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O estudo da Administração Pública e o despertar de Ruy Mauro Marini para o pensamento crítico

Ruy Mauro Marini’s study of public administration and the development of his critical thinking

El estudio de la Administración Pública y el despertar de Ruy Mauro Marini al pensamiento crítico

Resumo

O presente texto procura relacionar a trajetória intelectual de Ruy Mauro Marini com o seu estudo sobre Administração Pública. Tal relação é delimitada pelo período 1955-1958, em que Ruy Mauro estudou na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e concluiu sua graduação como Bacharel em Administração Pública. Trajetória intelectual que parece ter sido influenciada não só pelas disciplinas ali ministradas, uma vez que Ruy Mauro buscava ter contato com as Ciências Sociais, mas, principalmente, por um quadro de docentes que facilitaram tal busca; destacando-se dentre estes Alberto Guerreiro Ramos. Desse modo, no artigo que ora apresentamos não pretendemos descrever a biografia de Ruy Mauro Marini, desejamos apenas discorrer sobre um momento da sua vida intelectual que, segundo ele mesmo, descortinou uma nova época em sua vida.

Palavras-chave:
Administração Pública; Nacional-Desenvolvimentismo; Redução sociológica; A posteriori

Abstract

This article seeks to relate the intellectual trajectory of Ruy Mauro Marini with his study of public administration. This relationship is delimited by the period 1955-1958, in which Marini studied at the Brazilian School of Public Administration (EBAP) of Fundação Getulio Vargas (FGV) and graduated with a bachelor’s degree in public administration. Marini’s intellectual trajectory was influenced by the subjects related to social sciences he was interested in and by the contact with the school’s professors - particularly Alberto Guerreiro Ramos. This article has no intention to offer a biography and focuses on discussing a particular moment in Marini’s intellectual life that he considered opened up a new era in his life.

Keywords:
Public Administration; National-Developmentalism; Sociological reduction; A posteriori

Resumen

Este texto busca relacionar la trayectoria intelectual de Ruy Mauro Marini con su estudio de la Administración Pública. Esta relación está delimitada por el período 1955-1958, en que Ruy Mauro estudió en la Escuela Brasileña de Administración Pública (EBAP) de la Fundação Getulio Vargas (FGV) y completó su graduación con la licenciatura en Administración Pública. Una trayectoria intelectual que parece haber sido influenciada no solo por las materias allí impartidas, ya que Ruy Mauro buscaba tener contacto con las Ciencias Sociales, sino principalmente por un plantel de profesores que facilitó tal búsqueda; entre los que se destaca Alberto Guerreiro Ramos. Así, en el artículo que aquí presentamos no pretendemos describir la biografía de Ruy Mauro Marini, sólo deseamos discutir un momento de su vida intelectual que, según él, abrió una nueva era en su vida.

Palabras clave:
Administración Pública; Nacional-desarrollismo; Reducción sociológica; A posteriori

A melhor maneira de fazer ciência é a partir da vida, ou ainda, a partir da necessidade de responder aos desafios da realidade (Ramos, 1957bRamos, A. G. (1957b). Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Editorial ANDES Limitada., p. 77).

INTRODUÇÃO

Não é incomum, nas biografias de grandes pensadores, depararmo-nos com ausências de informações que fundamentem a origem acadêmica e/ou experiência burocrática dos biografados. Daí muitas vezes ocorrer que os biografados sejam mais reconhecidos pelo destaque que tenham tido em áreas do conhecimento ou profissionais diferentes daquelas de suas origens acadêmicas. Uma das tentativas de correção desse tipo de ausência sobre biografados consiste na publicação, em 2019, do livro Peregrinos da ordem do desenvolvimento: gestores públicos do Nordeste na Formação do Estado Republicano (1930-1964), (Tenório & Wanderley, 2019Tenório, F. G., & Wanderley, S. E. P. V. (2019) Peregrinos da ordem do desenvolvimento: gestores públicos do Nordeste na Formação do Estado Republicano (1930-1964). Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ.), no qual discorremos sobre parte da biografia acadêmica e/ou funcional de Alberto Guerreiro Ramos, Celso Furtado, Cleantho de Paiva Leite, Jesus Soares Pereira e Rômulo de Almeida. Pelo menos três intentos lastrearam o escrito desse livro de 2019: mostrar a importância da intelectualidade nordestina no processo de desenvolvimento do país1 1 Consideremos o fato de que, no Brasil, ser nordestino, negro e/ou participar de outras minorias é ser passível de discriminação. ; ressaltar a experiência profissional desses intelectuais como gestores públicos; e destacar que, ao longo do período estudado, 1930-1964, no nefasto ano de 64, esses intelectuais foram privados de suas liberdades acadêmicas e profissionais ou tiveram que sair do país levando consigo seus conhecimentos e experiências.

O presente texto procura, de certa maneira, dar sequência ao propósito acima descrito em Peregrinos da ordem do desenvolvimento, porém, delimitando o conteúdo do biografado enquanto estudante de uma instituição de ensino, dedicada pioneiramente ao ensino da Administração Pública. Nesse caso, pretendemos rememorar outro grande intelectual brasileiro, não nordestino, mas mineiro, Rui Mauro Marini (1932-1997), mais conhecido pela sua singular importância na criação da Teoria da Dependência do que pela sua origem universitária, que não seria na Economia, como muitos poderiam imaginar, mas na Administração Pública.

Importante ressaltar que este artigo não pretende ser biográfico em sentido restrito, mas sublinhar um momento na vida acadêmica de Ruy Mauro Marini, que desenvolveu uma de suas experiências acadêmicas na então Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP)2 2 Desde 2002, o “E” de empresas foi acrescentado à sigla, que passou a ser conhecida como EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. da Fundação Getulio Vargas (FGV). Desse modo, este artigo delimitará a sua descrição àquele período frequentado por Rui Mauro na EBAP. Ou seja, os autores do presente artigo não pretendem descrever os fatos vividos por Ruy Mauro em toda a sua vida, tais informações poderão ser encontradas em outras publicações. Aqui, apenas procuramos descrever aqueles fatos relacionados ao início de seu aprendizado acadêmico que, conforme ressaltado por Marini, aconteceu quando ele entrou na EBAP, em 1955, para graduar-se em 1958 como Bacharel em Administração Pública. Ou seja, a pretensão dos autores é destacar, da vida acadêmica de Ruy Mauro, a sua aproximação com a Administração Pública como área de conhecimento, fato que o estimulou a aproximar-se das ciências sociais, tornando-o um grande intelectual e militante político latino-americano.

Desse modo, o conteúdo descrito tem como fonte primária as memórias narradas por Ruy Mauro e publicadas no livro Ruy Mauro Marini - Vida e obra, livro organizado por Roberta Traspadini e João Pedro Stedile (2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular.)3 3 Na primeira nota de rodapé deste livro, encontra-se a seguinte explicação de Ruy Mauro: “Este texto foi escrito para atender a uma exigência acadêmica da Universidade de Brasília. Sua finalidade é a de dar conta de minha vida intelectual e profissional, razão pela qual as referências de ordem pessoal ou política que nesse se incluem têm o propósito de mera contextualização. Em nenhum momento pensei na possibilidade de sua publicação, havendo limitado sua circulação a pessoas para as quais ele pode, a meu ver, revestir algum interesse - essencialmente familiares e amigos mais chegados, assim como estudantes que manifestaram especial curiosidade em relação ao meu trabalho. Do sítio Ruy Mauro Marini - Escritos - Memória” (Traspadini & Stedile, 2005, p. 57). . A segunda fonte foi extraída dos livros publicados por Alberto Guerreiro Ramos durante o período de 1949 a 1958, em cujo último ano Marini conclui o seu curso na EBAP. O intento da periodização da obra de Guerreiro Ramos incluindo a fase de estudos de Ruy Mauro na EBAP foi proposital, na medida em que Marini considerou, em suas memórias, a importância de Guerreiro em seu aprendizado em Ciências Sociais. Apesar de este artigo não ter como objetivo expor a obra de Guerreiro Ramos, inferimos, pelas narrações de Ruy Mauro, que o pensamento de Guerreiro Ramos, de certa forma, lapidou o de Ruy Mauro inicialmente.

Assim, o presente texto, além desta introdução, será dividido em mais três seções. Na seção dois, pretendemos identificar um contexto possivelmente influenciador do que viria a ser Ruy Mauro como intelectual. Na terceira seção, descreveremos a trajetória de Ruy Mauro como discente e, principalmente, o seu contato com o docente Guerreiro Ramos. Na quarta, além da normalidade de escritos em seções de considerações finais, pretendemos deixar em aberto uma agenda de estudo que poderia melhorar a compreensão de Ruy Mauro como intelectual além de sua passagem pela EBAP.

CONTEXTO POLÍTICO-INSTITUCIONAL

O resumo do contexto que aqui servirá de referência abrange o período dos anos 30 aos 50 do século passado, o qual engloba o primeiro e o segundo governos de Getulio Vargas, assim como o início do governo de Juscelino Kubitschek. Portanto, quando da entrada de Ruy Mauro na EBAP, em 1955, o Brasil vivia um conturbado momento político com o retorno, em 31 de janeiro de 19514 4 O segundo período Vargas é concluído com o autocídio em agosto de 1954, consequência das pressões e solicitações de renúncia promovidas pela oposição ao seu governo. “Quando o cerco se apertou ainda mais, Vargas respondeu com um último e trágico ato. Na manhã de 24 de agosto, suicidou-se em seus aposentos no Palácio do Catete, desfechando um tiro no coração. O suicídio de Vargas exprimia desespero pessoal, mas tinha também um profundo significado político [expresso na] chamada carta-testamento [...]” (Fausto, 2001, p. 231). , de Getulio Vargas à Presidência da República. Tal retorno tinha como objetivo dar continuidade5 5 De acordo com Ricardo Bielschowsky (1988, p. 421), “[...] o pensamento econômico desenvolvimentista” teve início nos anos 30 com o primeiro governo Vargas”. à promoção do desenvolvimento econômico do país por meio da sua industrialização, intento que estaria inicialmente fundamentado no Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, mais conhecido como Plano Lafer, por ter sido elaborado por Horácio Lafer quando ministro da Fazenda.6 6 O Plano Lafer incorporou ideias que foram projetadas no Plano SALTE, elaborado no governo Eurico Dutra, o qual “[d]deveria abranger o período de 1949-53 [...], [plano] limitado a quatro campos principais: saúde, alimentação, transporte e energia” (Albuquerque, 1981, p. 466). Em 1952, com o intento de apoiar o propósito de industrialização do país, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Propósito, entre outros, que significaria dizer que o

[...] pensamento econômico desenvolvimentista, originado nos anos 30, resistiu à ideologia liberal no imediato pós-guerra (1945/47 e continuou amadurecendo no quinquênio posterior (1948/52). No triênio 1953/55, respondeu com firmeza a uma cerrada investida liberal, reafirmando seus princípios fundamentais. No confronto mesmo entre o neoliberalismo e o desenvolvimentismo, naqueles anos, pode-se perceber um maior amadurecimento do debate sobre industrialização planejada (Bielschowsky, 1988Bielschowsky, R. (1988). Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro, RJ: IPEA/INPES., p. 421).

Além desta concisa descrição sobre o contexto precedente à entrada de Ruy Mauro na EBAP, vale ressaltar que a cultura brasileira nesse período está alinhada à perspectiva econômica desenvolvimentista em voga naquela época, cujo propósito era vencer o subdesenvolvimento brasileiro. Para melhor enfatizar o fato, transcreveremos duas citações de Carlos Guilherme Mota:

[...] os anos 50 caracterizaram-se pela montagem (ou, no mínimo), reforço de tendências ideológicas que vinham se plasmando em ressonância a processos políticos e sociais marcados pelo desenvolvimento econômico e pela criação de condições para uma possível revolução burguesa. A superação do subdesenvolvimento - o termo ganhou concreção nessa década - transformou-se em alvo difuso a ser atingido pelas ‘forças vivas da Nação’: de ‘periferia’ dever-se-ia atingir, de maneira planejada, a condição de ‘centro’, para retomar vocabulário caro aos nacionalistas [ou, no dizer de Ruy Mauro, de dependente para independente] (Mota, 1977Mota, C. G. (1977). Ideologia da cultura brasileira: pontos de partida para uma revisão histórica(2a ed.) São Paulo, SP: Ática., pp. 155-56).

Mas a modernização (termo dos anos 50) efetiva do país dar-se-ia no governo de Juscelino (1956-1961). Expressão desse período, o Plano de Metas redunda num intenso crescimento industrial. Constrói-se Brasília e o país entra numa era de reformismo desenvolvimentista e populista. O golpe civil-militar de 1964 encerra a mais longa experiência liberal-democrática do país, iniciada com a Constituição de 1946: com efeito, o temor de uma república sindicalista provoca a organização de um rígido bloco no poder, de cunho autocrático-burguês. Após 1964, cortado o caminho para uma ordem socializante e democrática, o país se reenquadra rigidamente nos marcos da Guerra Fria, não sendo mais possível uma política externa independente. Nessa perspectiva, o Brasil vê-se distanciado dos movimentos contemporâneos de descolonização e de reformas que ocorrem em outros países da América Latina, na África e na Ásia. O realinhamento com os Estados Unidos tornou-se inevitável, sob a divisa da “interdependência” (Mota, 1990Mota, C. G. (1990). Cultura brasileira ou cultura republicana? Estudos Avançados, 4(8), 19-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0103-40141990000100003
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, p. 21, grifo do autor).

Não cabe dúvida de que duas outras instituições fizeram parte deste contexto político-institucional do período em apreço e com admissibilidade de influência sobre o pensar de Ruy Mauro: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A primeira, CEPAL, foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, cuja sigla, inicialmente, significava Comissão Econômica para América Latina. Posteriormente, em 1984, passou a sigla a denominar Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. O professor Guerreiro Ramos - objeto, a seguir, de nossas apreciações no que diz respeito à formação de Ruy Mauro - considerou a grande relevância da criação da CEPAL: “[...] foi uma coisa muito importante, a coisa mais eminente na história cultural da América Latina. [...] teve uma grande influência sobre mim e sobre todos nós” (Oliveira, 1995Oliveira, L. L. (1995). A sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro, RJ: Editora da UFRJ., p. 152). De forma similar a essa apreciação de Guerreiro Ramos, Francisco Iglésias, em seu livro Trajetória política do Brasil, aponta:

O novo órgão [CEPAL], básico pelo vulto dos trabalhos, foi quem mais estudou o continente, além de adotar uma linha inovadora das práticas e teses tradicionais do liberalismo, na superação do monetarismo pelo estruturalismo, outra explicação do processo inflacionário, defesa da indústria e do planejamento como técnica de política econômica, denúncia da espoliação dos países americanos pelos centros industriais, devido a falsa tese da divisão internacional do trabalho, tão cultivada antes. Está aí a origem da teoria da dependência [...]. Essas ideias tiveram enorme alcance, mesmo no Brasil, sobretudo no governo de Juscelino Kubistschek. Os estudos cepalinos deram novo alcance à famosa controvérsia brasileira do desenvolvimento econômico e ao debate entre liberalismo e protecionismo ou nacionalismo (Iglésias, 1993Iglésias, F. (1993). Trajetória política do Brasil: 1500 - 1964. São Paulo, SP: Companhia das Letras., p. 266).

A segunda instituição, ISEB, direcionada ao ensino e à pesquisa, também de grande importância desde a sua criação, em 14 de julho de 1955, até o seu fechamento, em 13 de abril de 19647 7 Criado pelo “Decreto n.º 57.0608 por João Café Filho, que assumira o Governo diante do suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Foi extinto a 13 de abril de 1964, por força do Decreto n.º 53.884, assinado por Paschoal Ranieri Mazzili, que respondia provisoriamente pela presidência da República logo após a deposição do Presidente João Goulart” (Toledo, 1982, p. 184). , dispunha-se, de acordo com Caio Navarro de Toledo,

[...] - conforme estabeleciam os seus estatutos - a constituir ou lançar as bases de um ‘pensamento brasileiro’ (autêntico ou não-alienado) através de um projeto teórico ideológico de natureza totalizante onde confluiriam disciplinas e ciências diversas: Sociologia, História, Política, Economia e Filosofia (Toledo,1982Toledo, C. N. (1982). ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo, SP: Ática ., p. 17).

Por sua vez, “[a] ideia-matriz que permitiu a criação do ISEB estava sendo gestada desde os primeiros anos do último Governo Vargas. Pode-se mesmo afirmar que o ISEB sucedeu ao Instituto de Economia, Sociologia e Política (IBESP)” (Toledo, 1982Toledo, C. N. (1982). ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo, SP: Ática ., p. 184). Ainda reproduzindo Francisco Iglésias, vejamos a percepção que ele tinha sobre o desenvolvimentismo e a concepção intelectual do ISEB, instituto no qual Guerreiro Ramos atuou como professor de Sociologia:

A palavra decisiva é desenvolvimento. Hipertrofia-se a ideia vista das virtualidades econômicas da nação, até aí indevidamente aproveitadas. Tornou-se moda o chamado desenvolvimentismo, em que tudo fica em segundo plano, mesmo o desenvolvimento social: este, no entender dos propugnadores daquele, viria como decorrência. Criou-se mesmo, em 1955, no Ministério da Educação e Cultura, um órgão famoso no Brasil de então - o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que transformou o nacionalismo e desenvolvimentismo na razão de ser de tudo. Reunindo intelectuais - economistas, sociólogos, cientistas políticos, historiadores, filósofos -, pelo menos desde 1952, tentou formular uma teoria para base de ação. Daí o título que deu ao órgão um de seus críticos - Caio de Navarro Toledo -, de “fábrica de ideologias” (Iglésias, 1993Iglésias, F. (1993). Trajetória política do Brasil: 1500 - 1964. São Paulo, SP: Companhia das Letras., p. 270).

Sem pretender polemizar, lembramos que passados 23 anos após a publicação, por Caio de Navarro Toledo (1982Toledo, C. N. (1982). ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo, SP: Ática .), de ISEB: fábrica de ideologias, o autor organizou um livro comemorativo dos 50 anos de fundação do instituto: Intelectuais e política no Brasil. A experiência do ISEB. Logo no primeiro parágrafo da apresentação, tece o seguinte comentário:

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros se constituiu numa experiência cultural inovadora na história política brasileira. O ineditismo do projeto isebiano consistiu no fato de que intelectuais - em sua maioria, não acadêmicos - de várias orientações teóricas e distintas correntes ideológicas se reuniram não apenas para debater e refletir sobre os “problemas cruciais da realidade brasileira”, deliberadamente, visavam também intervir no processo político do país. Foi o ISEB, no Brasil contemporâneo, a instituição cultural que talvez melhor simbolizou e concretizou a noção (e a prática) do engajamento do intelectual na vida política e social do país. Esse comprometimento não deixou de ser uma experiência difícil e conflitiva, pois, além das tensões e crises internas, o Instituto, desde sua fundação, sofreu um permanente e acirrado cerco ideológico e político por parte de setores da direita brasileira (Toledo, 2005Toledo, C. N. (2005). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB. Rio de Janeiro, RJ: Revan., p. 7).

Nesse livro organizado por Caio de Navarro Toledo (2005Toledo, C. N. (2005). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB. Rio de Janeiro, RJ: Revan.) precisamente no capítulo escrito por Luiz Carlos Bresser Pereira “Do ISEB e da Cepal à teoria da dependência”, o conteúdo corrobora o que aqui pretendemos, bem como o fato de que, posteriormente, Marini reconheceria a contemporaneidade de suas ideias como legado das duas instituições:

Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi um grupo de intelectuais de várias origens e especialidades que, durante os anos de 50, no Rio de Janeiro, desenvolveu uma visão coerente e abrangente do Brasil e de seu processo de industrialização e desenvolvimento. A Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas irá se tornar, a partir de 1949, a origem do pensamento econômico estruturalista latino-americano. [...] As perspectivas abrangentes das duas instituições são contemporâneas, conhecendo seu auge nos anos 50, e são coerentes entre si (Toledo, 2005Toledo, C. N. (2005). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB. Rio de Janeiro, RJ: Revan., pp. 203-204).

No que diz respeito à Administração Pública, não só como área de conhecimento, mas como intento de modernizar a burocracia pública brasileira, destaquemos que, entre os períodos citados por Ricardo Bielschowsky (1988Bielschowsky, R. (1988). Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro, RJ: IPEA/INPES.) e Carlos Guilherme Mota (1990Mota, C. G. (1990). Cultura brasileira ou cultura republicana? Estudos Avançados, 4(8), 19-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0103-40141990000100003
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), dos anos 30 aos 60, o Brasil passou a disseminar essa área de conhecimento por meio de duas instituições. A primeira foi o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), “[...] criado e organizado pelo Decreto-lei n.º 579, de 30 de julho de 1938, com base no art. 67 da Constituição de 1937”8 8 No inciso e do artigo 2º do Decreto-lei nº 579, era a seguinte a redação: “[...] promover a readaptação e aperfeiçoamento dos funcionários civis da União [...]” (Wahrlich, 1983, p. 237). (Wahrlich, 1983Wahrlich, B. M. S. (1983). Reforma administrativa na era de Vargas. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas., p. 236). Instituição que, segundo Francisco Iglésias, fez parte do processo de modernização do país, período liderado por Getulio Vargas e conhecido como Estado Novo. No dizer de Iglésias:

Outro aspecto do Estado Novo a ser destacado, parte da modernização, é o Departamento Administrativo do Serviço Público - o DASP, uma das mais famosas siglas - com o cuidado de organizar a administração, no preparo de pessoal e no melhor recrutamento para os quadros do funcionalismo. A burocracia era ainda bem primitiva, pautando-se apenas por critérios de simpatia, relações pessoais e apadrinhamento, quando passa a ser orientada pela competência. Verifica-se a superação da administração cartorial, fundada em favores, pela administração burocrática, fundada na eficiência, no preparo, com a seleção feita por concursos abertos a todos e com o estabelecimento de carreiras, com promoções baseadas no mérito. O DASP dará oportunidade a quantos se preparam para a vida pública, através de concursos. A classe média será a grande beneficiada com a sua ação (Iglésias, 1993Iglésias, F. (1993). Trajetória política do Brasil: 1500 - 1964. São Paulo, SP: Companhia das Letras., pp. 254-255).

Também a Fundação Getulio Vargas (FGV) está entre as instituições que sucederam ao DASP no preparo de pessoal para o funcionalismo público em um primeiro momento e, posteriormente, para o setor privado. Criada em 1944, “[...] herdou a missão que vinha sendo desempenhada pelo Departamento Administrativo de Serviço Público (Dasp), desde 1937, de profissionalizar a administração pública” (Fundação Getulio Vargas, 2014Fundação Getulio Vargas. (2014). 70 anos de luta. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 9).

Decreto-Lei nº 6.693 (14/7/1944Decreto-Lei nº 6.693, de 14 de julho de 1944. (1944). Dispõe sobre a criação de uma entidade que se ocupará do estudo da organização racional do trabalho e do preparo de pessoal para as administrações pública e privada. Rio de Janeiro, RJ. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-6693-14-julho-1944-452525-publicacaooriginal-1-pe.html
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) autoriza o presidente do Departamento Administrativo de Serviço Público (Dasp), Luiz Simões Lopes, a criar uma entidade ‘que se proponha ao estudo e à divulgação dos princípios e métodos da organização racional do trabalho e ao preparo de pessoal para a administração pública e privada, mantendo núcleos de pesquisa, estabelecimentos de ensino e os serviços que forem necessários (Fundação Getulio Vargas, 2014Fundação Getulio Vargas. (2014). 70 anos de luta. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 16).

Dentro da estrutura organizacional e atendendo ao Decreto-Lei nº 6.693, de 14 de julho de 1944, foi criada, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1952, a primeira instituição de ensino em Administração Pública no Brasil e da América Latina, a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP)9 9 Também com apoio da ONU, foi criada em 1954, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). .

Chama atenção a singularidade do modelo jurídico adotado no país no campo da formação de quadros para a administração pública. O padrão vigente no cenário internacional tinha como referência o modelo da École Nationale d’Administration (ENA), da França, criada como uma instituição pública. Já o Brasil optou por um modelo de fundação de direito privado com financiamento público e, por conseguinte, dotada de maior autonomia administrativo-financeira, além de independência acadêmica.

Logo no início a Ebap se empenhou em formular quatro tipos de curso: cursos de formação, com duração de três anos; cursos de aperfeiçoamento, com duração de dois anos; cursos especiais, com duração de quatro meses; cursos de extensão com duração variável (Fundação Getulio Vargas, 2014Fundação Getulio Vargas. (2014). 70 anos de luta. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 66).10 10 Observamos que, à época e dentro da estrutura organizacional da FGV, existia o Instituto Brasileiro de Administração (IBRA), que desde 1955 “[...] passou a ser o órgão específico da FGV, incumbido das atividades de treinamento, pesquisa e assistência técnica no campo da administração pública e privada. Era então constituído por três unidades: Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap), Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) e Centro de Assistência Técnica em Administração (Cata)” (Fundação Getulio Vargas, 2014, p. 67). Cabe acrescentar que a relação da FGV com o ensino da Administração Pública não só se fez presente pioneiramente no Brasil, mas em toda a América Latina, por meio da criação, em 1964, da Escola Interamericana de Administração Pública (Eiap), a qual realizou o Curso de Administração para o Desenvolvimento, dentre outros.

O breve esboço político-institucional anteriormente exposto pretende dar conta de um contexto possivelmente refletido na vida acadêmica de Ruy Mauro Marini desde a sua matrícula em 1955 como aluno da EBAP, até a sua obtenção de grau em Bacharel em Administração Pública em 1958. Possivelmente esses reflexos ocorrerão por conta do início de institucionalização de uma área de conhecimento11 11 Vale destacar que o conteúdo programático da Escola, em seu nascedouro, era impregnado por disciplinas das mais diversas áreas das Ciências Sociais em razão do pressuposto de que o administrador público deveria ser capaz de compreender o fenômeno social, para o pleno exercício de suas funções. O que estava em linha com as motivações de Ruy Mauro. ainda em processo de maturação no Brasil e, como veremos a seguir, também pelo contato de Ruy Mauro com Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), docente na EBAP e oriundo de um movimento interinstitucional formatado pelo DASP12 12 “No Departamento de Administração e Serviço Público (DASP), Guerreiro Ramos já tinha um bom nome. Ele era considerado uma pessoa de categoria, era conhecido, porque falava bem. Quem assistia às aulas dele aprovava” (Toscano, 2016, pp. 265-266). , ISEB13 13 “[...] foi assim que eu conheci Guerreiro Ramos: ao contrário do catedrático, um professor que se fazia presente, que dava aulas nessa instituição que era uma grande inovação. [...] Eu conheci o professor Guerreiro Ramos logo no início. Ele dava aulas de Sociologia. Tudo para nós era novidade, desde os próprios títulos até o conteúdo das disciplinas que nos eram oferecidas” (Toscano, 2016, p. 265). e CEPAL. Como docente na EBAP, Guerreiro Ramos, conforme salientará Ruy Mauro, será um personagem importante na sua vida acadêmica.

PERÍODO EBAP - 1955-1958

Ruy Mauro Marini estudaria sob esse quadro político-institucional; especificamente na EBAP, em 1955. Em seu memorial afirma:

[...] proporcionou-me o atingimento do que eu vinha buscando, isto é, a possibilidade de iniciar-me de maneira séria no estudo das ciências sociais; já no segundo ano do curso, eu começara a atuar como professor assistente de Guerreiro Ramos, em seu curso de sociologia na Escola de Serviço Público do Dasp (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 61).

Ampliemos o que diz Ruy Mauro a respeito do Professor Guerreiro Ramos dentro de um contexto universitário aquém do desejado por ele e que irá encontrar na EBAP:

Abria-se uma nova época em minha vida. [...] Nova época, em todos os sentidos. Frente ao clima intelectual tradicionalista e rarefeito que privava na Universidade de então, a Ebap abria amplo espaço às ciências sociais e recrutava seu corpo docente na intelectualidade mais jovem, que a universidade mandarinesca excluía [...]. Figura marcante era ali Alberto Guerreiro Ramos, professor de Sociologia [14 14 Guerreiro Ramos foi o primeiro professor de Sociologia da EBAP, começando a dar aulas no ano de fundação da Escola em 1952. ], crítico irreverente de tudo que cheirasse a oficialismo, eclético incorrigível, aberto a novas ideias que se originavam de Bandug [15 15 Marini se reporta à Conferência de Bandung, realizada em 1955 na cidade de Bandung, na Indonésia, com a participação de 29 países de África e Ásia, cuja programação básica era composta de cinco temas: cooperação econômica; cooperação cultural; direitos humanos e livre determinação; problema dos povos não autônomos; esforços em prol da paz e da cooperação internacional (Escalerala, s.d.). “O espírito de Bandung marcou o processo de descolonização e mostrou o caminho para a inserção internacional dos Não Alinhados, que explicitamente condenavam o racismo, o colonialismo e o imperialismo. Imbuído do ideal de criar um espaço próprio no mundo bipolar da época, esse conglomerado de nações levantava a bandeira da promoção da coexistência pacífica, complementada com a decisão de lutar pela implantação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI) e também de uma Nova Ordem Informativa Internacional (NOII)” (Bissio, 2013, p. 02). ] e da Cepal; sua influência sobre mim, naqueles anos, foi absoluta (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 60).16 16 Ruy Mauro faz referências a outros professores que o influenciaram na EBAP: “Diferente, mas também decisiva, foi a influência que exerceu Julien Chacel, professor de Economia [...]. François Gazier que ocupou a cadeira de Ciência Política [...]. Entre muitos outros nomes a mencionar, é justo registar o de Marcos Almir Madeira [...] da Academia Brasileira de Letras; Marialice Pessoa [professora de Antropologia Cultural], buscava transmitir-nos sua fé inquebrantável em Boas, Lintom e Herskovitz; Mario Faustino [...]; José Rodrigues de Senna [...]; e, last but no the least, Benedito Silva, diretor da Escola, cuja dedicação ao belo projeto [EBAP] que ela representava não foi por mim cabalmente compreendida, naquele momento” (Traspadini & Stedile, 2005, pp. 60-61).

Desse modo, não cabe dúvida de que não apenas a EBAP como também Guerreiro Ramos tiveram importância crucial no início da vida acadêmica de Ruy Mauro. Portanto vale lembrar que o Professor Guerreiro Ramos desempenhou uma experiência profissional e acadêmica que poderá explicar, por si só, a possível influência intelectual sobre Ruy Mauro Marini17 17 Apesar de este artigo não ser uma descrição biográfica de Guerreiro Ramos, mas da importância que ele despontou em Ruy Mauro, é necessário dizer que todo grande pensador foi influenciado por outro e, no caso de Guerreiro, esse papel coube a Nicolau Berdiaeff, pensador russo, falecido na França em 1948: “[...] foi uma grande influência na minha vida, uma influência irrestrita. Não há realmente nenhuma influência mais poderosa na minha vida do que a do Berdiaeff” (Oliveira, 1995, p. 135). .

Como a figura marcante para Ruy Mauro foi Guerreiro Ramos, tornando-se, como ele mesmo o diz, uma grande influência em sua vida naqueles anos de iniciação acadêmica, acreditamos ser necessário tecer alguns comentários sobre as obras produzidas pelo “sociólogo Guerreiro” - parafraseando Lucia Lippe Oliveira (1995Oliveira, L. L. (1995). A sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro, RJ: Editora da UFRJ.) em A sociologia do Guerreiro -, obras produzidas no período anterior e durante a permanência de Ruy Mauro na EBAP. Textos que acreditamos - assim o percebemos - possam ter estimulado o pensamento de Marini a posteriori, uma vez que a fala de Ruy Mauro coincide não só com o período dos escritos de Guerreiro Ramos, bem como com a docência do sociólogo Guerreiro na EBAP. Ou seja, possivelmente o que vai surgir no pensamento de Ruy Mauro no a posteriori teria a ver com a recusa de Guerreiro Ramos em não aceitar a neutralidade do conhecimento, uma vez que a “[s]ua sociologia envolve um conhecimento interessado, comprometido com o processo de mudança social” (Oliveira, 1995, p. 39). A sociologia de Guerreiro é uma sociologia de salvação: “Ela está impregnada de sentido messiânico. Guerreiro quis salvar o homem, o Brasil e as gerações futuras. Seus objetivos sempre estiveram relacionados a ideia de saber de salvação; toda a sua obra está permeada por essa ideia força” (Oliveira, 1995, pp. 40-41). Ruy Mauro fazia parte, à época, das gerações futuras.

O professor Guerreiro, antes de se consagrar como acadêmico, ocupou o cargo de Técnico de Administração do DASP, por meio de concurso público em 1949, em que apresentou um texto sob o título “Uma Introdução ao Histórico da Organização Racional do Trabalho (Ensaio de sociologia do conhecimento)”18 18 Texto publicado originalmente em 1950, republicado em 2009 pelo Conselho Federal de Administração (CFA). De acordo com a ficha bibliográfica do CFA, trata-se de “Tese apresentada ao concurso para provimentos em cargos da carreira de Técnico de Administração do quadro permanente do Departamento Administrativo do Serviço Público - 1949 - enquadrada na seção I - Organização, item a da letra a, das instruções do referido concurso” (Ramos, 2009). . Se observarmos com atenção este ensaio, apesar de o tema central ser a organização racional do trabalho, a dedução mais imediata seria que ele discorreria apenas sobre Taylor e Ford; entretanto, novas rotas para chegar ao entendimento do assunto foram trilhadas. Verificaremos, pela quantidade e qualidade das referências bibliográficas por ele consultadas, 140 referências de autores consagrados como Elton Maio, Max Weber, Frederick W. Taylor, Henry Ford, Max Weber, Peter Drucker, Philip Selznick, entre outros, o que nos oferece a complexidade conceitual que ele gostaria de dar ao texto. Portanto, com base nessa percepção, entenderemos a amplitude pretendida por Guerreiro Ramos para alcançar a compreensão de um conhecimento ainda in statu nascendi.

Vejamos o que diz Guerreiro Ramos sobre o que pretendia com o ensaio que o levou a ocupar o cargo de Técnico de Administração do DASP: “Examinando-se, porém, esta abundante literatura [19 19 Vale reproduzir o primeiro parágrafo do ensaio a respeito dessa “abundante literatura”, para compreender os intentos de Guerreiro ao escrever a sua tese: “As teses que têm sido apresentadas nos anteriores concursos para a carreira de Técnico de Administração, acrescida das numerosas publicações patrocinadas pelo D. A. S. P., constituem, um repositório de indicações e informações utilíssimas sobre os aspectos fundamentais das técnicas de administração. Principalmente graças ao esforço de seus autores, as novas ideias sobre a racionalização administrativa foram debatidas e divulgadas, em nosso meio, da maneira acessível ao grande público interessado nessas questões. Elas são, por assim dizer um verdadeiro patrimônio do Serviço Público brasileiro” (Ramos, 2009, p. 17). ], observar-se-á, nela, a ausência de qualquer estudo sobre a evolução da Organização Racional do Trabalho” (Ramos, 2009, p. 17). No parágrafo seguinte desta mesma página, comenta: “Animados pelo intuito construtivo de contribuir para um acréscimo positivo daquele acervo, decidimos empreender o presente estudo, [...], contrariando a tendência do menor esforço, que seria a de seguir rotas já exploradas” (Ramos, 2009, p. 17). Detalhando o que será exposto na segunda parte do ensaio, diz o professor Guerreiro:

O plano da presente tese concretiza-se nos seguintes tópicos que constituirão capítulos da parte II: I - O trabalho nas sociedades primitivas; II - Os preconceitos anti-trabalhistas na Antiguidade; III - O trabalho na idade Média e no Renascimento; IV - A racionalização in statu nascendi; V - O ambiente racionalizador; VI - O sistema Taylor; VII - O sistema Ford; VIII - A metodologia da organização em emergência; IX - A racionalização na Alemanha; X - A fisiologia e a psicologia aplicada ao trabalho; XI - A racionalização da administração pública; XII - A sociologia do trabalho (Ramos, 2009Ramos, A. G. (2009). Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho. Brasília, DF: Conselho Federal de Administração., pp. 17-18).

Dessa maneira, podemos constatar que o seu intento transcendia os escritos produzidos por Frederick W. Taylor e Henry Ford, paradigmas do pensamento organizacional do início do século XX, isto é, do taylorismo-fordismo ou, simplesmente, fordismo. Não podemos deixar de registrar que o professor Guerreiro publicou artigos e resenhas dos livros que ele estudava sobre as teorias organizacionais na Revista do Serviço Público editada pelo DASP, assim como trabalhou como Técnico de Administração em projetos de reformas administrativas de órgãos do poder central brasileiro. No entanto, vale transcrever parte de sua entrevista em 9 de junho de 1981, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) da FGV, concedida a Alzira Alves de Abreu e Lucia Lippi Oliveira, sobre o que ele achava de sua atividade como técnico em questões relacionadas às racionalidades burocráticas.

A.A. - O que o senhor fazia no DASP?

G.R. - Analisava projetos de organização de departamento, como o Departamento de Agricultura, de penitenciárias, ia para as repartições e dava nova forma, pois eles precisavam se reorganizar. Organizava a polícia... Chato, um negócio chato. Fazia recrutamento de pessoal para o governo federal. Fui chefe da seção de recrutamento. Mas era uma coisa chatíssima. Desde o começo eu vi que aquilo era chato (Oliveira, 1995Oliveira, L. L. (1995). A sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro, RJ: Editora da UFRJ., p. 146, grifo do autor).

Dando sequência aos seus estudos teóricos sobre organização racional do trabalho e ainda antecedendo a entrada de Ruy Mauro na EBAP, o professor Guerreiro (1952) publica, pela “Ed. de Artes Grafs. - C. Mendes Junior” (conforme grafado no livro), A sociologia industrial: formação, tendências atuais, livro que dá continuidade ao seu texto para entrar no DASP - “Uma Introdução ao Histórico da Organização Racional do Trabalho”. No primeiro parágrafo da nota preliminar do livro, escreveu o Prof. Guerreiro: “A ‘sociedade industrial’ é o veio mais recente e um dos mais ricos da sociologia contemporânea. Durante cinco anos, tenho focalizado o assunto, principalmente nos cursos a meu cargo, no setor de ensino do Departamento Administrativo do Serviço Público” (Ramos, 1952Ramos, A. G. (1952). A sociologia industrial. Rio de Janeiro, RJ: Ed. de Artes Grafs., p. 1).

No período no qual Ruy Mauro já estudava na EBAP, publica, pelo ISEB, Ideologias e segurança nacional. Deste livro extraímos um parágrafo que pode ser ajustado ao pensamento nascente de Ruy Mauro no aprendizado das Ciências Sociais:

O homem é um ser social e historicamente constituído. Não existe para ele, a possibilidade de debruçar-se sobre a realidade social, como se fosse um Eu puro, incondicionado, não afetado por influências circunstanciais. [...] O homem não está cindido da realidade histórico-social (Ramos, 1957aRamos, A. G. (1957a). Ideologias e segurança nacional. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros., p. 11).

Ainda em 1957, o professor Guerreiro publica, pela Editorial ANDES, Introdução crítica à sociologia brasileira. Destaquemos deste livro, no segundo capítulo, “Crítica e autocrítica”, o comentário que ele faz sobre a sociologia praticada no Brasil, o qual acreditamos aproximar-se do pretendido neste artigo e confirmar a possibilidade de que Ruy Mauro, então com 23 anos de idade, fazia parte de um fenômeno geracional que Guerreiro acreditava estar ocorrendo no Brasil:

Entramos, porém, numa fase do desenvolvimento do país em que começa a ser possível o exercício da crítica objetiva e até de autocrítica... A produção intelectual no Brasil está ganhando novo significado. A nossa estrutura econômica e social, em seu presente estádio, começa a oferecer ao trabalho intelectual oportunidade de tornar-se criador, do ponto de vista coletivo. As forças centrípetas em atuação na economia brasileira, atingem o trabalho intelectual e o reorientam no sentido da busca da autonomia material e moral do país. Este fato se configura mesmo como um fenômeno geracional entre os rapazes de vinte e trinta anos, que estão iniciando a sua carreira de intelectuais. Não se trata rigorosamente de uma renascença. É, antes, um nascimento (Ramos, 1957bRamos, A. G. (1957b). Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Editorial ANDES Limitada., p. 29).

Ruy Mauro já havia se graduado pela EBAP quando Guerreiro Ramos publica A redução sociológica pelo ISEB, livro considerado seminal por alguns estudiosos da sua obra, até hoje estudado como um clássico da literatura sobre sociologia no Brasil. Dois destaques desta obra gostaríamos de reproduzir, notadamente pelo fato de que Ruy Mauro teve conhecimento de seu conteúdo em vista do que Guerreiro Ramos textualmente diz: “As ideias deste livro foram fragmentariamente apresentadas nos cursos regulares que o autor tem ministrado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros e na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas” (Ramos, 1958Ramos, A. G. (1958). A redução sociológica. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros ., pp. 16-17). O segundo destaque encontra-se na página 16:

A redução sociológica é um método destinado a habilitar o estudioso a praticar a transposição de um conhecimento e de experiências de uma perspectiva para outra. O que a inspira é a consciência sistemática de que existe uma perspectiva brasileira. Toda cultura nacional é uma perspectiva particular. Eis porque a redução sociológica é, apenas, modalidade restrita de uma atitude geral que deve ser assumida por qualquer cultura em processo de fundação. Certamente todos aqueles que estão realizando, em seu campo profissional, uma produção de ideias, de coisas, ou serviços, determinada por necessidades específicas do meio nacional, hão de perceber que a conduta metódica, cuja sistematização se propõe aqui, pode ser adotada, quanto ao essencial, em outros domínios do saber e da atividade humana (Ramos, 1958Ramos, A. G. (1958). A redução sociológica. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros ., p. 16, grifo do autor).20 20 “Um dos postulados básicos ‘da redução’ - propostos por G. Ramos como uma nova prática metodológica para as ‘regiões periféricas’ - vai consistir num crescente esforço de ‘desideologização’ das ciências sociais. Esta ‘desideologização’ implicará em, pelo menos, algumas atitudes básicas a serem assumidas pelos cientistas sociais nas áreas periféricas: a posição de engajamento (‘marcada pelo propósito de transformar, mais do que interpretar a realidade histórico-social’); a ‘exigência de assimilar não mecanicamente o patrimônio científico estrangeiro’ (para o autor, ‘toda produção científica estrangeira é, em princípio, subsidiária’); ‘adoção sistemática de um ponto de vista universal da comunidade humana’” (Toledo, 1982, p. 62, grifo do autor).

Por meio desta sumária exposição da obra de Guerreiro Ramos, propositalmente daqueles livros publicados entre os anos de 1949 e 1958, intentamos demonstrar sua contribuição para a formação de Ruy Mauro no que diz respeito às Ciências Sociais, notadamente à Sociologia. Possivelmente o professor Guerreiro, além do seu pensamento sistematizado sob a forma de livros ou compartilhados em sala de aula, teria influenciado o a posteriori não só de Ruy Mauro como de outros discentes e conhecedores de sua obra em outras gerações. Porém, perguntado por Lucia Lippi, na entrevista anteriormente citada, se ele tinha discípulos, respondeu:

Acho que tenho. Discípulos não, é uma palavra que me repugna, eu desprezaria discípulos. Não há nada que comprometa mais as pessoas do que discípulos; isso me repugna. Mas eu tenho pessoas aqui no Brasil que - é uma coisa fantástica - foram influenciados por mim, inclusive na vida, no pensamento (Oliveira 1995Oliveira, L. L. (1995). A sociologia do Guerreiro. Rio de Janeiro, RJ: Editora da UFRJ., p. 171).

Não teria sido Ruy Mauro Marini uma dessas pessoas influenciadas por Alberto Guerreiro Ramos chegando a ser, a posteriori, literalmente um cientista social em “mangas de camisa”? (Ramos, 1957b, p. 101).

Como discente e leitor de Guerreiro Ramos, Ruy Mauro parece ter assimilado que “[a] compreensão objetiva de uma sociedade nacional é o resultado de um processo histórico. Não salta da cabeça de ninguém, por mera inspiração ou vontade, nem é epistemologicamente possível, na ausência de certos fatores” (Ramos, 1957bRamos, A. G. (1957b). Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Editorial ANDES Limitada., p. 17). Dessa maneira, “[o] homem não está cindido da realidade histórico-social. [...] com efeito, é evidente, [...], que o indivíduo e a sociedade se implicam de modo recíproco. A sociedade é imanente ao indivíduo. O indivíduo é imanente à sociedade” (Ramos, 1957aRamos, A. G. (1957a). Ideologias e segurança nacional. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros., pp. 11-12). Portanto, “[seria] necessário [...] [que] o sociólogo brasileiro se dispusesse a um trabalho científico a partir de um compromisso com a sua particular circunstância nacional. E são raríssimos os esforços neste sentido” (Ramos, 1957bRamos, A. G. (1957b). Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Editorial ANDES Limitada., p. 18).21 21 “[E]ncontra-se também em G. Ramos a distinção isebiana da consciência crítica e da consciência ingênua, sendo aquela responsável direta pelo aparecimento entre nós duma ‘ciência nacional’. A consciência crítica ou autoconsciência coletiva - possibilitada pelas mudanças dos povos em relação à sua existência, transformando-os da condição de ‘objetos a sujeitos da sua própria história’. [...] Em seus ensaios, procurou G. Ramos mostrar os equívocos e impasses que frequentemente têm caracterizado os trabalhos dos cientistas sociais nas áreas subdesenvolvidas” (Toledo, 1982, pp. 60-61).

Ruy Mauro Marini foi um dos raríssimos intelectuais que procurou atender à “Lei do comprometimento”, descrita por Guerreiro Ramos em A redução sociológica:

Esta lei pode ser enunciada do seguinte modo: Nos países periféricos, a ideia e a prática da redução sociológica somente podem ocorrer ao cientista social que tenha adotado sistematicamente uma posição de engajamento ou de compromisso consciente com o seu contexto (Ramos, 1958Ramos, A. G. (1958). A redução sociológica. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros ., p. 75, grifo do autor).

[...] Nos países periféricos, é a adoção sistemática de um ponto de vista universal orientado para o futuro que possibilita a redução sociológica. É o imperativo de acelerar, de modo historicamente positivo, a transformação de contextos subdesenvolvidos, que impõe ao cientista de países periféricos a exigência de assimilar não mecanicamente o patrimônio científico estrangeiro (Ramos, 1958Ramos, A. G. (1958). A redução sociológica. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Superior de Estudos Brasileiros ., p. 82, grifo do autor).

No entanto, em oposição à sua afirmação de que a EBAP havia descortinado uma nova época em sua vida, conforme escrito em suas memórias, temos o seguinte comentário de Ruy Mauro: “É natural que o diploma de Administrador que ela me daria não tivesse a meus olhos a menor importância e que, bem antes de concluir o curso, eu me preocupasse com o modo pelo qual seguir adiante” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 61). Esse desapego ao diploma de Administrador Público também contradiz, de certa forma, o que ele alcançou em termos de conhecimento na EBAP, na medida em que o curso na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil não atendia às suas expectativas acadêmicas: “[...] era o estudo das ciências humanas que me interessava e a Nacional de Direito não me podia dar mais do que o que estava dando, com as limitações que, além disso, me impunham o emprego diurno[22 22 No Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). ]” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 60).

Apesar desses desencontros perceptíveis, o estudo que ele desejava foi obtido na EBAP por meio de um concurso no qual ele passou em primeiro lugar23 23 “A própria EBAP oferecia, no Rio, um cursinho, que fiz e que me facilitou ser aprovado no concurso, em primeiro lugar, o que me garantia a bolsa de estudos. O apoio oportuno de um ‘pistolão’ permitiu-me obter do Iapi licença remunerada para fazer o curso, que foi considerado como ‘de interesse do serviço’. Abria-se uma nova época em minha formação” (Traspadini & Stedile, 2005, p. 60). e de uma bolsa de estudo outorgada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Consideremos ainda que a menor importância que ele atribuía ao diploma de Bacharel em Administração Pública teve o apoio não só da OEA como do IAPI, no qual Ruy Mauro trabalhava como funcionário concursado. “O apoio oportuno de um ‘pistolão’ permitiu-me obter do Iapi licença remunerada para fazer o curso, que foi considerado como ‘de interesse do serviço’. Abria-se uma nova época em minha vida” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 60).

Ressaltamos que essa nova época na sua vida Ruy Mauro encontrou na EBAP por meio de professores que não apenas Guerreiro Ramos, mas por aqueles que são também, segundo suas memórias, reconhecidos como importantes na sua formação: François Gazier, José Rodrigues Senna, Julien Chacel, Marcos Almir Madeira, Marialice Pessoa e Mario Faustino, docentes em Ciências Sociais, que lhe proporcionaram o que vinha buscando: a possibilidade de iniciar-se no estudo dessas ciências. Contudo o ensino da Administração Pública na EBAP não se restringia a essas ciências, o curso compunha-se também de: Antropologia Cultural, Ciência Política, Cultura Brasileira Contemporânea, Economia, Filosofia Política, História Contemporânea e Sociologia. Outras áreas de conhecimento dedicadas às racionalidades organizacionais e/ou administrativas faziam parte da matriz curricular oferecida pela EBAP nos seus diferentes cursos, possivelmente algumas dessas disciplinas de orientação mais operacional fizeram parte do aprendizado de Ruy Mauro no seu bacharelado em Administração Pública.24 24 Administrarão de Pessoal, Administração Financeira e Contábil de Empresas, Administração de Material, Administração Orçamentária, Classificação de Cargos, Comunicação Escrita e Oral, Contabilidade de Custo, Contabilidade Geral, Contabilidade Pública, Deontologia Administrativa, Direito Administrativo, Estatística, Finanças Públicas, Governo e Administração do Brasil, Governo e Administração Municipal, Introdução a Administração Geral, Legislação de Pessoal, Métodos de Pesquisa, Mercadologia, Noções Fundamentais de Direito, Organização & Métodos, Previdência Social, Princípios de Seleção de Pessoal, Problemas de Administração de Pessoal, Problemas de Governo e Administração Municipal, Psicologia, Psicologia Educacional, Relações Públicas, Teoria Prática de Planejamento, Treinamento de Pessoal, bem como línguas: Espanhol, Francês, Inglês e Português.

Quando retorna ao Brasil, em 1960, após os seus estudos desde 1958 no “[...] Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris, o badalado SciencesPO” (Traspadini, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 60), Marini participa de uma pesquisa nacional cujo objeto foi a Petrobrás, coordenada pelo professor José Rodrigues de Senna, “[...] sobre as condições de vida dos trabalhadores da empresa” (Traspadini, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 60). Neste retorno, em 1960, mais uma vez o serviço público estará presente na vida profissional, ou melhor, de subsistência, de Marini. “Em meados de 1960, voltei ao Brasil e reassumi meu cargo no Iapi, passando a trabalhar no setor de organização e métodos da Diretoria de Pessoal, o qual, sob a direção de José Rodrigues de Senna, se dedicava então a mecanização do arquivo de pessoal” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 63).25 25 Possivelmente, Ruy Mauro assistiu às aulas de Organização & Métodos ofertada pela EBAP nos seus diferentes cursos.

Convenhamos que essa função deveria ser entediante para alguém que, com sua formação e regressando de um doutorado, passa a processar arquivo de pessoal. Por mais importante que ainda seja nos dias de hoje a função de arquivista, deveria ser aborrecido. Mesmo assim, apesar dos contraditórios, ser funcionário público, assim como obter um título acadêmico em Administração Pública parecem ter facilitado o futuro de Ruy Mauro Marini não só como intelectual brasileiro, aportando originalidade com a Teoria da Dependência, militante político em busca de justiça social não só no Brasil como na América Latina portanto, em mangas de camisa.

Das suas lembranças passadas na SciencesPO, acrescentemos ainda outra aprendizagem que Ruy Mauro aponta quando da sua instância nesse instituto francês e que tem a ver ainda com a influência de Guerreiro Ramos:

O período que ali passei coincidiu com o auge da teoria desenvolvimentista na América Latina e no Brasil - com a qual eu me familiarizara na Ebap, pela mão de Guerreiro Ramos, havendo inclusive assistido de perto ao processo de formação do Iseb (e antes dele do Ibesp) - e com sua difusão na academia francesa (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 62).

Portanto parece existir uma conformação entre as ideias e práticas compromissadas que posteriormente Ruy Mauro vem a exercer na sua vida intelectual e política nos anos seguintes ao seu contato com Guerreiro Ramos e à conclusão do curso na EBAP. Também, em seguida, ao ingressar no SciencesPO e ampliar a sua base epistemológica desenvolvendo conteúdos como aqueles descritos em Dialética da dependência:

[que] contêm o fulcro de sua concepção sobre o capitalismo periférico, ao criticar as limitações - já evidentes nos anos 60 - da concepção cepalina e formular uma teoria que articula o processo de inserção das formações sociais periféricas no sistema capitalista mundial com as modalidades de acumulação e de exploração da força de trabalho (Marini, 2000Marini, R. M. (2020). Dialética da dependência/uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis, RJ: Vozes; Buenos Aires: CLACSO., p. 8).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cabe introduzir nessas considerações finais o porquê de termos acentuado o nosso foco de estudo nas experiências acadêmicas de Ruy Mauro Marini enquanto estudante de Administração Pública na EBAP entre 1955 e 1958. Um dos primeiros motivos está relacionado à importância que a Administração Pública no Brasil, como área de conhecimento, passou a ter no final dos anos 30 com a criação do DASP e, em 1944, com a criação da FGV. Outro motivo de focalização foi a concepção da CEPAL (1948) e do ISEB (1955). Essas quatros instituições acalentaram, no seu nascedouro, a discussão e promoção de, pelo menos três, áreas de conhecimento - Administração, Economia e Sociologia. A esse fato, acrescentemos o pensamento de um sociólogo Guerreiro, que, interagindo com essas instituições e áreas de conhecimento, parece ter influenciado o pensamento de Ruy Mauro, um futuro intelectual compromissado.

Ao chegar ao Rio de Janeiro em 1950, com o propósito de estudar medicina, inclusive fazendo cursinho pré-vestibular para entrar nesta área de conhecimento, Ruy Mauro Marini muda seus planos: “Embora, no cursinho eu me fosse atualizando em ciências físicas e naturais, estas não eram o meu forte” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 58). Passados dois anos, “[e]m 1953 eu voltaria a me preocupar com a formação escolar. [...]. O ensino da economia apenas se iniciava e se confundia muito [...]. O grande centro de formação humanística, daquela época, continuava sendo a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Foi para lá que me dirigi” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 59). Mas o que ele desejava estudar era Ciências Sociais: “[...] e a Nacional de Direito não me podia dar mais do que o que estava me dando” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 59). Então, sabedor da existência da EBAP na FGV, foi para lá que ele se dirigiu: “Nova época em todos os sentidos” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 59).

Portanto procuramos nos aproximar dessa nova época, quando Ruy Mauro, no seu período de bacharelado em Administração Pública na EBAP, parece ter convivido com uma cultura acadêmica que transcendia as questões operacionais da burocracia pública, por meio de um corpo docente jovem “[...] que a universidade mandarinesca excluía. Figura marcante era ali Alberto Guerreiro Ramos, professor de Sociologia, crítico irreverente de tudo que cheirasse a oficialismo, eclético incorrigível, aberto a novas ideias” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 59).

Valemo-nos dessa figura marcante para explicar a possibilidade de sua influência sobre Ruy Mauro aproximando-o das Ciências Sociais. A EBAP, desse modo, proporcionou a Ruy Mauro o que ele buscara, “[...] isto é, a possibilidade de iniciar-me de maneira séria no estudo das ciências sociais” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 61).

Apesar de Ruy Mauro considerar que o diploma de Administrador que a EBAP lhe daria não tivesse aos seus “olhos a menor importância” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 61), não cabe dúvida de que, à época, a burocracia pública brasileira lhe proporcionou as oportunidades que o tornaram um grande cientista social.

Assim, para concluir e ainda desejando que outros artigos sejam publicados sobre a sua relação com a Administração Pública não só durante o período que antecedeu a sua entrada na EBAP, sugerimos uma agenda de pesquisa que ainda possa dar conta da sua trajetória “[...] ocupando cargos [ainda que] menores, sucessivamente, na Central do Brasil, no Ministério da Aeronáutica e no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi), onde, havendo entrado também por concurso, acabei por ficar” (Traspadini & Stedile, 2005Traspadini, R., & Stedile, J. P. (2005). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo, SP: Expressão popular., p. 61). Poderia fazer parte dessa agenda, quando de seu retorno ao Brasil em 1980, sua participação como docente no processo de formação da primeira turma da Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), promovida pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP)26 26 O link a seguir contém comentário de Ruy Mauro sobre o conteúdo de sua disciplina no referido curso de formação: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3805 . Da mesma forma, a coordenação desenvolvida por Ruy Mauro, junto com Theotônio dos Santos, de um projeto para a criação de um Curso Superior de Administração Pública (CESAP) na então Fundação Escola de Serviço Público (FESP) do estado do Rio de Janeiro.

Ante toda a sua experiência como funcionário público, estudante, cientista e militante político, qual seria a estrutura, projetada por Ruy Mauro, de um curso voltado à Administração Pública? Agenda em aberto.

REFERÊNCIAS

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  • Wahrlich, B. M. S. (1983). Reforma administrativa na era de Vargas Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas.
  • 1
    Consideremos o fato de que, no Brasil, ser nordestino, negro e/ou participar de outras minorias é ser passível de discriminação.
  • 2
    Desde 2002, o “E” de empresas foi acrescentado à sigla, que passou a ser conhecida como EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas.
  • 3
    Na primeira nota de rodapé deste livro, encontra-se a seguinte explicação de Ruy Mauro: “Este texto foi escrito para atender a uma exigência acadêmica da Universidade de Brasília. Sua finalidade é a de dar conta de minha vida intelectual e profissional, razão pela qual as referências de ordem pessoal ou política que nesse se incluem têm o propósito de mera contextualização. Em nenhum momento pensei na possibilidade de sua publicação, havendo limitado sua circulação a pessoas para as quais ele pode, a meu ver, revestir algum interesse - essencialmente familiares e amigos mais chegados, assim como estudantes que manifestaram especial curiosidade em relação ao meu trabalho. Do sítio Ruy Mauro Marini - Escritos - Memória” (Traspadini & Stedile, 2005, p. 57).
  • 4
    O segundo período Vargas é concluído com o autocídio em agosto de 1954, consequência das pressões e solicitações de renúncia promovidas pela oposição ao seu governo. “Quando o cerco se apertou ainda mais, Vargas respondeu com um último e trágico ato. Na manhã de 24 de agosto, suicidou-se em seus aposentos no Palácio do Catete, desfechando um tiro no coração. O suicídio de Vargas exprimia desespero pessoal, mas tinha também um profundo significado político [expresso na] chamada carta-testamento [...]” (Fausto, 2001Fausto, B. (2001). História Concisa do Brasil. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo., p. 231).
  • 5
    De acordo com Ricardo Bielschowsky (1988, p. 421), “[...] o pensamento econômico desenvolvimentista” teve início nos anos 30 com o primeiro governo Vargas”.
  • 6
    O Plano Lafer incorporou ideias que foram projetadas no Plano SALTE, elaborado no governo Eurico Dutra, o qual “[d]deveria abranger o período de 1949-53 [...], [plano] limitado a quatro campos principais: saúde, alimentação, transporte e energia” (Albuquerque, 1981Albuquerque, M. M. (1981). Pequena história da formação social brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal., p. 466).
  • 7
    Criado pelo “Decreto n.º 57.0608 por João Café Filho, que assumira o Governo diante do suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Foi extinto a 13 de abril de 1964, por força do Decreto n.º 53.884, assinado por Paschoal Ranieri Mazzili, que respondia provisoriamente pela presidência da República logo após a deposição do Presidente João Goulart” (Toledo, 1982, p. 184).
  • 8
    No inciso e do artigo 2º do Decreto-lei nº 579, era a seguinte a redação: “[...] promover a readaptação e aperfeiçoamento dos funcionários civis da União [...]” (Wahrlich, 1983, p. 237).
  • 9
    Também com apoio da ONU, foi criada em 1954, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP).
  • 10
    Observamos que, à época e dentro da estrutura organizacional da FGV, existia o Instituto Brasileiro de Administração (IBRA), que desde 1955 “[...] passou a ser o órgão específico da FGV, incumbido das atividades de treinamento, pesquisa e assistência técnica no campo da administração pública e privada. Era então constituído por três unidades: Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap), Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) e Centro de Assistência Técnica em Administração (Cata)” (Fundação Getulio Vargas, 2014, p. 67). Cabe acrescentar que a relação da FGV com o ensino da Administração Pública não só se fez presente pioneiramente no Brasil, mas em toda a América Latina, por meio da criação, em 1964, da Escola Interamericana de Administração Pública (Eiap), a qual realizou o Curso de Administração para o Desenvolvimento, dentre outros.
  • 11
    Vale destacar que o conteúdo programático da Escola, em seu nascedouro, era impregnado por disciplinas das mais diversas áreas das Ciências Sociais em razão do pressuposto de que o administrador público deveria ser capaz de compreender o fenômeno social, para o pleno exercício de suas funções. O que estava em linha com as motivações de Ruy Mauro.
  • 12
    “No Departamento de Administração e Serviço Público (DASP), Guerreiro Ramos já tinha um bom nome. Ele era considerado uma pessoa de categoria, era conhecido, porque falava bem. Quem assistia às aulas dele aprovava” (Toscano, 2016Toscano, M. (2016, junho). Guerreiro Ramos e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). ILHA, 18(1), 264-271. Recuperado de https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n1p264
    https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v1...
    , pp. 265-266).
  • 13
    “[...] foi assim que eu conheci Guerreiro Ramos: ao contrário do catedrático, um professor que se fazia presente, que dava aulas nessa instituição que era uma grande inovação. [...] Eu conheci o professor Guerreiro Ramos logo no início. Ele dava aulas de Sociologia. Tudo para nós era novidade, desde os próprios títulos até o conteúdo das disciplinas que nos eram oferecidas” (Toscano, 2016, p. 265).
  • 14
    Guerreiro Ramos foi o primeiro professor de Sociologia da EBAP, começando a dar aulas no ano de fundação da Escola em 1952.
  • 15
    Marini se reporta à Conferência de Bandung, realizada em 1955 na cidade de Bandung, na Indonésia, com a participação de 29 países de África e Ásia, cuja programação básica era composta de cinco temas: cooperação econômica; cooperação cultural; direitos humanos e livre determinação; problema dos povos não autônomos; esforços em prol da paz e da cooperação internacional (Escalerala, s.dEscalerala, C. M. (s.d.). La Conferencia de Bandung, sus conclusiones y su posible alcance. Recuperado dehttps://www.cepc.gob.es
    https://www.cepc.gob.es...
    .). “O espírito de Bandung marcou o processo de descolonização e mostrou o caminho para a inserção internacional dos Não Alinhados, que explicitamente condenavam o racismo, o colonialismo e o imperialismo. Imbuído do ideal de criar um espaço próprio no mundo bipolar da época, esse conglomerado de nações levantava a bandeira da promoção da coexistência pacífica, complementada com a decisão de lutar pela implantação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI) e também de uma Nova Ordem Informativa Internacional (NOII)” (Bissio, 2013Bissio, B. (2013). De Bandung aos BRICS: continuidade ou ruptura? In Anais do 37º Encontro Anual da ANPOCS, Belém, PR., p. 02).
  • 16
    Ruy Mauro faz referências a outros professores que o influenciaram na EBAP: “Diferente, mas também decisiva, foi a influência que exerceu Julien Chacel, professor de Economia [...]. François Gazier que ocupou a cadeira de Ciência Política [...]. Entre muitos outros nomes a mencionar, é justo registar o de Marcos Almir Madeira [...] da Academia Brasileira de Letras; Marialice Pessoa [professora de Antropologia Cultural], buscava transmitir-nos sua fé inquebrantável em Boas, Lintom e Herskovitz; Mario Faustino [...]; José Rodrigues de Senna [...]; e, last but no the least, Benedito Silva, diretor da Escola, cuja dedicação ao belo projeto [EBAP] que ela representava não foi por mim cabalmente compreendida, naquele momento” (Traspadini & Stedile, 2005, pp. 60-61).
  • 17
    Apesar de este artigo não ser uma descrição biográfica de Guerreiro Ramos, mas da importância que ele despontou em Ruy Mauro, é necessário dizer que todo grande pensador foi influenciado por outro e, no caso de Guerreiro, esse papel coube a Nicolau Berdiaeff, pensador russo, falecido na França em 1948: “[...] foi uma grande influência na minha vida, uma influência irrestrita. Não há realmente nenhuma influência mais poderosa na minha vida do que a do Berdiaeff” (Oliveira, 1995, p. 135).
  • 18
    Texto publicado originalmente em 1950, republicado em 2009 pelo Conselho Federal de Administração (CFA). De acordo com a ficha bibliográfica do CFA, trata-se de “Tese apresentada ao concurso para provimentos em cargos da carreira de Técnico de Administração do quadro permanente do Departamento Administrativo do Serviço Público - 1949 - enquadrada na seção I - Organização, item a da letra a, das instruções do referido concurso” (Ramos, 2009).
  • 19
    Vale reproduzir o primeiro parágrafo do ensaio a respeito dessa “abundante literatura”, para compreender os intentos de Guerreiro ao escrever a sua tese: “As teses que têm sido apresentadas nos anteriores concursos para a carreira de Técnico de Administração, acrescida das numerosas publicações patrocinadas pelo D. A. S. P., constituem, um repositório de indicações e informações utilíssimas sobre os aspectos fundamentais das técnicas de administração. Principalmente graças ao esforço de seus autores, as novas ideias sobre a racionalização administrativa foram debatidas e divulgadas, em nosso meio, da maneira acessível ao grande público interessado nessas questões. Elas são, por assim dizer um verdadeiro patrimônio do Serviço Público brasileiro” (Ramos, 2009, p. 17).
  • 20
    “Um dos postulados básicos ‘da redução’ - propostos por G. Ramos como uma nova prática metodológica para as ‘regiões periféricas’ - vai consistir num crescente esforço de ‘desideologização’ das ciências sociais. Esta ‘desideologização’ implicará em, pelo menos, algumas atitudes básicas a serem assumidas pelos cientistas sociais nas áreas periféricas: a posição de engajamento (‘marcada pelo propósito de transformar, mais do que interpretar a realidade histórico-social’); a ‘exigência de assimilar não mecanicamente o patrimônio científico estrangeiro’ (para o autor, ‘toda produção científica estrangeira é, em princípio, subsidiária’); ‘adoção sistemática de um ponto de vista universal da comunidade humana’” (Toledo, 1982, p. 62, grifo do autor).
  • 21
    “[E]ncontra-se também em G. Ramos a distinção isebiana da consciência crítica e da consciência ingênua, sendo aquela responsável direta pelo aparecimento entre nós duma ‘ciência nacional’. A consciência crítica ou autoconsciência coletiva - possibilitada pelas mudanças dos povos em relação à sua existência, transformando-os da condição de ‘objetos a sujeitos da sua própria história’. [...] Em seus ensaios, procurou G. Ramos mostrar os equívocos e impasses que frequentemente têm caracterizado os trabalhos dos cientistas sociais nas áreas subdesenvolvidas” (Toledo, 1982, pp. 60-61).
  • 22
    No Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI).
  • 23
    “A própria EBAP oferecia, no Rio, um cursinho, que fiz e que me facilitou ser aprovado no concurso, em primeiro lugar, o que me garantia a bolsa de estudos. O apoio oportuno de um ‘pistolão’ permitiu-me obter do Iapi licença remunerada para fazer o curso, que foi considerado como ‘de interesse do serviço’. Abria-se uma nova época em minha formação” (Traspadini & Stedile, 2005, p. 60).
  • 24
    Administrarão de Pessoal, Administração Financeira e Contábil de Empresas, Administração de Material, Administração Orçamentária, Classificação de Cargos, Comunicação Escrita e Oral, Contabilidade de Custo, Contabilidade Geral, Contabilidade Pública, Deontologia Administrativa, Direito Administrativo, Estatística, Finanças Públicas, Governo e Administração do Brasil, Governo e Administração Municipal, Introdução a Administração Geral, Legislação de Pessoal, Métodos de Pesquisa, Mercadologia, Noções Fundamentais de Direito, Organização & Métodos, Previdência Social, Princípios de Seleção de Pessoal, Problemas de Administração de Pessoal, Problemas de Governo e Administração Municipal, Psicologia, Psicologia Educacional, Relações Públicas, Teoria Prática de Planejamento, Treinamento de Pessoal, bem como línguas: Espanhol, Francês, Inglês e Português.
  • 25
    Possivelmente, Ruy Mauro assistiu às aulas de Organização & Métodos ofertada pela EBAP nos seus diferentes cursos.
  • 26
    O link a seguir contém comentário de Ruy Mauro sobre o conteúdo de sua disciplina no referido curso de formação: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3805

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2022
  • Aceito
    30 Out 2022
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