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CONTRA O USO DESUMANO DOS SERES HUMANOS: O COMPORTAMENTO ÉTICO DO PESQUISADOR

Resumo:

A discussão dos principais dilemas éticos da prática médica e da pesquisa clínica deveria constituir-se em preocupação dos cursos de pós-graduação em Medici na, face à finalidade de formação de docentes e pesquisadores. A Deontologia não consta mais do conjunto de disciplinas curriculares obrigatórias e seu ensino parece bastante deficiente. O autor, adicionalmente, recomenda a revisão do atual Código de Ética Médica, por obsoleto, apresenta os pontos básicos para a pesquisa biomédica envolvendo seres humanos e sugere que, em nível de cada coordenação de curso de pós-graduação, haja uma comissão de avaliação ética dos projetos de tese.

Abstract:

The discussion over the main ethical dilemmas of the medicine practice and of the clinical research should represent a serious concern for the Medicine Post-Graduate Courses considering their purpose of preparing professors and researchers.

The deontology is no longer part of the regular and obligatory curriculum and its teaching seems to be quite unsatisfactory.

Additionaly, the author recommends the review of the current medical ethics code due to its obsolescence. He presents the basic points for the biomedical research involving human beings and suggests that for every post-graduation course coordination there be an ethical evaluation commission for the project.

“Qualquer ato ou notícia, que possa enfraquecer a resistência física ou mental de um ser humano, pode ser usada unicamente em seu benefício”. (Declaração de Genebra - 1947) “Bem... nós estamos estudando qual tratamento é melhor para a sua doença; para evitar qualquer tipo de subjetivismo, colocamos seu nome no computador e ele decide o remédio mais indicado. Em verdade, eu não sei qual tratamento é melhor e também não poderei saber que droga você estará tomando...” (Carbone, P. - 1980)

Desde sua implantação, há quase vinte anos, a proposta para os cursos de pós­ graduação é bastante clara: tais programas visam à formação de docentes e de pesquisadores. Nas normas de credenciamento dos mencionados cursos faz-se alusão a dois ciclos de estudos, incluindo as áreas de concentração propriamente dita e de “domínio conexo: qualquer matéria não pertencente aquele campo (ou seja, ao da área de concentração), mas considerada conveniente ou necessária para completar sua formação”55. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação - Parecer n.o 77/69, de 11 de fevereiro de 1969..

No particular da pós-graduação em Medicina, entre algumas exigências específicas adicionais, ficou estabelecido que: “...dos currículos dos cursos de pós-graduação em Medicina, deverão constar as disciplinas de Didática Especial, Pedagogia Médica e Problemas Brasileiros, e o estudo das questões de deontologia pertinentes à área do curso respectivo”66. ______. Parecer n.o 576/70, de 7 de agosto de 1970.. Mais tarde, tal legislação foi reformulada, passando a viger com a seguinte redação: “Além do Estudo de Problemas Brasileiros, os cursos de Mestrado e Doutorado incluirão as disciplinas Pedagogia Médica e Didática Especial, sendo exigido, como atividade, estágio no ensino de graduação em curso médico”77. ______. Resolução n.o 11/77, de 23 de junho de 1977..

Se a Resolução n.o 11/77 representa uma atualização do Parecer n.o 576/70, até porque revoga suas disposições normativas, a abolição do estudo dos problemas éticos relativos à área clínica da Medicina significa um evidente retrocesso. Isto parece corroborar a primeira e fundamentada conclusão do trabalho de LIBERATTI, apresentada ao 16o Congresso Brasileiro de Educação Médica: “... existe um desinteresse gritante, por parte de alguns médicos, pelos conhecimentos dos preceitos éticos da profissão”1414. LIBERATTI, L. A. - A formação ética do médico e a atual estrutura de saúde. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA. 16. Londrina, 22-24 nov. 1978. Anais. Londrina, 1978. p.115-118..

Tal desinteresse parece assumir contornos mais perversos na medida em que se descuida do debate dos problemas éticos justo nos cursos que têm por objetivo a preparação de novos docentes e de pesquisadores. Certamente, vários óbices podem servir de justificativa para a retirada da obrigatoriedade, iniciando-se na própria obsolescência das normas contidas no Código de Ética Médica vigente88. BRASIL. Conselho Federal de Medicina - Código de Ética Médica. Diário Oficial da União, 11 de janeiro de 1965., e culminando talvez na carência de pessoal dedicado ao ensino da matéria, ainda que não pareça justificável a existência de especialista no ramo.

Não obstante, o avolumar de questões que apontam o plano ético, tanto na pesquisa, quanto na prática diária, determinam que, tanto em nível de graduação, quanto de pós-graduação, seja feito um esforço adicional para o permanente debate de situações como, por exemplo: a) o conceito médico de morte, a utilização de recursos extraordinários para a perpetuação da vida e a eutanásia1616. ROSNER, F. - Modern Medicine, religion, and law: human experimentation. New York State J., 28:758-764, 1975.; b) a retirada de órgãos de vivos, mortos clínicos ou cadáveres, os transplantes, implantes, aplicação de próteses e cirurgias de cunho similar33. BEECHER, H. K. - Ethics and clinical research. New Engl. J. Med., 274:1354-1360, 1966),(1010. CHAVES, A. - Direito ao próprio corpo. Res. méd., 6:21-24, 1977.; c) a (eleição de pacientes para tratamentos não disponíveis a toda a população daquela mesma condição44. BELCHIOR, M. B. - Aspectos éticos da investigação em saúde. In: POLÍTICA DE INVESTIGAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL. 1, Anais. Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 1981.; d) a reprodução humana e seu amplo corolário, envolvendo práticas de anticoncepção, aborto, planejamento familiar, controle da natalidade, aconselhamento genético1010. CHAVES, A. - Direito ao próprio corpo. Res. méd., 6:21-24, 1977.; e) o relacionamento entre os médicos e entre estes e os demais profissionais da equipe de saúde; f) as formas de exercício profissional ditadas pela organização da sociedade e as condições de trabalho e de remuneração1414. LIBERATTI, L. A. - A formação ética do médico e a atual estrutura de saúde. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA. 16. Londrina, 22-24 nov. 1978. Anais. Londrina, 1978. p.115-118.; g) a utilização do saber médico para fins bélicos, políticos ou militares, incluindo a obtenção de informação de prisioneiros1313. LASAGNA, L. - Regulation and constraint of medical research: rights and human welfare. Amer. Rev. Resp. Dis., 122:361-364, 1980.; h) a manipulação do material genético e a utilização do DNA recombinante1717. SILVA, L. H. P. - A quem cabe a responsabilidade da orientação das pesquisas? Encontros com a Civilização Brasileira, 5:11-25, 1978.; i) a distribuição diferencial de recursos financeiros limitados entre as diferentes atividades de saúde.

Muito provavelmente, a listagem acima, efetuada sem qualquer intenção de exaustividade, poderia crescer bastante, sendo entretanto o objetivo da presente investigação a discussão da ética da investigação científica em Medicina envolvendo seres humanos. A análise destes verdadeiros dilemas assume maior relevância na medida em que, superada a fase de estudo s da área de domínios conexos, o estudante de pós-graduação da área clínica, começa a desenvolver seu trabalho de tese, quase sempre investigando questões que se vinculam ao diagnóstico ou ao tratamento. Em suma: “a) estudos sobre processos fisiológicos, bioquímicos ou patológicos, ou sobre respostas a intervenções específicas, sejam físicas, químicas ou psicológicas, em indivíduos hígidos ou pacientes em tratamento; b) ensaios controlados prospectivos de medidas diagnósticas, profiláticas ou terapêuticas, em grupos maiores de pacientes, com o objetivo de demonstrar uma resposta específica num contexto de variações biológicas individuais; c) estudos em que são determinadas, nas comunidades, as conseqüências de medidas profiláticas ou terapêuticas específicas”1515. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos. s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde)..

Os princípios fundamentais que regem a pesquisa biomédica em seres humanos remontam ao “Código de Nuremberg”, de 1947, como subproduto do julgamento das atrocidades cometidas pelo nazismo, assim como à “Declaração de Genebra”, cuja síntese foi utilizada como uma das epígrafes do presente texto e coloca o pesquisador diante do compromisso ideal com o interesse do paciente que deve ser superior a qualquer outro, seja o avanço da ciência ou mesmo o benefício da coletividade11. ALTMAN, D. G. - Statistics and ethics in medical research: study design. Brit. Med. J., 281:1267-1269, 1980.),(33. BEECHER, H. K. - Ethics and clinical research. New Engl. J. Med., 274:1354-1360, 1966),(1616. ROSNER, F. - Modern Medicine, religion, and law: human experimentation. New York State J., 28:758-764, 1975.. Em adição a tais postulados gerais, a 18ª Assembléia Médica Mundial estabeleceu um guia de recomendações na pesquisa clínica, hoje denominado “Declaração de Helsinqui I”, revista pela 29ª Assembléia, reunida em Tóquio, em1965, responsável pela “Declaração de Helsinqui II”1515. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos. s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde)..

No texto de ambas as “Declarações de Helsinqui”, ficam bastante sublinhados alguns princípios básicos como: a) necessidade de adaptação da pesquisa a princípios morais, com base em experiências prévias realizadas em laboratórios ou em animais, bem como fundamentada em pressupostos lógicos; b) qualificação do responsável pela investigação, devidamente supervisionado por comissão independente; c) avaliação correta do risco existente, sempre considerados os possíveis benefícios a serem advindos; d) precaução quanto a possíveis efeitos sobre a personalidade da pessoa exposta ao uso de drogas ou sujeita a dados experimentos22. ASSOCIAÇÃO MÉDICA MUNDIAL - Declaração de Helsinqui. Boletim do Conselho Federal de Medicina, 2:16-18, 1973.),(1515. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos. s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde)..

Entretanto, a questão chave da pesquisa clínica, combinada ou não ao cuidado profissional, reside no denominado consentimento consciente1515. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos. s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde).. Tal compromisso antecede a pesquisa e deveria ser incorporado ao comportamento habitual do médico: ao proceder qualquer medida diagnóstica ou terapêutica é indispensável obter o consentimento do paciente, após esclarecer-lhe com vagar, paciência e em seu nível de compreensão dos fenômenos envolvidos tanto os benefícios a serem auferidos, quanto os riscos porventura presentes. Além de servir como antídoto ao autoritarismo inerente aos vícios da atividade profissional, “o consentimento deve servir para proteger os interesses da pessoa e não para reduzir a responsabilidade legal do pesquisador”1515. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos. s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde).. Qualquer deve ser cuidadosamente avaliado ainda que, por insensibilidade, muitos sejam considerados rotineiros, a despeito do potencial iatrogênico que comportam, seja físico ou psicológico1818. WINFRE Y. C. - De novo, a ética da pesquisa médica. Jornal do Brasil, 13 de março de 1978..

A questão do consentimento tangencia a própria concepção dos direitos humanos, o espírito de fraternidade entre os homens que nascem livre s e iguais em dignidade e direitos, dotados de razão e de consciência... A obtenção do consentimento, portanto, deve decorrer de explicação completa, clara, correta, sem o estabelecimento das barreiras acenadas pelo vocabulário científico, pela supremacia cultural ou pelas regras da instituição.

O Código de Ética Médica em vigor dedica dez de seus artigos a disciplinar as conferências médicas; em quatro artigos destinados a legislar sobre as relações com os doentes culmina por estabelecer que “o médico levará em conta, na clínica particular, as possibilidades financeiras do paciente” (art. 35); sobre a ética da investigação científica cuida tão somente da publicação, ditando normas sobre como externar discordâncias, formas de dar ênfase aos principais autores, papel dos que exercem posição hierárquica superior diante de trabalhos produzidos sob orientação, omissão da identidade do paciente e até mesmo proteção ao autor nacional, declarando que “é preferível criticá-los que propositadamente deixar de referi-los” (art. 89, alínea 1).

A completa obsolescência de tais normas animaram o próprio Conselho Federal de Medicina a solicitar sugestões para a atualização, onde se destaca a importante contribuição advinda do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. No anteprojeto que, há mais de três anos, ofereceu a debate, o CREMESP dedica o capítulo V à experimentação clínica e, ainda que baseado nas " Declarações de Helsinqui”, propõe novas questões para reflexão.

Assim, a proposição sugere: “Art. 71 - O objetivo da pesquisa biomédica deve ser a melhora dos métodos diagnósticos, terapêuticos e profiláticos e a compreensão da etiologia e da patogênese das doenças, sendo interditas quaisquer experiências no homem como fins bélicos, políticos ou raciais. Art. 72 - A experimentação clínica de novos fármacos e novas técnicas médicas é indispensável, porém só poderá ser praticada após ampla e escrupulosa experimentação laboratorial e em animais, quando viável, e com base em profundo conhecimento da literatura sobre o assunto. Art. 73 - A experimentação no homem, que deve ser inspirada num alto senso de responsabilidade por parte do médico e desenvolver-se com res­ peito absoluto aos direitos da pessoa, só poderá ser praticada após o consentimento de quem a ela se submeter ou de seu representante legal. O consentimento deverá ser expresso livremente e por escrito, com plena consciência e depois que a pessoa a ser submetida à experimentação, ou seu representante legal, for informada pelo médico sobre a natureza e a finalidade da experimentação e sobre os riscos a ela inerentes. A experimentação no homem será admitida somente se o indivíduo for maior, em condições de dar livre e conscientemente o próprio consentimento, excluindo-se, portanto, a experimentação em prisioneiros. Art. 74 - O ensaio de novos tratamentos e, particularmente, o método do duplo-cego não poderá privar deliberadamente o doente de uma terapêutica reconhecidamente eficaz, os dados científicos e a experimentação prévia em animais devem permitir a hipótese de uma razoável possibilidade de sucesso. Qualquer experimentação de tratamento médico ou cirúrgico deverá ser envolvida de garantias de ordem ética e cientifica controladas por instituições de competência adequada e específica independente do experimentador. Os dados deverão ser recolhidos com rigor e ser objeto de protocolos. Em casos de afecções incuráveis no estado atual dos conhecimentos médicos e em seu estado terminal, os ensaios de novos tratamentos e novas técnicas cirúrgicas deverão apresentar razoável esperança de utilidade e levar em conta o bem-estar físico e psíquico do paciente, não podendo impor-lhe sofrimentos adicionais. Os protocolos de qualquer experimentação no homem, com particular consideração quanto à normalidade de pesquisa, aos métodos usados e às reações das pessoas a ela submetidas, deverão ser publicados independentemente dos resultados obtidos. Art. 75 - O médico ou grupo de médicos que realiza uma experimentação ou um ensaio terapêutico no homem deve ter total independência profissional em relação aos financiadores da experimentação e não pode ter quaisquer interesses comerciais na promoção de um novo tratamento ou um novo aparelhamento técnico que esteja experimentando. Art. 76 - O médico pode servir-se dos prontuários médicos para seus trabalhos científicos”1111. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DE SÃO PAULO - Conselho propõe um novo Código de Ética Médica. Jornal CREMESP, 2 :1-7, 1980..

Desta sugestão, dois pontos parecem de capital importância, merecendo comentário mais detalhado. O primeiro reside no com­ promisso com a divulgação dos resultados a despeito dos resultados alcançados. Uma boa norma ética seria a de o pesquisador evitar pactos com sua própria expectativa e certamente os métodos científicos garantem que são igualmente preciosos os resultados que confirmam ou refutam determinada hipótese. A fidelidade maior do pesquisador não deve ser com sua “verdade”, com o resultado que imaginou obter do experimento, mas com o “real” resultante dos dados colhidos e analisados.

A segunda grande contribuição extraída do documento do CREMESP trata da independência entre pesquisador e financiador, ou seja, entre interesse científico e interesse comercial. “O problema é verificado em todas as atividades que possam influir sobre o saber médico, desde a pesquisa, a apresentação de dados, a subvenção de trabalhos, a subvenção de conferências e congressos, a seleção de trabalhos a serem apresentados em congressos, a seleção de tópicos para a discussão em simpósios, até a publicação de trabalhos nas revistas científicas. Praticamente, todos os congressos médicos são sustentados e indiretamente influenciados pelas indústrias farmacêuticas e de equipamentos. O mesmo se pode dizer das revistas científicas, que vivem mais de anúncios que de assinantes. No Brasil, elas são distribuídas gratuitamente e vivem exclusivamente da publicidade dos laboratórios e das companhias de equipamentos”1212. LANDMANN, J. - Medicina não é saúde. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983, p.110..

Na experimentação de uma nova droga, CARLINI propõe uma série de medidas: a) experiência prévia e exaustiva em animais para noção da possível ação terapêutica e da inocuidade , matéria disciplinada pelo Conselho Nacional de Saúde ; b) obtida a autorização legal, determinação da toxicidade da droga para o homem em grupo reduzido de voluntários sãos; c) utilização em grupo reduzido de pacientes, tratamento breve, demonstrando efeitos terapêuticos, indicações, posologia e riscos da administração; d) utilização de maior número de pacientes, em tratamento s mais prolongados, testando a segurança, a eficácia e a utilidade da droga, valendo-se de três grupos que recebam a substância nova, um a outra de referência de uso anterior consagrado e um placebo; e) utilização de grande número de pacientes comprovação clínica de indicações e doses definidas, estudos comparativos e estatísticos. Todas as fases devem ser supervisionadas pela Câmara de Medicamentos do Conselho Nacional de Saúde e registradas em um plano de pesquisa padronizado e submetido aquele órgão99. CARLINI, E. A. - A responsabilidade médica nos ensaios clínicos dos medicamentos antes de seu lançamento no mercado. Rev. Bras. Educ. Méd., 4 3-8, 1980..

A discussão destas poucas questões por si só sugere a importância do estudo das controvérsias deontológicas envolvidas na pesquisa científica na área clínica da Medicina. Ainda que a restauração de uma disciplina formal possa significar tão somente capciosas exposições sobre o conteúdo de um Código amarelecido, a simples abolição do debate serve para manter a futura população de docentes e pesquisadores alienados de matéria tão importante quanto a área de concentração em si. Uma reflexão sobre a forma como ocorre a prática médica, a investigação científica, a atividade do hospital universitário seria extremamente salutar nos cursos de pós-graduação em Medici na assim como a instituição de comissão responsável, em nível de coordenação do curso, pelo detalhado estudo ético dos protocolos de tese.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    BEECHER, H. K. - Ethics and clinical research. New Engl. J. Med, 274:1354-1360, 1966
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    ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CONSELHO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CIÊNCIAS MÉDICAS - Diretrizes internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos s.n.t. 26 f. (cópia mimeografada gentilmente cedida pelo Centro de Documentação do Ministério da Saúde).
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  • 18
    WINFRE Y. C. - De novo, a ética da pesquisa médica. Jornal do Brasil, 13 de março de 1978.
  • 0
    *Resumo de intervenção no Seminário “O comportamento ético do pesquisador”, realizado no âmbito da disciplina “Metodologia Científica”, destinado aos alunos dos Cursos de Pós-Graduação em Medicina do Centro Biomédico da UERJ, em maio de 1983.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1984
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