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SELEÇÃO LEXICAL E RELAÇÕES SEMÂNTICAS DAS CO-OCORRÊNCIAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

RESUMO

Serão apresentadas reflexões iniciais da pesquisa de doutorado Identidade de gênero no espaço escolar: possibilidades discursivas para superação da heteronormatividade, de Gonzalez (2017), desenvolvida no âmbito projeto “Corpos e identidades como práticas sociodiscursivas: estudos em Análise de Discurso Crítica”. Cumprindo nosso compromisso científico e político com a explanação crítica, em práticas sociais situadas, dos modos de agir e se relacionar (as inter-ações); construir sistemas de conhecimento (as representações) e, ainda, dos modos de ser e de identificar (as identificações) parcialmente (con)formadores de poderes-saberes-subjetividades em relações de gênero, discutimos aqui um aspecto do complexo processo social em curso que é a construção dos conceitos de “gênero social” e de “sexualidade” nos documentos político-pedagógicos nacionais, especificamente, aqui, nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Concluímos que há atores como a família e a escola que são avaliados negativamente assim como a sexualidade e o gênero são tomados como um conceito único e indistinto, possuindo distintas relações com campos semânticos conceituais e co-ocorrências com termos que constroem suas redes semânticas de significados.

Gênero; Sexualidade; Discurso pedagógico; Co-ocorrência; Seleção lexical; PCN

ABSTRACT

Fulfilling our scientific and political commitment with a critical explanation, in situated social practices, of ways of acting and relating (as inter-actions); systems of knowledge (as representations), as well as ways of identifying and identifying identity (as identifications) in terms of power-knowledge-subjectivities in gender relations, we discuss here an aspect of the complex ongoing social process of construction of the concepts of “social gender” and “sexuality” in national political-pedagogical policies, specifically, here, in the “Parâmetros Curriculares Nacionais”. We conclude that there are social actors such as family and a school who are negatively assessed and sexuality and gender are taken as a unique and indistinct concepts.

Gender; Sexuality; PCN; Pedagogical discourse; Lexical selection; Relations of co-occurrences

Introdução

Neste artigo, apresentamos reflexões iniciais da pesquisa de doutorado Identidade de gênero no espaço escolar: possibilidades discursivas para a superação da heteronormatividade, de Gonzalez (inédito), desenvolvida no âmbito projeto “Corpos e identidades como práticas sociodiscursivas: estudos em Análise de Discurso Crítica” (CARDOSO; VIEIRA, 2014CARDOSO, I.; VIEIRA, V. A mídia na culpabilização da vítima de violência sexual: o discurso de notícias sobre estupro em jornais eletrônicos. EID&A: Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n. 7, p. 69-85, dez. 2014. Disponível em: http://uesc.br/revistas/eidea/revistas/revista7/eid&a_n7_05_iv.pdf. Acesso em: 21 jun. 2016.
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; GONZALEZ; VIEIRA, 2015GONZALEZ, C.; VIEIRA, V. A mulher como alvo de campanhas publicitárias: uma análise semiótico-social das campanhas Nesfit, da Nestlé. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v.15, n. 3, p. 347-365, set./dez. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ld/v15n3/1518-7632-ld-15-03-00347.pdf. Acesso em: 12 jun. 2016.
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; RAMALHO, 2012RAMALHO, V. Ensino de língua materna e análise de discurso crítica. Bakhtiniana, Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 178-198, jan./jun. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732012000100011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 05 ago. 2016.
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, 2013RAMALHO, V. ‘Viva sem menstruar’: representações da saúde na mídia. In: SATO, D.; BATISTA JÚNIOR, J. R. (org.). Contribuições da análise de discurso crítica no Brasil: uma homenagem à Izabel Magalhães. Campinas: Pontes, 2013. p. 231-255.; VIEIRA; DIAS, 2016VIEIRA, V.; DIAS, J. de F. Análise de discurso crítica e filosofia da meta-realidade: reflexões sobre ética e identidades. Polifonia, Cuiabá, v. 23, n. 33, p. 51-69, jan./jun. 2016. Disponível em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/3862/2654. Acesso em: 15 jul. 2016.
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).

Cumprindo nosso compromisso científico e político com a explanação crítica, em práticas sociais situadas, dos modos de agir e se relacionar (as inter-ações); dos modos de construir sistemas de conhecimento (as representações) e, ainda, dos modos de ser e de identificar (as identificações) parcialmente (con)formadores de poderes-saberes-subjetividades em relações de gênero, discutimos aqui um aspecto do complexo processo social em curso que é a construção dos conceitos de “gênero social” e de “sexualidade” nos documentos político-pedagógicos nacionais, especificamente, aqui, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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). Nosso foco será voltado principalmente ao Volume 10, dedicado a apresentar o tema transversal da “Orientação sexual” (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v. 10), por se tratar de um documento basilar da apresentação do tema na educação brasileira.

Para tanto, na seção 1, apresentamos conceitos centrais dos estudos de gênero social e da Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003.; PARDO ABRIL, 2013PARDO ABRIL, N. Como hacer análisis crítico del discurso: una perspectiva latinoamericana. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2013.; VIEIRA; RESENDE, 2016VIEIRA, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. 2. ed. Campinas: Pontes, 2016.) para a discussão que realizamos aqui. Na seção 2, abordamos aspectos das dinâmicas do processo social pelo qual os temas “gênero” e “sexualidade” passaram a fazer parte do discurso autorizado pedagógico brasileiro, partindo da compreensão de dispositivo pedagógico, de Bernstein (1996)BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996., dentre outros aportes. Na seção 3, articulamos o debate sobre discurso, gênero e sexualidade no mapeamento relacional das formas principais, de seleção lexical e de construção de relações semânticas de co-ocorrência lexical no documento.

Procuramos, assim, levantar algumas reflexões iniciais sobre as relações de força em curso que sustentam os discursos mais biológico-higienistas e moral-tradicionalistas nos documentos político-pedagógicos em vigência no País, e buscam suprimir ou excluir os discursos com potencial mais emancipador e crítico (FURLANI, 2011FURLANI, J. Educação sexual na sala de aula: relações de gênero, orientação sexual e igualdade étnico-racial numa proposta de respeito às diferenças. Belo Horizonte. Autêntica, 2011.), com abertura para a complexidade sociocultural, para o reconhecimento da diferença e para a educação como prática da liberdade (FREIRE, 2005FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2005.).

Discurso e estudos de gênero social

Para a Análise de Discurso Crítica (ADC) de vertente britânica e latino-americana, a linguagem/o discurso (se) constitui dialeticamente (n)as práticas sociais, isto é, nas maneiras recorrentes, situadas temporal e espacialmente, de

  • representar e projetar o mundo (ou seja, como discursos particulares, em relação às verdades que nos constituem como sujeitos de conhecimento);

  • agir e interagir no mundo (ou seja, como gêneros discursivos, nas relações de poder que nos constituem como sujeitos atuando com pessoas e sobre elas) e

  • identificar, a si e a outrem (como estilos, nas relações éticas em que nos constituímos como sujeitos de ação moral).

Os tópicos acima, elaborados a partir de Chouliaraki e Fairclough (1999)CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburg: Edinburg University, 1999., Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003., Foucault (2011FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Tradução e Organização Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2011., 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Tradução Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1984.) e Morey (1995)MOREY, M. Introduccion: la cuestion del método. In: FOUCAULT, M. Tecnologias del yo y otros textos afines. Organização Miguel Morey. Barcelona: Paidós, 1995. p. 9-44., apontam a ADC como uma abordagem transdisciplinar para a crítica das funções do discurso nas práticas sociais do ponto de vista de seus efeitos ideológicos (ou seja, de sentidos potencialmente a serviço do poder assimétrico, conforme Thompson, 2002THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Tradução e organização Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002.) em saberes/poderes/identificações.

Estudos feitos no campo da ADC comprometem-se com a problematização de questões políticas e morais relacionadas a poder e justiça na vida social. Para além da noção de justiça social (uma noção mais ligada a um sistema legal racional, elaborado por grupos particulares e restritos de pessoas), busca incluir também questões morais da vida social, isto é, “as relações éticas em que nos constituímos como sujeitos de ação moral”, conforme mencionado.

Para além do direito e da utilidade racionais, tais valores envolvem os relacionamentos interpessoais e a consciência cultural que as questões morais requerem (ROSENDO, 2015ROSENDO, D. Sensível ao cuidado: uma perspectiva ética ecofeminista. Curitiba: Prismas, 2015.). Envolvem uma ética do ser sensível ao cuidado, associada à ética do saber e do poder, e problematizadora da racionalidade capitalista hegemônica fundada em dualismos de valor hierarquicamente organizados que mantêm as lógicas de dominação patriarcal colonial-imperialista: homem/mulher, branco/negro, cultura/natureza, humano/não-humano, espírito/corpo, humano/natureza, masculino/feminino, homo/hetero, razão/emoção, dentre outros (BANDEIRA; ALMEIDA, 2008BANDEIRA, L.; ALMEIDA, T. Bioética e feminismo: um diálogo em construção. Revista Bioética, Brasília, v.16, n.2, p. 173-189, 2008.; FELIPE, 2014FELIPE, S. T. A perspectiva ecoanimalista feminista antiespecista. In: STEVENS, C.; OLIVEIRA, S. R.; ZANELLO, V. (org.). Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas. Florianópolis: Mulheres, 2014. p. 52-73.; MIÑOSO; CORREOZ; MUÑOZ, 2014; ROSENDO, 2015ROSENDO, D. Sensível ao cuidado: uma perspectiva ética ecofeminista. Curitiba: Prismas, 2015.).

Como observa Quijano (2000QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, E. (comp.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales: perspectivas Latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/quijano.rtf. Acesso em: 05 mar. 2016.
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, p. 223), dualismos como esses têm legitimado e sustentado na América Latina a colonialidade do saber, a colonialidade do poder e a colonialidade do ser, incluindo os estilos de vida em sociedade. O dualismo entre razão/corpo, por exemplo, (decorrente da separação radical entre “razão-sujeito” e “corpo”), provém, segundo o autor, da racionalidade eurocêntrica que fixou o corpo como “objeto da natureza”, como “objeto de conhecimento” e, consequentemente, como “objeto de dominação e exploração”, legitimando, assim, a “teorização ‘científica’ do problema das raças condenadas como ‘inferiores’”. A construção desse dualismo radical, razão/corpo (natureza-dominação), servira para legitimar não só as “relações raciais” como também as “relações sexuais” de dominação, apresentando-se como um dos pilares da matriz colonial do poder, assentada sobre o controle da economia, o controle da autoridade, o controle da natureza e dos recursos naturais, o controle da subjetividade e do conhecimento, o controle do gênero e da sexualidade (MIGNOLO, 2010, p. 12, citado em BALLESTRIN, 2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522013000200004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 27 jul. 2016.
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, p. 100).

A corporeidade, e as questões a ela atreladas, assim, tem sido legitimada nos discursos hegemônicos como restritamente biológica e natural, o que dissimula a sua constituição social como um marcador central para a distribuição na estratificação social (DIAS, 2014DIAS, D. Brincar de gênero, uma conversa com Berenice Bento. Cadernos Pagu, Campinas, n. 43, p. 475-497, jul./dez. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332014000200475&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 abr. 2016.
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). Todas as vivências do corpo e seus marcadores (pele, raça, sexo, a-normalidades e capacidades físicas e mentais, etnia, classe social, idade/geração) perpassam e constituem nossos agenciamentos como (re) produtores de conhecimento, de relações de poder e de ação moral na vida social.

Hoje, Haraway (2000)HARAWAY, D. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica: 2000. p. 39-129. lembra que a atuação de tais dispositivos de poder não se restringe ao espaço da clínica, mas se estendem em amplas redes de informação, de produção de saberes que visam a controlar as ações, subjetividades e relações de gênero e sexualidade – um dos pilares da matriz colonial/imperialista do poder. É nesse sentido que podemos refletir aqui sobre a articulação entre o dispositivo da sexualidade (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Tradução e Organização Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2011.) e o dispositivo pedagógico (BERNSTEIN, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996.), com seu discurso instrucional e regulador organizado em torno de regras distributivas, recontextualizantes e avaliativas, como retomaremos adiante.

Conforme Pereira (2008)PEREIRA, P. P. G. Corpo, sexo e subversão: reflexões sobre duas teóricas queer. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 12, n. 26, p. 499-512, jul./set. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000300004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 ago. 2016.
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, o dispositivo da sexualidade atualmente funciona por meio da “sexopolítica”, que é a configuração dominante da ação biopolítica no capitalismo contemporâneo. O sexo (órgãos sexuais, práticas sexuais e códigos de masculinidade e feminilidade) e as tecnologias de normatização (fluxos de técnicas cirúrgicas, hormônios, fluxos de representação) das identidades sexuais são agentes do atual regime político de administração dos corpos e de controle e gestão da vida voltados para produzir a “normalidade” heterossexual, patriarcal e reprodutiva. As regras discursivas da heteronormatividade produzem, segundo Pereira (2008PEREIRA, P. P. G. Corpo, sexo e subversão: reflexões sobre duas teóricas queer. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 12, n. 26, p. 499-512, jul./set. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000300004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 ago. 2016.
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, p. 505), performances de gênero (binárias, baseadas nas diferenças de sexo) que são reiteradas e citadas, obscurecendo a “[...] multiplicidade, a plasticidade e a pluralidade de expressões que não podem se reduzir ao masculino e feminino [...]”, ou aos tipos de agência/agenciamento definidos para cada um nessa compreensão binária.

Por outro lado, o corpo não é um dado passivo de um biopoder, e a sexopolítica mostra-se também como o espaço de uma criação onde se sucedem e se justapõem homossexuais, movimentos feministas, transexuais, inter-sexuais, transgêneros. Nesse equilíbrio instável de criação e mudança, os agenciamentos desses corpos desestabilizam a heterossexualidade e a própria economia do poder, e “as tecnologias de normatização são ressignificadas abrindo espaço para resistências a práticas e estratégias heteronormativas” (PEREIRA, 2008PEREIRA, P. P. G. Corpo, sexo e subversão: reflexões sobre duas teóricas queer. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 12, n. 26, p. 499-512, jul./set. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000300004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 ago. 2016.
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, p. 505). Por certo, uma postura política e moral que visa a superar relações de dominação sustentadas no controle do gênero e da sexualidade inclui o debate sobre a função do discurso na manutenção dessas assimetrias de poder.

As contribuições da Linguística para o debate sobre as relações entre gênero social e linguagem, como sintetizam Mills e Mullany (2011)MILLS, S.; MULLANY, L. Language, gender and feminism: theory, methodology and practice. London: Routledge, 2011., ganharam força a partir da “virada discursiva” em meados de 1980, como um compromisso político e social, e não só acadêmico. Gênero social passou a ser mais analisado como processo, em contextos situados e em discursos, a fim de problematizar as crenças que sustentam formas de preconceito e opressão, e a sexualidade passou a ser vista como aspecto central para análise das identidades. Em linhas gerais, nesse percurso o conceito de gênero social ampliou seu foco para abarcar questões como poder, raça, etnia, classe social, idade/geração, territorialidade, corporalidades e performances, na interface entre poder e discurso (GONZALEZ; VIEIRA, 2015GONZALEZ, C.; VIEIRA, V. A mulher como alvo de campanhas publicitárias: uma análise semiótico-social das campanhas Nesfit, da Nestlé. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v.15, n. 3, p. 347-365, set./dez. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ld/v15n3/1518-7632-ld-15-03-00347.pdf. Acesso em: 12 jun. 2016.
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).

“Sexo”, portanto, não é só um dado físico, biológico, dissociado de representações sociais e culturais, mas sim revestido de saberes, significações, poderes e tecnologias hegemônicas – políticas, científicas, jurídico-legais, educacionais, biomédicas, atuando como dispositivos de poder. Um exemplo poderia ser apontado no debate da legalização do aborto no Brasil. Machado (2010MACHADO, L. Z. Feminismo em movimento. São Paulo: Francis, 2010., p. 131 e p.136) mostra a função normatizadora de discursos como o científico, o religioso, o jurídico na manutenção de práticas opressoras que submetem mulheres a um tipo de “lei do intercurso sexual”, segundo a qual “a mãe seria produzida ao mesmo tempo e no mesmo ato de intercurso sexual que cria o filho biológico”. A partir daí, não lhe seria mais facultado o direito da decisão sobre o próprio corpo, ou seja, o direito de “desfazer o que o homem fez”. Assim, uma justificativa apresentada como biológica passa a ter potencial para legitimar diferenças de poder supostamente naturais/essenciais entre mulheres e homens, e, mais, o poder dos homens sobre os corpos das mulheres, legitimando o estupro, a violência doméstica, o feminicídio, as limitações do direito de ir e vir e ser/atuar livremente na sociedade etc. (CARDOSO; VIEIRA, 2014CARDOSO, I.; VIEIRA, V. A mídia na culpabilização da vítima de violência sexual: o discurso de notícias sobre estupro em jornais eletrônicos. EID&A: Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n. 7, p. 69-85, dez. 2014. Disponível em: http://uesc.br/revistas/eidea/revistas/revista7/eid&a_n7_05_iv.pdf. Acesso em: 21 jun. 2016.
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; MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, I. Gênero e discurso no Brasil. Discurso & Sociedad, Barcelona, v. 3, p.714-737, 2009., 2010MAGALHÃES, I. Discurso e identidades: exotismo e domínio violento. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, v. 11, n.1, p. 13-37, 2010.).

Estudar gênero é uma forma de compreender as relações sociais a partir de conceitos e representações em práticas sociais desenvolvidas entre as pessoas. Como se constroem as relações entre as pessoas, sejam elas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, de idade, classe social, cor e raças iguais ou diferentes, é uma das preocupações centrais das pesquisas em que se tematiza o conceito de gênero e a compreensão ou juízo de valor que as pessoas têm sobre as outras a partir da anatomia sexual e conformação social. A tentativa de anulação de diferenças individuais, a imposição de um padrão e as representações sobre agentes sociais são, também, preocupações de estudo.

Conforme Louro (1992LOURO, G. L. Uma leitura da história da educação sob a perspectiva do gênero. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 6, p. 53-67, 1992., p. 21), o conceito de gênero “serve, assim, como uma ferramenta analítica que é, ao mesmo tempo, política”. Dirigir o foco para o caráter fundamentalmente social não implica desconsiderar a biologia, mas enfatizar a construção social e histórica do gênero produzida sobre as características biológicas. Cabe lembrar que relações de gênero e suas expressões situam-se no continuum entre masculino-feminino, frequentemente apagado discursivamente nas representações e estilos.

Como Grossi (1998GROSSI, M. Identidade de gênero e sexualidade. Antropologia em Primeira Mão, Florianópolis, p. 1-18, 1998., grifo nosso) destaca, todo indivíduo tem um núcleo de identidade de gênero, que é um conjunto de convicções pelas quais se considera socialmente o que é masculino ou feminino. A sexualidade, como campo das práticas e sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos, é “[...] apenas uma das variáveis que configura a identidade de gênero em concomitância com outras coisas, como os papéis de gênero e o significado social da reprodução.” (GROSSI, 1998GROSSI, M. Identidade de gênero e sexualidade. Antropologia em Primeira Mão, Florianópolis, p. 1-18, 1998., p.12). De acordo com a autora, identidade de gênero é uma categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma determinada cultura.

Moore (2015)MOORE, H. Fantasias de poder e fantasias de identidade: gênero, raça e violência. Cadernos Pagu, Campinas, n. 14, p. 13-44, jun. 2015. Disponível em: http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635341/3140. Acesso em: 29 jul. 2016.
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problematiza que a identidade de gênero é construída e vivida por indivíduos, que podem assumir múltiplas posições de sujeito dentro de uma gama de discursos e práticas sociais, levando em conta principalmente a experiência subjetiva da identidade, o fato físico de ser um sujeito num corpo e a continuidade histórica do sujeito, em que posições passadas tendem a sobredeterminar posições presentes de sujeito.

As questões de gênero, portanto, sendo socioculturalmente situadas e negociadas, mobilizam redes de poderes, práticas, agenciamentos, normas e saberes em lutas hegemônicas, parcialmente discursivas. A colonialidade do saber, do poder e do ser é parcialmente sustentada pelos discursos ideológicos produzidos e legitimados pelos dispositivos, organizados em redes de ordens do discurso, com sua função normativa e reguladora mobilizando mecanismos de organização e controle do social por meio da produção de saberes, de estratégias e de práticas (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Tradução e Organização Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2011.; FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003.). A teorização sobre o dispositivo pedagógico, mencionada acima, pode nos auxiliar a refletir sobre como isso se processa em relação ao discurso pedagógico.

Gênero e sexualidade no discurso pedagógico

Conforme Chouliaraki e Fairclough (1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburg: Edinburg University, 1999., p.151), o dinamismo da ordem do discurso, capaz de gerar novas articulações de discursos, gêneros e estilos, é que mantém a linguagem como um sistema aberto, mas também é “a fixidez da ordem do discurso que limita o poder gerativo da linguagem, impedindo certas conexões”. Assim, novas articulações de gêneros, discursos e estilos de diferentes ordens do discurso também contribuem para a construção de significados socioculturalmente situados e negociados.

Por isso, entende-se que o controle sobre as coisas na vida social (o saber sobre relações de gênero e sexualidade) opera nas relações com/sobre as outras pessoas (nos poderes reguladores das diretrizes educacionais e curriculares) bem como nas relações das pessoas consigo mesmas (nas relações éticas e identitárias como sujeitos morais atuando no mundo). Tal processo social possibilita certas conexões, como entre os discursos biológico-higienista, moral-tradicionalista, religioso-radical, terapêutico, e o discurso pedagógico, e impede outras, como as conexões entre os discursos dos direitos humanos, dos direitos sexuais, da abordagem emancipatória e queer, questionadora dos processos de normatização da sexualidade, e o discurso pedagógico, nos termos das abordagens da educação sexual propostas por Furlani (2011)FURLANI, J. Educação sexual na sala de aula: relações de gênero, orientação sexual e igualdade étnico-racial numa proposta de respeito às diferenças. Belo Horizonte. Autêntica, 2011..

A teorização sobre o dispositivo pedagógico, mencionada acima, pode nos auxiliar a refletir sobre como isso se processa em relação ao discurso pedagógico, que se organiza em torno de regras distributivas, recontextualizantes e avaliativas. Nas reflexões sobre o dispositivo de poder pedagógico, Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996., p.195) propõe que o discurso pedagógico se organiza segundo três regras principais: distributivas, recontextualizantes e avaliativas. De maneira bem simplificada, pelas regras

  • distributivas, o discurso pedagógico exerce o controle simbólico e a distribuição social “do que é pensável”, ou “impensável’, e “de quem pode pensar sobre”, definindo e distribuindo, assim, os conhecimentos que podem/devem circular na escola;

  • recontextualizantes, o discurso pedagógico articula dois discursos principais: o discurso instrucional, ou seja, das pedagogias da transmissão e aquisição de conhecimento, nos currículos explícitos; e o discurso regulador, das pedagogias da construção de relações sociais e da ordem, no currículo implícito, e

  • avaliativas, opera-se a transformação do discurso pedagógico em prática pedagógica, definindo as formas e condições de transmissão e aquisição do conhecimento com base em tempos (idade), espaços (contextos) e textos (conteúdos) que são concretizados na escola.

O que se destaca no discurso pedagógico, para Chouliaraki e Fairclough (1999)CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburg: Edinburg University, 1999., é a sua propriedade recontextualizante, que desloca discursos de outras práticas e contextos originais e os realoca em sua própria prática, de acordo com seu princípio de distribuição, focalização, transmissão, controle e reordenamentos seletivos, sujeitos a visões de mundo particulares e a interesses especializados ou políticos dos agentes recontextualizadores (MAINARDES; STREME, 2010MAINARDES, J.; STREME, S. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais e curriculares. Revista Teias, Rio de Janeiro, v.1, n. 22, p. 31-54, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/viewFile/24114/17092. Acesso em: 12 abr. 2015.
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). São muitos os discursos, instituições, aparelhos, organizações, leis, regulamentos, decisões, medidas administrativas, conceitos científicos, enunciados, proposições filosóficas e morais que se articulam em torno das questões da sexualidade e da educação como estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles, nos termos de Foucault (2011)FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Tradução e Organização Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2011..

Em termos da problemática discutida aqui, o controle sobre os conhecimentos e os saberes acerca da sexualidade e das relações de gênero do discurso pedagógico com seu princípio recontextualizante (discursos) é mediado pelas ações e relações de poder entre/sobre docentes, estudantes, governo progressista, tendências políticas conservadoras, movimentos sociais etc., materializadas em documentos legais e currículos explícitos e implícitos com poderes para regulamentar práticas (gêneros discursivos), assim como essas ações e relações entre/sobre pessoas pressupõem relações éticas consigo mesmo/a nas práticas e vivências identitárias e inter-subjetivas, como ser moral que atua no mundo com seu corpo (estilos).

Buscando retomar nossa história recente de modo bem sucinto, e simplificado, os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados pelo Ministério da Educação no Brasil, com participação de agentes educadores e a sociedade civil, a partir de 1995 para “traçar um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos jovens na vida adulta” e para orientar agentes professores sobre “[...] o significado do conhecimento escolar contextualizado e da interdisciplinaridade, incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender.” (BRASIL, 2011BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Os parâmetros curriculares nacionais. Brasília: INEP, 2011. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/saeb/parametros-curriculares-nacionais. Acesso em: 10 mar. 2016.
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), contemplando toda a educação básica.

Divulgados a partir de 1997 como uma coleção de documentos que apresentam parâmetros e orientações em relação ao cotidiano escolar e aos principais saberes que devem ser trabalhados nas diferentes fases escolares, oferecem subsídios para agentes educadores e para as instituições elaborarem seu próprio projeto educativo, o qual, segundo as orientações dos PCN, deve estar sempre em construção em um processo contínuo de revisão e aperfeiçoamento.

Os PCN definem um conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania, com orientações para as áreas de conhecimento que formam a base nacional assim como um conjunto de seis temas transversais com proposta de metodologia para sua inclusão no currículo e seu tratamento didático, tendo em vista o “compromisso com a construção da cidadania”, que “[...] pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da participação política.” (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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, p. 17). São eles: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo, Orientação Sexual, esta contemplando uma perspectiva social da diversidade, integridade e dignidade do ser humano, conhecimento do corpo, sentimentos e afeto, dentre outros.

No regime político da democracia conforme assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), cidadania abrange “[...] os direitos civis (liberdade de ir e vir, de pensamento e expressão, direito à integridade física, liberdade de associação) e os direitos políticos (eleger e ser eleito), sendo que seu exercício se expressa no ato de votar.” (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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, p. 20). São, pois, temas de caráter social que devem ser incluídos no currículo de forma “transversal”, de modo a ser contemplado no interior das várias áreas de conhecimento. A proposta é que a interdisciplinaridade e a transversalidade superem a fragmentação disciplinar na escola e as práticas que, de maneira condenável, haviam afastado a escola das discussões de cunho político e social.

Como apresentam os PCN, tais temas foram definidos com base na urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino-aprendizagem no ensino fundamental e necessidade de favorecer a compreensão da realidade e a participação social (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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). Foram incorporados tendo em vista que o “[...] compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da participação política.” (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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, p. 17). Isso tudo considerando os fundamentos do Estado Democrático de Direito e os princípios que devem orientar a educação escolar, a resgatar:

[...] dignidade da pessoa humana (respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas); igualdade de direitos (garantia a todas as pessoas da mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania, considerando-se o princípio da equidade, isto é, que existem diferenças étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja efetivamente alcançada; participação (noção de cidadania ativa, isto é, da complementaridade entre a representação política tradicional e a participação popular no espaço público [...], e co-responsabilidade pela vida social (responsabilidade pelos destinos da vida coletiva incluindo poderes públicos e diferentes grupos sociais, organizados ou não). (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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, p 21).

Fundamentos estes que são mais objetivos a serem concretizados do que algo que, de fato, faça parte da nossa realidade, sobretudo a atual realidade social vivida no Brasil a partir do Golpe de Estado político-jurídico-midiático de 2016, pelo qual um conjunto de instituições e atores da direita que apoia o capitalismo financeiro global tomou o poder da Presidenta da República, no quarto mandato do partido político progressista que governava o Brasil desde 2003. Portanto, fazemos aqui uma breve explanação sobre aspectos específicos de um momento de crise, marcado por complexos processos sociais em andamento, no marco de uma ruptura dos avanços sociais e educacionais em curso no País.

Como discute Gomes (2016)GOMES, M. C. A. Agência e poderes causais: analisando o debate sobre a inclusão de ideologia de gênero e orientação sexual no plano decenal de educação – Brasil. Polifonia, Cuiabá, v. 23, n. 33, p. 89-109, jan./jun. 2016., o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) foi, até junho 2016, o articulador do Sistema Nacional de Educação, com o propósito de servir de base para a elaboração dos planos estaduais, distrital e municipais de Educação. As metas do PNE (2014-2024) foram amplamente debatidas por diversas entidades, discutidas no CONAE 2010 e aprimoradas no Congresso Nacional, principalmente em 2011, quando as escolas públicas do Brasil receberam o Caderno pedagógico do “Projeto Escola Sem Homofobia”. Financiado pelo Ministério da Educação e implementado por organizações da sociedade civil com a orientação técnica da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, tinha como meta “[...] contribuir para o reconhecimento da diversidade de valores morais, sociais e culturais presentes na sociedade brasileira, heterogênea e comprometida com os direitos humanos e a formação de uma cidadania que inclua de fato os direitos das pessoas LGBT.”

Em 2014, a iniciativa foi vetada devido à pressão de correntes políticas conservadoras que julgavam o material como “promíscuo e incentivador da homossexualidade”, o que, posteriormente, serviria de justificativa também para o veto da Meta 21 do PNE, que abarcava questões sobre raça, sexo, gênero e os indígenas. Em 2014, a Presidenta determinou que cada município legislaria sobre os temas, momento a partir do qual uma série de discursos conservadores emergem, sobretudo em 2015 e 2016, como parte da recrudescência da extrema direita no Brasil, liderada pelo capital especulativo global.

Conforme noticia Zinet (2015)ZINET, C. Projeto de lei prevê prisão de docente que falar sobre “ideologia de gênero”. Educação Integral, 2015. Disponível em: http://educacaointegral.org.br/noticias/projetodeleipreveprisaodedocentequefalarsobreideologiadegenero/. Acesso em: 15 jun. 2016.
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, na esteira dos debates sobre gênero e sexualidade, presentes nas elaborações dos Planos Municipais de Educação, em 2015 tramitavam no Congresso Nacional ao menos cinco projetos de lei que tinham como “objetivo interferir diretamente nos conteúdos abordados nas salas de aula, evitando a ‘doutrinação política e ideológica’”. Alguns dos projetos também propunham “coibir o ensino, nas escolas, daquilo que chamam de “ideologia de gênero” e outras formas de “ameaças à família”, na esteira do movimento “Escola sem Partido”, já vetada pelo Ministério Público, mas que almejava combater o que considera um “processo de doutrinação ideológica dentro das escolas do ensino básico”.

Como apontou Thais Moya, representante da ONG Visibilidade LGBT, a exclusão da menção de gênero e sexualidade nos documentos (PNE e PME - Plano Municipal de Educação) poderia trazer várias consequências:

Sem discutir gênero nas escolas, não há prevenção ao machismo e suas violências. Sem discutir gênero e sexualidade, não se previne o assédio sexual, o estupro, a gravidez indesejada, o contágio de HIV, só para citar alguns exemplos. A cada 27 horas uma pessoa LGBT é brutalmente assassinada em nosso país [...]. Sem discutir a homofobia e a transfobia nas escolas, não combatemos o ‘bullying’ que milhares de crianças e adolescentes sofrem diariamente no ambiente escolar por não terem uma expressão de gênero dentro do padrão heteronormativo. Sem a discussão sobre esse tipo de violência de gênero, por exemplo, não combatemos a evasão escolar dessas pessoas, que diariamente têm sua humanidade ridicularizada e acabam desistindo de frequentar a escola, quando, infelizmente, não desistem da própria vida [...] (Thais Moya, apud PIOVEZAN, 2015PIOVEZAN, S. Metas para área da educação ignoram questões de gênero e geram polêmica. G1, São Carlos, 26 jun. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/06/metas-para-area-da-educacao-ignoram-questoes-de-genero-e-geram-polemica.html. Acesso em: 30 jun. 2016.
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, não paginado).

É nessa conjuntura que foi possível manter a “Orientação sexual” como tema transversal, cujos méritos apontam seus esforços para inserir o debate sobre sexualidade e gênero na escola, pela primeira vez na história do Brasil, e cujos desdobramentos necessários reforçam a urgência de retomar a discussão sobre relações de gênero nos currículos e programas educacionais, especificamente na Base Nacional Comum Curricular, em elaboração e discussão, a partir de um ponto de vista crítico, social, discursivo, político e moral, coerente com os princípios da pedagogia crítica que considera o impacto performativo do currículo explícito e implícito no saber, no poder e nas identidades (SILVA, 1999SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.).

Reflexões sobre discurso, gênero e sexualidade nos Parâmetros Curriculares Nacionais

Tal como formulada no seio da ADC, a Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO) considera que os elementos de ordens do discurso (discursos, gêneros, estilos) não são puramente linguísticos, mas categorias que atravessam a divisão entre o linguístico e o não linguístico, entre o discursivo e o não essencialmente discursivo (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003.). O estudo dessas categorias na ADTO contempla simultaneamente relações externas (discursos, gêneros, estilos de uma ordem do discurso particular em relação às redes de ordens do discurso) em análises estruturais do discurso, e relações internas (traços semânticos, gramaticais, lexicais utilizados em textos e sua relação com a prática social), em análises interacionais, na interface entre o social e o discursivo.

Com base nas metafunções da linguagem da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 2004.), entende-se que as principais maneiras como o discurso constitui e é constituído em práticas sociais estão, pois, ligadas aos principais significados do discurso: significado representacional (representação/saber), significado inter-acional (inter-ação/poder) e significado identificacional (identificação/ética). Embora a abordagem seja relacional, traços de relações semânticas, gramaticais e lexicais são, em princípio, associados ou a gêneros, ou a discursos, ou a estilos particulares, como buscamos ilustrar:

Sempre lembrando que a abordagem é relacional, ou seja, que tudo acima está em relação dialética/transformacional, certos significados e formas textuais podem nos dizer mais sobre um aspecto específico na relação entre o discursivo e o não essencialmente discursivo na prática social. Como detalhado em Vieira e Resende (2016)VIEIRA, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. 2. ed. Campinas: Pontes, 2016., gêneros discursivos são, em princípio, realizados nos significados e formas acionais de textos: intertextualidade, estrutura genérica, cadeias de gênero, intergenericidade, controle interacional, relações semânticas/gramaticais, coerência, funções da fala, tipos de troca, modo gramatical, valor da informação em imagens etc.

Discursos particulares são, em princípio, realizados nos significados e formas representacionais de textos: interdiscursividade, seleção lexical, significado de palavras, representação de atores/atrizes sociais e de eventos por meio da transitividade (seleção de processos, participantes, circunstâncias), estrutura visual (narrativa, conceitual) etc.

Estilos/identidades, por fim, são, em princípio, realizados nos significados e formas identificacionais de textos: sistema de avaliatividade (atitude, engajamento e gradação), metáforas, presunções valorativas, contato visual em imagens, linguagem corporal, pronúncia e outros traços fonológicos, vocabulário etc. Isso não impede que a categoria linguístico-discursiva da intertextualidade, por exemplo, lance luz sobre questões identificacionais, já que as seleções e articulações de vozes podem mostrar posicionamentos particulares, subjetivos, de proximidade ou distanciamento de outras vozes e posicionamentos sociais, como forma de ser e atuar no mundo.

Como nosso interesse aqui está mais nos aspectos representacionais da construção dos conceitos de sexualidade e de gênero em um documento oficial em vigência no Brasil (ainda que consequentemente estejamos também ocupadas com os poderes e identidades constituídos por esses saberes), buscamos analisar nos Parâmetros Curriculares Nacionais, volume 10 sobre “Orientação Sexual”, como esses conceitos são construídos.

Como sintetizam Resende e Ramalho (2009)RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V. Análise de discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2009., um mesmo texto pode articular diferentes discursos, em relações de cooperação, negociação, silenciamento e competição, o que pode ser visto como um processo de interdiscursividade. As relações estabelecidas entre diferentes discursos podem ser de diversos tipos, a exemplo das relações estabelecidas entre pessoas (discursos podem complementar-se ou podem competir um com o outro, em relações de dominação), dado que os discursos constituem parte do recurso utilizado por atores sociais ou grupos para se relacionarem, cooperando, competindo, negociando, dominando.

Importante retomar, com Fairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003., p. 130), que “[...] quando diferentes discursos entram em conflito e discursos particulares são contestados, o que é centralmente contestado é o poder desses sistemas semânticos pré-construídos de gerar visões particulares do mundo e seu efeito performativo para sustentar ou refazer o mundo à sua imagem.” No caso do dispositivo pedagógico, o que está em jogo aqui é o controle simbólico e a distribuição social do que é definido e legitimado como conhecimento sobre “sexualidade”, articulando o discurso instrucional e o regulador na prática pedagógica (RAMALHO, 2012RAMALHO, V. Ensino de língua materna e análise de discurso crítica. Bakhtiniana, Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 178-198, jan./jun. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732012000100011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 05 ago. 2016.
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). A universalização e o acesso discursivo de representações particulares são importantes instrumentos de lutas hegemônicas, já que uma das formas de se assegurar temporariamente a hegemonia consiste em disseminar uma perspectiva de mundo particular (um saber) como se fosse a única possível, consensual, legítima e aceitável (VIEIRA; RESENDE, 2016VIEIRA, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. 2. ed. Campinas: Pontes, 2016.).

Tendo esses aportes teórico-metodológicos sociais e discursivos em vista, passamos para uma aproximação analítica dos PCN, com foco no Volume 10, dedicado ao tema transversal Orientação sexual (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10.), por se tratar de uma parte fundamental na apresentação do tema no Brasil.

Representação de atores sociais

Segundo Vianna e Unbehaun (2004), desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, vários esforços têm sido feitos no sentido de sugerir através de instrumentos jurídicos reformas e mudanças na educação básica. Dentre estas reformas, está a promulgação do texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, de 1996, e o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que será discutido. Os dois textos anteriores, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases, não fazem menção às questões relativas a gênero e sexualidade. São justamente os PCN que marcam a introdução do tema, através da inclusão de cadernos com temas transversais, entre os quais, a Orientação Sexual (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10.).

Ainda segundo Vianna e Unbehaun (2004), os PCN são o primeiro texto jurídico na ordem de textos normativos que regulam a educação no Brasil a desvelarem a questão de gênero. No entanto, a questão é desvelada, ainda de maneira sutil e tímida, mas não aprofundada, restrita a uma visão binária e, por vezes, essencialista. É inovadora a inclusão como eixo central da educação escolar o exercício da cidadania e de temas que visam a resgatar a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedade e a co-responsabilidade pela vida social.

Ao longo da “Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais” (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v. 1), há menções a questões de gênero como a comparação do tempo médio de estudos de meninos e meninas e o uso equivocado do termo “gênero” ao invés do termo “sexo”, como exemplificamos:

Exemplo 1


Tabela 1 : Número médio de anos de estudos; Brasil 1960 a 1990

Exemplo 2

A mídia, nas suas múltiplas manifestações, e com muita força, assume relevante papel, ajudando a moldar visões e comportamentos. Ela veicula imagens eróticas, que estimulam crianças e adolescentes, incrementando a ansiedade e alimentando fantasias sexuais. Também informa, veicula campanhas educativas, que nem sempre são dirigidas e adequadas a esse público. Muitas vezes também moraliza e reforça preconceitos. Ao ser elaborada por crianças e adolescentes, essa mescla de mensagens pode acabar produzindo conceitos e explicações tanto errôneos quanto fantasiosos. (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v. 10, p. 292).

Aqui há um conflito com a representação anterior do termo sexualidade, que foi apresentado como algo que “aflora” em todas as idades, natural, pois se é natural, por que haveria de existir um vocabulário autorizado a falar no tema? Há um pressuposto de que existiriam duas sexualidades: a da criança, que não deve ser “erotizada e fantasiosa”, e a do adulto, que poderia ser. A mídia é representada como um ator antagonista contra o qual a escola teria que lutar, para “corrigir” (já que “errôneos”) os conceitos, as explicações e as condutas “desviantes” em relação à sexualidade. Há uma atribuição de culpa e responsabilidade a outras instituições sociais, neste caso a mídia, e uma desresponsabilização consequente da escola.

A sexualidade, quando recontextualizada no contexto escolar, passa a ser representada/ressignificada no texto como “orientação sexual”. Neste momento, vários discursos higienizadores e biologizantes são acionados para legitimar a necessidade de incluir a temática no currículo escolar. A sexualidade, afirma-se, estaria ligada à “vida, à saúde, ao prazer e ao bem-estar” e o trabalho com a “Orientação Sexual” articula-se com a “promoção da saúde”:

Exemplo 3

Se a escola deseja ter uma visão integrada das experiências vividas pelos alunos, buscando desenvolver o prazer pelo conhecimento, é necessário reconhecer que desempenha um papel importante na educação para uma sexualidade ligada à vida, à saúde, ao prazer e ao bem-estar e que englobe as diversas dimensões do ser humano. O trabalho sistemático de Orientação Sexual dentro da escola articula-se, também, com a promoção da saúde das crianças, dos adolescentes e dos jovens. A existência desse trabalho possibilita a realização de ações preventivas das doenças sexualmente transmissíveis/Aids de forma mais eficaz. Diversos estudos já demonstraram os parcos resultados obtidos por trabalhos esporádicos sobre esse assunto. Inúmeras pesquisas apontam também que apenas a informação não é suficiente para favorecer a adoção de comportamentos preventivos. (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v. 10, p. 293).

Como aprofundamos adiante, os discursos sobre a sexualidade são hibridizados com os da promoção da saúde para a criação de um novo discurso, o da necessidade da educação no tema “Orientação Sexual” em pauta. Há apresentação do discurso legitimador da autoridade científica com uso de generalização em “diversos estudos” e o reiterado uso do termo prevenção e derivados (condutas preventivas e comportamentos preventivos), ou seja, associa-se a sexualidade à prevenção de doenças e de “comportamentos indesejados”, desestabilizando, novamente, o conceito da sexualidade como algo natural, mas suspendendo o debate sobre implicações das relações de gênero na vida social, a exemplo de padrões sexuais e comportamentais que contrariam a heteronormatividade.

No tópico de Orientação Sexual a temática de gênero ganha relevo. Assumem-se como objetivos “combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua transformação”, incentivando, nas relações escolares, a “diversidade de comportamento de homens e mulheres”, a “relatividade das concepções tradicionalmente associadas ao masculino e ao feminino”, o “respeito pelo outro sexo” e pelas “variadas expressões do feminino e do masculino” (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v.10, p. 144 e p.146). Há nessas detalhadas referências o compromisso com uma formação voltada para a promoção de relações interpessoais dotadas de significados não discriminadores, privilegiando-se a articulação do conteúdo do bloco concernente ao gênero “com as áreas de História, Educação Física e as situações de convívio escolar” (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1997. v.1 e 10 e v.10., v.10, p.145).

No entanto, como resultado da dinâmica social, de suas possibilidades e constrangimentos, a estratégia discursiva adotada pelo documento é a de binarizar o conceito de gênero, privilegiando as identidades masculina e feminina somente, como identidades gerais, homogêneas e aceitas como identidades padrão no processo educacional. Ou seja, o trabalho com gênero e sexualidade estaria, assim restrito ao âmbito das relações heterossexistas e heteronormativas, excluindo-se, pois, as diversidades de identidades que emergem nas relações sociais, o que um futuro texto oficial que norteia os parâmetros da educação em nosso país poderia fazer diferente.

Seleção lexical e relações semânticas das co-ocorrências de palavras

A palavra “sexualidade”, como mencionado na subseção anterior, é bastante recorrente ao longo do documento. Partiremos das categorias propostas por Pardo Abril (2013)PARDO ABRIL, N. Como hacer análisis crítico del discurso: una perspectiva latinoamericana. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2013. e Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003., da seleção lexical e das relações semânticas de co-ocorrência para explanar os sentidos construídos para a palavra na construção do discurso instrucional e regulador dos PCN.

Retomando brevemente, segundo Fairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003., p. 213), relações semânticas de co-ocorrência (collocations, no original) são padrões mais ou menos habituais de co-ocorrência entre palavras. O autor aponta como exemplo no inglês o termo “poor old”, que é uma combinação frequente de duas palavras que assumem um significado e é mais frequente que “poor young”, por exemplo. Os estudos desses padrões, afirma, são bem consolidados em pesquisas de corpus, em especial os que trabalham com uma extensão grande de corpora de textos, como é o nosso caso, a despeito do recorte dos dados necessário aqui. Auxiliam, conforme apontado por Pardo Abril, “a explanar os modelos de contexto, já que as expressões predecessoras e sucessoras portam conhecimento sociocultural, crenças, opiniões e emoções sobre o que se representa, e, nessa medida, permitem reconhecer relações entre discurso e os condicionamentos sociais” que determinam o tema em foco. Vejamos a análise da ocorrência da palavra “sexualidade” e os co-textos a ela associados nos PCN:

Na Tabela 1, vemos a alta recorrência da palavra “sexualidade” no documento. Foi feita uma varreadura em todo documento e, entre as 30 palavras mais frequentes, a com maior percentual foi “sexualidade”. Ao analisar os demais termos, percebemos que orientação, AIDS e doenças também tiveram uma frequência alta, o que reforça nossa discussão anterior sobre a associação do discurso referente à sexualidade com um discurso médico biologizante e de associação do termo com aspectos de cuidados biológicos do corpo.

Tabela 1
– Ocorrências da palavra “sexualidade”, no Caderno 10 dos PCN – Orientação sexual, quantificados em NVivo
Tabela 2
– Frequências no corpus do Caderno 10 dos PCN – Orientação sexual

Uma vez identificada como a palavra com maior ocorrência no documento, é relevante observar quais são os co-textos predecessores e sucessores que circundam essa unidade léxica de alta frequência, uma vez que esses co-textos contribuem para configurar os sentidos que as unidades léxicas vão assumindo ao longo do documento. A seguir, apresentamos um quadro com todos os co-textos associados à palavra “sexualidade”, no trecho do corpus que estamos ilustrando:

Quadro 2
– Co-ocorrências da unidade léxica “sexualidade” na Justificativa para o tema transversal Orientação sexual, Caderno 10 dos PCN

Nota-se nos dados a criação de uma rede conceitual (PARDO ABRIL, 2013PARDO ABRIL, N. Como hacer análisis crítico del discurso: una perspectiva latinoamericana. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2013.) organizada como uma narrativa sócio-histórica sobre o que vem a se constituir como “sexualidade” no discurso de governança pedagógico dos PCN, que se limita aos discursos biológico-higienista, moral-tradicionalista e terapêutico, que, desejavelmente, não inclui o discurso religioso-radical mas que ainda não toma como efetiva e legítima a abertura para o discurso dos direitos humanos, dos direitos sexuais e da abordagem emancipatória e queer.

Os termos antecessores revelam quais são as principais ações que se desenvolvem em torno da sexualidade: “tratar”, “incluir” e “discutir”. Todas, inclusive, aparecem no texto sob a forma das nominalizações: “tratamento”, “discussão” e “inclusão”, revelando o baixo comprometimento com um valor de verdade na ação na construção deste discurso. Os termos “construir” e “construção” também são usados, além de “demanda”. A partir dessa construção semântica básica (PARDO ABRIL, 2013PARDO ABRIL, N. Como hacer análisis crítico del discurso: una perspectiva latinoamericana. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2013.), percebe-se que se elaboram esquemas fundacionais expressos como uma equação em que o objeto representado é definido por um conjunto de categorias, de conceitos e de relações. Isso implica que a sexualidade, segundo o documento, deve ser tratada, discutida e incluída por um ator invisibilizado e, por estar em construção, não é algo materializável, ou seja, há uma estratégia de fragmentação deste objeto que demanda algo sem que saibamos a quem esta demanda é orientada.

Os elementos sucessores confirmam a análise de que a sexualidade estaria relacionada a fenômenos naturais e biológicos, já que é representada como algo que aflora” e que é “apreendido” de forma natural. A palavra “sexualidade” é frequentemente substituída por “Orientação Sexual”. A palavra “sexual” é a segunda de maior recorrência no documento. Em algumas passagens do documento, o termo “sexual” não é usado em co-ocorrência com o termo “orientação”, como são os casos de “contato”, “abuso”, “educação”, “relacionamento”, “prazer”, violência”, que, em algumas ocorrências, relacionam sexualidade a atributos negativos, indesejáveis no contexto social ou escolar. A seguir, tal como foi ilustrado com o conceito de “sexualidade”, apresentamos um quadro com os co-textos do termo “Orientação Sexual”:

No quadro 3, os termos antecessores revelam quais são os principais processos que se desenvolvem em torno da Orientação Sexual: novamente “tratar”, “incluir” e “reinvindicar”. A palavra “trabalho”, no entanto, é nova, e revela uma rede conceitual criada ao redor de “Orientação Sexual” com caráter mais formal, de um trabalho a ser desenvolvido em um local bem delimitado: a escola. A palavra “escola” é um locativo predecessor usado reiteradas vezes, além de “currículo”, “currículo escolar”. Diferentemente da “sexualidade” realizada em diversos locais e por diversos atores, a “Orientação Sexual” pertence ao campo escolar e curricular, sendo matéria reivindicada como tema curricular a ser “trabalhado” nos currículos e em sala de aula.

Quadro 3
– Co-ocorrências do termo “Orientação sexual” na Justificativa para o tema transversal Orientação sexual, Caderno 10 dos PCN

Dessa forma, o documento tece uma legitimação da sexualidade, que passa, então, a ser recontextualizada no discurso pedagógico como “Orientação sexual”, representando, portanto, um discurso particular sobre como a sexualidade deve ser transformada em prática pedagógica no contexto da escola, com inclinação mais restrita ao conhecimento legitimado biológico-higienista e terapêutico e à abordagem moral-tradicionalista.

Conclusão

A despeito do que ainda é preciso desenvolver no Brasil como parâmetros para processos educacionais que incluam questões sobre sexualidade e relações de gênero, na esteira do que ilustramos aqui, também é preciso destacar os avanços possibilitados pela inclusão deste tema em 1997 nos documentos oficiais norteadores da educação brasileira, tal como apontamos na seção 2.

Hoje vivemos um momento de lutas hegemônicas em que estratégias de relações de força sociais e discursivas têm sustentado a defesa da supressão total do conceito de “gênero” nos documentos pedagógico-curriculares. E isso é feito por meio da sustentação de uma rede de discursos hegemônicos, em torno do discurso central religioso-radical, que opera um deslocamento do significado de “ideológico” (ou seja, de sentidos necessariamente favoráveis a assimetrias de poder e processos de dominação, conforme THOMPSON, 2002THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Tradução e organização Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002.) para construírem o suposto problema da “ideologia de gênero e outras formas de ameaças à família”, que tenta frear as conquistas em andamento sobre o tema, possibilitadas também pelos PCN.

Tal postura religioso-radical, no entanto, fere diretamente fundamentos do Estado Democrático de Direito, e os princípios que devem orientar a educação escolar comprometida com a cidadania, tais como respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas; garantia a todas as pessoas da mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania, considerando-se diferenças étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas; co-responsabilidade pela vida social (BRASIL, 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. Acesso em: 10 abr. 2015.
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, p 21). Por outro lado, nessa luta hegemônica por estabilizar o que é conhecimento escolar legítimo nos campos da sexualidade e das relações de gênero, têm emergido relevantes práticas e agenciamentos locais de resistência.

Um exemplo local que trazemos aqui é o caso do Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal (SINDICATO DOS PROFESSORES DO DISTRITO FEDERAL, 2014SINDICATO DOS PROFESSORES DO DISTRITO FEDERAL. Currículo em movimento da Educação Básica. [Brasília]: SINPRO, 25 jan. 2014. Disponível em: http://www.sinprodf.org.br/curriculo-em-movimento-da-educacao-basica/. Acesso em: 15 jun. 2016.
http://www.sinprodf.org.br/curriculo-em-...
), vinculado e subordinado aos PCN mas que traz novos paradigmas e novos discursos à luz e amplia o debate o que diz respeito aos conceitos de gênero e sexualidade. Traz, nos oito Cadernos que compõem o currículo, à exceção do caderno voltado para a Educação Profissional e a Distância, as temáticas relativas a gênero, sexo e sexualidade, às vezes de maneira mais marcada e evidente, outras de maneira mais discreta, mas em direção ao desenvolvimento do tema nas áreas de Ciências Humanas como componentes essenciais às relações sociais. Ainda, com base nesses mesmos pressupostos, a Secretaria de Educação do Distrito Federal tem promovido outras iniciativas, tal como as oficinas do Cine-Diversidade, e algumas escolas da educação infantil, por exemplo, já comemoram mais o “Dia dos pais”, ou o “Dia das mães”, mas sim o “Dia da família”, como tivemos a oportunidade de conhecer em campo. Iniciativas locais que, impulsionadas pela discussão do tema, podem favorecer a formação crítica e cidadã na escola, em que a sexualidade e as questões de gênero são tratadas sob a perspectiva da diversidade/pluralidade, evitando a discriminação de gênero, as violências fundadas no discurso biologizante e heteronormativo, o sexismo, o capacitismo, o protagonismo masculino em sala de aula (GONZALEZ, 2013GONZALEZ, C. Identidade de gênero no espaço escolar: o empoderamento feminino através do discurso. 2013. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.), dentre outros problemas fundamentais que exigem tomada de posição urgente na vida social, como preconizam os PCN.

E, por certo, uma postura política e moral que visa superar relações de dominação sustentadas no controle do gênero e da sexualidade inclui o debate sobre a função do discurso na manutenção dessas assimetrias de poder. Práticas e estratégias (e a escola é espaço fundamental para isso) de conscientização linguística crítica podem ajudar a desvelar e a problematizar os efeitos sociais opressores e geradores de sofrimento da disseminação e legitimação dos discursos ideológicos que produzem e sustentam dualismos de valor assimétricos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2017
  • Aceito
    29 Abr 2018
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