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UM PASSO A PASSO PARA ESTUDOS LINGUÍSTICOS EM TEORIAS FONOLÓGICAS 1 1 Às perguntas, somam-se as notas e as referências de cada capítulo.

Fonologia, fonologias: uma introdução (2017), organizado por Dermeval da Hora e Carmen Lúcia Matzenauer, compreende estudos sobre Teorias Fonológicas. A obra é dedicada a Gisela Collischonn (in memoriam), fonóloga admirável, que tão prematuramente nos deixou. A apresentação é feita pelos organizadores, que prometem levar o leitor ao “mundo dos sons”, enquanto substância das línguas humanas e unidade das suas gramáticas. Os 11 capítulos que compõem o livro estruturam-se por meio de 6 perguntas 1 1 Às perguntas, somam-se as notas e as referências de cada capítulo. :

  1. O que é a Fonologia _ _ _ _ _ _ _ _ 2 2 Entende-se o tracejado como o completo ao tipo da Fonologia presente nos capítulos. Por exemplo: Fonologia Gerativa, Fonologia Lexical, Fonologia Prosódica etc. ?

  2. O que a Fonologia _ _ _ _ _ _ _ _ estuda?

  3. Como analisar fenômenos da língua usando a Fonologia _ _ _ _ _ _ _ _?

  4. Poderia me dar um exemplo?

  5. Quais são as grandes linhas de investigação?

  6. O que eu poderia ler para saber mais?

O primeiro capítulo, intitulado Fonologia Estruturalista , cujos autores são Juliene Pedrosa e Rubens Lucena, inicia-se com o conceito saussuriano de langue, base para as posteriores formalizações de teorias fonológicas. A respeito especificamente da Fonologia Estruturalista, há a apresentação dos teóricos fundadores e dos aspectos fundamentais ao estudo de uma língua. Os autores do capítulo, ao analisar fenômenos da língua de acordo com a teoria, referem-se especialmente ao linguista brasileiro Joaquim Mattoso Camara Jr. e, consequentemente, trazem como exemplos fenômenos que envolvem consoantes e vogais do português.

O segundo capítulo, Fonologia Gerativa , de Seung Hwa Lee, inicia-se com a apresentação dos pressupostos teóricos da Fonologia Gerativa (ramo de estudo da Gramática Gerativa). Há 1) a explicitação dos fundadores dos estudos em Fonologia Gerativa, 2) a explicação do que essa é e 3) o escopo de estudo dessa. O autor ressalta o objetivo principal da Teoria (explicitar o conhecimento linguístico/faculdade da linguagem do falante-ouvinte de cada língua) bem como seu produto (construção de uma gramática da fonologia de uma língua que descreva o conhecimento fonológico do falante-ouvinte da língua em termos de sistema de regras). Com o intuito de exemplificar um fenômeno linguístico à luz da teoria, Lee discute a ideia e as regras que envolvem o processo de conspiração , valendo-se das alternâncias sonoras do arquifonema /S/ do português. Por fim, tem-se no capítulo uma sistemática construção acerca da Fonologia Gerativa. No capítulo, há valiosas contribuições no modo de descrever e explicar o conhecimento fonológico do falante/ouvinte, portanto.

O terceiro capítulo, Teoria dos Traços , é composto em parceria. Carmen Lúcia Matzenauer e Ana Ruth Moresco Miranda o inicia-no com uma síntese histórica sobre a teoria. Posteriormente, as autoras apresentam ao leitor (de modo muito objetivo e claro) as unidades mínimas que integram a estrutura interna dos segmentos e as duas perspectivas de abordagem dos traços: i) atributos dos segmentos e ii) autossegmentos. Convém ressaltar que tais perspectivas estão originariamente vinculadas a modelos teóricos distintos, isto é, a primeira refere-se ao Modelo Gerativo Clássico e a segunda ao Modelo Autossegmental. Com dados produzidos por crianças brasileiras, as autoras oferecem exemplos que ilustram a dinâmica da gramática fonológica do português. Por fim, ressalta-se que os traços têm um importante poder descritivo e explicativo. Logo, conhecer a teoria é necessário para o avanço de estudos sobre o componente fonológico dos sistemas linguísticos. De modo extremamente cuidado e amigável com o leitor, a escrita do capítulo harmoniza a transição dos modelos lineares para os não-lineares 3 3 Os modelos teóricos sobre a fonologia das línguas são, comumente, separados em duas classes nomeadas de i) modelos lineares ( CHOMSKY, 1968 ) e ii) modelos não-lineares ( SELKIRK, 1984 ; NESPOR;VOGEL, 2007 ; GOLDSMITH, 1999 ). Os modelos lineares consideram a fala como uma combinação linear de segmentos ou traços distintivos, isto é, há uma relação de um-para-um entre os segmentos e as matrizes de traços. Os modelos não-lineares entendem a fonologia de uma língua como uma organização em camadas (tiers). Nesse modelo, a relação de um-para-um é revista. Os traços podem extrapolar (ou não) um segmento e, também, ligarem-se a mais de uma unidade ou funcionar isoladamente ou em conjunto. apresentados plenamente, então, nos cincos capítulos subsequentes.

O quarto capítulo, escrito por Dermeval da Hora e Ana Vogeley, consiste na apresentação da Fonologia Autossegmental . Essa abordagem não-linear concede subsídios para o entendimento multidimensional de processos fonológicos. O ganho descritivo, com arranjo de várias camadas, de representações fonológicas, no que concerne aspectos suprassegmentais, por exemplo, é notável. Logo, os autores reservam parte do capítulo para os fenômenos prosódicos. Muito embora a Fonologia Autossegmental seja considerada uma teoria e não somente um modelo descritivo, é importante entender o modo de representação (estrutura arbórea), as condições das regras e dos processos fonológicos e os princípios de seu funcionamento. Os autores, então, destinam parte do capítulo para esses tópicos. Outrossim, é tratada a coordenação dos componentes do aparelho articulatório na emissão de sons da fala com dados advindos do português.

O quinto capítulo, Teoria Lexical , autoria de Leda Bisol, apresenta a teoria fonológica que trata da palavra em dois componentes, a saber: i) lexical e ii) pós-lexical. Na teoria, cuja base é alicerçada nos modelos de análise gerativistas, há a interação da fonologia e da morfologia no componente lexical. Logo, entidades prosódicas, sílaba, enunciado, processos de formação de palavras e dos membros que a constituem são estudados de maneira singular. A autora ressalta os pontos-chave da teoria, o ordenamento de regras e seus efeitos em modelo serial. Por fim, tem-se uma análise cíclica de uma palavra do português composta por seu radical acompanhado de vogal temática.

O sexto capítulo, Fonologia Métrica , autoria de José Magalhães e Elisa Battisti, é voltado à organização e formalização de relações de proeminência em domínios fonológicos (desde os menores, como a sílaba, aos maiores, como as frases). Apesar de a Fonologia Métrica estudar o sistema, como um todo, de proeminências relativas das línguas, ou seu padrão acentual, alguns pressupostos teóricos, objetos e processos de investigação ganham destaque. Por exemplo, a formação, por meio das relações de proeminência entre os constituintes, da estrutura com subconstituintes binários e organizados hierarquicamente é um caro pressuposto da teoria. Com o intuito de exemplificação dos procedimentos de análise descritos, os autores utilizam o latim, o português e outras línguas naturais.

O sétimo capítulo, Fonologia Prosódica , de Luciani Tenani, evidencia a interface Fonologia e demais componentes da gramática. A autora ressalta que a Fonologia Prosódica se caracteriza como uma teoria formal sobre estruturas prosódicas, as quais são definidas a partir da identificação de informações de natureza sintática ou morfológica relevantes para caracterizar domínios de aplicação de regras fonológicas. Após a demonstração do fato de que não necessariamente há isomorfismo entre os constituintes, a autora chama atenção para a pluralidade de propostas de hierarquias prosódicas. Independentemente das várias propostas, é possível adotar um conjunto de procedimentos para análise à luz da Fonologia Prosódica. Com dados do português, a autora exemplifica tais procedimentos e reflete, especialmente, sobre o choque acentual na língua.

O oitavo capítulo trata da Teoria da Sílaba e é de autoria de Ubiratã Kickhöfel Alves. Inicia-se o capítulo com uma discussão sobre o desafio de caracterização da sílaba. O autor estende essa dificuldade aos termos representacionais, aos mecanismos formais de análise do processo de silabação nas línguas e aos aspectos universais que exercem influência na silabação. Especificamente, em relação à estrutura representacional na Teoria da Sílaba, são apresentados três grupos de propostas para a sua caracterização, a saber: i) autossegmental, ii) arbórea e iii) mórica. Para análise dos fenômenos da língua, mais de uma abordagem pode ser considerada. Têm-se, então, análises que podem considerar uma abordagem baseada em regras, ou uma abordagem baseada em moldes silábicos ou, por fim, uma abordagem baseada em restrições. Convém ressaltar que, para além das diferentes abordagens, é necessário considerar a atribuição dos segmentos às posições silábicas, seguindo princípios universais de silabação. Um conjunto de princípios é apresentado no capítulo. Por fim, o autor pontua que os estudos que se voltam à estrutura silábica do sistema são ainda uma fonte inesgotável de investigações. Finalizados os capítulos referentes às teorias não-lineares, tem-se o modelo nascido nos anos 1990: Teoria da Otim(al)idade.

No nono capítulo, intitulado Teoria da Otimidade , de Luiz Carlos Schwindt e Gisela Collischonn, é apresentada a teoria que impactou, principalmente, estudos em fonologia. De acordo com os autores, essa pode ser considerada um desenvolvimento da Teoria Gerativa, na medida da descrição formal e da busca por universais. No entanto, em seu funcionamento, percebe-se que há uma diferenciação ao compará-la aos modelos gerativos que a precederam. Desde o início do capítulo, os autores trazem exemplos para elucidação inicial da teoria. O primeiro exemplo é do escopo da estrutura silábica do português. Com análise da estrutura silábica em pauta, no capítulo, as propriedades essenciais ao modelo fonológico emergem. É importante salientar que a tarefa da Teoria da Otimidade é promover o mapeamento de formas linguísticas efetivamente realizadas e de suas formas subjacentes. Indubitavelmente, a teoria traz avanços às análises fonológicas, mas há problemas. Finalizando o capítulo, os autores refletem sobre alguns desses problemas.

O décimo capítulo, Teoria de Exemplares , escrito por Thaïs Cristófaro Silva e Christina Abreu Gomes, apresenta um modelo representacional formulado, a priori , para o estudo da percepção e categorização visual no âmbito da psicologia. De acordo com as autoras, três aspectos são estudados na Teoria de Exemplares: i) o detalhe fonético, ii) os efeitos de frequência nas representações mentais e iii) a emergência e o gerenciamento gramatical das representações abstratas. A metodologia experimental pauta-se na expectativa de apresentar evidência empírica com o intuito de corroborar tendências em generalizações das representações gramaticais abstratas. No âmbito de análise de fenômenos, há a consideração de efeitos de frequência e semelhança lexical por meio de consulta em corpora da língua em questão.

O décimo primeiro capítulo e último, Fonologia de Laboratório , de Eleonora Cavalcante Albano, aborda uma posição metodológica aplicável a qualquer teoria fonológica. Considera-se que as relações entre fonética e fonologia devem ser suficientemente claras para embasar hipóteses experimentais. O método, originado no LabPhon Association4 4 Disponível em: https://www.labphon.org/. Acesso em 27 fev. 2018. , pretende ser um estudo científico dos elementos da língua falada ou de sinais e da sua organização, função gramatical e papel na comunicação. De acordo com a autora, nessa perspectiva, debruça-se sobre o mesmo objeto da fonologia tradicional (sistema e processos fônicos), mas de maneira pormenorizada. Assim, um detalhe fonético tem papel essencial em dirimir dúvidas sobre a natureza dos contrastes fônicos, por exemplo.

Fonologia, fonologias: uma introdução (2017) cumpre sua promessa de oferecer subsídios teóricos para reflexões sobre componentes fonológicos das línguas (principalmente, do Português), concomitantemente à apresentação das Teorias Fonológicas. Não obstante, há um amplo e denso estudo que permite a compreensão de teorias e métodos fonológicos e fomenta debates e desenvolvimentos. Com as contribuições de renomados professores-pesquisadores brasileiros, o livro insiste em ser amigável com o leitor, desde o início até o fim, apresentando-lhe objetivamente muito mais que respostas às 6 perguntas que estruturam os capítulos. Reúnem-se contribuições teóricas e resultados de análise, além de problematizações metodológicas. Certamente, a obra conduz o leitor ao “mundo dos sons”.

REFERÊNCIAS

  • CHOMSKY, N. The sound pattern of English. New York : Holt, Rinehart and Winston, 1968.
  • GOLDSMITH, J. (ed.) Phonological theory: the essential readings. Malden: Blackwell Publishers, 1999.
  • HORA, D.; MATZENAUER, C. Fonologia, fonologias: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2017.
  • NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications, 2007. Obra original de 1986.
  • SELKIRK, E. Phonology and syntax. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1984.
  • 1
    Às perguntas, somam-se as notas e as referências de cada capítulo.
  • 2
    Entende-se o tracejado como o completo ao tipo da Fonologia presente nos capítulos. Por exemplo: Fonologia Gerativa, Fonologia Lexical, Fonologia Prosódica etc.
  • 3
    Os modelos teóricos sobre a fonologia das línguas são, comumente, separados em duas classes nomeadas de i) modelos lineares ( CHOMSKY, 1968CHOMSKY, N. The sound pattern of English. New York : Holt, Rinehart and Winston, 1968. ) e ii) modelos não-lineares ( SELKIRK, 1984SELKIRK, E. Phonology and syntax. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1984. ; NESPOR;VOGEL, 2007NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications, 2007. Obra original de 1986. ; GOLDSMITH, 1999GOLDSMITH, J. (ed.) Phonological theory: the essential readings. Malden: Blackwell Publishers, 1999. ). Os modelos lineares consideram a fala como uma combinação linear de segmentos ou traços distintivos, isto é, há uma relação de um-para-um entre os segmentos e as matrizes de traços. Os modelos não-lineares entendem a fonologia de uma língua como uma organização em camadas (tiers). Nesse modelo, a relação de um-para-um é revista. Os traços podem extrapolar (ou não) um segmento e, também, ligarem-se a mais de uma unidade ou funcionar isoladamente ou em conjunto.
  • 4
    Disponível em: https://www.labphon.org/. Acesso em 27 fev. 2018.
  • CNPq (Processo 407836/2017-9)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2018
  • Aceito
    06 Ago 2018
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