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Tempo Messiânico e Historicidade Revolucionária em Walter Benjamin

Messianic Time and Revolutionary Historicity in Walter Benjamin

Resumo

Ao propor uma análise da trajetória intelectual desta grande figura, que é Walter Benjamin, Michael LöwyLÖWY Michael. Rédemption et Utopie : le judaïsme libertaire en Europe centrale.Une étude d’affinité elective. Paris: PUF, 1988. Tradução: LÖWY, Michael. Redenção e Utopia: O judaísmo libertário na Europa Central (Um estudo de afinidade eletiva). São Paulo: Perspectiva, 2020. mostra como o filósofo criticou diversas historicidades, notadamente a do tempo mecânico ou da ideia tranquilizadora de um progresso linear. Ele lhes opõe um tempo qualitativamente outro e raro, marcado pela articulação entre perspectiva messiânica e historicidade revolucionária, associando assim a tradição judaica e a convicção marxista.

Palavras-chaves:
Walter Benjamin; Tempo Messiânico; Historicidade; Revolução

Abstract

In proposing an analysis of the intellectual trajectory of this great figure, which is Walter Benjamin, Michael LöwyLÖWY Michael. Rédemption et Utopie : le judaïsme libertaire en Europe centrale.Une étude d’affinité elective. Paris: PUF, 1988. Tradução: LÖWY, Michael. Redenção e Utopia: O judaísmo libertário na Europa Central (Um estudo de afinidade eletiva). São Paulo: Perspectiva, 2020. shows how the philosopher criticized different historic cities, notably that of mechanical time or the reassuring idea of linear progress. He opposes them to a qualitatively different and rare time, marked by the articulation between messianic perspective and revolutionary historicity, thus associating Jewish tradition and Marxist conviction.

Keywords:
Walter Benjamin; Messianic Time; Historicity; Revolution

Estamos habituados a classificar as diferentes filosofias da história segundo seu caráter progressista ou conservador, revolucionário ou nostálgico do passado. Walter Benjamin escapa a essas classificações. É um crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário marxista do progressismo, um nostálgico do passado que sonha com o porvir, um romântico partidário do materialismo. Ele é, em todo o sentido da palavra, inclassificável. Theodor W. AdornoADORNO, Theodor W. 'À l’écart de tous les courants”. Le Monde, 31 de maio de 1969. o definia com razão como um pensador “distante de todas as correntes”1 1 ADORNO, Theodor W. 'À l’écart de tous les courants”. Le Monde, 31 de maio de 1969. Para uma análise das convergências e diferenças entre Walter Benjamin, Gershom Scholem e Fraz Rosenzweig, ver a notável obra de MOSÈS, Stéphane. L’ange de l’Histoire: Rosenzweig, Benjamin, Scholem. Paris: Ed. du Seuil, 1992. .

A obra de Walter Benjamin deve ser compreendida no seu contexto sócio-histórico e cultural: a cultura judaica na Europa central, isto é, na Mitteleuropa de língua e cultura alemã (Alemanha e o antigo império austro-húngaro), no coração de um momento histórico particular, os anos revolucionários 1905-1923 e o período que se segue. Na obra de alguns dos maiores pensadores judeus da Europa central a esta época (Gershom ScholemSCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: die Geschichte einer Freundschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1975. [Tradução: SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: A história de uma amizade. São Paulo: Perspectiva, 2008]., Walter Benjamin, Ernst Bloch, Erich Fromm, entre outros), vê-se formar, a partir de uma referência originária à cultura romântica alemã, um vínculo de afinidade eletiva entre a tradição messiânica e as utopias revolucionárias. Não se trata somente de uma analogia estrutural entre alguns aspectos das duas formas culturais (por exemplo, entre a dimensão apocalíptica do tempo messiânico e a do tempo revolucionário, ambos se referindo a uma diferenciação qualitativa do tempo), mas de uma relação ativa de seleção recíproca, reforço mútuo, simbiose ou mesmo fusão. Essa corrente do pensamento judaico-alemão tenta pensar a historicidade em ruptura com os paradigmas dominantes: a ideologia do progresso inevitável, o evolucionismo, a visão linear do tempo histórico. Pode-se distinguir nesse conjunto geracional, nascido no fim do século 19, dois polos: o polo judeu/religioso, de tendência anarquizante (Martin Buber, Gershom Scholem, Franz RosenzweigROSENZWEIG, Franz. Der Stern der Erlösung. Frankfurt: J. Kauffmann, 1921; Suhrkamp, 1988 ; trad. fr., id., L’Étoile de rédemption, trad. do alemão Alexandre Derczanski e Jean-Louis Schlegel. Paris: Ed. du Seuil, 1982., o jovem Leo Lowenthal), e o polo judeu assimilado, ateu religioso, de tendência anarquista (Gustav Landauer, Franz Kafka, o jovem Georg LukácsLUKÁCS, Georg. Geschichte und Klassenbewusstsein. Berlin: Malik, 1923; trad. fr., id., Histoire et conscience de classe : essais de dialectique marxiste, trad. de l’all. par Kostas Axelos et Jacqueline Bois, Paris, Ed. de Minuit, 1960. [Tradução: LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012]., Ernst Bloch, Erich Fromm - os últimos três se convertem ao marxismo posteriormente).

Por sua sensibilidade libertária, essa corrente de pensamento se situa nas antípodas da religião política do Estado-Nação que deixou sua marca na história do século 20: duas guerras mundiais e a generalização dos Estados de exceção totalitários. Além disso, seu messianismo utópico se distingue pelo seu caráter estritamente impessoal: é a era messiânica do porvir que a interessa e não a pessoa do Messias. Nada é mais distante de sua abordagem espiritual e política que o culto religioso de um salvador carismático, de um profeta ou de um herói milenar2 2 Utilizamos, reinterpretando-o, o conceito weberiano de Wahlverwandtschaft (afinidade eletiva). Ver: LÖWY Michael. Rédemption et Utopie : le judaïsme libertaire en Europe centrale.Une étude d’affinité elective. Paris: PUF, 1988. [Tradução: LÖWY, Michael. Redenção e Utopia: O judaísmo libertário na Europa Central (Um estudo de afinidade eletiva). São Paulo: Perspectiva, 2020]. .

O messianismo é o tema que concentra todos os aspectos Sturm und Drang3 3 [Nota do editor: Em português, Tempestade e Ímpeto. Corrente literária do romantismo alemão que se contrapunha ao Iluminismo, e teve como um de seus expoentes o jovem Goethe]. da religião judaica (na condição de desvencilhá-lo da interpretação liberal, neo-kantiana e iluminista: messianismo é igual ao aperfeiçoamento progressivo da humanidade) para restabelecer, dentro de toda a sua força escatológica, a tradição originária, dos profetas à Cabala e da Bíblia ao profeta messiânico do século 17, Sabatai Tzvi. Não é, portanto, surpreendente que a referência messiânica, na sua dupla significação restaurativa e utópica, torna-se o Schibboleth (senha) desta geração romântica judaica. É evidente, além disso, que esse messianismo judaico acusado de explosividade romântica é, de outro modo, mais suscetível de reativação política que o messianismo rabino, quietista ou abstencionista dos círculos ortodoxos.

Como essa reativação opera? Como explicar a adesão de uma fração considerável desta geração às utopias sociais? Tentando compreender as razões de adesão dos judeus ao socialismo, Walter LacqueurLACQUEUR, Walter. Weimar : A Cultural History, 1918- 1933, New York, Perigree, 1974 ; trad. fr., id., Weimar, 1918- 1933, trad. do inglês. por Georges Liebert. Paris: Robert Laffont, 1978. escreve em seu livro sobre a república de Weimar:

“Se eles foram atraídos pela esquerda, é porque ela foi a parte da razão, do progresso e da liberdade, e porque ela os ajudara a conquistar a igualdade. A direita, por outro lado, era mais ou menos anti-semita, considerando-os como um elemento estranho ao corpo político. Essa atitude que constituíra um componente fundamental da vida política ao longo do século 19, não mudará durante o primeiro terço do século 20”4 4 LACQUEUR, Walter. Weimar : A Cultural History, 1918- 1933. New York: Perigree, 1974 ; trad. fr., id., Weimar, 1918- 1933, trad. do inglês. por Georges Liebert. Paris: Robert Laffont, 1978, p. 106. .

Essa análise é certamente pertinente, e ela permite compreender (ao menos em determinada medida) a integração de muitos judeus à social-democracia na Alemanha e, mais ainda, na Áustria. Em contrapartida, ela não explica a radicalização da geração judaica romântica, que desconfia do racionalismo, do progresso industrial e do liberalismo político, e que será atraída pela utopia libertária (ou pelo comunismo), e não pela social-democracia.

No contexto particular do judaísmo da Europa central, uma complexa rede de relações (das afinidades eletivas, para recuperar um conceito utilizado na sociologia das religiões de Max Weber) é tecida entre romantismo, renascimento religioso judeu, messianismo, revolta cultural antiburguesa e antiestatista, utopia revolucionária, socialismo e anarquismo. É sobre este terreno político-cultural que vão se desenvolver tentativas messiânicas ou revolucionárias de pensar a historicidade, cuja a mais completa e a mais singular é, sem dúvida, a de Walter Benjamin, que não se situa em nenhum dos dois polos descritos acima, mas em um espaço sui generis, no cruzamento de todos os caminhos.

1. Os primeiros escritos de Benjamin

Nascido em uma família judaica burguesa de Berlim, Walter Benjamin (1892-1940) não consegue, apesar de sua tese de doutorado (sobre a crítica da arte no romantismo alemão) e sua tese de habilitação (sobre o drama barroco alemão), fazer uma carreira acadêmica. Amigo próximo de Gershom Scholem (com quem compartilha o interesse pela teologia judaica) e, mais tarde, de Bertolt Brecht, ele descobre o marxismo em 1924, graças à leitura de História e Consciência de Classe (1923) de Georg Lukács5 5 LUKÁCS, Georg. Geschichte und Klassenbewusstsein. Berlin: Malik, 1923; trad. fr., id., Histoire et conscience de classe : essais de dialectique marxiste, trad. de l’all. par Kostas Axelos et Jacqueline Bois, Paris, Ed. de Minuit, 1960. [Tradução: LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012]. e aos argumentos sedutores da comunista letã (soviética) Asja Lacis, por quem se apaixona em Capri. Obrigado a se exilar na França depois da tomada do poder pelos nazistas na Alemanha, ele só subsiste graças a uma modesta ajuda do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt (Theodor W. Adorno, Max HorkheimerHORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialektik der Aufklärung. Frankfurt: Fischer, 1971. [Tradução: HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985].), exilado em Nova York. Depois da ocupação da França pelas tropas do Terceiro Reich, ele tenta escapar da polícia de Vichy atravessando os Pirineus; detido em Port Bou pelos guardas de Franco, ele se suicida em agosto de 19406 6 Entre as biografias, uma das melhores é a de: WITTE, Bernd. Walter Benjamin. Reinbek: Rowohlt, 1985; trad. fr. id., Walter Benjamin: une biographie, trad. do alemão Andre Bernold. Paris: Ed. du Cerf, 1988. [Tradução: WITTE, Bernd. Walter Benjamin: Uma biografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2017]. .

Walter Benjamin ocupa um lugar singular na história do pensamento crítico moderno: ele é o primeiro partidário do materialismo histórico a romper radicalmente com a ideologia do progresso linear. Esta particularidade não é sem relação com sua capacidade de integrar os elementos da Zivilisationskritik (crítica da civilização) romântica e do messianismo judaico no seio da teoria crítica.

Por sua crítica radical da civilização burguesa moderna, por sua desconstrução da ideologia do progresso (a Grande Narrativa dos tempos modernos, comum aos liberais bem como aos socialistas), os escritos de Benjamin parecem um bloco errático à margem das principais correntes da cultura moderna. Esta crítica romântica da civilização capitalista é, com o messianismo judaico, e mais tarde, o marxismo, um dos principais vetores de seu pensamento, ou melhor, um dos materiais com os quais ele constrói uma reflexão original e irredutivelmente singular sobre a história e, em particular, sobre a historicidade revolucionária, isto é, sobre a temporalidade histórica qualitativa, própria dos eventos revolucionários.

Um dos primeiros escritos de Walter Benjamin, sua conferência sobre “A Vida dos Estudantes” (1915), é um documento fundamental, que parece reunir em um só feixe de luz muitas das ideias que vão persegui-lo durante sua vida7 7 BENJAMIN, Walter. “Das Leben der Studenten” (1915). In: Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1982, t. II, vol. 1, p. 75-87 ; trad. fr., id., “La vie des etudiants” (1915). In: Oeuvres I. trad. do alemão por Maurice de Gandillac, Rainer Rochlitz e Pierre Rusch. Paris: Gallimard, 2000, p. 125-141. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “A vida dos estudantes”. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Seleção e Apresentação: Willi Bolle. Tradução Celeste H.M. Ribeiro de Sousa… [et al]. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986] . Segundo Benjamin, as verdadeiras questões que se colocam para a sociedade não são “problemas técnicos limitados de caráter científico, mas questões metafísicas de Platão e Spinoza, dos românticos e de Nietzsche”8 8 Ibid, p. 135. . Dentre essas questões “metafísicas”, a da temporalidade histórica é essencial. As observações que abrem o ensaio contém um início surpreendente da sua filosofia messiânica e revolucionária da história:

“Confiante na infinitude do tempo, uma certa concepção da história distingue apenas o ritmo mais ou menos rápido conforme o qual homens e épocas avançam no caminho do progresso. Daí o caráter incoerente, impreciso, sem rigor, da exigência endereçada ao presente. Aqui, pelo contrário, como sempre fizeram os pensadores ao apresentarem imagens utópicas, consideraremos a história à luz de uma situação determinada que a resume como em um ponto focal. Os elementos da situação final não se apresentam como tendência progressista disforme, mas, como criações e ideias em grande perigo, altamente depreciadas e ridicularizadas, profundamente ancoradas em todo presente. […] Esta situação […] só é apreensível em sua estrutura metafísica, como o reino messiânico ou como a ideia revolucionária francesa [franzözische Revolutionsidee]9 9 Walter Benjamin, op. cit, p. 125-126. A tradução de Maurice de Gandillac (revista por Rainer Rochlitz) é “a ideia revolucionária de 89”, o que não está errado, mas a expressão de Benjamin “ideia revolucionária francesa”, é mais abrangente e poderia incluir 1789 assim como 1848 ou a Comuna de 1871. * [N.T.] Traduzimos o trecho a partir da tradução realizada por Michael Löwy para o francês. Para uma tradução completa do texto “A Vida dos Estudantes” para o português, por Eloá Di Pierro Heise e Willi Bolle, olhar: BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Seleção e Apresentação: Willi Bolle. Tradução Celeste H.M. Ribeiro de Sousa… [et al]. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. *”.

As imagens utópicas (messiânicas e revolucionárias) contra a “tendência progressista disforme” que confia na infinitude do tempo: aqui estão colocados, resumidamente, os termos do debate que Benjamin vai perseguir ao longo de sua vida. Em 1915, Benjamin ainda não tinha descoberto o marxismo e sua ideia da revolução é mais próxima do anarquismo: aliás, nesse mesmo texto, ele presta homenagem “às concepções dos anarquistas mais profundos”10 10 Ibid., p. 131. .

Pouco tempo depois, ele redige o fragmento “Trauerspiel et tragedie” (1916), uma das primeiras formulações de sua crítica teológica do tempo mecânico e, como tal, um dos fundamentos filosóficos de sua rejeição às ideologias do progresso. Segundo Benjamin, “o tempo da história é outro que aquele da mecânica”11 11 Walter Benjamin, “Trauerspiel und Tragödie”, id., in Gesammelte Schriften, op. cit., t. II, vol. 1, p. 133-137; trad. fr.,id., “Trauerspiel et tragédie” (1916), Romantisme et critique de la civilisation. Textos escolhidos e apresentados por Michael Löwy, trad. do alemão Cristophe David e Alexandra Richter. Paris: Payot, 2010, p. 60. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Trauerspiel e Tragédia”. In: O capitalismo como religião. Seleção de textos de Michael Löwy e tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 59-62] . O “tempo mecânico”, ou seja, aquele que mede espacialmente o movimento dos ponteiros do relógio, é uma “forma relativamente vazia”, a qual se opõe radicalmente o tempo histórico, “preenchido”.

Na Bíblia, “esta ideia do tempo preenchido se chama tempo messiânico”. A analogia entre esse “conflito das temporalidades” e o que atravessa de uma ponta à outra de seus últimos escritos é impressionante: aliás, ela ilustra bem a continuidade das preocupações de Benjamin para além das nada negligenciáveis inflexões ideológicas e políticas.

2. O Messianismo

O messianismo é, segundo Benjamin, o cerne da concepção romântica do tempo e da história. Na introdução de sua tese de doutorado, “Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik” (O Conceito de Crítica de arte no Romantismo Alemão, 1919), ele insiste sobre a ideia de que a essência histórica do romantismo “deve ser encontrada no messianismo romântico”12 12 BENJAMIN, Walter. Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik. Berne, Francke, 1919. Frankfurt: Suhrkamp, 1973, p. 65-66, 70 e 72 (nossa tradução). [Tradução: BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, 2011]. . Ele descobre essas dimensões, sobretudo nos escritos de Fiedrich Schlegel e de Novalis, e cita, dentre outras, esta passagem impressionante do jovem Schlegel: “O desejo revolucionário de realizar o Reino de Deus é […] o início da história moderna”13 13 Ibid., p. 72. . Encontra-se, aqui, a questão “metafísica” da temporalidade histórica: Benjamin opõe a concepção qualitativa do tempo infinito, “que decorre do messianismo romântico” e para a qual a vida da humanidade é um processo de realização e não simplesmente de vir a ser, ao tempo infinitamente vazio, característico da ideologia moderna do progresso. Só se pode ficar impressionado pelo parentesco entre esta passagem, que parece ter escapado da atenção dos comentadores, e as teses de 1940 “Sobre o Conceito da História”14 14 BENJAMIN, Walter. “Uber den Begriff der Geschichte” (1940). Gesammelte Schriften, op.cit., t.I, vol. 2, p. 691-704; trad. fr. id., “Sur le concept d´histoire”. Oeuvres, III. Trad. de Maurice de Gandillac, Rainer Rochlitz e Pierre Rusch. Paris: Gallimard, 2000, p. 427-443. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Sobre o Conceito de História”. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio - Uma leitura das teses ‘Sobre o Conceito de História’. Tradução das teses Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005]. .

Qual é a relação entre as duas “imagens utópicas”, o reino messiânico e a revolução? Sem responder diretamente essa questão, Benjamin a aborda em um texto (que permaneceu inédito durante sua vida) datado provavelmente dos anos 1921-1922: o “Fragmento Teológico-político”. Em um primeiro momento, ele parece distinguir radicalmente a esfera do vir a ser histórico daquele do Messias: “nenhuma realidade histórica pode por si só querer se relacionar com o plano messiânico”15 15 BENJAMIN, Walter. “Theologisch-politisches Fragment” (1921-1922). Gesammelte Schriften, op. cit., t. II, vol. 1, p. 203-204 ; trad. fr., id., ”Fragment theologico-politique”. In: OEuvres I. op. cit., p. 263-264. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Fragmento Teológico-Político”. In: O anjo da história. Trad de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.23-24]. . Mas imediatamente depois, ele constrói sobre esse abismo aparentemente intransponível uma ponte dialética, uma passarela frágil que parece diretamente inspirada por alguns parágrafos de A Estrela da Redenção (1921) de Franz Rosenzwig, um livro ao qual Benjamin manifestava a mais viva admiração16 16 ROSENZWEIG, Franz. Der Stern der Erlösung. Frankfurt: J. Kauffmann, 1921; Suhrkamp, 1988 ; trad. fr., id., L’Étoile de rédemption, trad. do alemão Alexandre Derczanski e Jean-Louis Schlegel. Paris: Ed. du Seuil, 1982, p. 339. . A dinâmica do profano, que esse último define como a busca da felicidade da humanidade livre (a comparar com “as grandes obras de libertação” de Rosenzweig), pode “favorecer o advento do reino messiânico”17 17 BENJAMIN, Walter. “Fragment theologico-politique”, op.cit., p. 264. . Se a formulação de Benjamin é menos explícita que a de Rosenzweig, para o qual os atos emancipatórios são “a condição necessária do advento do reino de Deus18 18 Ibid. ”, trata-se da mesma abordagem, visando estabelecer uma mediação entre as lutas libertárias, históricas, profanas dos homens e realização da promessa messiânica.

A partir de meados dos anos 1920, momento no qual Benjamin adere ao marxismo, os temas messiânicos são menos presentes nos seus escritos, ou se manifestam apenas de maneira subterrânea. Isso começa a mudar durante a segunda metade dos anos 1930, por exemplo, em algumas notas do livro sobre as Passagens19 19 BENJAMIN, Walter. Paris, capitale du xixe siècle. Le livre des passages. Paris: Ed. du Cerf, 2000, p. 498, 504, 488 e 477. [Tradução: BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2018]. . Encontra-se na seção N, que discute as teorias do progresso, a passagem seguinte, a propósito dos escritos de Hermann Lotze: “a concepção autêntica do tempo histórico repousa inteiramente sobre a imagem da redenção”. Algumas páginas depois, Benjamin é ainda mais explícito: “O conceito autêntico de história universal é um conceito messiânico”. Sua relação com a teologia é bastante paradoxal e se encontra resumida em um aforismo impressionante: “Meu pensamento se relaciona à teologia como o mata-borrão está para tinta. Ele está totalmente embebido dela. Mas se fosse pelo mata-borrão, nada restaria do que está escrito”. A imagem, ou a metáfora, é tão surpreendente que o mata-borrão não apaga nada “[d]o que está escrito”: o texto permanece bem visível, tanto sobre a página quanto, inversamente, no próprio mata-borrão.

O livro sobre as Passagens retoma também um tema que se encontra, sob diferentes ângulos de abordagem, na maior parte dos seus escritos depois de 1936: a crítica da concepção dominante (nos liberais tanto quanto na esquerda) da historicidade, ou a ideologia do progresso que, na sua visão, não é mais que um “hábito de pensamento burguês”. Aqui está como ele define, nesta obra inacabada, sua abordagem: “Pode-se considerar que um dos objetivos metodológicos deste trabalho é demonstrar um materialismo histórico que aniquilou em si a ideia de progresso. O materialismo histórico tem aqui, precisamente, toda razão de se distinguir dos hábitos de pensamento burgueses”. No entanto, este não é um sentimento contemplativo: trata-se, ao contrário, de um pessimismo ativo, organizado, prático, direcionado inteiramente ao objetivo de impedir o advento do pior.

O pensamento da historicidade em Walter Benjamin se mostra, assim, eminentemente político, articulando passado, presente e porvir em uma concepção de história não fechada, o que lhe atrai a crítica de Max Horkheimer. Este registra essa importante observação na Zeitschrift für Sozialforschung, em 1937:

“O que ocorreu aos outros seres humanos, nenhum porvir pode reparar. Eles jamais serão chamados, para serem abençoados pela eternidade […]. No meio dessa imensa indiferença só a consciência humana pode se tornar o lugar alto onde a justiça sofrida pode ser abolida [aufgehoben], a única instância que não se satisfaz disso […]. Agora que a fé na eternidade deve se decompor, a historiografia é o único tribunal que a humanidade presente, ela mesma passageira, pode oferecer aos protestos que vêm do passado”20 20 Ibid., p. 488-489. .

Ora, para Benjamin, uma verdadeira qualidade redentora deve ser atribuída à rememoração, capaz, a seus olhos, de “tornar inacabado” o sofrimento aparentemente definitivo das vítimas do passado. Essa redenção deve ser compreendida indissociavelmente como teológica e profana. Em termos seculares, ela significa a emancipação dos oprimidos. Os vencidos de junho de 1848 (para mencionar um exemplo muito presente no livro sobre as Passagens, e na obra histórica de Karl Marx) esperam não só a rememoração de seu sofrimento, mas a reparação das injustiças passadas e a realização de sua utopia social. A redenção revolucionária é atribuída pelas gerações passadas, pelos vencidos da história, às gerações presentes e futuras. Mas ela é uma autorredenção, no cerne de um messianismo sem Messias: Deus é ausente e a tarefa messiânica é inteiramente reservada às gerações humanas; o único Messias possível é coletivo: é a própria humanidade. Trata-se de uma autorredenção, a qual se pode encontrar um equivalente profano em Marx: os homens fazem a sua própria história, a emancipação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores.

Assim, o passado é iluminado pela luz dos combates de hoje, pelo sol que se levanta no céu da história. A metáfora do sol era uma imagem tradicional do movimento operário alemão, associado à fraternidade e à liberdade: “Brüder, zur Sonne, zur Freiheit!” (Irmãos, em direção ao sol, em direção à liberdade), proclamava o hino do Partido Social-democrata. No entanto, em Walter Benjamin, o significado do passado se transforma graças ao sol do presente. O sol não é, aqui, o símbolo do advento necessário, inevitável e natural de um mundo novo, mas o da própria luta e da utopia que a inspira.

3. Sobre o Conceito de História

Com “Sobre o Conceito de História” (1940), a reflexão teológica retorna ao centro do pensamento de Walter Benjamin, estreitamente associada ao materialismo histórico. É nesse escrito que se encontra sua tentativa mais bem-sucedida de articular dialeticamente temporalidade messiânica e historicidade revolucionária, em uma crítica radical da ideia de progresso e do que constitui seu fundamento teórico: a concepção do tempo histórico como homogêneo tão vazio e mecânico quanto o dos relógios.

Esse texto, de poucas páginas, é, de certa maneira, o seu testamento filosófico, e um dos documentos mais importantes do pensamento crítico desde as Teses sobre Feuerbach (1845). O estímulo direto de sua redação foi, sem dúvida, o pacto germânico-soviético, o início da Segunda Guerra Mundial e a ocupação da Europa pelas tropas nazistas. Mas, não era nada menos que o resumo, a expressão última e concentrada de ideias que atravessam o conjunto de sua obra. Em uma das suas últimas cartas, endereçadas a Gretel Adorno, Walter Benjamin escreve: “A guerra e a constelação que a trouxe me levaram a pôr sobre o papel alguns pensamentos, sobre os quais posso dizer que os mantenho em mim - e mesmo de mim - por cerca de vinte anos”21 21 BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 3, p. 1226. . Ele poderia ter escrito “vinte e cinco anos”, dado que, como vimos a conferência “A Vida dos Estudantes” já continha algumas das ideias chaves do seu testamento espiritual de 1940. É pouco tempo depois de ter redigido esse texto que Benjamin tenta sair da França ocupada.

É preciso, portanto, situar as teses de 1940 em seu contexto histórico. Era, para dizer nas palavras de Victor Serge, “meia-noite no século”. O Terceiro Reich havia assinado um pacto com a URSS stalinista, depois ocupou a grande parte dos países da Europa. Esse momento terrível da história contemporânea (do ponto de vista dos antifascistas consequentes) constitui, sem dúvida, o pano de fundo imediato do texto. Mas não se pode, apesar disso, fazer deste o único produto de uma conjuntura precisa. Ele ainda fala conosco hoje, ele suscita tanto interesse, discussão, polêmica, porque, através do prisma de um momento histórico determinado, ele coloca questões que incidem sobre conjunto da história moderna, e sobre o lugar do século 20 no percurso social da humanidade.

Vamos nos limitar aqui a analisar a relação entre temporalidade messiânica e história revolucionária (que atravessa todo o texto) em uma das teses de 1940, a nona, que descreve o “Anjo da História”.

“Tese IX Minha asa está pronta para alçar voo Eu gostaria muito de voltar atrás, Porque mesmo permanecendo tanto quanto o tempo vivo, Eu não teria nenhuma sorte”. Gerhard Scholem, Salut de l´Ange [Saudação do Anjo]

Existe um quadro de Klee intitulado “Angelus Novus”. Ele representa um anjo que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estiradas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem sem rosto virado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa ruínas sobre ruínas e as arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas, tão violentamente que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o empurra irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos de progresso é essa tempestade22 22 BENJAMIN, Walter. “Sur le concept de histoire”, op. cit., p. 434. (N. E. Utilizada a tradução, com ligeira modificação, da Tese IX do alemão para o português feita por Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller em LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 87. A mudança se dá na tradução do termo alemão Trümmer, que Jeanne Marie e Marcos Lutz traduzem por escombros, e Michael Löwy por ruínas. Como o autor debate na parte posterior do artigo o significado do termo ruína na filosofia alemã para identificar a posição singular de Benjamin, optou-se por essa modificação). ”.

Trata-se do texto mais conhecido do Benjamin, citado, interpretado, utilizado em incontáveis recuperações, nos contextos mais diversos. Evidentemente, atingiu a imaginação da nossa época, sem dúvida porque ele toca algo de profundo na crise da cultura moderna. Mas também porque, em nossa consciência história, ele adquire a posteriori uma dimensão profética: mesmo se o próprio Benjamin não pudesse os prever, seu aviso trágico parece anunciar Auschwitz e Hiroshima, as duas maiores catástrofes da história humana, as duas ruínas mais monstruosas que vieram coroar o monte que cresce “até o céu”.

Essa tese resume, como em um ponto focal, o conjunto do documento. Trata-se de uma alegoria, no sentido de que os seus elementos não têm significado fora do papel que lhes é intencionalmente assinalado pelo autor. Benjamin havia sido fascinado pelas alegorias religiosas, em particular as do Trauerspiel, o drama barroco alemão, no qual a alegoria é “a facies hippocractica da história que se oferece ao olhar do espectador como uma paisagem primitiva petrificada”23 23 BENJAMIN, Walter. “Ursprung des deutschen Trauerspiel” (1925), in id., Gesammelte Schriften, op. cit., t.I, vol.1, p. 203-430; trad. fr., id., Origine du drama baroque allemand. pref. de Irving Wohfahrt, trad. do alemão Sylvie Muller, com a colaboração de Andre Hirt. Paris: Flammarion, 1985, p. 178. . A nona tese é exatamente isso, palavra por palavra. Enquanto reflexão crítica sobre o progresso, ela se situa nas antípodas das concepções da história otimista dos Iluministas, de Friedrich Von SchillerSCHILLER, Friedrich. “Was heist und zu welchen Ende studiert man Universalgeschichte ?”(1789). In Kleine historische Schriften. Berlin: Bong & Co., s. d. a Friedrich HegelHEGEL, G. W. F. La Raison dans l’histoire : introduction à la philosophie de l’histoire (1828). Trad. e notas por Kostas Papaioannou. Paris: 10/18, 1965., convencidos da marcha irresistível da humanidade em direção à razão, à liberdade e à felicidade.

A estrutura significativa da alegoria é baseada em uma correspondência (no sentido baudelairiano) entre o sagrado e o profano, teologia e política, temporalidade messiânica e historicidade revolucionária, que atravessa cada uma das imagens. Para uma das figuras da alegoria, ambas as direções nos são dadas pelo próprio texto: o correspondente profano da tempestade que sopra do paraíso é o progresso, responsável por uma “catástrofe” sem trégua e de um amontoado de ruínas que cresce até o céu. Mas para as outras, é preciso recuperar seu significado social e político, em referência a outros escritos de Walter Benjamin. A tempestade que sopra do paraíso evoca, sem dúvida, a queda e expulsão do Jardim do Éden. São nesses termos que Theodor W. Adorno e Max Horkheimer o interpretaram, em uma passagem da Dialética do Esclarecimento que retoma a imagem e a ideia de Benjamin, mas sem citá-la: “O anjo com a espada de chamas que expulsou os seres humanos do paraíso para o caminho do progresso técnico, é ele próprio a imagem sensível desse progresso”24 24 HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialektik der Aufklärung. Frankfurt: Fischer, 1971, p. 162. [Edição Brasileira: HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985]. . Qual é o equivalente profano desse paraíso perdido do qual o progresso nos afasta mais e mais? Vários indícios sugerem que, para Benjamin, trata-se de uma sociedade primitiva sem classes. Em um artigo sobre o trabalho de Johann Jakob Bachofen, escrito em 1935, sobre as antigas comunidades matriarcais, ele evoca “uma sociedade comunista no amanhecer da história”, profundamente democrática e igualitária25 25 BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”, in id., Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 1, p. 220. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”. In: O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.93-107] . E no ensaio Paris, capital do século XIX, ele volta a essa ideia: as experiências da sociedade sem classes da pré-história, depositadas no inconsciente coletivo, “em conexão recíproca com o novo, dão à luz a utopia”26 26 BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. III, vol. 1, p. 220-230 ; id., Poésie et Révolution. Paris: Denoel, 1971, p. 125. [Edição brasileira: BENJAMIN, Walter. “Paris, capital do século XX”. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2018]. .

No extremo oposto do paraíso, o inferno. Não há nenhuma questão na nona tese, mas vários textos de Walter Benjamin sugerem uma correspondência entre modernidade (ou progresso) e condenação infernal. Por exemplo, nesta passagem de Zentralpark: fragmentos sobre Baudelaire (1938), que apresenta afinidades evidentes com a nona tese: “é preciso basear o conceito de progresso na ideia de catástrofe. Que as coisas continuem a 'andar assim', eis a catástrofe [...]. O pensamento de Strindberg: 'O inferno não é de forma alguma o que nos espera, mas esta vida.”27 27 BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire : ein Lyriker im Zeitalter des Hochkapitalismus. Rolf Tiedermann (ed.). Frankfurt: Suhrkamp, 1969 ; trad. fr., id., Charles Baudelaire: un poète lyrique à l’apogée du capitalisme, pref. e trad. do alemão por Jean Lacoste. Paris: Payot, 1982, p. 242. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Charles Baudelaire: um poeta na época do capitalismo avançado”. In: Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2017].

O "Anjo da História" gostaria de parar, curar as feridas das vítimas esmagadas sob a montanha de ruínas, mas a tempestade prevalece inexoravelmente em direção a novas catástrofes, novas hecatombes, sempre maiores e mais destrutivas. O contraste é impressionante entre o olhar trágico do “Anjo da história” de Benjamim e aquele, perfeitamente olímpico, descrito por Schiller em um dos textos canônicos da concepção de história da Aufklärung (Iluminismo) progressista, que o autor das teses provavelmente sabia de cor, “O que é a história universal e com que finalidade a estudamos?”(1789):

Como o Zeus homérico, a História observa com um olhar igualmente alegre as obras sangrentas das guerras como a atividade dos povos pacíficos que se nutrem, inocentemente, do leite dos seus rebanhos. Por mais desregulado que pareça o confronto da liberdade humana com o decurso do mundo, a História observa com tranquilidade esse jogo confuso; porque seu olhar, que carrega longe, já descobre à distância, o objetivo para o qual essa liberdade sem regras é conduzida pela cadeia da necessidade28 28 SCHILLER, Friedrich. “Was heist und zu welchen Ende studiert man Universalgeschichte ?”(1789). In Kleine historische Schriften. Berlin: Bong & Co., s. d., p. 186. .

Não se pode deixar de pensar que Benjamin deliberadamente adotou a visão oposta desse célebre texto, opondo o olhar desesperado de seu anjo marxista ou judeu àquele “tranquilo” e “alegre", do Zeus schilleriano.

As ruínas em questão aqui não são, como nos pintores ou poetas românticos, um objeto de contemplação estética, mas uma imagem pungente de guerras, massacres e outras "obras sangrentas" da história. Ao escolher esse termo, Walter Benjamin perseguia, muito provavelmente, uma confrontação implícita com a filosofia da história de Friedrich Hegel, essa imensa teodiceia racionalista que legitimava cada desastre histórico como um momento inelutável do progresso da humanidade em direção à consciência da liberdade.

Segundo Hegel, a história aparece, à primeira vista, como um imenso campo de ruínas, onde ressoam “as lamentações sem nome dos indivíduos”, um altar onde “foram sacrificadas a felicidade dos povos e [...] a virtude dos indivíduos”29 29 HEGEL, Friedrich. La Raison dans l’histoire : introduction à la philosophie de l’histoire (1828). Trad. e notas por Kostas Papaioannou. Paris: 10/18, 1965, p. 103. . Diante desse “quadro aterrorizante”, diante do “espetáculo distante da massa confusa das ruínas”, o Homem estaria propenso a “uma dor profunda, inconsolável, que nada pode apaziguar”, uma profunda revolta e aflição moral. Ora, é necessário exceder esse “primeiro balanço negativo” e superar essas “reflexões sentimentais”, para compreender o essencial, ao saber que essas ruínas são apenas meios a serviço do “verdadeiro resultado da história universal”: a realização do espírito universal.

A abordagem de Benjamin consiste exatamente em inverter essa visão da história, desmistificando o progresso e fixando um olhar impregnado com uma dor profunda e inconsolável (mas também de uma profunda revolta moral) sobre as ruínas que produz. Essas não são mais, como em Hegel, as testemunhas do “declínio dos impérios” (o autor de A Razão na História menciona os de Cartago, Palmira, Persépolis, Roma30 30 Ibid., p. 54. ), mas uma alusão aos grandes massacres da história (daí a referência às “mortes”) e às cidades destruídas pelas guerras: desde Jerusalém, arrasada pelos romanos, até as ruínas de Guernica e Madri, as cidades da Espanha republicana bombardeada pela Luftwaffe em 1936-1937.

4. Fascismo

Walter Benjamin propõe também uma maneira muito precisa de refletir sobre o fascismo em sua própria historicidade. Para a social-democracia, o fascismo é essencialmente um vestígio, anacrônico e pré-moderno. Karl Kautsky, em seus escritos da década de 1920, explicava que o fascismo foi possível em um país semi-agrário como a Itália, mas nunca poderia se estabelecer no seio de uma nação moderna e industrializada como a Alemanha. No movimento comunista oficial, stalinista, há muito tempo se havia convencido de que a vitória de Hitler seria efêmera. Benjamin apreende a modernidade do fascismo, sua relação íntima com a sociedade contemporânea capitalista e industrial. É por isso que ele menciona, em suas notas preparatórias para as teses, a necessidade de conceber uma teoria da história, a partir da qual o fascismo possa ser revelado em sua natureza e sua historicidade.

Por que projetar o progresso como uma tempestade? O termo também aparece em Hegel, que descreve “o tumulto dos eventos do mundo” como uma “tempestade que sopra sobre o presente”31 31 Ibid., p. 35. . Em Benjamin, a palavra é provavelmente emprestada da linguagem bíblica, onde evoca a catástrofe, a destruição: é por uma tempestade (de água) que a humanidade foi afogada no dilúvio, e é por uma tempestade de fogo que Sondoma e Gomorra foram aniquilados. A aproximação entre o dilúvio e o nazismo é, aliás, sugerida por Walter Benjamin em uma carta a Gershom Scholem, de janeiro de 1937, onde ele compara seu livro Deutsche Menshen a uma “arca”, construída “segundo o modelo judaico”, diante da “ascensão do dilúvio fascista.”32 32 SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: die Geschichte einer Freundschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1975, p. 252. A expressão “segundo o modelo judaico” figura na dedicatória do livro pelo Benjamin à sua irmã Dora. Lembramos também que os escritores próximos do fascismo, como Ernst Jünger (objeto de uma crítica radical do Benjamin em 1930) haviam descrito a guerra como “tempestade de aço” (título de um de seus primeiros livros, lançado em 1920). [Tradução: SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: A história de uma amizade. São Paulo: Perspectiva, 2008].

Mas esse termo dilúvio também evoca o fato de que, para a ideologia conformista, progresso é um fenômeno natural, governado pelas leis da natureza e, como tal, inevitável, irresistível. Em uma das notas preparatórias, Benjamin critica explicitamente essa abordagem positivista, naturalista, do evolucionismo histórico: “O projeto de descobrir 'leis' para a sucessão dos eventos não é o único, e menos ainda o mais sutil, das formas que tomou a assimilação da historiografia à ciência natural”33 33 BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 3, p. 1231. .

Como parar esta tempestade, como interromper o progresso em sua progressão fatal? Como sempre, a resposta de Walter Benjamin é dupla: religiosa e profana. Na esfera teológica, trata-se da tarefa do Messias; seu equivalente, ou seu correspondente profano, não é outro senão a revolução. A interrupção messiânica e revolucionária do progresso é, portanto, a resposta de Benjamin para as ameaças, que fazem pesar sobre a espécie humana, a continuidade da tempestade maléfica, a iminência de novas catástrofes. Somente o Messias poderá cumprir o que o "Anjo da História" é impotente para realizar: parar a tempestade, curar os feridos, ressuscitar os mortos e “reunir o que foi destruído” 34 34 BENJAMIN, Walter. “Sur le concept d’histoire”, cit., p. 434. . E qual é o correspondente político dessa restituição mística, dessa recuperação do paraíso perdido, desse reino messiânico? A resposta se encontra nas notas preparatórias: “deve-se devolver ao conceito de sociedade sem classes sua verdadeira face messiânica, e isso no próprio interesse da política revolucionária do proletariado”; porque é apenas percebendo seu significado messiânico que se pode evitar as armadilhas da ideologia “progressista”35 35 Ibid., p. 1231-1232. .

Essa sociedade comunista do porvir parece, em alguns aspectos, com o comunismo primitivo, como a primeira forma de sociedade sem classe do “amanhecer da história”36 36 BENJAMIN, Walter. Poésie et Révolution, op. cit., p. 125. . Contudo, de acordo com Walter Benjamin, a sociedade sem classes do porvir (o novo paraíso) não é o retorno puro e simples àquela da pré-história: ela contém em si, como síntese dialética, todo o passado da humanidade. A verdadeira história universal, baseada na rememoração universal de todas as vítimas, sem exceção (o equivalente profano da ressurreição dos mortos), só é possível na futura sociedade sem classes37 37 SCHOLEM, Gershom, op. cit, p. 65; ibid., p. 1238-1239. Como observou Irving Wohlfarth, em seu ensaio pioneiro sobre o messianismo nos últimos textos de Walter Benjamin, trata-se aqui de uma “espiral” dialética mais que um círculo, pois o porvir messiânico é o Aufhebung (superação, no sentido hegeliano) de toda história passada. Veja WOHLFARTH, Irving. “On the Messianic Structure of Walter Benjamin´s Last Reflexions”, Glyph, 3, 1978, p. 148-212, p. 186. Veja também, sobre as teses de 1940: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: avertissement d´incendie. Une lecture des thèses “Sur le concept d´histoire”, Paris, Ed. du Seuil, 2001. [Tradução: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de incêndio - Uma leitura das teses ‘Sobre o Conceito de História’. São Paulo: Boitempo, 2005. . O vínculo estabelecido aqui entre a era messiânica e a futura sociedade sem classes (como as de outras “correspondências” das teses de 1940) não pode ser compreendida apenas em termos de secularização. O religioso e o político, em Benjamin, mantêm uma relação de reversibilidade recíproca, de tradução mútua, que escapa a toda redução unilateral.

De acordo com o filósofo, a nostalgia do passado aparece, portanto, como um método revolucionário de crítica ao presente. Aí se encontra a inflexão maior adicionada à tradição romântica: o ataque contra a ideologia do progresso não se efetua em nome de um conservadorismo passadista, mas em nome da revolução. De fato, o materialismo histórico que Walter Benjamin adota em meados da década de 1920 não substitui suas intuições antiprogressistas de inspiração romântica e messiânica: ele se articulada a elas, ganhando, assim, em qualidade crítica, o que o distingue radicalmente do marxismo oficial dominante na época. É, nessa medida, que ele recusa o artigo de fé essencial de um certo marxismo raso e reducionista, comum às correntes social-democrata e stalinista: a acumulação quantitativa, ao mesmo tempo, das forças produtivas, das conquistas do movimento operário, do número de membros e eleitores do Partido, em uma evolução linear, irresistível e automática. Esse fatalismo otimista só podia levar à passividade, quando era necessário, ao contrário, intervir urgentemente. O pessimismo de Benjamin é, assim, construtivo, em oposição a qualquer atitude de imobilismo.

Mas esse pessimismo histórico também é ativo e revolucionário, atravessado pela consciência da luta necessária, em estreita conexão com sua filosofia da história. No livro sobre as Passagens, ele escreve este comentário irônico: “A experiência da nossa geração: que o capitalismo não morrerá de morte natural38 38 BENJAMIN, Walter, Paris…, op. cit., p. 681. ”. A partir de então, as teses de 1940 formam uma espécie de manifesto filosófico para a abertura da história, uma concepção do processo histórico culminando em um campo vertiginoso de possibilidades, uma vasta árvore de alternativas, sem cair na ilusão de uma liberdade absoluta: as condições “objetivas” também são condições de possibilidade.

Walter Benjamin frequentemente se comparava a um Janus, que uma das faces olha para Moscou e a outra a Jerusalém39 39 BENJAMIN, Walter. Correspondance. trad. de Guy Petitdemange. Paris: Aubier Montaigne, 1989, t. II p. 13. Carta a Gershom Scholem de 14 de fevereiro de 1929. . Comenta-se essa frase, com frequência, para falar sobre a contradição interna do seu pensamento, de uma dualidade irredutível, da justaposição de opções incompatíveis. Ora, esquece-se que o deus romano certamente tinha duas faces, mas apenas uma cabeça: marxismo e teologia, tempo messiânico e historicidade revolucionária são apenas as duas expressões de um só pensamento, profundamente original, inovador e coerente.

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  • WOHLFARTH, Irving. “On the Messianic Structure of Walter Benjamin´s Last Reflexions”, Glyph, 3, 1978, p. 148-212.
  • 1
    ADORNO, Theodor W. 'À l’écart de tous les courants”. Le Monde, 31 de maio de 1969. Para uma análise das convergências e diferenças entre Walter Benjamin, Gershom Scholem e Fraz Rosenzweig, ver a notável obra de MOSÈS, StéphaneMOSÈS, Stéphane. L’ange de l’Histoire: Rosenzweig, Benjamin, Scholem. Paris: Ed. du Seuil, 1992.. L’ange de l’Histoire: Rosenzweig, Benjamin, Scholem. Paris: Ed. du Seuil, 1992.
  • 2
    Utilizamos, reinterpretando-o, o conceito weberiano de Wahlverwandtschaft (afinidade eletiva). Ver: LÖWY Michael. Rédemption et Utopie : le judaïsme libertaire en Europe centrale.Une étude d’affinité elective. Paris: PUF, 1988. [Tradução: LÖWY, Michael. Redenção e Utopia: O judaísmo libertário na Europa Central (Um estudo de afinidade eletiva). São Paulo: Perspectiva, 2020].
  • 3
    [Nota do editor: Em português, Tempestade e Ímpeto. Corrente literária do romantismo alemão que se contrapunha ao Iluminismo, e teve como um de seus expoentes o jovem Goethe].
  • 4
    LACQUEUR, Walter. Weimar : A Cultural History, 1918- 1933. New York: Perigree, 1974 ; trad. fr., id., Weimar, 1918- 1933, trad. do inglês. por Georges Liebert. Paris: Robert Laffont, 1978, p. 106.
  • 5
    LUKÁCS, Georg. Geschichte und Klassenbewusstsein. Berlin: Malik, 1923; trad. fr., id., Histoire et conscience de classe : essais de dialectique marxiste, trad. de l’all. par Kostas Axelos et Jacqueline Bois, Paris, Ed. de Minuit, 1960. [Tradução: LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012].
  • 6
    Entre as biografias, uma das melhores é a de: WITTE, BerndWITTE, Bernd. Walter Benjamin. Reinbek: Rowohlt, 1985; trad. fr. id., Walter Benjamin: une biographie, trad. do alemão Andre Bernold. Paris: Ed. du Cerf, 1988. [Tradução: WITTE, Bernd. Walter Benjamin: Uma biografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2017].. Walter Benjamin. Reinbek: Rowohlt, 1985; trad. fr. id., Walter Benjamin: une biographie, trad. do alemão Andre Bernold. Paris: Ed. du Cerf, 1988. [Tradução: WITTE, Bernd. Walter Benjamin: Uma biografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2017].
  • 7
    BENJAMIN, Walter. “Das Leben der Studenten” (1915). In: Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1982, t. II, vol. 1, p. 75-87 ; trad. fr., id., “La vie des etudiants” (1915). In: Oeuvres I. trad. do alemão por Maurice de Gandillac, Rainer Rochlitz e Pierre Rusch. Paris: Gallimard, 2000, p. 125-141. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “A vida dos estudantes”. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Seleção e Apresentação: Willi Bolle. Tradução Celeste H.M. Ribeiro de Sousa… [et al]. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986]
  • 8
    Ibid, p. 135.
  • 9
    Walter Benjamin, op. cit, p. 125-126. A tradução de Maurice de Gandillac (revista por Rainer Rochlitz) é “a ideia revolucionária de 89”, o que não está errado, mas a expressão de Benjamin “ideia revolucionária francesa”, é mais abrangente e poderia incluir 1789 assim como 1848 ou a Comuna de 1871. * [N.T.] Traduzimos o trecho a partir da tradução realizada por Michael Löwy para o francês. Para uma tradução completa do texto “A Vida dos Estudantes” para o português, por Eloá Di Pierro Heise e Willi Bolle, olhar: BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Seleção e Apresentação: Willi Bolle. Tradução Celeste H.M. Ribeiro de Sousa… [et al]. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
  • 10
    Ibid., p. 131.
  • 11
    Walter Benjamin, “Trauerspiel und Tragödie”, id., in Gesammelte Schriften, op. cit., t. II, vol. 1, p. 133-137; trad. fr.,id., “Trauerspiel et tragédie” (1916), Romantisme et critique de la civilisation. Textos escolhidos e apresentados por Michael Löwy, trad. do alemão Cristophe David e Alexandra Richter. Paris: Payot, 2010, p. 60. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Trauerspiel e Tragédia”. In: O capitalismo como religião. Seleção de textos de Michael Löwy e tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 59-62]
  • 12
    BENJAMIN, Walter. Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik. Berne, Francke, 1919. Frankfurt: Suhrkamp, 1973, p. 65-66, 70 e 72 (nossa tradução). [Tradução: BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, 2011].
  • 13
    Ibid., p. 72.
  • 14
    BENJAMIN, Walter. “Uber den Begriff der Geschichte” (1940). Gesammelte Schriften, op.cit., t.I, vol. 2, p. 691-704; trad. fr. id., “Sur le concept d´histoire”. Oeuvres, III. Trad. de Maurice de Gandillac, Rainer Rochlitz e Pierre Rusch. Paris: Gallimard, 2000, p. 427-443. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Sobre o Conceito de História”. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio - Uma leitura das teses ‘Sobre o Conceito de História’. Tradução das teses Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005].
  • 15
    BENJAMIN, Walter. “Theologisch-politisches Fragment” (1921-1922). Gesammelte Schriften, op. cit., t. II, vol. 1, p. 203-204 ; trad. fr., id., ”Fragment theologico-politique”. In: OEuvres I. op. cit., p. 263-264. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Fragmento Teológico-Político”. In: O anjo da história. Trad de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.23-24].
  • 16
    ROSENZWEIG, Franz. Der Stern der Erlösung. Frankfurt: J. Kauffmann, 1921; Suhrkamp, 1988 ; trad. fr., id., L’Étoile de rédemption, trad. do alemão Alexandre Derczanski e Jean-Louis Schlegel. Paris: Ed. du Seuil, 1982, p. 339.
  • 17
    BENJAMIN, Walter. “Fragment theologico-politique”, op.cit., p. 264.
  • 18
    Ibid.
  • 19
    BENJAMIN, Walter. Paris, capitale du xixe siècle. Le livre des passages. Paris: Ed. du Cerf, 2000, p. 498, 504, 488 e 477. [Tradução: BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2018].
  • 20
    Ibid., p. 488-489.
  • 21
    BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 3, p. 1226.
  • 22
    BENJAMIN, Walter. “Sur le concept de histoire”, op. cit., p. 434. (N. E. Utilizada a tradução, com ligeira modificação, da Tese IX do alemão para o português feita por Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller em LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 87. A mudança se dá na tradução do termo alemão Trümmer, que Jeanne Marie e Marcos Lutz traduzem por escombros, e Michael Löwy por ruínas. Como o autor debate na parte posterior do artigo o significado do termo ruína na filosofia alemã para identificar a posição singular de Benjamin, optou-se por essa modificação).
  • 23
    BENJAMIN, Walter. “Ursprung des deutschen Trauerspiel” (1925), in id., Gesammelte Schriften, op. cit., t.I, vol.1, p. 203-430; trad. fr., id., Origine du drama baroque allemand. pref. de Irving Wohfahrt, trad. do alemão Sylvie Muller, com a colaboração de Andre Hirt. Paris: Flammarion, 1985, p. 178.
  • 24
    HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialektik der Aufklärung. Frankfurt: Fischer, 1971, p. 162. [Edição Brasileira: HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985].
  • 25
    BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”, in id., Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 1, p. 220. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”. In: O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.93-107]
  • 26
    BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. III, vol. 1, p. 220-230 ; id., Poésie et Révolution. Paris: Denoel, 1971, p. 125. [Edição brasileira: BENJAMIN, Walter. “Paris, capital do século XX”. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2018].
  • 27
    BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire : ein Lyriker im Zeitalter des Hochkapitalismus. Rolf Tiedermann (ed.). Frankfurt: Suhrkamp, 1969 ; trad. fr., id., Charles Baudelaire: un poète lyrique à l’apogée du capitalisme, pref. e trad. do alemão por Jean Lacoste. Paris: Payot, 1982, p. 242. [Tradução: BENJAMIN, Walter. “Charles Baudelaire: um poeta na época do capitalismo avançado”. In: Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2017].
  • 28
    SCHILLER, Friedrich. “Was heist und zu welchen Ende studiert man Universalgeschichte ?”(1789). In Kleine historische Schriften. Berlin: Bong & Co., s. d., p. 186.
  • 29
    HEGEL, Friedrich. La Raison dans l’histoire : introduction à la philosophie de l’histoire (1828). Trad. e notas por Kostas Papaioannou. Paris: 10/18, 1965, p. 103.
  • 30
    Ibid., p. 54.
  • 31
    Ibid., p. 35.
  • 32
    SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: die Geschichte einer Freundschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1975, p. 252. A expressão “segundo o modelo judaico” figura na dedicatória do livro pelo Benjamin à sua irmã Dora. Lembramos também que os escritores próximos do fascismo, como Ernst Jünger (objeto de uma crítica radical do Benjamin em 1930) haviam descrito a guerra como “tempestade de aço” (título de um de seus primeiros livros, lançado em 1920). [Tradução: SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: A história de uma amizade. São Paulo: Perspectiva, 2008].
  • 33
    BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, op. cit., t. I, vol. 3, p. 1231.
  • 34
    BENJAMIN, Walter. “Sur le concept d’histoire”, cit., p. 434.
  • 35
    Ibid., p. 1231-1232.
  • 36
    BENJAMIN, Walter. Poésie et Révolution, op. cit., p. 125.
  • 37
    SCHOLEM, Gershom, op. cit, p. 65; ibid., p. 1238-1239. Como observou Irving WohlfarthWOHLFARTH, Irving. “On the Messianic Structure of Walter Benjamin´s Last Reflexions”, Glyph, 3, 1978, p. 148-212., em seu ensaio pioneiro sobre o messianismo nos últimos textos de Walter Benjamin, trata-se aqui de uma “espiral” dialética mais que um círculo, pois o porvir messiânico é o Aufhebung (superação, no sentido hegeliano) de toda história passada. Veja WOHLFARTH, Irving. “On the Messianic Structure of Walter Benjamin´s Last Reflexions”, Glyph, 3, 1978, p. 148-212, p. 186. Veja também, sobre as teses de 1940: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: avertissement d´incendie. Une lecture des thèses “Sur le concept d´histoire”, Paris, Ed. du Seuil, 2001. [Tradução: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de incêndio - Uma leitura das teses ‘Sobre o Conceito de História’. São Paulo: Boitempo, 2005.
  • 38
    BENJAMIN, Walter, Paris…, op. cit., p. 681.
  • 39
    BENJAMIN, Walter. Correspondance. trad. de Guy Petitdemange. Paris: Aubier Montaigne, 1989, t. II p. 13. Carta a Gershom Scholem de 14 de fevereiro de 1929.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2020
  • Aceito
    25 Jul 2020
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