofo que divide a realidade em “dois mundos”: o mundo sensível e o mundo inteligível, ou mundo das ideias. Porém, quando observarmos o corpus platônico (Brandwood, 1976BRANDWOOD, L. (1976) Word index to Plato. Leeds, W. S. Maney and Son.) constatamos que o filósofo não utiliza, em momento algum, termos que façam menção específica a um suposto “mundo das ideias”, nem tampouco à existência à parte de um presumido “mundo sensível”. Isso nos leva a crer que a apresentação do pensamento platônico como se vê pela ótica desses livros voltados para o Ensino Médio repercute uma certa leitura da obra de Platão que, embora influente e canônica durante muito tempo, tem sido cada vez mais questionada (Dixsaut, 2012DIXSAUT, M. (2012) Platon: le désir de comprendre. Paris, Librairie Philosophique Vrin.). Particularmente, o privilégio que se concede, segundo essa visão dualista, à dimensão propriamente metafísica do pensamento platônico parece espelhar a leitura do pensamento desse autor que se faz a partir da obra de Reale e dos assim chamados estudiosos da Escola de Tübingen-Milão2 2 A favor de uma “teoria dos dois mundos”, o significado político da República é, em grande parte, diminuído em prol de uma reflexão eminentemente metafísica e psicológica. Essa é a posição sustentada, por exemplo, por Annas (1981, capítulos 8 e 9, p. 180-241). Por outro lado, mais recentemente, a interpretação da hipótese das Formas pela lente da “Teoria dos dois mundos” tem sido amplamente questionada, em prol de uma leitura de Platão menos dualista e metafísica. A esse respeito, podemos citar, por exemplo, a discussão de Sedley (2007, p. 256-283). A nossa perspectiva se afiniza mais com essa segunda interpretação. e de seus seguidores no Brasil (Perine, 2014PERINE, M. (2014) Platão não estava doente. São Paulo, Edições Loyola .).

A consequência da eleição desse viés de leitura é que, além de representar ao menos uma imprecisão terminológica, é a de corroborar um certo estereótipo associado à filosofia platônica, como sendo absolutamente abstrata, “irreal” e sem diálogo com a vida cotidiana. Com efeito, quando Platão é apresentado através de asserções que o colocam como um pensador que tem o princípio (e por vezes, o fim) da sua filosofia em um mundo completamente apartado da realidade prática, corrobora-se também a ideia de que a filosofia não pensa ou não se interessa pelo mundo concreto, onde se relacionam os indivíduos e a coletividade.

No entanto, a proposta filosófica de Platão não parece ter tido como objetivo a intelecção de um grupo reservado de seguidores da Academia sobre conceitos essencialmente abstratos e sem par na experiência social e política de seu tempo; mas sim a reflexão sobre os fundamentos das instituições, dos saberes e das práticas que organizavam a vida da pólis, questões que fomentam todas as demais reflexões (Brisson, 2003BRISSON, L. (2003) Leituras de Platão. Trad. Sonia de Maria Maciel. Porto Alegre, EDIPUCRS.; Trabattoni, 2010TRABATTONI, F. (2010) Platão. Trad. Rineu Quinália. São Paulo, Annablume Classica/Archai.). Além disso, o diálogo - ou, mais especificamente, a investigação dialética - era, para todo efeito, mais que uma técnica do saber filosófico, era um exercício voltado para um modo de vida (Hadot, 1999HADOT, P. (1999) O que é a filosofia antiga? Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo, Edições Loyola.).

Nosso objetivo neste artigo não é de nos contrapor especificamente à interpretação escolar da obra de Platão - tarefa que exigiria uma exegese mais atenta dos materiais a partir dos quais essa interpretação se consagra - mas, tendo em vista que o pensamento desse filósofo é matéria incontornável para qualquer apresentação da Filosofia, tentar apresentar uma forma alternativa de abordá-lo, no contexto da escola, lançando luz sobre seu papel para a reflexão sobre o seu contexto, que privilegiava a prática da filosofia como um “modo de vida”. Esse ângulo da obra de Platão está na base do jogo que desenvolvemos como material didático e que nomeamos: Kallipolis: o jogo dos governos.3 3 O jogo está disponível para download gratuito na seguinte página: https://kallipolis.itch.io/kallipolis A pretensão é que esse material possa ser usado, como detalharemos à frente, como parte da dinâmica escolar de ensino da filosofia no Brasil, mas nada obsta que também possa ser usado em outros contextos, ligados ou não ao ensino, por quem se interesse pelo pensamento de Platão.

Nesse sentido, primeiramente apresentamos as linhas gerais de funcionamento do jogo que desenvolvemos; em seguida discutimos sua base teórica4 4 Exploramos de uma maneira mais detalhada os aspectos teóricos do jogo no blog https://kallipolisojogo.medium.com/ e descrevemos a metodologia adotada, e, finalmente, apontamos o que observamos ser as possibilidades e limitações de uso do jogo em sala de aula, em vista dos playtests que realizamos.

1. Sobre a mecânica do jogo: materiais, dinâmica e objetivos

O jogo contém 13 fichas de personagem, cartas de argumento, 11 cartas de tema para o debate e 5 cartas de consequência. Dentre as fichas de personagem, podem ser encontradas 4 fichas de governante (aqueles que vão concorrer à eleição), em cuja parte superior encontram-se as características gerais daquele personagem e de sua alma (de timocrata, oligarca, democrata ou tirano); e, na parte inferior, suas posições acerca dos temas que serão evocados no debate.

Figura 1: Imagem exemplo do governante democrata
Fonte: Kallipolis: o jogo dos governos

Há também as fichas dos personagens nomeados cidadão, sendo 8 fichas, em cuja parte superior se encontram as características gerais do personagem e que tipo de governante ele deve ajudar a ganhar a eleição; na parte inferior, por sua vez, encontram-se suas posições para o debate.

Figura 2: Imagem exemplo da ficha do cidadão filho de nobre
Fonte: Kallipolis: o jogo dos governos

Finalmente, dentre as fichas dos personagens, pode-se encontrar o filósofo: sua parte superior contém suas características gerais, enquanto a parte inferior apresenta revelações sobre as características das almas dos governantes e críticas que podem a eles ser atribuídas. O aluno encontrará na coluna da esquerda da ficha uma ilustração de seu personagem (sendo que todos os personagens têm uma feição própria); e na coluna da direita o símbolo que indica se seu personagem é um cidadão, governante ou filósofo.

Figura 3: Imagem exemplo da ficha do filósofo
Fonte: Kallipolis: o jogo dos governos

Essas modalidades de personagem são o que determina o objetivo do jogador: aquele que sorteia um governante tem como objetivo ganhar a eleição; aquele que sorteia um cidadão tem como objetivo que o governante indicado na sua ficha ganhe; o filósofo, por sua vez, tem como objetivo induzir a eleição a um empate.

Antes da partida, as fichas de personagem são distribuídas aleatoriamente em segredo dentre os alunos (cada aluno recebe somente uma ficha). O jogo permite a vitória de mais de um jogador: o governante que for eleito vence junto daqueles que o apoiavam, enquanto o filósofo vence se ocorrer um empate na votação. Quando o jogo começa, os candidatos a governante se identificam como tal (omitindo a natureza de sua alma). Da mesma forma, o filósofo não se revela como tal, enquanto os cidadãos não revelam que tipo de governante estão inclinados a apoiar nem sua qualidade (ver quadro do item 2.2). É o moderador quem estabelece a ordem de fala das rodadas; seja no formato virtual ou presencial.

A cada nova rodada, uma nova carta de “tema para o debate” é lida (o moderador não precisa esgotar os temas para debate, ele deve pensar seu uso de acordo com o tempo que tem disponível).5 5 Sugerimos de 3 a 4 rodadas para uma duração média de 1 hora. Vale ressaltar que, se o professor selecionar, por exemplo, 4 temas para 1 hora e, durante o jogo, perceber que o debate está se prolongando mais que o esperado, ele pode anunciar o fim do jogo sem utilizar todos os temas que tinha planejado. Depois de ler o tema para a rodada atual, o moderador organiza os jogadores de modo que os governantes expressem sua posição antes do filósofo e demais cidadãos. Assim, cada rodada é composta por um primeiro momento em que todos os governantes expressam sua opinião acerca de um tema dado, e um segundo momento em que o restante dos jogadores o fazem, de forma que todos se manifestem acerca do tema pelo menos uma vez. Caso um jogador queira interromper a ordem (seja para comentar algo que foi dito, ou para se defender de alguma acusação), ele pode usar uma das suas cartas de argumento para fazê-lo, e descartá-la logo depois. Cada jogador tem um limite de cinco cartas de argumento.

É durante as rodadas que os jogadores que foram sorteados com cartas de cidadãos têm a oportunidade de identificar a alma do governante em que deve votar para garantir sua vitória, buscando aquele que tem opiniões acerca dos temas semelhantes às suas. Os governantes, por sua vez, utilizam este momento não apenas para indicar sutilmente sua alma aos seus aliados, mas também tentar enganar os cidadãos que não deveriam votar nele, em vista de ser eleito. Nesse sentido, a performance oral dos jogadores com cartas de governantes é de seduzir, pelo discurso, o maior número de apoiadores, sejam eles seus simpatizantes ou não. Por fim, cabe ao filósofo tentar identificar qual é a alma de cada governante, guiando os cidadãos a não serem enganados e, se bem sucedido, os pares de cidadãos votarão no governante que sua ficha indica como aquele a ser eleito; de forma a produzir um empate.

Quando o moderador decidir que houve rodadas o suficiente, ele abre espaço para a votação: cada cidadão vota em um candidato e o filósofo se revela como tal (pois ele não vota). Em seguida, ou há a vitória de um candidato ou há um empate. Assim, as almas podem ser reveladas e os vencedores anunciados. A partir do resultado, o moderador, então, lê a carta de consequência apropriada (há uma para o caso de cada governante ganhar, e uma para caso haja empate): ela revelará o que acontece na pólis a partir do resultado da votação.

2. Aspectos conceituais do jogo

O jogo é situado em uma hipotética e democrática Atenas na Grécia Clássica. Apesar de no diálogo Platão descrever o surgimento de cada governo em sequência,6 6 A timocracia surge do reinado do filósofo; a oligarquia deriva da timocracia; a oligarquia dá origem à democracia que, por sua vez, abre espaço para a implementação da tirania. optamos por contextualizar o jogo na democracia uma vez que ela é descrita como o modelo de governo que permite a coexistência da preferência por diversos modelos de governo pelos cidadãos e, como nosso jogo pretende explorar o que Platão diz sobre esses modos de governo, a democracia parece um momento rico para fazê-lo (R., VIII, 557d3-9). Além disso, assim como Sócrates pensa sua cidade bela (kallipolis) e depois a compara com os outros modelos, o jogo apresentaria também um ambiente de discussão diverso, com diferentes formas de pensar a pólis, de modo que o participante do jogo possa refletir acerca do seu contexto, comparando-o com as diferentes características das formas de governo.

Optamos por utilizar o livro oitavo d’A República como fundamento filosófico do jogo uma vez que, nele, Sócrates discute todas as quatro espécies de governos que já teriam sido efetivos (544c) - a saber, a timocracia, a oligarquia, a democracia e a tirania - e apresenta sua correlação com a alma de seus respectivos governantes - o timocrata, o oligarca, o democrata e o tirano. Nesse sentido, o jogo seria a tentativa de uma ilustração do movimento dialético proposto na própria obra em questão, tendo como foco a reflexão acerca dos modelos de poder que já organizaram a sociedade, pensando seus limites em comparação com a cidade caracterizada como bela e com as características anímicas dos seres humanos que a constituem.

Nesse sentido, tentamos desenvolver personagens correspondentes aos atributos designados aos governantes no corpus; visando proporcionar uma experiência em que o aluno não só observaria o que Platão pondera acerca destas almas, mas também a tentativa de incorporação dessas características em um debate político mais amplo. De tal forma, tentamos promover uma reflexão conjunta do aluno com e a partir de Platão.

2.1. Da criação da ficha dos governantes

Desenvolvemos as características gerais dos governantes baseadas naquilo que Platão parece apontar como sendo o atributo mais marcante sobre suas almas. Optamos por escrever o texto dessas características em primeira pessoa com o objetivo de auxiliar o aluno no processo de incorporar o personagem sorteado por ele. Os posicionamentos para o debate foram, em sua maioria, desenvolvidos diretamente a partir do que Platão escreveu sobre o que defende as formas de governo dessas almas; porém, quando Platão não deixa claro este posicionamento, o elaboramos indiretamente a partir da característica geral do governante em questão.

A descrição da ficha do timocrata, o qual nomeamos Diógenes, começa com um elogio à hereditariedade como a melhor forma de seleção de quem governa. Esse trecho foi, de certo modo, um exagero que, não obstante, mantivemos, para representar o timocrata como alguém que sobe ao poder devido a sua linhagem familiar. Elegemos esta como uma das principais características de Diógenes, pois a passagem da cidade bela (governada pelo filósofo) para a timocracia aconteceria da seguinte forma: os chefes da primeira, apesar de serem muito sábios, acabam tendo filhos quando não deviam. Quando esses filhos nascem, é eleita para governar a cria de um filósofo que parece mais apta a fazê-lo. No entanto, por mais apta que esta criança fosse, sua alma não correspondia ao cargo de governante: essa criança eleita é o timocrata (R., VIII, 546b - 546d5). Ora, o timocrata tem sua origem indicada como uma herança de um trono que não lhe era próprio. Assim, optamos por exagerar a questão da hereditariedade como uma característica central de Diógenes.

Durante a timocracia, os nobres descobrem que devem realizar gastos para a cidade, mas não querem gastar seu ouro e, portanto, passam a desviar as leis para não ter de fazê-lo (R., VIII, 550d10-13). Logo, a cidade passa a honrar mais as riquezas que as virtudes e, portanto, passa a honrar mais os ricos que os bons (R., VIII, 550e-551a2). Assim, alguns dos cidadãos acabam se tornando avarentos, admirando os ricos e desprezando os pobres (R., VIII, 551a7-10); até que a lei que estabelece a oligarquia é aplicada: aqueles que têm uma certa quantia de riquezas estariam no comando (R., VIII, 551b3-5).

Assim, sendo o oligarca (que nomeamos Dário) aquele que surge nessa sociedade avarenta que busca o acúmulo de bens, optamos por colocar o dinheiro como seu foco principal: em uma sociedade em que os ricos mandam, a verdadeira fonte de poder é o dinheiro. Portanto, para que ele possa convencer os cidadãos a votarem nele, Dário tem de mostrar o quão vantajoso é o foco no acúmulo de riquezas e como esse acúmulo pode levar a pólis a prosperar.

A passagem da oligarquia para a democracia se dá na medida em que, em prol do lucro alheio, muitos cidadãos honrosos perdem suas riquezas e, quando pobres, perdem seus direitos como cidadãos. Estes, então, ficam nas ruas da cidade e, inconformados, planejam uma revolução (R., VIII, 555c2-d). Com os pobres na miséria e sem participação política, e os ricos não fazendo nada pela cidade - dedicando-se apenas ao acúmulo de riquezas -, acontece, então, uma guerra civil e a democracia surge com a vitória dos pobres (R., VIII, 555e-557a).

A democracia, sendo composta por homens livres (R. VIII, 557b5), abrange em si uma grande variedade de constituições (R., VIII, 557d4-9). No entanto, essa ausência de exigência a torna uma forma de governo que não elogia necessariamente o homem bom, mas o homem que se apresenta como um homem do povo (R., VIII, 558b). Nesse sentido, colocamos o democrata (o qual nomeamos Stavros) como alguém que tem como proposta ser aquele que governará de acordo com os desejos da população.

O democrata seria aquele que não tem um critério para classificar os prazeres como bons ou não, ele os aceita como iguais (R., VIII, 561b3-7). Diante disso, indicamos a igualdade como um dos ideais de Stavros: ele vai satisfaz o desejo que lhe é apresentado enquanto prevalente, pois todos os desejos são igualmente bons.

Consideramos que se propor a cultivar um certo grupo de prazeres e controlar outros poderia ser uma forma de limitar a liberdade absoluta quando se trata de satisfazer paixões e, uma vez que o democrata repele qualquer pensamento que classifique o valor dos desejos (R., VIII, 561b9-c6), o representamos não apenas como um amante da igualdade (R., VIII, 261e1-2), mas também da liberdade. De tal maneira, indicamos Stavros como alguém que luta contra aqueles que desejam limitar a liberdade ao não considerar todos os prazeres como iguais. Portanto, classificando todos os desejos que surgem na pólis como igualmente bons, optamos por reforçar essa defesa da igualdade e da liberdade nas posições de debate, atribuindo a Stavros uma imagem de governador que escuta o povo.

O diálogo apresenta a tirania como uma espécie de deterioração da democracia (R., VIII, 562a10). Por isso, colocamos o tirano (que nomeamos de Tarkan) como alguém que vê no atual regime democrático de nossa Atenas hipotética a oportunidade de dar início ao seu governo. Adotamos como um dos indicadores de que este é o momento de Tarkan eleger-se o aparente cansaço que os cidadãos apresentam com relação à defesa incessante da liberdade pelos democratas, visto que o diálogo aponta que a busca excessiva pela liberdade da democracia dá espaço para a tirania (R., VIII, 562a12-b12).

De fato, quando na democracia há um excesso de liberdade, haveria grandes chances de nascer um pensamento radical oposto a ele (R., VIII, 564a4-6). Assim, surge nela possibilidade da eleição de um tirano: ele se revela como completo oposto daquilo que está desagradando as pessoas; de forma a se apresentar como um líder, um defensor do povo, que levará a pólis para tempos melhores (R., VIII, 566b5-8). Uma vez que tal aparência de defensor do povo se transforma em uma atitude tirânica depois que é eleito (R., VIII, 566c12-d3), optamos por caracterizar Tarkan como um governante que omite seus verdadeiros objetivos durante a eleição.

Em suma, todos os governantes prometem um ideal que guiará seu governo: o timocrata apresenta-se como aquele que restabelecerá o governo da melhor linhagem, o oligarca como aquele que fará tudo em prol da acumulação de bens, e o democrata como aquele que garantirá a liberdade e a igualdade dentre os cidadãos. O tirano, porém, apresenta-se como ele mesmo, individualmente, independentemente de um ideal, sendo aquele que salvará a pólis do que a desagrada no atual governo. Ora, por isso colocamos Tarkan como aquele que tem como objetivo implantar um governo próprio, sem especificar que ideal o guia; afinal, uma vez eleito, ele não governará com o povo, mas, pelo contrário, ele irá impor sua vontade através do medo (R., VIII, 568d9-569a).

2.2. Da criação das fichas do Filósofo e demais cidadãos

Uma vez que não há nada específico dos personagens que nomeamos cidadãos no corpus, desenvolvemos suas características gerais a partir do diálogo, de forma a derivar de tais características gerais as posições de debate de cada um. Os cidadãos são:

Personagem Qualidade Governo que apoia Narceu O cidadão melindroso Democracia Geórgios O cidadão trabalhador sem posses Democracia Fedro O cidadão veterano Tirania Alcibíades O cidadão nacionalista radical Tirania Calixtos O cidadão filho de nobre Timocracia Nestor O cidadão nostálgico Timocracia Pétros O cidadão pobre que deseja enriquecer Oligarquia Heitor O cidadão rico Oligarquia

Alguns destes cidadãos foram elaborados a partir de três classes identificadas na democracia n’A República, a saber, uma que se origina e se sustenta em prol da liberdade, outra daqueles que desejam enriquecer e, uma terceira: a do povo (R., VIII, 564c10). A primeira é descrita como um sintoma tanto da oligarquia quanto da democracia, mas que consegue proliferar melhor nesta última por nela governar. Sua sobressalência na democracia se dá pelo fato de eles serem os mais exaltados, acabando por ser os únicos a falar e agir. O personagem que incorpora essa classe é Narceu.

Os cidadãos que compõem a segunda classe são descritos no diálogo como econômicos e, muitas vezes, capazes de enriquecer. Esse é o grupo de ricos que eventualmente têm sua riqueza desviada pelo governante, que arrecada parte de suas terras, alegando ser para distribuição entre os pobres, mas guarda um pouco para si. Porém, se os econômicos tentam defender-se desta repartição de terras, são acusados de oligarcas e de agirem em oposição ao povo; dessa forma, mesmo que não se identifiquem com as acusações a princípio, os econômicos acabam cedendo a elas e assumem o papel que lhe atribuem. Heitor seria um personagem que incorpora essa classe, por ter ambições que se identificam com o ideal oligárquico. Pétros também foi pensado a partir dessa classe, mas, em vez de começar rico, como Heitor, ele deseja enriquecer. Ademais, Pétros não necessariamente busca pela igualdade na distribuição de bens (como espera-se de um democrata defensor da igualdade), mas ele tem como foco o acúmulo de riquezas individual e, sendo criticado como oligarca por isso, acaba enxergando na oligarquia a possibilidade de realizar aquilo que planeja.

Finalmente, a terceira classe seria composta por trabalhadores que se abstêm dos negócios públicos, e que não têm, de modo algum, grandes posses. Quando reunida, esta é descrita como a maior e mais poderosa classe existente na democracia. No entanto, seus participantes raramente estão dispostos a unir-se para mudar sua situação; lhe restando algo apenas quando as terras são repartidas. Tal classe é representada por Geórgios.

Fedro é outro personagem que pode ser pensado como sintoma da democracia. Ele seria o cidadão que representa a reação a Narceu, na medida que se apresenta tão agressivo quanto este, defendendo, entretanto, valores que vão de encontro aos do cidadão melindroso. Platão indica que o excesso costuma ter como consequência o surgimento do seu oposto (R., VIII, 563e9-564a2) e Fedro seria o resultado da liberdade em excesso da democracia, ao exigir a limitação de sua liberdade por meio das leis já estabelecidas.

Os demais cidadãos foram elaborados não como um sintoma da democracia, mas sim como aqueles que teriam vantagem com a implementação da forma de governo defendida pela alma do governante em que ele deve votar. Dentre eles está Alcibíades: ele se apresenta como um cidadão que despreza os bárbaros e, dessa forma, seria beneficiado pela tirania na medida em que seu governante está constantemente buscando conflitos com os outros povos (R., VIII, 566d).

Outro cidadão desenvolvido nesses moldes é Calixtos. Uma vez que a democracia é apresentada como um governo que surge com uma certa distância da timocracia, não foi possível encontrar naquela resquícios do que uma vez foi esta pólis. Recorremos, então, à atribuição de uma certa esperança de que essa timocracia voltasse, quando se trata de seus defensores. Calixtos, então, foi elaborado como um dos cidadãos que descende a linhagem considerada nobre, e que, portanto, teria um posto de superioridade garantido na cidade timocrática. Nestor, por sua vez, apesar de não ser da linhagem nobre, defende a timocracia, em vista de ter sido elaborado como um sintoma da oligarquia. Ele se apresenta como alguém que, observando o processo de empobrecimento de alguns cidadãos (que teria se acentuado na oligarquia), observa o passado como um momento próspero em que o líder tinha um valor divino7 7 Apesar de n’A República o timocrata não ser indicado ao trono por uma linhagem divina, mas sim por ser filho de um filósofo, optamos por ressaltar a importância da hereditariedade para aqueles que defendem a timocracia através do apelo aos deuses, pois consideramos que tal estratégia radicaliza o posicionamento dos personagens. Ademais, pensamos que essa escolha seria uma boa estratégia didática, na medida em que distancia os defensores da timocracia da filosofia; o que auxilia na diferenciação entre o desejo do filósofo, de buscar por uma pólis que se organiza a partir do conhecimento, e do timocrata, que estaria buscando manter-se no poder com a justificativa de que é filho de um filósofo. e, assim, ele deseja que alguém da linhagem estimada pelos deuses governe.

Diferente dos governantes e demais cidadãos, depois de suas características gerais, em vez de apresentar seus posicionamentos para o debate, a ficha do filósofo segue apresentando revelações e críticas: estas primeiras seriam características de cada governante que auxiliariam o filósofo a identificar a alma de cada um - e, assim, ajudar seus concidadãos a perceber a alma que lhes pertence (induzindo a um empate); enquanto a segunda sugere críticas que podem ser feitas aos governantes uma vez que suas respectivas almas forem identificadas pelo aluno, no decorrer do jogo.

As características gerais do filósofo (o qual nomeamos de Apolonios) foram escolhidas a partir da alegoria da caverna apresentada no livro VII d’A República (514a-518b), que é muito abordada nas aulas de Filosofia do Ensino Médio. Não buscamos defender uma interpretação específica da imagem da caverna, mas julgamos interessante pensar Apolonios a partir dela, pelo fato de este personagem representar uma oportunidade para o professor introduzir o conteúdo dessa passagem da obra aos alunos. Nesse sentido, o filósofo seria aquele que busca o conhecimento - aquele que questiona as aparentes sombras e busca aquilo que realmente é. No contexto do jogo, Apolonios acaba se deparando em sua busca com os limites de cada governo e, observando seus concidadãos seguirem cegamente suas opiniões, tenta auxiliá-los na avaliação de quem deveria governar. Para fazê-lo, Apolonios aponta suas críticas aos governantes e aquilo que eles apresentam, apesar de não ser certo de que ele será escutado.

3. Metodologia de elaboração do jogo

O jogo foi inicialmente pensado como uma ferramenta educativa para professores que buscam uma maneira alternativa de ilustrar um recorte do pensamento platônico em sala. Elegemos, desde o princípio, o livro oitavo d’A República como nosso corpus, sendo a estrutura do jogo o que mais modificamos durante sua elaboração. Escolhemos construir um jogo do tipo party game, que seguiria a ideia de organizar os jogadores em uma discussão a cada rodada, de forma a não ter por meta simplesmente descobrir quem são os jogadores que representam determinado tipo de personagem, mas propor uma discussão mais ampla, sobre temáticas que incitariam os jogadores a expressar a natureza de sua alma. Tal característica seria positiva para o objetivo do jogo, pois ela nos permitiria utilizar mais do que é escrito por Platão n’A República, na medida em que o debate não se limitaria aos tipos de alma dos governantes, mas seria expandido à sua forma de se posicionar enquanto cidadãos da pólis.

No entanto, este modelo apresentou algumas dificuldades. Na tentativa de elaborarmos um conjunto de cartas, mantendo a complexidade e dimensões dos personagens baseados no corpus, acabamos desenvolvendo um volume muito grande de material. Isso apresentou-se como um problema na medida em que tínhamos como objetivo criar um jogo acessível aos professores e, mesmo que fosse apenas impresso, seu preço poderia acabar excedendo o desejável; além de que seria muito trabalhoso organizar e compreender suas cartas. Outro problema que observamos está relacionado ao gameplay: os jogadores, tendo muitas cartas para utilizar e regras para lembrar, acabavam se desmotivando no decorrer do jogo. De fato, ao tentar manter um sistema com cartas, acabamos tendo que criar muitas regras para organizar seu uso - o que dificultou a fluidez do debate. Ora, isso seria um problema uma vez que Kallipolis foi desenvolvido para ser utilizado em sala de aula com os alunos e, se fosse um jogo extremamente complexo, sua aplicação seria dificultada.

Assim, decidimos que seria proveitoso fazer uma mudança8 8 Pensamos que tal mudança segue o que Young et al. (2012, p.68) sugere considerar na elaboração de um jogo educativo, uma vez que realizaríamos uma simplificação do ambiente criado pelo jogo em vista ambiente onde ele seria aplicado (a sala de aula), em prol do aproveitamento do aluno. absoluta na estrutura do jogo, para simplificá-lo. Os jogadores, em vez de utilizar cartas, teriam apenas uma ficha com todas as informações que seriam necessárias para jogar. Dessa maneira, diminuímos não apenas o conteúdo da caixa do jogo, como também a quantidade de regras a serem seguidas. Dessa forma, foi-nos possível manter a complexidade dos personagens e garantir uma certa fluidez ao jogo.

3.1. Algumas limitações e dificuldades de aplicação

Realizamos playtests9 9 Os playtests foram sessões de teste do funcionamento da estrutura do jogo: se ela garantia certa fluidez e se suas regras haviam sido escritas de maneira clara no manual. Portanto, o conteúdo a ser explorado nas seguintes seções foi desenvolvido a partir do que observamos nesses playtests que, por fazer parte do processo de desenvolvimento do jogo, não envolveram uma mecânica idêntica à do produto final. Portanto, não poderíamos considerar os playtests experimentações rigorosamente reguladas. de três diferentes protótipos; e, apesar de o primeiro ter uma estrutura muito diferente da dos dois últimos, consideramos seus resultados relevantes para nossas considerações atuais. O protótipo A foi testado presencialmente em 2019 e, com a presença de apenas 10 voluntários, tivemos que adaptar o jogo10 10 Essa adaptação foi feita momentos antes do teste, ela não garantiu que o jogo ficasse bem balanceado. utilizando apenas 2 governantes na eleição. O protótipo B, já com um funcionamento mais simples e próximo do produto final, foi testado presencialmente com 14 alunos (sendo um moderador e 13 jogadores) do primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Médio11 11 Agradecemos ao Colégio dos Jesuítas (Juiz de Fora), por ter cedido o espaço para a realização do teste, e ao professor Ivan Bilheiro Dias Silva, por ter nos ajudado a organizar a sessão. , também em 2019. O protótipo C, por sua vez, foi realizado por meio digital em 2021, com um modelo semelhante à versão presencial do jogo.

A primeira limitação foi algo que dificultou a realização de todos os testes: o jogo parece estar bem equilibrado, ou seja, com todos os jogadores tendo a mesma chance de vencer, quando houver 13 jogadores e 1 moderador; se este número não for satisfeito, seja por falta ou excesso de jogadores, o jogo é dificilmente equilibrado. Essa limitação dificultou a realização dos playtests na medida em que conseguir 14 voluntários não foi fácil e, com relação a sala de aula, pensamos que raros serão os casos em que seus alunos possam ser perfeitamente divididos em grupos de 13, mesmo jogando simultaneamente. Uma solução seria utilizar o jogo como uma atividade extracurricular, realizada com alunos interessados em participar. Caso o professor queira aproveitar nosso material como instrumento avaliativo, sugerimos selecionar um grupo de 13 alunos para jogar, enquanto os outros assistem e, posteriormente, pedir para os alunos redigirem um pequeno texto12 12 Como Santos (2019, p.13) sugere como maneira de avaliar se o jogo cumpriu com seu objetivo teórico. refletindo acerca do modelo de governo em que eles vivem, se eles observam alguma semelhança com os personagens do jogo, e quais seriam as diferenças.

Na solução indicada acima, o aluno poderia utilizar das críticas do filósofo que observou como escopo para sua redação. No entanto, isso nos leva a mais uma limitação: o jogador que sorteia o filósofo não necessariamente apresenta as críticas indicadas na ficha (de fato, em todos os testes, se elas eram utilizadas pelos voluntários, poucos foram os momentos). Com efeito, se o professor optar por realizar essa atividade avaliativa, ele pode explorar a ficha do filósofo em sala como um meio para instigar um debate sobre as formas de governo e como os alunos avaliam as críticas.13 13 Young et al. (2012, p.80), quando comentando sobre observações acerca do uso de vídeo games como instrumento educativo em aulas de história, aponta que é comum que as informações históricas do jogo não sejam retidas pelos alunos, de forma que é benéfico ao professor criar estratégias para ressaltar as informações às quais os alunos deveriam se atentar. Pensamos que nosso jogo tem essa característica em comum com vídeo games virtuais, no sentido de que ele se utiliza de um conteúdo filosófico, mas não exige que o jogador tenha um conhecimento prévio deste para ganhar o jogo; o que consequentemente faz o acompanhamento do professor vital para que seu objetivo educacional seja efetivado.

O jogo contém cartas de consequência, que indicam o que acontece com a pólis em decorrência do governo eleito e, como todo o material foi elaborado a partir de um livro onde Sócrates dialoga acerca dos defeitos desses governos, elas acabam estabelecendo, principalmente, resultados negativos. Nesse sentido, durante um dos playtests foi apresentado a possibilidade de o conteúdo ser nocivo aos alunos, no sentido de que poderia levá-los a pensar que a atividade política não recompensaria, pois ela sempre resultaria em algo negativo, independentemente da sua participação. Pensamos que essa possibilidade escapa ao nosso controle, mas há maneiras de o professor que aplica o jogo mediar criticamente essa discussão. Uma alternativa é aplicá-lo junto de uma produção de texto que leva o aluno a não apenas absorver as críticas platônicas que o jogo expressa, mas também refletir qual seria a sua própria concepção sobre aqueles governos e aplicá-la em seu contexto.14 14 De forma a exercer a primeira competência específica que a BNCC (Brasil, 2018, p.570) atribui às ciências humanas no Ensino Médio, a saber, posicionar-se criticamente a processos políticos. Outra solução seria, durante a apresentação da ficha do filósofo, o professor promover um debate15 15 De forma a exercer a sexta competência específica que a BNCC (Brasil, 2018, p.570) atribui às ciências humanas no Ensino Médio, a saber, participar criticamente do debate público. em sala sobre o que os alunos pensam de tais críticas, se eles concordam ou não. Ademais, pensamos que explorar este aspecto teórico do jogo poderia auxiliar o professor a utilizá-lo não como um indício de que toda atividade política é frustrada, mas sim para ressaltar a vitalidade da reflexão acerca do que é exercido na pólis.

No teste do protótipo B (um dos mais próximos da versão publicada), observamos que os voluntários demoraram um tempo significativo para aprender as regras do jogo (cerca de 30 minutos) - o que pode ser resultado de nós termos impresso apenas um manual para todos os alunos. Por outro lado, no protótipo C, enviamos o manual de regras16 16 Como esse teste foi online, criamos pastas no Google Drive para cada personagem, contendo sua ficha, o manual de regras e as cartas de ação (que no protótipo C eram compostas por cartas de argumento, réplica e tréplica, as quais foram reduzidas à carta de argumento no produto final). No teste, o mediador acabou sendo aquele que monitorou o uso das cartas, anotando em uma planilha a quantidade que cada jogador usava, avisando-os quando tinham descartado todas as cartas disponíveis. três dias antes do teste e o jogo pareceu fluir bem. Ademais, o manual do protótipo C parece ter ficado mais claro, uma vez que houve dois jogadores que leram minutos antes do jogo e conseguiram acompanhar bem os outros.

As fichas dos personagens contêm suas características gerais e como ele deve responder aos temas de debate - detalhes que visam guiar os alunos mais tímidos que talvez não conseguissem articular argumentos espontaneamente, auxiliando-os no aproveitamento da experiência do jogo. Porém, nos testes, os alunos que se mostraram mais confiantes ao incorporar o personagem, se sentiram muito limitados pelos argumentos das fichas. Para que todos os alunos possam aproveitar o máximo possível o jogo, sugerimos que o professor faça uma ressalva dizendo que os argumentos da ficha são uma base que demonstra o essencial dos personagens e que, quem se sentisse confortável, poderia improvisar em cima do que foi apresentado (em vista de não prejudicar o conteúdo teórico do jogo); ainda acrescentando que, quem não se sentir confortável, suas chances de ganhar o jogo não são prejudicadas ao apenas seguir o que as ficha os sugere de argumento.

O jogo dificilmente pode ser aproveitado mais de uma vez com a mesma turma. Se o professor for usar o jogo mais de uma vez com os mesmos alunos ele não conseguirá desenvolver novos tópicos filosóficos a partir dele. Isso porque provavelmente os alunos já saberão a alma de cada personagem,17 17 Vale ressaltar que não é essencial que os alunos utilizem o nome indicado na ficha do personagem durante o jogo. uma vez que o jogo não oferece muitas situações alternativas.

Finalmente, uma última dificuldade que devemos apontar é relacionada ao papel que o filósofo tem no jogo. Até o protótipo C, o filósofo votava junto dos outros cidadãos e sua vitória era garantida se ele adivinhasse corretamente a alma própria de cada governante. Porém, esse objetivo não garantia um engajamento do filósofo em todo o decorrer do jogo, ou um propósito claro que o instigaria a participar do debate. Nesse sentido, nós retiramos o poder de voto do filósofo e estabelecemos que sua vitória ocorreria caso houvesse empate entre todos os candidatos. Essa escolha se deu por razões técnicas da mecânica do jogo, em vista de estimular o engajamento do aluno que sorteasse o filósofo no decorrer da partida, não por razões teóricas; embora o fato de o filósofo não votar possa eventualmente sugerir uma atitude cética que pode ser explorada criticamente pelo professor.

3.2 Como o jogo pode ser utilizado

Visto que o teste de todos os protótipos resultou na vitória do tirano, consideramos ser interessante, nesses casos, utilizar o jogo para refletir sobre a possibilidade de um tirano ser eleito em uma democracia. De fato, o jogo parece inclinar-se para tal resultado, na medida em que o oligarca e o timocrata têm características muito particulares, sendo mais fácil distingui-los, enquanto o democrata e o tirano podem ser confundidos pelos cidadãos. O cidadão democrata que costuma votar no tirano, garantindo sua vitória, é Geórgios e, de acordo com os jogadores que o fizeram, o motivo seria as promessas do candidato. Esse nos parece um resultado interessante, pois n’A República, vemos a tirania como um governo que desencadeia da democracia, tendo como um dos motivos as promessas de repartição de terra do tirano, por exemplo (565c9-566d5).

A ficha do filósofo não o coloca inicialmente engajado com nenhuma forma de governo proposta na assembleia: ele apenas tenta compreender a alma de cada candidato e realiza observações críticas. A partir dessa característica, o professor poderia, depois do jogo, apresentar uma reflexão sobre como a posição da dúvida permite ao filósofo identificar os limites e dificuldades de cada governo. Além disso, durante o jogo podemos perceber que os cidadãos, com suas opiniões já formadas, acabam ficando agressivos com aqueles que discordam deles. A atitude do filósofo permite um diálogo, enquanto a atitude dos cidadãos, preocupados em fazer sua ideia prevalecer, impede que ele veja as dificuldades de suas próprias concepções.

Nesse sentido, sugerimos que o jogo seja utilizado na passagem da apresentação dos classificados como sofistas para o pensamento socrático, ou, posteriormente, no pensamento platônico. No primeiro caso, pode-se apresentar a dúvida socrática, de forma a explorar como os cidadãos que debatem já com uma opinião formada de quem deveria governar, dedicando-se apenas a argumentar o porquê de sua visão ser a melhor, não estão preocupados com a veracidade de suas crenças. Nessa sequência, o professor pode, então, introduzir a maior importância que o pensamento socrático atribui ao abandonar as opiniões falsas do que estar certo.

Assim, se utilizado na transição entre a exposição dos sofistas e Sócrates, o jogo poderá auxiliar o professor a ilustrar como este último (na sua representação platônica) diferenciava o sofista e o filósofo, tópico geralmente adotado no Ensino Médio. O primeiro, por ensinar uma técnica (retórica)18 18 A sugestão em questão tem como horizonte uma imagem platônica dos pensadores classificados como sofistas, que é prevalente no conteúdo exposto no Ensino Médio. Pensamos que, como o jogo foi elaborado a partir de uma reflexão platônica, ele acaba por encaixar-se nessa interpretação, mas consideramos mais interessante apresentar tais pensadores de uma forma atualizada, própria à nossa época, como a proposta por Marques (2007, p.11-45). que permitiria qualquer um vencer no tribunal e tornar-se influente, seria representado pelos cidadãos e governantes já convictos de que sua opinião é o melhor para a pólis e, como é indicado como característica da má retórica no diálogo Górgias, todos os debates no qual eles se envolvem acabam sendo uma “guerra” vencida por aquele que tem os melhores argumentos. O filósofo, por sua vez, não se prendendo à sua opinião inicial, é capaz de apontar os limites dos governos, guiando os cidadãos a repensar e até abandonar suas opiniões que se mostrarem falsas.

O aspecto do pensamento de Platão que pode ser aproveitado em sala parte das críticas que o filósofo faz acerca dos governos. O professor pode aproveitar a ficha do filósofo para ilustrar como Platão, seguindo o método dialético, chegou à cidade bela aristocrática e como sua crítica aos outros modelos de governo parte da sua filosofia. Com efeito, o professor também pode valer-se dessa discussão para apresentar como a filosofia foi utilizada para pensar aquilo que é vivenciado. Este poderia ser um momento para refletir com o aluno como Platão pensou as almas dos governantes e as características e limites de seus respectivos modelos através de uma abstração aplicada ao que ele experienciou.

Conclusão

Diante do que aqui apresentamos acerca do jogo Kallipolis, consideramos que nossa proposta, apesar das limitações apontadas, parece cumprir a sua função teórica, didática e recreativa19 19 Tais características não necessariamente estão desconectadas: como Bayeck (2020) apresenta, jogos de tabuleiro se mostraram efetivos em desenvolver uma interação entre os jogadores, de forma que eles se engajam com o jogo, apropriando-se de seu conteúdo teórico - o que pensamos acontecer com o nosso jogo, apesar de ter um formato diferente do de tabuleiro. . Com relação a esta última, observamos no decorrer das seções de playtests os jogadores se divertirem, seja ao incorporarem os cidadãos - exaltando-se, levantando de suas cadeiras e debatendo apaixonadamente; seja ao representarem o filósofo - tentando compreender a alma dos governantes e questionar os posicionamentos de seus concidadãos inflamados; e também ao sortear um governante - sendo incapazes de se conter quando ouviam as palavras expressas na sessão argumentativa dos cidadãos, interferindo no debate e respondendo ao que era apresentado.

Ademais, o jogo também parece oferecer uma oportunidade de apresentar a filosofia socrática/platônica de uma maneira alternativa, além das páginas dos livros didáticos. Isso porque, apesar de suas dificuldades de aplicação, o material do jogo é uma expressão da dimensão teórica que o professor explora com o aluno. Com efeito, o professor pode usar do jogo para ilustrar aos alunos como a abstração filosófica pode ser aplicada na reflexão acerca daquilo que observamos em nosso contexto. Nesse sentido, ele pode explorar como o exercício dialético de pensar uma cidade bela, devotada ao conhecimento e que busca se pautar nas ideias contempladas pelo rei filósofo, é um horizonte a partir do qual podemos ponderar o que é melhor ou pior para a cidade.

De fato, Platão questiona a possibilidade de implementação daquilo que seus personagens refletiram ao longo da República, ao apresentar Glauco classificando a cidade bela como sendo um produto abstrato (IX 592b), que existiria apenas como um exercício de pensamento, mas não como uma pólis efetiva. Sócrates, então, o responde que esse exercício não teria sido em vão, uma vez que é uma atividade daqueles que buscam contemplar um modelo de pólis que existe para além dos defeitos aos quais os governos particulares estão sujeitos; um modelo que pode ser adotado como horizonte para este que o busca, na tentativa de organizar o governo particular no qual vive.

Finalmente, devido ao fato de que a dinâmica do jogo pressupõe não somente a reflexão a partir de elementos escritos, mas a atenta audição de argumentos de colegas e a sustentação oral de pontos de vista, o jogo parece também colaborar para o domínio de competências discursivas diversas20 20 O que parece ser uma consequência do próprio formato de jogos que envolvem o gameplay em grupo (Bayeck, 2020, p.423). Ademais, Santos (2019, p.7) sugere que jogos são uma maneira de envolver o aluno em um exercício de resolver problemas que envolvem habilidades sociais e o uso de ferramentas não apenas internas às regras do jogo, mas também externas (estratégias de argumentação, por exemplo). , como a sustentação de ideias, sua refutação, seu questionamento, permitindo também desenvolver, além do conhecimento teórico competências filosóficas.

Em vista desses aspectos, pensamos que o jogo possa ser visto como um convite ao aluno para buscar a filosofia como uma atividade que pensa um modelo abstrato e belo, que possa ser adotado como horizonte de aplicação da vida prática, visando pautar sua ação em um exercício reflexivo. Assim, consideramos que o jogo cumpre seu papel de apresentar a filosofia de Platão como em relação com aquilo que o envolvia, uma vez que os alunos, ao jogarem, poderão observar como o filósofo via e criticava as formas de governo que observou serem efetivadas. Com efeito, o jogo parece auxiliar na apresentação da filosofia não como uma disciplina que se prende em um “mundo” abstrato, mas sim como aquela que oferece ferramentas para o exercício de reflexão aplicado àquilo que é vivido.

Bibliografia

  • ANNAS, J. (1981) An introduction to Plato’s Republic Oxford, Claredon Press.
  • ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. (2009) Filosofando: Introdução à Filosofia São Paulo, Moderna.
  • BAYECK, R. (2020) Examining Board Gameplay and Learning: A Multidisciplinary Review of Recent Research. Simulation & Gaming 51, n.4, p.411-431.
  • BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular Brasília, Ministério da Educação.
  • BRANDWOOD, L. (1976) Word index to Plato Leeds, W. S. Maney and Son.
  • BRISSON, L. (2003) Leituras de Platão Trad. Sonia de Maria Maciel. Porto Alegre, EDIPUCRS.
  • CHAUI, M. (2014) Iniciação à Filosofia São Paulo, Ática.
  • DIXSAUT, M. (2012) Platon: le désir de comprendre Paris, Librairie Philosophique Vrin.
  • BURNET, J. (1903) Platonis Opera Oxford, Oxford University Press.
  • GALLO, S. (2017) Filosofia: experiência do pensamento São Paulo, Scipione.
  • HADOT, P. (1999) O que é a filosofia antiga? Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo, Edições Loyola.
  • LOPES, D.R.N. (2016) Platão. Górgias São Paulo, Perspectiva.
  • MARQUES, M. P. (2007) Os sofistas: o saber em questão. In: FIGUEIREDO, V. (Org.). Filósofos na sala de aula, vol.2. São Paulo, Berlendis & Vertecchia.
  • NUNES, C.A. (2000). Platão. A República Belém, EDUFPA.
  • PERINE, M. (2014) Platão não estava doente. São Paulo, Edições Loyola .
  • SANTOS, A. (2019) Board Games as Part of Effective Game-Based Learning Strategies. In: SPECTOR, M.; LOCKEE, B.; CHILDRESS, M. (eds) Learning, Design, and Technology Available at https://doi.org/10.1007/978-3-319-17727-4_142-1
  • SEDLEY, D. (2007) Philosophy, the Forms and the Art of Ruling. In: FERRARI, G.R.F. (ed.) The Cabridge companion to Plato’s Republic Cambridge, Cambridge University Press, p.256-283.
  • TRABATTONI, F. (2010) Platão Trad. Rineu Quinália. São Paulo, Annablume Classica/Archai.
  • VASCONCELOS, J. A. (2016) Reflexões: Filosofia e cotidiano São Paulo, SM Ltda.
  • YOUNG, M. F.; SLOTA, S.; CUTTER, A. B.; JALETTE, G.; MULIN, G.; LAI, B.; SIMEONI, Z.; TRAN, M.; YUKHYMENKO, M. (2012) Our princess is in another castle: A review of trends in serious gaming for education. Review of Educational Research 82, n.1, p.61-89.
  • 1
    Aranha & Martins (2009ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. (2009) Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo, Moderna.); Chaui (2014CHAUI, M. (2014) Iniciação à Filosofia. São Paulo, Ática.); Gallo (2017GALLO, S. (2017) Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo, Scipione.); Vasconcelos (2016VASCONCELOS, J. A. (2016) Reflexões: Filosofia e cotidiano. São Paulo, SM Ltda.).
  • 2
    A favor de uma “teoria dos dois mundos”, o significado político da República é, em grande parte, diminuído em prol de uma reflexão eminentemente metafísica e psicológica. Essa é a posição sustentada, por exemplo, por Annas (1981ANNAS, J. (1981) An introduction to Plato’s Republic. Oxford, Claredon Press., capítulos 8 e 9, p. 180-241). Por outro lado, mais recentemente, a interpretação da hipótese das Formas pela lente da “Teoria dos dois mundos” tem sido amplamente questionada, em prol de uma leitura de Platão menos dualista e metafísica. A esse respeito, podemos citar, por exemplo, a discussão de Sedley (2007SEDLEY, D. (2007) Philosophy, the Forms and the Art of Ruling. In: FERRARI, G.R.F. (ed.) The Cabridge companion to Plato’s Republic. Cambridge, Cambridge University Press, p.256-283., p. 256-283). A nossa perspectiva se afiniza mais com essa segunda interpretação.
  • 3
    O jogo está disponível para download gratuito na seguinte página: https://kallipolis.itch.io/kallipolis
  • 4
    Exploramos de uma maneira mais detalhada os aspectos teóricos do jogo no blog https://kallipolisojogo.medium.com/
  • 5
    Sugerimos de 3 a 4 rodadas para uma duração média de 1 hora. Vale ressaltar que, se o professor selecionar, por exemplo, 4 temas para 1 hora e, durante o jogo, perceber que o debate está se prolongando mais que o esperado, ele pode anunciar o fim do jogo sem utilizar todos os temas que tinha planejado.
  • 6
    A timocracia surge do reinado do filósofo; a oligarquia deriva da timocracia; a oligarquia dá origem à democracia que, por sua vez, abre espaço para a implementação da tirania.
  • 7
    Apesar de n’A República o timocrata não ser indicado ao trono por uma linhagem divina, mas sim por ser filho de um filósofo, optamos por ressaltar a importância da hereditariedade para aqueles que defendem a timocracia através do apelo aos deuses, pois consideramos que tal estratégia radicaliza o posicionamento dos personagens. Ademais, pensamos que essa escolha seria uma boa estratégia didática, na medida em que distancia os defensores da timocracia da filosofia; o que auxilia na diferenciação entre o desejo do filósofo, de buscar por uma pólis que se organiza a partir do conhecimento, e do timocrata, que estaria buscando manter-se no poder com a justificativa de que é filho de um filósofo.
  • 8
    Pensamos que tal mudança segue o que Young et al. (2012YOUNG, M. F.; SLOTA, S.; CUTTER, A. B.; JALETTE, G.; MULIN, G.; LAI, B.; SIMEONI, Z.; TRAN, M.; YUKHYMENKO, M. (2012) Our princess is in another castle: A review of trends in serious gaming for education. Review of Educational Research 82, n.1, p.61-89., p.68) sugere considerar na elaboração de um jogo educativo, uma vez que realizaríamos uma simplificação do ambiente criado pelo jogo em vista ambiente onde ele seria aplicado (a sala de aula), em prol do aproveitamento do aluno.
  • 9
    Os playtests foram sessões de teste do funcionamento da estrutura do jogo: se ela garantia certa fluidez e se suas regras haviam sido escritas de maneira clara no manual. Portanto, o conteúdo a ser explorado nas seguintes seções foi desenvolvido a partir do que observamos nesses playtests que, por fazer parte do processo de desenvolvimento do jogo, não envolveram uma mecânica idêntica à do produto final. Portanto, não poderíamos considerar os playtests experimentações rigorosamente reguladas.
  • 10
    Essa adaptação foi feita momentos antes do teste, ela não garantiu que o jogo ficasse bem balanceado.
  • 11
    Agradecemos ao Colégio dos Jesuítas (Juiz de Fora), por ter cedido o espaço para a realização do teste, e ao professor Ivan Bilheiro Dias Silva, por ter nos ajudado a organizar a sessão.
  • 12
    Como Santos (2019SANTOS, A. (2019) Board Games as Part of Effective Game-Based Learning Strategies. In: SPECTOR, M.; LOCKEE, B.; CHILDRESS, M. (eds) Learning, Design, and Technology. Available at https://doi.org/10.1007/978-3-319-17727-4_142-1, p.13) sugere como maneira de avaliar se o jogo cumpriu com seu objetivo teórico.
  • 13
    Young et al. (2012YOUNG, M. F.; SLOTA, S.; CUTTER, A. B.; JALETTE, G.; MULIN, G.; LAI, B.; SIMEONI, Z.; TRAN, M.; YUKHYMENKO, M. (2012) Our princess is in another castle: A review of trends in serious gaming for education. Review of Educational Research 82, n.1, p.61-89., p.80), quando comentando sobre observações acerca do uso de vídeo games como instrumento educativo em aulas de história, aponta que é comum que as informações históricas do jogo não sejam retidas pelos alunos, de forma que é benéfico ao professor criar estratégias para ressaltar as informações às quais os alunos deveriam se atentar. Pensamos que nosso jogo tem essa característica em comum com vídeo games virtuais, no sentido de que ele se utiliza de um conteúdo filosófico, mas não exige que o jogador tenha um conhecimento prévio deste para ganhar o jogo; o que consequentemente faz o acompanhamento do professor vital para que seu objetivo educacional seja efetivado.
  • 14
    De forma a exercer a primeira competência específica que a BNCC (Brasil, 2018, p.570) atribui às ciências humanas no Ensino Médio, a saber, posicionar-se criticamente a processos políticos.
  • 15
    De forma a exercer a sexta competência específica que a BNCC (Brasil, 2018, p.570) atribui às ciências humanas no Ensino Médio, a saber, participar criticamente do debate público.
  • 16
    Como esse teste foi online, criamos pastas no Google Drive para cada personagem, contendo sua ficha, o manual de regras e as cartas de ação (que no protótipo C eram compostas por cartas de argumento, réplica e tréplica, as quais foram reduzidas à carta de argumento no produto final). No teste, o mediador acabou sendo aquele que monitorou o uso das cartas, anotando em uma planilha a quantidade que cada jogador usava, avisando-os quando tinham descartado todas as cartas disponíveis.
  • 17
    Vale ressaltar que não é essencial que os alunos utilizem o nome indicado na ficha do personagem durante o jogo.
  • 18
    A sugestão em questão tem como horizonte uma imagem platônica dos pensadores classificados como sofistas, que é prevalente no conteúdo exposto no Ensino Médio. Pensamos que, como o jogo foi elaborado a partir de uma reflexão platônica, ele acaba por encaixar-se nessa interpretação, mas consideramos mais interessante apresentar tais pensadores de uma forma atualizada, própria à nossa época, como a proposta por Marques (2007MARQUES, M. P. (2007) Os sofistas: o saber em questão. In: FIGUEIREDO, V. (Org.). Filósofos na sala de aula, vol.2. São Paulo, Berlendis & Vertecchia., p.11-45).
  • 19
    Tais características não necessariamente estão desconectadas: como Bayeck (2020BAYECK, R. (2020) Examining Board Gameplay and Learning: A Multidisciplinary Review of Recent Research. Simulation & Gaming 51, n.4, p.411-431.) apresenta, jogos de tabuleiro se mostraram efetivos em desenvolver uma interação entre os jogadores, de forma que eles se engajam com o jogo, apropriando-se de seu conteúdo teórico - o que pensamos acontecer com o nosso jogo, apesar de ter um formato diferente do de tabuleiro.
  • 20
    O que parece ser uma consequência do próprio formato de jogos que envolvem o gameplay em grupo (Bayeck, 2020BAYECK, R. (2020) Examining Board Gameplay and Learning: A Multidisciplinary Review of Recent Research. Simulation & Gaming 51, n.4, p.411-431., p.423). Ademais, Santos (2019SANTOS, A. (2019) Board Games as Part of Effective Game-Based Learning Strategies. In: SPECTOR, M.; LOCKEE, B.; CHILDRESS, M. (eds) Learning, Design, and Technology. Available at https://doi.org/10.1007/978-3-319-17727-4_142-1, p.7) sugere que jogos são uma maneira de envolver o aluno em um exercício de resolver problemas que envolvem habilidades sociais e o uso de ferramentas não apenas internas às regras do jogo, mas também externas (estratégias de argumentação, por exemplo).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2022
  • Aceito
    29 Mar 2022
Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra, Campus Darcy Ribeiro, Cátedra UNESCO Archai, CEP: 70910-900, Brasília, DF - Brasil, Tel.: 55-61-3107-7040 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: archai@unb.br