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O Brasil em lições: a história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo

RESENHAS

O Brasil em lições - a história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo

Maria Rosa Chaves Künzle

Mestre em Educação - UFPR, Assessora Pedagógica da APP-Sindicato / Professores Estaduais do Paraná. e-mail: mrck@terra.com.br

MATTOS, S. R. de O Brasil em lições - a história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo. Rio de Janeiro: Acces, 2000.

O livro em questão é resultado de uma dissertação de mestrado em educação, defendida na FGV do Rio de Janeiro, em 1992. O objetivo da autora é analisar os manuais didáticos de história escritos por Joaquim Manuel de Macedo, sob encomenda do governo imperial, entre os anos de 1861 e 1865, e que serviram para alunos do Colégio Imperial D. Pedro II (onde o autor era professor de História do Brasil) e para as escolas primárias de todo o país. Os manuais procuravam cumprir alguns objetivos da educação do império: criar os quadros necessários para a administração e organizar a "boa sociedade" brasileira, formada pelo "súdito-cidadão", uma pessoa conformada ao governo monárquico, católico e centralizado, e a sociedade profundamente hierarquizada, senhorial e escravista.

O livro de Selma R. de Mattos foi organizado em 5 capítulos. No primeiro: Joaquim Manuel de Macedo: uma figura na sombra - é apresentada uma biografia do autor das Lições. No capítulo 2: O império e a boa sociedade, a autora traçou um panorama do Brasil recém liberto de Portugal e como foi ocorrendo a organização da "boa sociedade formada pelo povo", ou seja, pelos brancos proprietários e livres, capazes de governar a si mesmos e ao país. Estavam excluídos, assim, os escravos e todos aqueles que não estivessem agregados à uma família da boa sociedade, na cidade ou nas fazendas. No capítulo 3: ordenar, civilizar e instruir, a autora apresenta os objetivos políticos da educação naquele contexto. No capítulo 4: uma questão de método, a autora relaciona o livro de Joaquim de Macedo com as discussões acerca da história e da historiografia que ocorriam naquele momento, discutidas, em especial pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual Macedo fazia parte. Finalmente, no capítulo 5: Lições de história do Brasil, a autora analisa os manuais e como os conteúdos e metodologias procuraram atingir os objetivos de formação do súditocidadão.

Formado em medicina, o "Dr. Macedinho" como era conhecido atuou como romancista (sua obra mais conhecida é "A Moreninha") além de jornalista, deputado, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e professor de história no Colégio Pedro II. O fato de pertencer a estas duas instituições fez com que seus manuais didáticos tivessem tanto a marca do historiador como a do professor. Para a autora, Joaquim Manuel de Macedo soube casar a historiografia com os conhecimentos e os fins escolares da época, uma das razões para o sucesso que as lições alcançaram.

O governo imperial tinha necessidade de criar quadros políticos e administrativos para o país. Assim, fundou faculdades, escolas primárias e secundárias, institutos científicos, acadêmicos e artísticos. Também era necessário difundir valores para garantir e justificar a divisão social entre senhores e escravos. As elites imperiais se propunham a colocar o Brasil no palco das nações civilizadas, mantendo, porém, as estruturas seculares. Em seus discursos, afirmavam que para isto seriam necessárias três ações: Ordenar, civilizar e instruir.

Várias formas de organizar o ensino foram colocadas em prática, sempre com escolas e métodos diferenciados para diferentes classes sociais. Entre eles havia o Método Lancaster, onde um aluno mais dotado ensinava os mais fracos. Desta maneira, não era necessária a contratação de mais professores. Este método mostrou seus limites na baixa qualidade do ensino. Assim, os intelectuais passaram a desejar maior profissionalização como a contratação de professores mais bem preparados; daí surgiu também a idéia da necessidade de manuais didáticos para o auxílio do professor.

No que diz respeito à ciência da história, naquele momento, ela deixa de ser vista somente como "mestra da vida" para adquirir também a função filosófica de mostrar qual o sentido da vida humana. Entendia-se que a humanidade caminhava em direção ao progresso e à civilização, e cada país procurou narrar os seus caminhos naquela direção, fazendo a "biografia da Nação". Os intelectuais brasileiros aderiram a esta concepção, buscando explicar como o Brasil se civilizava. Joaquim Manuel de Macedo, como membro do IHGB e pertencente à vanguarda historiográfica da época, vai procurar traduzir esta aspiração em seus manuais didáticos.

Ao todo foram três manuais. O primeiro, escrito em 1861, para o 4º ano do Colégio Imperial Pedro II. O segundo, de 1863, foi uma adaptação para o 7º ano, com acréscimos. E o último, escrito em 1865, foi uma adaptação destes dois para as escolas primárias do país, onde a obra sofreu modificações mais importantes na metodologia e na profundidade dos conteúdos. Nos prefácios, Joaquim M. Macedo coloca seus objetivos: combinar erudição com a identificação dos caminhos da evolução da nação e tornar legível a história pátria para os alunos.

Os livros eram organizados na seguinte forma: Texto/ Quadro Sinótico (para o Colégio Pedro II) e Texto/Explicações/ Quadro Sinótico/ Perguntas para os "meninos" das escolas primárias. Iniciava pelos temas do Descobrimento do Brasil, Expedições e Sistema de Colonização, indo até a Declaração de Maioridade de Pedro II. Reforçava-se muito a falta de civilidade dos índios e a vinda dos portugueses para civilizá-los, comprovando a superioridade branca. No conteúdo da Invasão Holandesa, a união das três raças na expulsão do invasor era vista como o germe de uma consciência nacional. Trabalhava-se, neste conteúdo, dois importantes valores: a unidade do território e a "cooperação" das três raças fundadoras, acima das diferenças sociais. Segundo as palavras de Joaquim M. de Macedo: "...emergia um panteão, um sentimento patriótico e a formação do povo brasileiro, prenunciando o Império do Brasil do século XIX. A narrativa da guerra holandesa é a maneira de constituir uma memória nacional e uma história geral, em oposição a uma memória nativista e provincial" (p. 113). O manual justificava o centralismo do Império e por isso falava em história do Brasil e não de histórias regionais.

As Lições de Joaquim Manuel de Macedo foram importantes para cumprir alguns dos objetivos do Império brasileiro por meio do ensino: a) pregar a necessidade do centralismo do governo para garantir a unidade territorial; b) manter as pessoas fiéis à fé católica e, c) fazer com que conhecessem e aceitassem os seus lugares na hierarquia senhorial. Ao mesmo tempo atendeu os objetivos da historiografia da época: fazer a "biografia da Nação brasileira", buscando o lugar do Brasil no palco das nações civilizadas, mostrando as suas origens e seu caminho "inevitável" sempre para o progresso.

A leitura agradável do livro de Selma Mattos nos faz refletir sobre as práticas, sobre as imagens e valores e, especialmente, sobre a função das aulas de história do Brasil na formação de um tipo de aluno que se deseja, tanto no passado como no presente de nossas salas de aula.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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