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Arquivos literários e história social da literatura no Brasil: O acervo da escritora Anna Amélia Carneiro de Mendonça

Literary Archives and the Social History of Literature in Brazil: Anna Amélia Carneiro de Mendonça’s Papers

Resumo

Este artigo explora os usos de fontes primárias para o desenvolvimento da história social da literatura no Brasil. Tal exploração dá-se por meio de um estudo de caso, qual seja, o acervo pessoal da escritora Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1971), poetisa de formação parnasiana. Sustenta-se que a descrição e a análise do arranjo arquivístico possibilitam redimensionar o lugar da autora na história e na historiografia literárias nacionais, na medida em que propiciam sua percepção como uma “intelectual mediadora”, literata oriunda das elites econômicas, capaz não apenas de produções poéticas como de uma série de ações sociais e de práticas institucionais que articulam política, educação e engajamento no feminismo de seu tempo. A articulação permite esse redimensionamento da posição pública da autora e advoga um segundo argumento central: o de que o cânon modernista progressivamente hegemônico no século XX alheou-a da história e da memória da literatura, sob a etiqueta de autora “pré-modernista”. Uma incursão transversal por seu acervo faculta observar relações e interações com literatos e artistas modernistas, bem como descortina sua condição polígrafa de ativa escritora, não apenas confinada ao parnasianismo, mas praticante de uma miríade de gêneros relegados ao esquecimento ante a hegemonia da crítica impactada pelo advento do modernismo.

Palavras-chave:
Arquivos pessoais; história literária; poetisa Anna Amélia Carneiro de Mendonça

Abstract

This article explores some potential uses of primary sources for the development of the social history of literature in Brazil, taking the personal documents of writer Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1971), a poet of Parnassian formation, as a case study. It argues that the description and analysis of the arrangement of this archive can foster a reassessment of the author’s place in national literary history and historiography. She is conceived of as a “mediator intellectual”, a literate from the economic elites, engaged not solely in poetic production, but also in a series of social endeavors and institutional practices that articulate politics, education, and the feminism of her time. This intricate interplay allows for a recalibration of the author’s public standing. A second central argument is that the modernist canon, progressively hegemonic throughout the 20th century, alienated her from the history and memory of literature by labelling her as a “pre-modernist” author. A transversal incursion into her collection allows us to observe relationships and interactions with modernist literati and artists. It simultaneously unveils her polymath nature, as an active writer who was not confined to Parnassianism, but also practiced a myriad of genres relegated to oblivion by the hegemony of criticism impacted by the advent of modernism.

Keywords:
Personal archives; literaty history; poet Anna Amélia Carneiro de Mendonça

Ler o arquivo é uma coisa; encontrar o meio de retê-lo é outra.

(FARGE, 2009FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009., p. 22)

Introdução

Este artigo foi estruturado com base em um primeiro levantamento de pesquisa, empreendido no arquivo pessoal da poetisa Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça (1896-1971). A consulta ao material foi realizada na Casa Acervo, espaço arquivístico do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV CPDOC), onde o acervo encontra-se depositado desde 2010, tendo sido digitalizado e franqueado à consulta pública em 2018.1 1 CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV CPDOC), Rio de Janeiro. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça. Disponível em: https://docvirt.com/docreader.net/docmulti.aspx?bib=fgv_aacm. Acesso em: 24 fev. 2023. Procura-se articular neste texto aspectos da trajetória de vida da autora, dados de seu pertencimento social e elementos de sua produção intelectual.

Por meio de seu acervo, tais abordagens enfeixam a sua inscrição em uma rede significativa de atuação institucional, política e cultural. Essa rede de sociabilidades foi constituída na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, e inclui o engajamento em associações feministas da primeira metade do século XX e o estabelecimento de interrelações entre literatura, poder e esfera pública na atuação de uma mulher pertencente aos altos estratos das elites socioeconômicas dos séculos XIX e XX.

A finalidade precípua deste artigo é apresentar as potencialidades de pesquisa do acervo pessoal de Anna Amélia, em meio ao processo de redescoberta de uma autora de formação parnasiana, considerada durante muito tempo datada pela história literária de jaez modernista. Contemporânea da geração que fez aflorar o modernismo - Anna Amélia é seis anos mais nova que Mário de Andrade e quatro anos mais moça que Oswald de Andrade -, manteve-se incólume às vanguardas poéticas, aferrando-se às convenções do soneto e da sensibilidade estética parnasiana.

Este texto tem o propósito de mostrar o potencial de redescobrimento dessa personalidade literária e social, em decorrência da doação e organização de seu acervo em uma instituição de guarda como o FGV CPDOC, com um argumento específico. Sustenta-se que, tendo em vista que a autora foi relegada pela história da literatura às belas-letras e ao parnasianismo, uma incursão ao seu acervo, visto de modo transversal e não confinado à exclusiva dimensão historiográfica literária, revela, mais que uma típica e tradicional literata da alta sociedade, uma “intelectual mediadora”, engajada em causas sociais de seu tempo, em especial aquelas atinentes à educação e ao gênero.

Mobiliza-se o conceito de intelectual tal como apresentado pelo historiador francês Jean-François Sirinelli a partir dos anos 1980 e apropriado ao contexto brasileiro pelas historiadoras Angela de Castro Gomes e Patricia Santos Hansen (2016GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patricia Santos (Org.). Intelectuais mediadores: Práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), entre outros autores. Sirinelli (1998, p. 261) assinala a respeito das “elites culturais” e de sua capacidade de mediação:

Sob esta classificação, podem estar reunidos tanto os criadores como os “mediadores” culturais: à primeira categoria pertencem os que participam na criação artística e literária ou no progresso do saber, na segunda juntam-se os que contribuem para difundir e vulgarizar os conhecimentos dessa criação e desse saber.

Em dossiê consagrado à mediação das mulheres intelectuais, Gomes, Kodama e Raffaini (2021GOMES, Angela de Castro; KODAMA, Kaori; RAFFAINI, Patrícia Tavares. Intelectuais mediadoras: Os desafios de ontem e hoje. Estudos Ibero-­Americanos, v. 47, e41464, set./dez. 2021., p. 2) assinalam o diferencial da categoria à luz do tempo, com o afastamento de sua acepção ilustrada mais convencional, adstrita à chave conservadora da produção cultural e intelectual:

Talvez estejamos em um momento privilegiado para desmontar a afirmação, tão compartilhada, de que os intelectuais mediadores(as) são intelectuais “menores” em relação a um paradigma de intelectual “maior”, que vem do século XIX e se materializa no poeta, filósofo, enfim, em um grande homem das letras. E aqui a palavra homem é masculina mesmo, porque raras eram as mulheres que conseguiam quebrar as barreiras explícitas para serem reconhecidas como intelectuais.

Ao inscrever Anna Amélia nesse rol de intelectuais mediadoras, criadoras de bens artísticos, científicos e culturais, objetiva-se dar a conhecer e aprofundar os marcos biográficos da escritora, feminista e ativista estudantil na capital da República durante a primeira metade do século XX. Trata-se de evidenciar e ir além do alcance de sua produção poética entre os anos de 1910 e 1950, através de escritos inéditos e daqueles que não contaram com reedições, sendo aos poucos esquecidos do público leitor e da crítica especializada. O propósito é também apresentar sua relevância polígrafa nas letras, ao ocupar a posição estratégica de mediadora, graças à sua condição de tradutora de obras de vulto da poesia e do teatro, a exemplo das versões em português de autores clássicos do porte de William Shakespeare.

Tenciona-se ainda proporcionar ao leitor uma compreensão mais ampla de inúmeras iniciativas associadas ao ativismo feminino e ao desenvolvimento da educação no país, tal como sua mobilização para a criação da Casa do Estudante do Brasil (CEB), instituição privada de cunho filantrópico, idealizada por Anna Amélia em 1929 e por ela presidida nas décadas seguintes, existente como fundação até os dias de hoje.

Para tanto, a lida com as publicações, a documentação fotográfica, os manuscritos e a correspondência da autora constantes no seu acervo permite conjugar aspectos da vida cultural, social e política do Rio de Janeiro do século passado, em particular determinados elementos via de regra pouco articulados em sua biografia. Possibilita, ademais, ainda que de modo apenas sugestivo, a percepção da existência de redes internacionais desenvolvidas pela poetisa, em interlocução com familiares, literatos, editoras e associações literárias em países como Estados Unidos, Argentina e Portugal.

No recorte aqui proposto, a estrutura do texto baseia-se em três movimentos. De início, são apresentados elementos da história de vida de Anna Amélia, sob a ótica da categoria de “intelectual mediadora”, com um panorama das diversas atividades em que se envolveu e das instituições de que fez parte ao longo da vida. Em seguida, faz-se breve contextualização institucional do lugar de inscrição do acervo, no FGV CPDOC, e compartilham-se informações técnicas e de conteúdo acerca da composição do arquivo pessoal da escritora, com dados descritivos que se consideram importantes destacar em seu caráter de construção documental e de organicidade classificatória. Por fim, a terceira e última parte é dedicada a um olhar mais acurado e detido sobre a seção “Literatura”, que integra um extrato considerável do acervo, sinalizando para potencialidades interpretativas e para rendimentos analíticos passíveis de escrutínio a partir das fontes primárias ali depositadas.

A hipótese geral levantada argumenta que o pouco conhecimento que se tem da obra da autora na fortuna crítica da história da literatura brasileira deve-se à manutenção do estilo poético parnasiano e do cultivo do vezo beletrista, em meio a um novo contexto artístico-literário, em que a vaga e o cânon modernistas se tornariam hegemônicos, conforme atestam inúmeros estudos (FISCHER, 2022FISCHER, Luís Augusto. A ideologia modernista: A Semana de 22 e sua consagração. São Paulo: Todavia, 2022.; JARDIM, 2015JARDIM, Eduardo. Eu sou trezentos: Mário de Andrade. Vida e obra. Rio de Janeiro: Ed. de Janeiro, 2015.).

Isso fez Anna Amélia continuar a produzir e a circular em determinados nichos literários, nacionais e internacionais, mas sem visibilidade editorial e destituída do reconhecimento acadêmico que o modernismo logrou de forma progressiva desde então, com a dessacralização do verso rimado e, por conseguinte, a adoção do verso livre, e com a incorporação do coloquial e do popular, transformações que possibilitaram a mudança dos padrões de gosto e o cultivo de novos valores da crítica na seleção dos autores canônicos da poesia brasileira (FERRAZ, 2011FERRAZ, Eucanaã. Poesia no Brasil: Funciona. In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia (Org.). Agenda brasileira: Temas de uma sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 408-417.).

Tal quadro não impediu a escritora de redirecionar sua produção literária - observa-se o declínio da poesia a partir dos anos 1950 - e de passar a investir em outras modalidades de escrita, com vistas a obter reconhecimento entre seus pares. De acordo com o que apresentaremos de modo pontual e panorâmico, Anna Amélia publicou traduções, ensaios, relatos de viagem e estudos históricos. Numa palavra, escritos que a tornaram lida e conhecida em outro “ecossistema” literário (GOMES, 1999GOMES, Angela de Castro. Essa gente do Rio...: Modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999., p. 20), que a prestigiaram em determinados grupos sociais e que a reconheceram entre específicas frações das elites sociais e das letras nacionais. Tudo isso em articulação às suas práticas sociais, culturais e políticas, que fizeram da autora não apenas uma literata beletrista, mas, como se sustenta aqui, uma intelectual mediadora.

Reitera-se ainda que o recorte proposto se detém no debate em torno da história literária e de seus processos de consagração e alijamento. Isso acarreta um menor investimento em temática candente do arquivo em tela, qual seja, o silenciamento dos registros históricos das mulheres no país. Não obstante, tal lacuna tem, em contrapartida, consciência de que o tipo de feminismo (“bem-comportado” e “pacifista”) preconizado pela poetisa foi explorado a contento por Anna Beatriz Costa e Alessandra Nóbrega Monteiro (2021COSTA, Anna Beatriz; MONTEIRO, Alessandra Nóbrega. Anna Amélia: Feminismo brasileiro à luz de um arquivo pessoal. Ofícios de Clio, v. 6, n. 10, p. 274-293, jan./jun. 2021.). O artigo das autoras contempla essa dimensão do acervo, com uma capacidade de contextualização do modo como Anna Amélia entendia os papéis sociais e as relações de gênero em seu tempo, em um enquadramento da série arquivística intitulada “Militância feminista”,2 2 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Documentos relativos ao XIIº Congresso da Aliança Internacional pelo Sufrágio e pela Ação Cívica e Política das Mulheres, 18-25 abr. 1935. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Militância Feminista, pasta AACM mf 1935.04.18. sendo capaz, pois, de se colocar acima de leituras anacrônicas e unívocas do conceito de feminismo.

Apontamentos de uma trajetória à luz da mediação cultural

Chama a atenção que Anna Amélia tenha sido, por assim dizer, “esquecida” pela história literária nos dias de hoje, mas que continue a ser lembrada na paisagem urbana do Rio de Janeiro, onde viveu praticamente durante toda a vida. Pode-se até dizer que se tornou uma espécie de “lugar de memória” na cidade, dadas a existência de referências evocativas de sua personalidade e a presença de monumentos em remissão à sua figura pública.

Vejamos de início alguns exemplos. Falecida em 29 de março de 1971, aos 75 anos de idade, a escritora seria homenageada logo depois com a inauguração de um busto no centro da cidade, em local que já carregava seu nome, Praça Anna Amélia, existente ainda hoje. O busto e a praça situam-se nas proximidades da importante Avenida Presidente Antônio Carlos, no bairro do Castelo, na altura da Igreja Santa Luzia e da Casa da Misericórdia.

A homenagem encontra-se mais precisamente em frente ao prédio da Casa do Estudante do Brasil, residência estudantil de que foi fundadora no final dos anos 1920 e presidente vitalícia, e cujo prédio ali localizado ela se empenhou em erguer no início dos anos 1940, após uma série de tratativas diretas com o presidente Getúlio Vargas. Na cerimônia póstuma, o ato de lançamento do busto contou com a presença e o discurso de Austregésilo de Athayde, então presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), que era seu cunhado e que apreciara sua poesia desde os anos 1920, na condição de jornalista e crítico dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

Cabe um parêntesis para pontuar que a Casa foi concebida por Anna Amélia como um espaço de assistência e acolhimento a jovens carentes, parte deles estudantes do ensino superior, que migravam para o Rio de Janeiro com maior intensidade então, a fim de cursar as escolas e a Universidade do Brasil, instituída em 1920. Esta seria no decênio seguinte a Universidade do Distrito Federal e, durante a segunda metade do século XX, passaria a ser designada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tratava-se, portanto, de uma estrutura residencial que correspondia à disseminação, mesmo que de alcance limitado, das universidades no século passado, na esteira e na sucessão das faculdades liberais do oitocentos. A finalidade era a hospedagem de universitários vindo de fora da capital, com atenção ao alunado de origem mais humilde, preocupação primordial da abastada autora.

Além desse ícone no centro da cidade, a Zona Sul também consagrou fisicamente a memória de Anna Amélia. Alude-se à sua residência, no bairro do Cosme Velho, mais conhecida como o Solar dos Abacaxis, em função de seu ornamento decorativo nos gradis de entrada da casa. A morada foi um ponto de encontro para concorridos saraus literários e para reuniões sociais entre políticos, artistas e personalidades públicas, de dentro e de fora do país, que o sociável casal Carneiro de Mendonça costumava receber. Localizada em frente ao Largo do Boticário, a mansão pertencera ao bisavô da escritora, um renomado comendador, cuja genealogia a memória familiar não deixaria de registrar. O solar encontra-se hoje fechado e deteriorado, mas ainda consta na entrada uma placa com a inscrição de antiga residência do casal Marcos e Anna Amélia, afixada pela Prefeitura do Rio.

O reconhecimento público completa-se em outra ponta da geografia da cidade. Mais precisamente, na Zona Oeste, onde, em Bangu, à rua Biarritz, uma escola municipal da rede pública leva o nome da escritora.

As marcas da presença da personagem na cidade indiciam a importância de sua atuação em vida, entre seus pares e à frente das instituições de que fez parte. A perspectiva aqui apresentada de Anna Amélia enquadra-a em um contexto mais amplo de emergência de sociabilidades intelectuais e de mediações culturais protagonizadas por mulheres nas instituições científicas e educativas de seu tempo. A observação se coaduna à abordagem proposta por Rossi, Azevedo e Ferreira (2021ROSSI, Daiane Silveira; AZEVEDO, Nara; FERREIRA, Luiz Otávio. Sociabilidades intelectuais, mediação cultural e recrutamento de mulheres em instituições científicas no Rio de Janeiro (1940-1960). Estudos Ibero-­Americanos, v. 47, n. 3, e40388, set./dez. 2021.), que se voltam ao recrutamento institucional feminino e a seus papéis sociais no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1960, como favorecimento - causa e efeito - das políticas de educação das décadas anteriores.3 3 O perfil biográfico de Darcy Sarmanho Vargas, esposa de Getúlio Vargas e fundadora da Legião Brasileira de Assistência, de autoria da jornalista Ana Arruda Callado (2011), oferece um panorama instigante de trajetórias femininas que se viam em meio ao empuxo de forças ora tradicionais, ora modernizantes da participação das mulheres na esfera pública e política.

Tais políticas proporcionaram, de maneira paulatina, a transição do perfil educacional e profissional das mulheres, notadamente aquelas pertencentes às camadas urbanas médias e altas, que conseguiram ascender em determinados casos do analfabetismo ao ensino superior. Como será visto, a causa estudantil, com a formação e a institucionalização universitária na capital da República a partir dos anos 1920, foi uma das principais áreas de interesse de Anna Amélia, cuja atuação transcendeu a condição exclusiva de poetisa parnasiana, conforme consagrada e confinada na historiografia literária.

Nesse sentido, entende-se a necessidade de mobilizar a categoria da intelectual e mediadora cultural, o que compreende uma atitude de ruptura com os padrões dos mentores tradicionais. Trata-se da assunção de um indivíduo especializado na “produção e comunicação de conhecimento, direta ou indiretamente vinculado à intervenção político-social” (GOMES; HANSEN, 2016GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patricia Santos (Org.). Intelectuais mediadores: Práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., p. 10). Tal especialização, contudo, abrange múltiplas funções e posições, acumuladas ao longo de décadas de engajamento profissional, de cultura letrada e de trânsito por diversos espaços associativos.

Dito isso, apresenta-se a seguir a autora em uma sucinta cronologia,4 4 Quando não forem apontadas outras fontes, os dados biográficos se baseiam em entrevistas com familiares da poetisa, conduzidas pela equipe do FGV CPDOC. cujos apontamentos biográficos gerais se justificam dado o relativo pouco conhecimento de sua trajetória de vida e que vão ao encontro, ao nosso juízo, da condição de “intelectual mediadora” acima definida, nos quadros de uma sociedade heteronormativa, assimétrica e hegemônica.

Nascida no Rio de Janeiro em fins do século XIX, em uma família de altos estratos econômico-sociais, Anna Amélia passou a infância na usina do pai, o engenheiro José Joaquim de Queiroz Junior (MENDONÇA, 1970MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. O bandeirante do ferro. Guanabara: Arquimedes, 1970.), casado com Laura Machado de Queiroz e pioneiro da siderurgia no Brasil, durante a primeira década do século XX, em Minas Gerais. Filha de uma elite endinheirada pela exploração ferrífera, Anna Amélia não passou pela escola formal, pois foi educada por preceptores particulares, contratados de fora do país, na propriedade paterna. Nesse período, dedicou-se não apenas à alfabetização em português, mas à aprendizagem de três outras línguas: o alemão, o francês e o inglês. Desde sua infância, pois, a poliglota adquiriu fluência nos três idiomas. Às línguas estrangeiras, somaram-se conhecimentos clássicos em história, geografia, botânica, matemática, pintura e música.

Ao regressar ao Rio nos anos 1910, já adolescente, ao lado das irmãs Laura Margarida e Maria José, igualmente cultivadas nas belas letras e na poesia, Anna Amélia residiu com a família no alto da Tijuca, na Estrada Nova. Por essa época, no contexto que precede a Grande Guerra, ela se exercitava na composição de poemas e começou a publicar seus primeiros poemas. Em 1917, enamorou-se do futebolista Marcos Carneiro de Mendonça (1892-1988), que conheceu nas partidas das Laranjeiras e nos círculos sociais da sede do “aristocrático” Fluminense Football Club, durante os atraentes jogos do time de que ele era goleiro. Visto como um futebolista elegante e esbelto, símbolo da era amadorista de distinção do futebol, o sportman Marcos, estudante da Faculdade Politécnica de Engenharia, noivou e se casou com Anna Amélia naquele mesmo ano.

Um ano depois, em 1918, o casal foi morar em uma aprazível casa no bairro do Flamengo, de que constam fotos em seu acervo,5 5 CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Anna Amélia posa na varanda da rua Marquês de Abrantes, 189, [192-]. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Vida Privada, pasta I AACM, foto 016. na rua Marquês de Abrantes, número 189. Viveram durante quase 30 anos naquela casa até que, em 1946, Anna Amélia e Marcos, juntamente com o filho José Joaquim (de apelido familiar Juko) e as duas filhas, Márcia Cláudia e Bárbara Heliodora - esta última seria uma conceituada crítica de teatro (BRAGA, 2007BRAGA, Cláudia (Org.). Bárbara Heliodora: Textos sobre teatro. São Paulo: Perspectiva, 2007.) -, mudaram-se para a mansão herdada da família de Anna Amélia no Cosme Velho. Naquele bairro, fixaram residência pelo resto da vida, até o falecimento da poetisa em 1971. Marcos permaneceu na casa até 1988, quando, aos 94 anos de idade, também veio a falecer.

Ao longo de sua vida, impressiona o número de associações, sociedades e instituições a que Anna Amélia se vinculou ou por onde teve passagem. Para destacar alguns momentos em sentido cronológico, e que se relacionam à temática do artigo, é possível mencionar sua conferência em 1928, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), intitulada Prosadoras e poetisas brasileiras, em que já pontificava o interesse por questões feministas em suas reflexões e ações.

O texto do discurso foi publicado na Revista do IHGB no ano de 1930 e constitui levantamento histórico da literatura produzida por mulheres desde o século XVIII, com nomes e obras perfilados de diversas regiões do país, tal qual a escritora potiguar Nísia Floresta (MENDONÇA, 1930MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Prosadoras e poetisas brasileiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 107, v. 161, p. 77-104, 1930.). O artigo filia-se ao pioneirismo da sistematização de publicações sobre a contribuição feminina à intelligentsia nacional, tal como empreendido já em 1862 por Joaquim Norberto, historiador da literatura e intelectual do romantismo brasileiro, sócio do IHGB, em sua obra Brasileiras célebres (WANGLON, 2009WANGLON, Marcela. Armas, letras e virtudes: A representação da mulher em Brasileiras célebres, de Joaquim Norberto. Letrônica, v. 2, n. 2, p. 268-280, dez. 2009.).

Duas décadas depois de Norberto, em 1882, o historiador da literatura Sílvio Romero (citado por PEREIRA, 1954PEREIRA, Lúcia Miguel. As mulheres na literatura brasileira. Anhembi, v. XVII, ano V, n. 49, dez. 1954., p. 18) elencou tão somente sete nomes de seu exaustivo apanhado histórico na seara literária: Ângela do Amaral Rangel, Beatriz Francisca de Assis Brandão, sobrinha de Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, Marilia de Gonzaga, Delfina da Cunha, Nísia Floresta, Narcisa Amália, Maria Firmina Reis e Jesuína Serra.

O tema tem continuidade alguns anos depois, ainda no século XIX, quando a escritora baiana Ignez Sabino (1899SABINO, D. Ignez. Mulheres illustres do Brazil. Rio de Janeiro; Paris: H. Garnier, 1899.), em seu Mulheres illustres do Brazil, perfila dezenas de biografias de personagens históricas do país. Há ainda uma referência contemporânea à publicação da conferência de Anna Amélia, na obra de autoria de Afonso Costa (1930COSTA, Afonso. Poetas de outro sexo. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, 1930.) intitulada Poetas de outro sexo, lançada por uma associação correlata, o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.

Além disso, o IHGB é uma instituição da qual Anna Amélia teve proximidade graças também à participação de seu marido, que se tornou historiador diletante dos anos 1930 em diante, quando encerrou sua carreira amadora como goal-keeper de um grande clube do Rio de Janeiro, o Fluminense, sendo um dos primeiros ídolos nacionais do futebol na Seleção Brasileira, bicampeão sul-americano em 1919 e 1922 (PEREIRA, 1997PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Pelos campos da nação: Um goal-keeper nos primeiros anos do futebol brasileiro. Estudos Históricos, v. 10, n. 9, p. 23-40, 1997.).

No ano de 1928, um episódio aparentemente mundano sucede: Anna Amélia foi eleita “Rainha dos Estudantes”. O título foi concedido em decorrência do reconhecimento de sua atuação junto a esse segmento e de sua dedicação à causa estudantil, com a mobilização filantrópica de auxílio para custos escolares, emprego em escolas e moradia aos estudantes. O feito da “rainha”, registrado na iconografia de seu acervo,6 6 CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Coroação de Anna Amélia como rainha dos estudantes do Brasil, 1929. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Estudantil, pasta AACM, foto 0013. teve continuidade de 1929 em diante, com a já referida criação da Casa do Estudante do Brasil (CEB), sob sua direção contínua nos decênios seguintes, de onde se origina, a 11 de agosto de 1937, a União Nacional dos Estudantes (UNE), na sequência da realização de um congresso estudantil. Ainda nesse universo, acresce a informação de que Anna Amélia compôs a Canção do Estudante, música gravada em 3 de outubro de 1930, em parceria com o compositor Joubert de Carvalho.

No início dos anos 1930, no contexto das discussões em torno do voto feminino no país e da eleição de uma primeira deputada no pleito de 1934 - Carlota Pereira de Queiroz -, Anna Amélia foi a primeira mulher a ser membro do Tribunal de Justiça Eleitoral. Entre 18 e 25 de abril de 1935, fez importante viagem a Istambul, indicada como representante do Brasil pelo presidente Getúlio Vargas, por ocasião do Congresso Mundial Feminino. Na capital da Turquia, proferiu um discurso em defesa dos direitos civis e políticos das mulheres, com a tese A mulher como cidadã (PINTO, 2003PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003., p. 28). O texto é um desdobramento de produções intelectuais anteriores, como a conferência de 1933, intitulada Feminismo: um salto de meio século, feita em sessão da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. A FBPF, segundo Silveira (2021SILVEIRA, Mariana de Moraes. “Escrever, ser útil à sociedade”: Uma análise da produção intelectual de Myrthes de Campos. Estudos Ibero-­Americanos, v. 47, n. 3, e39891, set./dez. 2021., p. 7), em artigo de análise da trajetória da jurista Myrthes de Campos, constituiu um signo de modernidade e de contestação política das mulheres, desde seu advento, no ano-símbolo de 1922.

O protagonismo internacional de Anna Amélia continuou durante a década de 1940, em meio à Segunda Guerra Mundial, quando a escritora foi indicada para ser a delegada brasileira em encontro da União Panamericana de Mulheres, realizado em Washington, nos Estados Unidos. O contexto da chamada “política da boa vizinhança” impulsionou o panamericanismo em diversas frentes,7 7 CUNHA, Adriana Mendonça. Relações EUA e América Latina nas décadas e 1930 e 1940. In: Crítica Historiográfica, jan./fev. 2023. Disponível em: https://www.criticahistoriografica.com.br/a-politica-da-boa-vizinhanca-e-as-relacoes-brasil-eua-um-breve-balanco-historiografico/. Acesso em: 24 fev. 2023. a exemplo desse espaço de reunião de personalidades femininas de destaque no continente. As demandas das mulheres fizeram Anna Amélia ir também ao Chile, onde proferiu mais conferências e defendeu o sufrágio feminino, tornando-se uma referência na Comissão Interamericana de Mulheres, organismo intergovernamental criado em 1928.

Ao alternar suas atividades com o feminismo, a filantropia e a assistência social na área estudantil, Anna Amélia atuou como sócia, conselheira e, por fim, presidente da Associação Brasileira de Educação. Nessa agenda, estabeleceu relações com Anísio Teixeira, conforme se verifica na correspondência da autora disponível em seu acervo.8 8 Por exemplo: CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Carta de Anísio Teixeira a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 18 nov. 1954. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Estudantil, pasta AACM me. 1930.12.07, doc. 28. Presidiu também a comissão do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura. Ainda no âmbito de cargos e representações, foi vice-presidente da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, criada no ano de 1922 e presidida por Bertha Lutz, entidade que contava com a presença de outras mulheres intelectuais da época, como Carmen Portinho; integrou a Associação Damas da Cruz Verde e foi secretária do Pró-Matre, conhecida casa de maternidade no Centro do Rio.

A autora foi responsável, em 1959, por uma iniciativa extraordinária do governo brasileiro, que contribuiu para a internacionalização de seus estudantes universitários em nível de pós-graduação. Durante a presidência de Juscelino Kubitschek, Anna Amélia teve papel de destaque no processo de construção e inauguração da Maison du Brésil, residência estudantil modernista, projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e Le Corbusier, na Cidade Internacional Universitária de Paris. Esse pavilhão brasileiro na capital francesa remontava a um projeto nacional de início dos anos 1950, na segunda presidência de Vargas (1951-1954). Concluída no final daquele decênio, a residência era destino de alunos do país que cursavam o ensino superior e faziam seus estudos na capital francesa. O edifício é ainda hoje uma referência arquitetônica e constitui um espaço fundamental para os universitários brasileiros em formação no exterior, sejam doutorandos, doutores ou pós-doutores.

Em 1967, quatro anos antes de seu falecimento, foi convidada a participar do Congresso Internacional Feminino pela Paz e Desenvolvimento, no Estado de Israel. Por fim, seu ativismo pode ser complementado com destaque para a sua condição de intelectual pública, uma vez que Anna Amélia foi cronista, colaboradora de diversos periódicos de grande circulação no Rio. Entre eles, a revista O Cruzeiro e o suplemento feminino do Diário da Noite, além dos periódicos O Globo, O Jornal e A Noite.

Vicissitudes da construção e do lugar de um acervo

Antes da apresentação do arranjo do fundo Anna Amélia, cabe contextualizar algumas características desse acervo pessoal e pontuar seu lugar no interior do FGV CPDOC. Essa instituição de guarda documental teve origem em junho de 1973 e principiou seu processo de aquisição de documentos com a doação de familiares do presidente Getúlio Vargas, precisamente de sua filha Alzira Vargas do Amaral Peixoto, conforme testemunha a pesquisadora Maria Celina D’Araújo (1999, p. 228). O acervo de Vargas é seguido pelas fontes pessoais de seus ministros - Gustavo Capanema, Oswaldo Aranha e Alexandre Marcondes Filho, entre outros -, destinados à mesma Fundação, dos anos 1970 em diante.

O perfil desse arquivo, conforme reconhece Carlos Bacellar (2011BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2011, p. 23-79., p. 42), tornou o Centro de Documentação e Pesquisa em História Contemporânea do Brasil uma referência crescente ao longo das décadas, ao lado do Arquivo Edgar Leurenroth (Unicamp), do Instituto de Estudos Brasileiros (USP), da Fundação Joaquim Nabuco, do Centro de Documentação e Memória (Unesp) e da Fundação Casa de Rui Barbosa, entre outros. No caso do CPDOC, a reunião de arquivos privados de personalidades públicas brasileiras ensejou uma série de investigações em torno das elites dirigentes do país e permitiu a reconstituição de dimensões historiográficas até então ignoradas ou menos exploradas do passado, no século XX.

A sua Casa Acervo abriga hoje mais de 230 arquivos pessoais e, no decorrer desses 50 anos, seu escopo de arquivos se ampliou das elites políticas - bacharéis, juristas, literatos e membros das classes dirigentes - para bases sociais mais abrangentes. Nesse sentido, uma das frentes de investimento nos últimos anos volta-se à aquisição de acervos de mulheres, à percepção de seu protagonismo na vida pública e à visibilidade necessária ao marcador de gênero no interior da instituição.

Parte desse movimento de ampliação decorreu de início da percepção da assimetria do número de titulares homens e mulheres: há menos de 15 fundos femininos, em muitos casos doados na condição de anexo ao arquivo pessoal de seus maridos ou filhos, a exemplo de Delminda Aranha, doado ainda em 1973 (ano de criação do CPDOC), de Hermínia Collor e de Hilda Machado, esposas dos políticos Oswaldo Aranha, Lindolfo Collor e Cristiano Machado, respectivamente. Com efeito, a instituição envida-se desde os anos 2010 para desenvolver uma política atenta a essa demanda, a fim de lograr um progressivo equilíbrio quantitativo.

Tal mobilização procura dirimir uma percepção generalizada sobre a quase exclusividade masculina existente nessa instituição de guarda, conforme atestam Ana Paula Simioni e Maria de Lourdes Eleutério, em apresentação ao dossiê Mulheres, arquivos e memórias, referência por sua vez ao escrutínio de outra pesquisadora de acervos pessoais. Publicada há cinco anos, é bem possível que tal constatação não tenha podido acompanhar mudanças institucionais paulatinas em curso no último decênio:

Analisando o caso do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Patrícia W. Martinho assinala que, dentre os 166 arquivos reunidos, apenas sete são femininos, e em ao menos três casos os nomes não possuem atividades associadas, ou seja, figuram ali na medida em que se trata de esposas ou filhas de grandes personalidades públicas, as quais são, é claro, masculinas (SIMIONI; ELEUTÉRIO, 2018SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Mulheres, arquivos e memória. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 71, p. 19-27, 2018., p. 21).

As organizadoras desse dossiê partem da presença diminuta de arquivos pessoais de mulheres nessa e em outras instituições como efeito da cultura hegemônica que grassou durante tantas décadas, a naturalizar a invisibilidade e a ausência de equidade, refletidas, por seu turno, na divisão desproporcional de gêneros de titulares no âmbito arquivístico. Essa era uma questão que já nos anos 2000 inquietava a pesquisadora da área de letras Constância Lima Duarte, em sua reflexão sobre o esquecimento, a exclusão cultural e a condição das mulheres “anarquivadas” na história brasileira. Para justificar o emprego do neologismo, a autora avalia:

foi a timidez doentia das nossas moças, a sua inércia, que ficou registrada na história nacional. As outras - as exceções - foram sistematicamente ignoradas e alijadas da memória canônica do arquivo oficial. E foi tão sistemático este trabalho de alijamento, que quem se aventurasse depois a buscar as que romperam o silêncio, precisava enfrentar a desordem, o vazio, o “arquivo do mal”, na arguta expressão de Derrida (DUARTE, 2007bDUARTE, Constância Lima. Arquivos de mulheres e mulheres anarquivadas: Histórias de uma história mal contada. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 30, p. 63-70, 2007b., p. 64).

De acordo com a investigadora, tal quadro começa a se modificar na historiografia internacional a partir de meados dos anos 1980 e tem reflexos no quadro brasileiro, com um trabalho de “resgate” dessas escritoras do passado, esquecidas ou alijadas da história nacional. Depois de elencar uma série de exemplos de apagamento e silenciamento, Duarte aponta exceções, como a literata Henriqueta Lisboa, cujo arquivo e espólio intelectual foram organizados em vida pela autora, sendo capaz, por assim dizer, de construir a própria memória a priori.

Vale a reprodução da observação a seguir, uma vez que pode ser estendida à montagem do arquivo de Anna Amélia e aos traços desconhecidos de sua produção e atuação que precisam ainda ser investigados, conforme se vai doravante descrever:

A escritora assim arquivada apresenta ao pesquisador outros desafios: o de ler nas entrelinhas do arquivo, e detectar não apenas o que aí consta, mas também o que falta, e deveria estar. Ainda citando Derrida, “O arquivo sempre foi um penhor e como todo o penhor, um penhor de futuro”. E é por investir nesse futuro, de forma consciente ou não, que o escritor se arquiva (DUARTE, 2007bDUARTE, Constância Lima. Arquivos de mulheres e mulheres anarquivadas: Histórias de uma história mal contada. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 30, p. 63-70, 2007b., p. 69, grifo da autora).

O exemplo mobilizado por Duarte serve de ensejo para a análise dos materiais constantes de outros arquivos de mulheres, tal como feito pelos pesquisadores Roberta Valin e Carlos Pires. Eles se debruçaram sobre os cadernos de Anita Malfatti, depositados no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP), e chegaram a conclusões análogas em relação às fontes arquivadas pela artista modernista. O caráter seletivo desse conjunto de documentos - aos cadernos, acrescem-se “cartas, manuscritos, datilográficos, fotografias, matrizes de gravura, cartões de visita, documentos de identificação pessoal” (VALIN; PIRES, 2018VALIN, Roberta; PIRES, Carlos. Os cadernos de Anita Malfatti no IEB. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 71, p. 325-337, set./dez. 2018., p. 336) - é assim descrito pelos autores:

os cadernos de recortes resultam de uma ação intencional, contraditoriamente não espontânea, que diz respeito ao armazenamento de informações selecionadas por alguém e que cumpre determinada função na vida e no processo de criação dos seus produtores, no caso a artista. (…) Anita Malfatti em seus “cadernos de recortes” prioriza, ao que parece, sua trajetória profissional procurando estabelecer por meio dos recortes que seleciona momentos-chave da sua carreira, construindo e preservando uma imagem de si de natureza pública, ou seja, de uma artista moderna a seu modo, algo diferente, como dito, dos cadernos de desenho que são parte efetiva do seu processo de criação (VALIN; PIRES, 2018VALIN, Roberta; PIRES, Carlos. Os cadernos de Anita Malfatti no IEB. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 71, p. 325-337, set./dez. 2018., p. 335-336).

De volta ao caso aqui em tela, outra mudança de destaque do CPDOC no século XXI é o recebimento de arquivos de antropólogos e antropólogas, de sociólogos e sociólogas, de cientistas políticos e cientistas políticas. Nesse caso, o objetivo é a reunião de um conjunto de arquivos de intelectuais e acadêmicos, capazes de possibilitar que o espaço se torne referência igualmente para a história e a memória das ciências sociais no Brasil, em alinhamento a outros projetos e frentes institucionais de pesquisa no mesmo Centro.

O acervo de Anna Amélia foi recebido há mais de uma década, em 2010, um pouco antes desse movimento de mudança e alargamento verificado no interior da instituição. É um caso até certo ponto sui generis no perfil da instituição, pois, à primeira vista, o destino arquivístico de uma escritora parece congruente com a política de acervo de instituições congêneres sediadas em Minas Gerais, no Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais; em São Paulo, no Instituto de Estudos Brasileiros; no Rio de Janeiro, na tradicional Fundação Casa de Rui Barbosa, que abrigam centenas de literatos de renome; ou no Instituto Moreira Salles, cujo investimento em aquisições da área cultural abrange também escritores referenciais da literatura nacional.

O depoimento das doadoras a mim concedido9 9 BUENO, Priscilla Scott; BUENO, Patrícia. Entrevistador: Bernardo Buarque de Hollanda. Programa de História Oral (FGV CPDOC), 18 fev. 2022. permite, no entanto, deslindar as vicissitudes da suposta singularidade, ou excepcionalidade, desse fundo. Tivemos a oportunidade de entrevistar Priscilla Scott Bueno, juntamente com sua irmã, a atriz Patrícia Bueno, ocasião em que essas informações vieram à tona. A entrevista possibilita o entendimento de que sua doação surgiu da ideia e da iniciativa direta do presidente da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Ivan Simonsen Leal, em conversas com familiares da poetisa, mais precisamente com sua neta, Priscilla.

Nesse relato, a neta conta ainda que entrevistou o professor Carlos Ivan para um projeto familiar em torno da genealogia dos Carneiro de Mendonça. Estes tinham, por sua vez, relações de parentesco com as famílias do presidente da Fundação, isto é, os Gudin e os Simonsen Leal, constitutivas da história da FGV na área de Economia do Rio de Janeiro, a partir de sua atuação no Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e na Escola de Pós-Graduação em Economia e Finanças (EPGE). Com base nesse contato inicial, desencadeia-se a iniciativa de abrigar na Casa Acervo o arquivo privado de Anna Amélia.

Em certo sentido, assim, o acervo da poetisa foi doado em conjunto com o fundo de seu marido, o engenheiro e futebolista Marcos Carneiro de Mendonça. Chama a atenção que é o acervo dela o objeto da doação, e não o contrário, segundo a tradição dos arquivos de mulheres, via de regra apensos aos titulares homens. O acervo de Anna Amélia se caracteriza por um alinhamento ao escopo arquivístico original do CPDOC, ou seja, situa-se na tradicional chave das elites políticas. É isso o que sugerem a socióloga Carolina Alves e um grupo de pesquisadoras:

Os documentos do arquivo de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça dialogam com a documentação presente no arquivo de Almerinda Farias Gama. Ambos os fundos reúnem registros sobre a atuação feminina na política e na militância feminista durante o governo Vargas (ALVES et al., 2019ALVES, Carolina Gonçalves et al.. Arquivos pessoais de mulheres: A experiência da Escola de Ciências Sociais (FGV CPDOC). In: IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE SABERES ARQUIVÍSTICOS, 2019, Coimbra. Anais… Coimbra: Universidade de Coimbra, 2019, p. 73-87., p. 81).

Não obstante, a doação vai ao encontro também da política atual de aquisição de acervos de mulheres e de intelectuais, diretriz que tem norteado a instituição nos últimos anos, conforme observado acima.

Isso posto, cabe agora descrever grosso modo o fundo Anna Amélia e apresentá-lo tal como a instituição de guarda classificou seu arranjo. Desde os anos 1980, o CPDOC estabeleceu uma metodologia de organização de seus arquivos pessoais, que passou por quatro versões até chegar à sua última configuração (CPDOC, 1998). Nela, definem-se critérios para os procedimentos iniciais, seguidos de um padrão para o tratamento de documentos textuais não impressos, de documentos visuais, sonoros e audiovisuais, e de documentos impressos. Em cada setor, segundo a natureza e a conveniência do suporte, adotam-se convenções de descrição, definição, ordenação, notação e preservação documentais que, ao fim e ao cabo, dão corpo ao arranjo arquivístico, tornado de domínio público e passível de digitalização.

No caso de Anna Amélia, seu arranjo foi categorizado em oito rubricas principais: “Literatura”; “Fotografia”; “Militância estudantil”; “Militância feminista”; “Participação em congressos, associações e institutos”; “Recortes de jornais”; “Vida privada”; e “Documentos póstumos” (1971-1996). Esse conjunto perfaz em termos quantitativos um montante de cinco mil documentos textuais. Destes, 595 documentos alocam-se na temática da “Literatura”, composta por sete pastas, das quais 2.687 páginas estão escaneadas e digitalizadas.

Em ordem de grandeza, convém observar que o volume de “Literatura” supera todas as demais seções do acervo, sendo seguida por “Vida privada”, com 2.569 páginas; “Militância estudantil”, com 610 ocorrências paginadas; “Militância feminista”, com 590; “Participação e colaboração em associações, órgãos e institutos” vem a seguir, com 505; “Documentos póstumos” computa 374 documentos. A totalidade perfaz 7.326 páginas, que se encontram franqueados à consulta pública online por meio da base Accessus e do portal do FGV CPDOC.

Dos registros literários, seis são livros originais impressos de poesia, em primeira edição. O material restante é composto de manuscritos, datiloscritos e cartas, com finalidades ora pessoais, ora profissionais, ora institucionais, sendo que parte deles se imiscui. Salvo honrosas exceções, há poucos estudos acadêmicos acerca da autora, mas se entende que a abertura de seus arquivos tem o potencial de recolocar a escritora em novas agendas de pesquisadores. Alessandra Nóbrega Monteiro e Anna Beatriz Costa (2021COSTA, Anna Beatriz; MONTEIRO, Alessandra Nóbrega. Anna Amélia: Feminismo brasileiro à luz de um arquivo pessoal. Ofícios de Clio, v. 6, n. 10, p. 274-293, jan./jun. 2021.) foram estagiárias de iniciação científica do CPDOC e pesquisaram o “feminismo brasileiro à luz do arquivo pessoal” de Anna Amélia, o que resultou em publicação em revista discente.

Sem incorrer em anacronismo, as autoras logram um adequado enquadramento histórico do tipo de feminismo então preconizado pela fração de classe a que pertencia Anna Amélia. A transcrição de um trecho de crônica de Anna Amélia dá a conhecer o teor de sua concepção nas relações de gênero em seu tempo:

Depois que o feminismo é uma realidade, a paz universal não é mais impossível. Ela há de vencer os homens, como um filtro suave e envolvente, ensinando-os a amar em todos os povos, outros homens capazes dos mesmos ideais e do mesmo amor. Eu nunca pude compreender como é que existem homens que conseguem não viver em paz com as mulheres. Penso que as mulheres, pacifistas por índole e por convicção, às vezes se revelam um pouco belicosas deve ser apenas por reflexo do temperamento dos homens, que há tantos séculos se habitaram a ter como dominadores.

Entretanto, essas pequenas rusgas entre homens e mulheres, terminam sempre por um sorriso de mulher.

Entreguem às mulheres a solução dos desentendimentos internacionais, e verão como se ensina aos povos, a tolerância e o bom senso. Nada de canhões atroadores, gazes asfixiantes, bombardeios aéreos. Mas palavras sinceras, corações abertos, mãos leais abertas para um gesto fraternal.10 10 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Crônica da Atualidade, 15 abr. 1936. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Feminista, pasta AACM mf 1936.03.11, doc. 1A.

Não convém aqui adentrar nas precauções e nos meandros teórico-­metodológicos da construção de um acervo, tal como feito com propriedade por Luciana Heymann (2012HEYMANN, Luciana. O lugar do arquivo: A construção do legado de Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.). Além da metodologia e da teoria, a socióloga debruça-se em sua agenda de pesquisa sobre o tema da dispersão de fundos na arquivologia e os embaraços causados pela dualidade entre acervos considerados íntegros, em seus processos de “arquivamento do eu” (ARTIÈRES, 1998ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, n. 21, p. 9-34, 1998.), versus aqueles dispersos e fragmentados em mais de uma instituição (COSTA; LACERDA; HEYMANN, 2020COSTA, Mariana Tavares de Melo; LACERDA, Aline Lopes de; HEYMANN, Luciana Quillet. O fenômeno da dispersão em arquivos pessoais: Um estudo do acervo Anthony Leeds. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 19, p. 157-180, 2020.), como sucede na atualidade com as escritoras Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus. À primeira vista, essa realidade afetou menos o arquivo de Anna Amélia, na transposição de sua origem familiar para seu destino institucional.

O nosso recorte, por conseguinte, se direciona à contribuição das fontes primárias do material literário para o redimensionamento da autora, com vistas a uma análise e uma interpretação de um segmento específico dessa documentação. O foco não deixa de reconhecer o artifício técnico de todo e qualquer acervo pessoal sob custódia de uma instituição pública. Ou seja, se a divisão interna do acervo induz o interessado por literatura a buscar a pasta homônima indexada, a visão holística do conjunto dos documentos e o cruzamento entre os mesmos é justamente para desconfinar a autora do modo como tradicionalmente foi enquadrada pela história literária. Numa palavra, entende-se que o exposto permite daqui em diante “cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto e contexto, estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências e produzir um trabalho de História” (BACELLAR, 2011BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2011, p. 23-79., p. 71).

Assim, em continuidade aos esforços pontuais preexistentes, procura-se na terceira e principal parte deste artigo enfocar certas potencialidades analíticas do acervo da escritora. Concede-se atenção especial ao processo de produção literária de Anna Amélia e aos indícios de sua rede de sociabilidades nas esferas de cultura e poder, passível de depreensão com base na disposição do seu arranjo documental, que consta da série “Literatura”.

No reino das belas letras?

Anna Amélia foi formada em sua infância e juventude nas belas letras, típicas do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, quando grassavam na poesia brasileira influências do parnasianismo e do simbolismo, entre outras correntes poéticas finisseculares. A autora praticou o soneto já na adolescência e, aos 15 anos, em 1911, publicou seu primeiro livro de poemas, intitulado Esperanças: Recordações de infância (QUEIROZ, 1911QUEIROZ, Anna Amélia de. Esperanças: Recordações de infância. Paris: Garnier Frères, 1911.), composto de 22 poesias. O título faz alusão ao nome da cidade mineira em que ficava sediada a Usina Boa Esperança, pertencente ao pai, e em que passou seus primeiros anos de vida. Comprada em 1900, a propriedade passou a chamar-se Usina Queiroz Jr. em 1948, sob administração do marido de Anna Amélia, Marcos de Mendonça.

Entre as recordações da escritora, o elo filial paterno é realçado na transmissão do gosto pela dita alta literatura, em uma espécie de propedêutica familiar e cosmopolita:

À noite, em torno da mesa de jantar, continuava a nossa aprendizagem, com o convívio dessas pessoas cultas, cuja conversa com nossos pais nos punha em dia com os acontecimentos de dentro e fora do país. Muitas vezes era de literatura a nossa palestra familiar. Meu Pai recitava o famoso monólogo de Hamlet e monologava também sobre a filosofia da vida. Nós o ouvíamos empolgadas e vem desse tempo, na sequência natural das coisas, o interesse e paixão que seus descendentes conservam e desenvolvem em torno do vulto consagrado de Shakespeare (MENDONÇA, 1970MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. O bandeirante do ferro. Guanabara: Arquimedes, 1970., p. 18-19).

A estreia precoce pode ser compreendida pela ambiência em que fora educada, conforme se aduz das memórias acima. Esperanças (QUEIROZ, 1911QUEIROZ, Anna Amélia de. Esperanças: Recordações de infância. Paris: Garnier Frères, 1911.) é obra de estreante, publicada pela prestigiada editora francesa Garnier e com evidente apuro da técnica de composição poética. A repercussão na imprensa é imediata, conforme observa a pesquisadora Constância Lima Duarte (2007aDUARTE, Constância Lima. Anna Amélia: Militância e paixão. Interdisciplinar, v. 3, n. 3, p. 22-30, 2007a.), ao identificar a recepção nos periódicos Correio da Manhã, O País e A Gazeta, no Rio, e mesmo em A Tarde, de Belo Horizonte. Nesses jornais, autoridades da crítica literária da Primeira República se manifestaram seu favor de Anna Amélia.

As publicações têm continuidade nos anos 1920, com mais dois livros de poesia em dicção parnasiana, “embebidos de lirismo, sensualidade e paixão” (DUARTE, 2007aDUARTE, Constância Lima. Anna Amélia: Militância e paixão. Interdisciplinar, v. 3, n. 3, p. 22-30, 2007a., p. 24): Alma (MENDONÇA, 1922MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Alma. Rio de Janeiro: Empresa Brasil, 1922.) e Ansiedade (MENDONÇA, 1926). A produção poética se desdobra no decênio seguinte, quando mais dois livros vieram a lume: A harmonia das coisas e dos seres (MENDONÇA, 1936) e Mal de amor (MENDONÇA, 1939). Escritos em meio à conjuntura de escalada bélica no mundo, com a iminência e a atmosfera da Segunda Guerra, os versos são envoltos de pacifismo e de mensagens condenatórias aos despotismos tirânicos. De todo modo, com mais essas publicações, perfaz assim cinco livros de poesia, que serão retomados nos anos 1950, sob a formação de antologias: Poemas (MENDONÇA, 1951) e 50 poemas de Anna Amélia (MENDONÇA, 1957).

A história literária consigna o parnasianismo como um movimento surgido nos idos de 1880, na esteira da terceira geração romântica. De acordo com o professor Eucanaã Ferraz (2011FERRAZ, Eucanaã. Poesia no Brasil: Funciona. In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia (Org.). Agenda brasileira: Temas de uma sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 408-417., p. 413):

O gosto pela realidade mais palpável, por sua observação, e o entendimento da poesia como trabalho com a língua trariam, de fato, sugestões modernizadoras se o apego a um vocabulário raro, aos temas nobres e a um tom acadêmico não tivessem fechado o poema num claustro, ou num antiquário, sem qualquer diálogo com a experiência do homem comum. São exemplares, nesse sentido, as obras de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho.

Coteje-se a caracterização de Ferraz com a obra de Anna Amélia. Via de regra, os assuntos poéticos da autora versam sobre a natureza (o mar, o céu, a terra, a noite, a primavera), vista em sentido universal, mais abstrata que a concretude da paisagem brasileira, candente e apelativa no romantismo. Seus poemas versam sobre o mundo greco-romano e suas divindades; sobre a sensibilidade estética em torno da vida, do amor e do espírito; sobre sentimentos como a harmonia, a serenidade, o ceticismo. À guisa de ilustração, observem-se trechos dos versos da autora em Poean, dedicado ao marido:

Foi sob um céu azul, ao louro sol de maio, Que eu te encontrei, formoso como Apolo, E o meu amor nasceu, num luminoso raio, Como brota a semente à umidade do solo. Havia tanta vida. Era tão verde o campo. E eu senti-me envolver num clarão muito doce, Esse clarão cresceu, cresceu e acentuou-se Como o sol ao raiar pelo horizonte escampo. E eu te amei… Foi assim - verdes frondes, contai-o - Que, banhado de luz, entre os beijos de Éolo, Sob um céu muito azul, ao louro sol de maio, Um dia eu te encontrei, formoso como Apolo.11 11 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Poean, 1922. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM lit 2022.03.14_1, p. 1. Poema publicado em Alma (MENDONÇA, 1922), Mal de Amor (MENDONÇA, 1939) e na coletânea 50 poemas de Anna Amélia (MENDONÇA, 1957).

Em paralelo e na sequência, a obra poética é acompanhada de outras atividades literárias, a exemplo da tradução de peças, sonetos e poemas clássicos ingleses, notadamente a obra lírica e dramática de Shakespeare. A tarefa de tradutora não se circunscreve ao bardo inglês e abrange o auto sacro medieval do século XV Todomundo, de autoria desconhecida. A tradução permitiu inclusive a encenação desse auto na Igreja Matriz da Glória do Largo do Machado, durante a Semana Santa do ano de 1959, tendo no elenco a atriz Glauce Rocha.

O acervo pessoal da poetisa franqueia acesso à redação dos poemas, sejam os manuscritos, sejam os datilografados. Por seu intermédio, acessamos suas anotações e seus comentários, que correspondem ao processo de elaboração, antes de chegar à versão final, impressa e acabada. Esse olhar em torno do material provisório e disperso faculta uma oportuna incursão de crítica genética. Trata-se de observar o modo de criação de cada escritor, em geral, e de Anna Amélia, em particular. Em alguns documentos, há rasuras e sinais de cortes à mão, decorrentes da releitura do texto datilografado; em outros, encontram-se comentários à margem direita ou esquerda do papel, observações de orientação própria e notas de cunho pessoal.

Em determinadas páginas, é possível divisar uma sequência, correspondente à organicidade de um livro. Já em outras situações, os poemas estão redigidos soltos, esparsos, avulsos, sem, em princípio, integrar um projeto pré-determinado. Sabemos de seu conjunto e destino apenas a posteriori, no cotejo com os livros já publicados, mediante o cruzamento dos originais.

Essa percepção própria da crítica genética, tradicional na área de letras no Brasil desde pelo menos os anos 1960, quando se afirma como prática pesquisadora alternativa ante a hermenêutica e o estruturalismo da teoria da literatura, vai ao encontro dos anseios do historiador e se projeta além da interpretação pura e simples do texto publicado. Está em jogo o interesse maior pelo processo do que pelo produto, as práticas de escrita e de leitura, conforme assinala Roger Chartier (2001CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.), em sobreposição à exegese internalista da obra (FERREIRA, 2009FERREIRA, Antônio Celso. Literatura: A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 61-92.).

Tais procedimentos remetem também à discussão de fundo em torno de uma história da literatura e da definição unívoca do cânon ocidental, conforme o método proposto por Harold Bloom (2001BLOOM, Harold. O cânon ocidental: Os livros e a escola do tempo. São Paulo: Objetiva, 2001.), controvertido crítico, na lida com a vigência de estilos, obras e autores canônicos. Nesse sentido, Anna Amélia pode ser considerada uma autora não canônica no espaço literário brasileiro, uma vez que não figura hoje em livros didáticos, raramente é objeto de estudos acadêmicos na pós-graduação e tampouco desperta interesse editorial na reedição de seus livros. Isso se deve, em parte, ao fato de a autora ser contemporânea da geração modernista e de, ao mesmo tempo, ter sido associada na primeira metade do século XX às correntes beletristas, parnasianas ou pré-modernistas de composição da poesia, quando da transição para o cânon da crítica e da lavra progressivamente hegemônica do modernismo (LAFETÁ, 2000LAFETÁ, João Luiz. 1930: A crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; 34, 2000.; CANDIDO, 2006CANDIDO, Antônio. O método crítico de Sílvio Romero. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2006.).

A classificação da história literária é fixada e atribuída a Anna Amélia no ano de 1960, quando o jovem crítico paulista Fernando Góes organizou o volume cinco, Pré-Modernismo, da série Panorama da poesia brasileira. Nessa antologia de poemas, fruto de um trabalho coletivo de críticos emergentes no delineamento de uma história da poesia, a autora é enquadrada na rubrica “pré-modernista”. A série foi publicada pela prestigiada editora Civilização Brasileira (GOÉS, 1960) e se legitima pelo crivo de críticos da época, como Edgar Cavalheiro e Péricles Eugênio da Silva Ramos, este último integrante da Geração de 1945.

A etiqueta “pré-modernismo” foi utilizada de modo amplo durante esse período e serviu de chancela classificatória para escritores do porte de Euclides da Cunha e Lima Barreto. Mesmo os mais refinados críticos e historiadores literários da área de Letras, como Alfredo Bosi (1966BOSI, Alfredo. A literatura brasileira: O pré-modernismo. São Paulo: Cultrix, 1966.), trabalharam com a categoria. Nos anos 1980 e 1990, entretanto, estudos de história social e teoria literária passaram a questionar a pertinência de seu emprego e sua generalidade (SEVCENKO, 1983SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983.; HARDMAN, 1992HARDMAN, Francisco Foot. Antigos modernistas. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 289-305.). Isso porque se interpelava o estabelecimento de um critério teleológico de classificação dos autores, com base em movimentos e correntes posteriores, matéria para reflexão historiográfica aplicada à literatura e aos limites divisórios e aproximativos dos conceitos de moderno vis-à-vis ao de modernista.

Nessa mesma linha, em período mais recente, o historiador Leonardo Pereira (2016PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Coelho Neto: Um antigo modernista. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.) também critica - em volumoso livro homônimo sobre esse literato da Academia Brasileira de Letras, subintitulado Um antigo modernista - a aplicação do termo “pré-moderno” ao escritor Coelho Neto, de quem aliás Anna Amélia era próxima. Trata-se de uma discussão que atinge muitos escritores, a exemplo de Graça Aranha, veterano da ABL e autor do romance Canaã (1903), mas que adere à Semana de Arte Moderna, com sua participação em 1922 e com sua conferência de 1924, O espírito moderno (JARDIM, 2016JARDIM, Eduardo. A brasilidade modernista: Sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Ponteio; Ed. PUC-Rio, 2016.). Cecília Meireles, outro exemplo contemporâneo de Anna Amélia, situa-se em zona intermediária, a meio caminho entre o simbolismo tardio e o modernismo, e ocupa uma espécie de limbo entre as vertentes literárias e seus respectivos contextos históricos (MOREIRA, 2021MOREIRA, Idmar Boaventura. Um itinerário fora da caixa: Cecília Meireles e o projeto modernista. Revista de Letras, v. 61, n. 1, p. 71-89, jan/jun. 2021.).

Embora não desenvolva o argumento, Constância Lima Duarte (2007aDUARTE, Constância Lima. Anna Amélia: Militância e paixão. Interdisciplinar, v. 3, n. 3, p. 22-30, 2007a.) enquadra Anna Amélia como uma poetisa “moderna” sem ser modernista. Para tanto, alinha-a ao lado da romancista Dinah Silveira de Queiroz, da poetisa Adalgisa Nery e da escritora Lygia Fagundes Telles, mais moças, mas contemporâneas, reunidas na colaboração em revistas como Fon-Fon, Careta e, em especial, O Cruzeiro. Outro caso a adicionar nesse rol de escritoras é Gilka Machado, nascida em 1893 e contemporânea, portanto, dos modernistas e de Anna Amélia, mas que se vincula à poesia simbolista e não deixa de ser aclamada em vida, com a condecoração de “maior poeta brasileira do século XX”, título atribuído em 1933 pela revista O Malho (DAL FARRA, 2015DAL FARRA, Maria Lúcia. Gilka, a maldita. Teresa: Revista de Literatura Brasileira, n. 15, p. 117-129, 2015., p. 118).

A documentação do fundo Anna Amélia, por sua vez, não parece corroborar a posição da pesquisadora supracitada, porquanto revela uma escritora com reputação e reconhecimento entre muitos de seus pares e leitores em seu tempo. Um documento do seu acervo, datado de 1926, permite saber que a poetisa, então aos 30 anos de idade, recebe um cartão de homenagem assinado por cinco admiradores de São Paulo.12 12 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Aureliano Leite, Cyro Costa, Paulo Gonçalves, Cleomenas de Campos e Arthur de Cerqueira Mendes a Anna Amélia Carneiro deMendonça, 6 abr. 1926. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. 36. Eles endereçam convite para a participação da poeta no sarau literário do Salão do Conservatório, com vistas à declamação dos versos de seu terceiro livro, Ansiedade (MENDONÇA, 1926MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Ansiedade: Poesias. Rio de Janeiro: Empresa Brasil, 1926.), recém-lançado em meados dos anos 1920.

O material apreciado possibilita identificar também as relações da escritora com Coelho Neto, que faleceu em 1934, mas que cinco anos antes lhe escreveu uma carta, em esmerada caligrafia, com convite para colaboração em um dicionário coletivo.13 13 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Coelho Neto a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 26 jan. 1929. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-I, doc. 66. Por seu turno, a crítica da primeira metade do século XX reconhece o valor e as qualidades de sua produção literária, conforme se infere do comentário de Celso Kelly (1906-1979). Esse autor, advogado, jornalista e homem de letras, biógrafo de Portinari e presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entre 1964 e 1966, consigna a seguinte passagem, encontrada numa página datilografada do acervo e que serve de apresentação a um dos livros de Anna Amélia:

A obra poética de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça teve suas origens num lirismo parnasiano, que lhe evidenciou o apuro de uma técnica de versejar impecável e espontâneo: desses exemplos em que a perfeição parece natural e fluida, como se estivesse nascendo naquele momento sob inspiração divina. E, sem perda de substância lírica constante de sua sensibilidade, foi-se deixando sensibilizar pela motivação histórica e social, trazendo a seus poemas a marca do tempo e do meio, já então longe dos preceitos da velha gramática poética, entregue apenas ao jogo dos ritmos e à discreta utilização das imagens: um mundo subjetivo de impressões emerge desse novo mundo estético. Anna Amélia, comungando com a época, dá nesses poucos poemas a medida da acuidade de sua arte, e deles faz, em meio às preocupações da atualidade, cânticos de advertência, de afeto e de gratidão. Que mais se poderia desejar da profundeza da alma humana e do milagre criado da arte?14 14 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Anna Amélia de Queiroz Carneiro deMendonça (Celso Kelly), 1957. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. 121.

A poesia é o gênero matricial de sua literatura e a principal fonte de seu reconhecimento pelos coetâneos. Há de se considerar, todavia, o conjunto da obra literária da autora para uma compreensão mais abrangente de sua escrita, característica dos polígrafos que se formaram durante a Primeira República. Isso se evidencia pelo peso que outros livros e outras publicações adquirem em seu arquivo pessoal, bem como pelo debate em torno de sua consagração versus seu esquecimento literários. Se a produção de poesia, como revelação nascente da vocação de mocidade e do processo de descoberta sensível do mundo - sua Bildung de poetisa - se concentra entre as décadas de 1910 e 1930, outras modalidades de escrita emergem e a caracterizam nos decênios seguintes.

Entre elas, destaca-se a literatura de viagem, com o livro póstumo Quatro pedaços do planeta no tempo do Zeppelin (MENDONÇA, 1976MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Quatro pedaços do planeta no tempo do Zeppelin. Rio de Janeiro: Arquimedes, 1976.), fruto de uma longa jornada a diversos países da Europa, do Oriente Médio, da Ásia e da África. O relato originou-se da viagem familiar de quatro meses, logo após a participação no Congresso Mundial de Mulheres, na Turquia. A aventura com o marido e a filha mais velha iniciou-se já no périplo de travessia do Atlântico via Zeppelin, inspiração para o título do relato, espécie de diário de bordo.15 15 A Fundação Getúlio Vargas produziu, em 2019, com direção de Tarcila Soares Formiga, o curta-metragem Anna Amélia: Feminismo no tempo do Zeppelin, que aborda a viagem. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l3yvqyO33hg. Acesso em: 24 fev. 2023.

A viagem foi coberta pela imprensa - Noite, Jornal do Comércio, O Paiz, entre outros -, dada a condição de delegada e representante oficial brasileira de Anna Amélia. O dirigível Zeppelin, pertencente a uma empresa alemã dos anos 1930, fazia a ligação transcontinental entre a Europa e a América, em traslado que levava cinco dias no cruzamento do Atlântico, entre o Rio de Janeiro e a cidade de Munique, na Alemanha. Os jornais brasileiros cobriram a jornada de 5 de abril até 17 de agosto, quando registraram o regresso de Anna Amélia ao país. Um trecho inicial do livro dá pistas do seu modo de registro da viagem:

Deixado ao longe o tapete mágico do litoral brasileiro, o Zeppelin conquista o mar alto e o céu amplo. Azul transparente e fluido sobre a nossa cabeça; azul compacto e forte abaixo de nós. Um dia só entre os abismos, e o monstro flutuante está sobre Marrocos, dominando as cidades alvas que se recortam lá embaixo como detalhadas maquetes de gesso. Depois, Gilbraltar à espreita, e a Europa que se esboça com as pontas nevadas das cordilheiras (MENDONÇA, 1976MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Quatro pedaços do planeta no tempo do Zeppelin. Rio de Janeiro: Arquimedes, 1976., p. 18).

Outra publicação que merece menção deriva da conferência Castro Alves: Um estudante, apenas, proferida no auditório do Ministério da Educação em 1947, por ocasião do centenário de nascimento do poeta romântico de origem baiana. A edição foi feita pela coleção da Casa do Estudante do Brasil (MENDONÇA, 1968bMENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Castro Alves: Um estudante, apenas. In: FREYRE, Gilberto et al.. Temas brasileiros. Guanabara: Casa do Estudante do Brasil, 1968b, p. 187-209.), que também foi uma livraria-editora e que recebeu e editou, na década de 1940, escritores e pensadores sociais da importância de Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Vianna Moog, José Lins do Rego, Arthur Ramos, Fernando Azevedo, Roy Nash e a própria Anna Amélia.

Fica claro, assim, como a CEB era mais do que uma casa estudantil e se constituía como polo juvenil e centro artístico-cultural efervescente entre os anos 1930 e 1960, com teatro, livraria e editora. Como já dito, a Casa situava-se no Centro da cidade e atendia a um público universitário crescente no Rio do entreguerras e do pós-Segunda Guerra Mundial. Encontrava-se próximo aos prédios e instituições do governo federal e nas adjacências das escolas e faculdades universitárias, ao lado de outros espaços de produção, circulação e consumo de bens culturais: artes, cultura, livros e ciência.

A Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) ficava na Avenida Antônio Carlos, número 40, próxima à nova sede da CEB, inaugurada em 1942. A propósito, a conhecida conferência do modernista Mário de Andrade (1942ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942.), com seu balanço dos 20 anos da Semana de Arte Moderna, foi pronunciada no salão do Itamaraty, também naquela região central, e publicada pela editora da CEB. Essa é mais uma mostra da porosidade das relações sociais, capazes de borrar as fronteiras estanques da taxonomia, em favor do trânsito entre as fronteiras estilísticas e os movimentos literários considerados opostos.

O selo editorial da Casa foi dirigido por Arquimedes de Melo Neto, que criou em 1933 o importante periódico Rumo. Nele, colaboravam não só Anna Amélia, como os intelectuais Otto Maria Carpeaux, Waldo Frank, Carlos Lacerda, Sérgio Buarque de Hollanda, Aníbal Machado, Josué de Castro, entre outros. Se muitas revistas do gênero se restringiam a uma vida efêmera - Ariel, Dom Casmurro, Jornal de Letras -, pode-se dizer que Rumo foi um periódico trimestral longevo, com mais de uma década de existência e pelo menos três fases de circulação, junto às centenas de livros de literatura, história e ciências sociais publicados pela editora da CEB (MELO NETO, 1943MELO NETO, Arquimedes de. Apresentação. Rumo, v. 1, n. 2, p. 2-3, 3º trim. 1943.). A Casa tinha vínculo com o diretório central dos estudantes da Universidade do Brasil, em especial com o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, da Faculdade Nacional de Direito.

Outra frente de escritos importantes de Anna Amélia relaciona-se aos estudos antiquaristas, com destaque para o livro Jóias do Brasil antigo (MENDONÇA, 1968aMENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Jóias do Brasil antigo. Rio de Janeiro: Arquimedes, 1968a.). Sua temática se debruça sobre ourivesaria, prata e outros metais preciosos, de que ela e seu marido eram colecionadores e que conservavam em sua casa no Cosme Velho. Em paralelo à pesquisa histórica desenvolvida nas universidades, seu marido Marcos de Mendonça converteu-se em historiador diletante, interessado em particular nos estudos históricos da Amazônia pombalina. Seu círculo de relações sociais passou pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de cuja revista foi colaborador constante. O espírito de colecionista foi acompanhado pela esposa, embora com menor intensidade, o que explica, de todo modo, a publicação do livro mencionado acima, de fins dos anos 1960.

A figura multifacetada de Anna Amélia nas letras pode ser completada com seu trabalho de tradução de livros clássicos da literatura anglófona, com especial atenção às obras de Shakespeare, mas não só essas. Há no acervo autos de peças dramáticas do final do século XV, como o já citado Todomundo, de autoria desconhecida, além de versos do poeta romântico inglês John Keats, sonetos da poetisa norte-americana Edna St. Vicent Millay e do poeta também estadunidense Henry Longfellow. Exímia no inglês, seu domínio também se estendia aos domínios francófonos, com a tradução de poetas mulheres francesas, como a Condessa de Noailles, Marie de Heredia e Rosemonde Gérard, poetisas hoje pouco lidas e conhecidas no Brasil.16 16 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, AACM Lit.

A autora foi educada no tradicional modelo pedagógico de distinção social e de erudição das elites. Para tanto, preceptoras estrangeiras foram contratadas para formar Anna e suas duas irmãs. À maneira do romance de Mário de Andrade, Amar: verbo intransitivo, as professoras de fora do país viveram em sua casa durante a infância e a mocidade no Rio de Janeiro, com dedicação exclusiva à sua educação. Disso resultou uma formação sólida, fluente e poliglota em línguas, em particular no inglês. Tal fluência inclinou-a ao terreno da tradução, atividade que desenvolveu em parceria com sua filha caçula Bárbara Heliodora, anos mais tarde personagem da crítica dramatúrgica, professora de arte dramática e referência da cena teatral no Brasil, conhecida por sua rigidez na avaliação de montagens e encenações, na cobrança por fidelidade aos textos originais dos clássicos e pela remissão à literatura dramatizada do período elisabetano.

Mãe e filha traduziram as consagradas peças shakespeareanas Macbeth e Hamlet (SHAKESPEARE, 1986SHAKESPEARE, William. Hamlet e Macbeth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.). Era um período de traduções amadoras, com tarefas confiadas e encomendadas muitas vezes pelos editores aos próprios escritores brasileiros. Shakespeare fora traduzido desde os anos 1930 pelo editor Augusto Frederico Schmidt, seguido de versões assinadas pelo poeta Manuel Bandeira e pelo cronista Paulo Mendes Campos (MARTINS, 2009MARTINS, Márcia A. P.. A tradução do drama shakespeareano por poetas brasileiros. Ipotesi, v. 13, n. 1, p. 27-40, 2009., p. 29). Estes, por seu turno, traduziam sem necessariamente ter expertise técnica nessa atividade, algo tolerado à época, quando ainda não havia a figura do tradutor profissional.

Anna Amélia terá o reconhecimento pela qualidade e pelo rigor métrico de suas traduções, tendo em vista o domínio do inglês clássico e arcaico. Junto ao debate sobre a técnica para a equivalência de idiomas, a documentação ordinária do arquivo pessoal revela itens mais prosaicos, como as correspondências de negócios de Anna Amélia com as editoras responsáveis pelas publicações dos livros traduzidos.17 17 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Cartas de Ernst Fromm a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 28 mar. 1967; 4 mar. 1971. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. II-94; II-116.

Convém, ademais, sublinhar que seu trabalho de tradutora se complementa e se materializa no próprio espaço da Casa do Estudante do Brasil, uma vez que nele é criado por Paschoal Carlos Magno, em 1938, o Teatro do Estudante (TEB), referência histórica do panorama teatral brasileiro em meados do século XX, lado a lado com o Teatro Experimental do Negro (GINZBURG; PATRIOTA, 2011) e com o Teatro de Brinquedos, do casal Álvaro e Eugênia Moreyra (ROUCHOU, 2014ROUCHOU, Joëlle. Álvaro Moreyra: Um arquivo para dois. In: TRAVANCAS, Isabel; ROUCHOU, Joëlle; HEYMANN, Luciana (Org.). Arquivos pessoais: Reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014, p. 249-261.). Seis anos depois da encenação de Vestido de noiva, marco consensual do advento do teatro moderno brasileiro, em 1948, com texto de Nelson Rodrigues e direção de Ziembinski, o TEB leva aos palcos do Teatro Municipal a peça Hamlet, na versão traduzida por Tristão da Cunha, que marca a estreia do ator Sérgio Cardoso no papel-título.

A centralidade do TEB para a cena teatral brasileira é indubitável. Em 1949, a tradução de Macbeth, tragédia shakespeareana em quatro atos, foi encenada pelo Teatro do Estudante, com recepção considerável na imprensa, em nada menos que 17 resenhas sobre a peça. Antes disso, em 1937, a pedido do Ministério da Educação e da Saúde, a obra Romeu e Julieta foi traduzida ao português, com três encenações do texto elisabetano, uma pelo Teatro Universitário, em 1945, e duas pelo TEB, sendo a primeira em 1949 e a segunda em 1952. As traduções de autoria de Anna Amélia - Hamlet, Macbeth e Ricardo III - datam dos anos 1960, em parceria com sua filha, Bárbara Heliodora, em editoras de projeção que dariam importante visibilidade ao trabalho: Agir (SHAKESPEARE, 1968SHAKESPEARE, William. Hamlet. Rio de Janeiro: Agir, 1968.), Nova Fronteira (SHAKESPEARE, 1986; 1993) e Nova Aguilar (SHAKESPEARE, 2004).

À luz, portanto, do que Jean-François Sirinelli (2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003, p. 231-269., p. 232) chama de “ecossistemas literários”, pode-se acompanhar a trajetória institucional e as ações intelectuais acopladas à circulação literária de Anna Amélia, que começa na poesia. Observe-se o movimento que queremos aqui frisar em nossa argumentação: a autora principia no gênero nobre e considerado mais apropriado às mulheres do início do século XX, a poesia, dada sua convenção associada ao apelo sentimental e íntimo, e se desdobra em outras modalidades escritas igualmente tradicionais, como o teatro e a tradução. Esses, por sua vez, pautam-se por seus empreendimentos sociais e culturais, a exemplo da educação de ensino superior, não só a Casa do Estudante do Brasil, entre os anos 1920 e 1940, como a Maison du Brésil, de fins da década de 1950, que contou com seu empenho pessoal junto às instâncias governamentais. Um indício dessa influência encontra-se em fotografia de Anna Amélia ao lado do presidente Juscelino Kubitschek.18 18 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Fotografia de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça com o presidente Juscelino Kubitschek, [196-]. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM, foto 114. Isso mostra algum grau de interação da poetisa com personagens do poder político, já manifesto nas suas relações diretas e pessoais com Getúlio Vargas. Trata-se, por certo, tão somente de elementos indiciários que um arquivo pode revelar. No caso da Maison, faz-se necessário mais dados para ir a fundo na conjuntura dos anos 1950, ano da iniciativa de criação de uma residência universitária para a nascente pós-graduação brasileira fora do país, o que escapa do nosso objetivo neste artigo.

De todo modo, a documentação abre uma senda para explorar a relação da personagem com o educador baiano Anísio Teixeira, que durante os anos 1950 exerceu cargos e funções estratégicas no Ministério da Educação, à frente da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Por meio de cartas endereçadas por Anísio, percebe-se a porosidade dos contatos profissionais e da reciprocidade de favores. Se o educador atende a pedidos da poetisa na esfera educacional,19 19 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Anna Amélia C. de Mendonça a Anísio Teixeira, agradecendo-lhe pedido atendido, 14 maio 1934. Arquivo Anísio Teixeira, série correspondência, AT c 1934.05.14. em contrapartida, cabe àquele solicitar por correspondência o apoio desta à candidatura do crítico baiano Afrânio Coutinho nas eleições para a cadeira de imortal da ABL, ocorrida em 1962.

Embora relegada a uma condição secundária pelo enquadramento histórico de sua produção poética no parnasianismo, Anna Amélia não deixou de circular entre nomes do modernismo, como Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicou crônicas elogiosas e com quem aparece em fotos conservadas em seu no acervo. Há, também, imagens de Anna Amélia ao lado do poeta Manuel Bandeira, em evento social na Casa do Estudante do Brasil.20 20 FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Fotografia de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça com Manuel Bandeira, [195-]. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM, foto 107. Há registros relevadores de sua presença em livrarias e encontros públicos, em que figura na condição de única mulher, ladeada por homens escritores. Isso aponta, novamente, para nosso argumento central acerca da fluidez e da dinâmica das interações sociais, ante uma imagem cristalizada da história literária que esquematiza o parnasianismo, de um lado, e o modernismo, de outro.

Considerações finais

Este artigo procurou propor incursões pelo acervo pessoal de Anna Amélia, com o objetivo de mostrar a riqueza desse material arquivístico e o potencial de sua exploração para os historiadores da literatura, da educação, do teatro e dos feminismos no Brasil. Nosso recorte privilegiou o olhar sobre o fenômeno literário e tencionou responder à inquietação em torno da hierarquia dos valores, ou do capital simbólico, no gradiente das letras. A crítica relegou a escritora a uma condição de somenos importância na história da literatura nacional, sem contextualizar outros aspectos decisivos de sua atuação e sua produção intelectual.

Se houve na fortuna crítica uma certa predisposição à antipatia em torno da dicção parnasiana da autora, e se a visão de que a poesia metrificada e o soneto eram práticas poéticas tidas por ultrapassadas, buscou-se mostrar o confinamento e o ostracismo da poetisa em virtude dessa classificação, ou pecha, de escritora “pré-modernista”. Causa e efeito desse diagnóstico, Anna Amélia não teve suas obras reeditadas, saiu de circulação para o público leitor depois de 1970 e deixou de ser lida com o passar das décadas.

Em contrapartida, a doação familiar de início dos anos 2010 do acervo de Anna Amélia a uma instituição de guarda e preservação como a FGV CPDOC, em um momento institucional interno e externo de valorização dos arquivos de mulheres, conflui para uma revisitação à sua obra e à sociedade de seu tempo, com o recurso às fontes primárias, dotadas de materiais de natureza fragmentária, mas cruciais para redescobertas, revisões e redimensionamentos. Tais fontes, apresentadas aqui de modo incipiente, revelam a importância, o protagonismo e a versatilidade da autora não só nas letras, como em diversas áreas, notadamente na vida social, educacional e artístico-cultural no Rio de Janeiro, durante boa parte do século XX, quando da constituição da cultura de massas urbana de uma metrópole, durante muitos decênios a capital política do país.

De modo diverso à segmentação técnica de um arquivo, própria do ordenamento esquemático necessário à organização e ao arranjo arquivístico, intentamos preconizar neste texto uma abordagem transversal, na intersecção entre seus temas capitais: literatura, educação, feminismo, política, etc. À luz desse procedimento, compreende-se Anna Amélia como mais do que uma beletrista. Trata-se de uma intelectual mediadora, no sentido atribuído pelo historiador francês Jean-François Sirinelli (1998SIRINELLI, Jean-François. As elites culturais. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Dir.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 259-279., p. 261).

Em conhecida coletânea de renovação da história política, Sirinelli (2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003, p. 231-269.) pontua o caráter polissêmico da noção de intelectual. O apontamento do historiador francês é muito apropriado à compreensão da autora em tela e aos potenciais de tratamento não segmentado, tampouco formalista, de seu acervo pessoal. Trata-se, enfim, de sublinhar uma atuação “ampla e sociocultural, englobando os criadores e os ‘mediadores culturais’ e, não dissociado disso, por um engajamento político ou por outras causas da sociedade” (SIRINELLI, 2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003, p. 231-269., p. 242).

Agradecimentos

Este artigo foi desenvolvido graças aos auspícios de uma bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq (processo 302970/2021-5) e de um programa regular de auxílio à pesquisa da FAPESP (processo 2022/04786-8). A redação final deste texto foi muito favorecida pelo esmero da revisão competente, detalhada e de alta qualidade, tanto em forma quanto em conteúdo, empreendida pela equipe de Varia Historia, desde os pareceristas anônimos ad hoc até a chefia editorial e à revisora contratada.

Referências

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  • 1
    CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV CPDOC), Rio de Janeiro. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça. Disponível em: https://docvirt.com/docreader.net/docmulti.aspx?bib=fgv_aacm. Acesso em: 24 fev. 2023.
  • 2
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Documentos relativos ao XIIº Congresso da Aliança Internacional pelo Sufrágio e pela Ação Cívica e Política das Mulheres, 18-25 abr. 1935. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Militância Feminista, pasta AACM mf 1935.04.18.
  • 3
    O perfil biográfico de Darcy Sarmanho Vargas, esposa de Getúlio Vargas e fundadora da Legião Brasileira de Assistência, de autoria da jornalista Ana Arruda Callado (2011CALLADO, Ana Arruda. Darcy: A outra face de Vargas. Rio de Janeiro: Batel, 2011.), oferece um panorama instigante de trajetórias femininas que se viam em meio ao empuxo de forças ora tradicionais, ora modernizantes da participação das mulheres na esfera pública e política.
  • 4
    Quando não forem apontadas outras fontes, os dados biográficos se baseiam em entrevistas com familiares da poetisa, conduzidas pela equipe do FGV CPDOC.
  • 5
    CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Anna Amélia posa na varanda da rua Marquês de Abrantes, 189, [192-]. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Vida Privada, pasta I AACM, foto 016.
  • 6
    CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Coroação de Anna Amélia como rainha dos estudantes do Brasil, 1929. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Estudantil, pasta AACM, foto 0013.
  • 7
    CUNHA, Adriana Mendonça. Relações EUA e América Latina nas décadas e 1930MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Prosadoras e poetisas brasileiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 107, v. 161, p. 77-104, 1930. e 1940. In: Crítica Historiográfica, jan./fev. 2023. Disponível em: https://www.criticahistoriografica.com.br/a-politica-da-boa-vizinhanca-e-as-relacoes-brasil-eua-um-breve-balanco-historiografico/. Acesso em: 24 fev. 2023.
  • 8
    Por exemplo: CPDOC FGV, Rio de Janeiro. Carta de Anísio Teixeira a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 18 nov. 1954. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Estudantil, pasta AACM me. 1930.12.07, doc. 28.
  • 9
    BUENO, Priscilla Scott; BUENO, Patrícia. Entrevistador: Bernardo Buarque de Hollanda. Programa de História Oral (FGV CPDOC), 18 fev. 2022.
  • 10
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Crônica da Atualidade, 15 abr. 1936. Arquivo Anna Amélia Carneiro de Mendonça, série Militância Feminista, pasta AACM mf 1936MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. A harmonia das coisas e dos seres. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1936..03.11, doc. 1A.
  • 11
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Poean, 1922. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM lit 2022.03.14_1, p. 1. Poema publicado em Alma (MENDONÇA, 1922MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Alma. Rio de Janeiro: Empresa Brasil, 1922.), Mal de Amor (MENDONÇA, 1939) e na coletânea 50 poemas de Anna Amélia (MENDONÇA, 1957).
  • 12
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Aureliano Leite, Cyro Costa, Paulo Gonçalves, Cleomenas de Campos e Arthur de Cerqueira Mendes a Anna Amélia Carneiro deMendonça, 6 abr. 1926MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. Ansiedade: Poesias. Rio de Janeiro: Empresa Brasil, 1926.. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. 36.
  • 13
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Coelho Neto a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 26 jan. 1929. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-I, doc. 66.
  • 14
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Anna Amélia de Queiroz Carneiro deMendonça (Celso Kelly), 1957MENDONÇA, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de. 50 Poemas de Anna Amélia. Rio de Janeiro: São José, 1957.. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. 121.
  • 15
    A Fundação Getúlio Vargas produziu, em 2019, com direção de Tarcila Soares Formiga, o curta-metragem Anna Amélia: Feminismo no tempo do Zeppelin, que aborda a viagem. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l3yvqyO33hg. Acesso em: 24 fev. 2023.
  • 16
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, AACM Lit.
  • 17
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Cartas de Ernst Fromm a Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, 28 mar. 1967; 4 mar. 1971. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM Lit 1912.06.09-II, doc. II-94; II-116.
  • 18
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Fotografia de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça com o presidente Juscelino Kubitschek, [196-]. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM, foto 114.
  • 19
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Carta de Anna Amélia C. de Mendonça a Anísio Teixeira, agradecendo-lhe pedido atendido, 14 maio 1934. Arquivo Anísio Teixeira, série correspondência, AT c 1934.05.14.
  • 20
    FGV CPDOC, Rio de Janeiro. Fotografia de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça com Manuel Bandeira, [195-]. Arquivo Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, série Literatura, pasta AACM, foto 107.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2022
  • Revisado
    24 Fev 2023
  • Aceito
    27 Fev 2023
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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