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ENTRE OLHARES E PERCEPÇÕES: AS VIVÊNCIAS COM A CULTURA ESCRITA ACADÊMICA POR PARTE DE UMA TRABALHADORA TERCEIRIZADA INSERIDA EM AMBIENTE UNIVERSITÁRIO

AMONG VIEWS AND PERCEPTIONS: THE EXPERIENCES WITH ACADEMICAL WRITTEN CULTURE ON THE PART OF AN OUTSOURCING WORKER INSERTED IN ACADEMIC SCOPE

RESUMO

Este trabalho tem como temática as vivências com a cultura [escrita] acadêmica por parte de um sujeito trabalhador de serviços gerais no âmbito da esfera universitária. Para a realização deste estudo, partimos de reflexões de Cerutti-Rizzatti, Pedralli e Tomazzoni (2016)CERUTTI-RIZZATTI, M. E.; TOMAZONI, E.; PEDRALLI, R. Cultura escrita e grafocentrismo: um estudo sobre apropriação e usos sociais da escrita por funcionários prestadores de serviços básicos em espaços educacionais universitários. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos. v.16. n. 2, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25027>. Acesso em: 28/01/2020.
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com o objetivo de compreender o modo como esse sujeito-participante se inscreve na cultura escrita acadêmica, a partir da esfera laboral, e como ele assimila essa mesma cultura em diálogo com seus valores e crenças. Nossa busca por essa compreensão nos levou também a questões que envolvem as subjetividades do sujeito-participante. A partir da geração de dados, buscamos travar reflexões analíticas que partiram de dois campos epistemológicos: a perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.), visando compreender a relação dialógica dos sujeitos com a cultura acadêmica; e os estudos foucaultianos (FOUCAULT, 1995 [1982a]FOUCAULT, M. (1982a). O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. MICHEL FOUCAULT. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014.) com o propósito de compreender o aspecto político e institucional em tal contexto. Tratou-se de estudo de um caso (DUFF, 2012DUFF, P. A. Case Study. The Encyclopedia of Applied Linguistics, p. 1-8, 2012. doi:10.1002/9781405198431.wbeal0121.
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), a partir do qual utilizamos os seguintes instrumentos de análise: entrevista semiestruturada, observação participante, gravação em áudio, diário de campo e fotografias. A imersão em campo nos trouxe os seguintes questionamentos: como esse sujeito, imerso no contexto acadêmico, se relaciona com a esfera laboral? De que modo essa microanálise pode nos auxiliar a pensar as políticas linguísticas acadêmicas, no que se refere a práticas de inclusão e de “audibilidade/visibilidade” das vozes cotidianas?

Palavras-chave:
trabalho terceirizado; esfera universitária; subjetividade

ABSTRACT

This paper has the experience with academic [writing] culture as a topic which considers a worker in general services in the academic sphere scope. To accomplish this study, we considered some thoughts of Cerutti-Rizatti, Pedralli and Tomazzoni (2016)CERUTTI-RIZZATTI, M. E.; TOMAZONI, E.; PEDRALLI, R. Cultura escrita e grafocentrismo: um estudo sobre apropriação e usos sociais da escrita por funcionários prestadores de serviços básicos em espaços educacionais universitários. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos. v.16. n. 2, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25027>. Acesso em: 28/01/2020.
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to aim understanding the manner how this person-participant subscribes in the academic writing culture, crosswise its laboral ambit, and how it assimilates this same culture over its own values and beliefs. Our way to this comprehension evoked some other questions that involve subjectivities of this person-participant. Meanwhile the data was generated, we commit to analytically reflect under two distincts epistemological fields: the bakhtinian perspective (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.), considering to comprehend the dialogical relation from people inserted in the academic culture; and the foucaultian perspective (FOUCAULT, 1995 [1982a]FOUCAULT, M. (1982a). O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. MICHEL FOUCAULT. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014.) wondering to understand the political and institutional aspects in this context. It is a study of one case (DUFF, 2012DUFF, P. A. Case Study. The Encyclopedia of Applied Linguistics, p. 1-8, 2012. doi:10.1002/9781405198431.wbeal0121.
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), from which some instruments of analysis were used: semi-structured interview, participant observation, audio recording, field notes and photographs. The immersion in the field research has brought some questions: how does this person, immersed in the academic context, relate with the laboral sphere? How can this microanalysis assist to think about the academic linguistic politics, regarding inclusion practices and “audibility/visibility” of these ordinary voices?

Keywords:
outsource work; academic sphere; subjectivity

INTRODUÇÃO

A socialização do conhecimento formal no Brasil é objeto de discussão em distintas áreas científicas, sobretudo no que concerne às áreas do campo educacional em que questões dessa natureza estão presentes em obras de inúmeros teóricos, sob perspectivas distintas (a exemplo de FREIRE, 1968FREIRE, P. (1968). Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., 1968FREIRE, P. (1968). Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.; SAVIANI, 1983SAVIANI, D. (1983). Escola e democracia. Edição Comemorativa. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.; DUARTE, 1993DUARTE, N. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993.; 2000DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pó s-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2000.). Na Linguística, lugar de onde nos enunciamos, as discussões tomam diferentes caminhos, porém [que não nos equivoquemos em realizar tal assertiva], quase todos eles - uns com mais proeminência que outros, é verdade - têm como objetivo final contribuir para uma sociedade mais democrática, ou como registrara Augusto Ponzio (2010aPONZIO, A. Procurando uma palavra outra. São Carlos: Pedro e Joã o Editores, 2010a., p. 155), “uma sociedade [em que a democracia seja encarada como lugar] do encontro, da escuta, da diferença nãoindiferente.”. A democracia a que nos referimos não se resume, assim, aos sujeitos terem apenas direito ao acesso à educação formal, mas, a terem direito à leitura em diferentes esferas, e também à sua língua, à sua cultura, ao seu lugar. Afinal,

a linguagem se constitui em importante palco de intervenção política, onde se manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a comunidade em diferentes momentos da sua história e onde são travadas constantes lutas. [...] toma-se consciência de que trabalhar com a linguagem é necessariamente agir politicamente, com toda a responsabilidade ética que isso acarreta. (RAJAGOPALAN, 2003RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003., p. 125).

Por isso, discutir língua, em nossa visão, vai muito além das teorizações que se circunscrevem ao objetivismo abstrato ou ao subjetivismo idealista - recorrendo agora à Voloshínov (2009 [1929])VOLÓSHINOV, V. N. (1929). El Marxismo y la filosofía del linguaje. Trad. Tatiana Bubnova. Buenos Aires: Ediciones Godot, 2009. -, e se adentra a universos discutidos por autores, em escopos teóricos distintos (a exemplo de BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192.; VOLOCHINOV, 2009 [1929]VOLÓSHINOV, V. N. (1929). El Marxismo y la filosofía del linguaje. Trad. Tatiana Bubnova. Buenos Aires: Ediciones Godot, 2009.; FOUCAULT, 1996 [1971]FOUCAULT, M. (1971). A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.; 2008 [1969]FOUCAULT, M. (1969). A Arqueologia do Saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitá ria, 2008.; LABOV, 2008 [1972]LABOV, William. (1972). Padrões sociolinguísticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline R. Cardoso. Rio de Janeiro: Pará bola, 2008., STREET, 1984STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.; 1988STREET, B. Literacy practices and literacy myths. In: SALJO, R. (Org.). The written world: studies in literacy thought and action. New York: Springer-Verlag, 1988, p. 59-72.; VYGOTSKI, 2013 [1982]VYGOTSKI, L. S. (1982). Obras Escogidas: el significado histórico de la crisis de la Psicología. Tomo I. Madri: Machado Nuevo Aprendizaje, 2013.; 2012 [1982]VYGOTSKI, L. S. (1982). Obras Escogidas: problemas de Psicologí a General. Tomo II. Madri: Madri: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012.; 2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. (1931). Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Tomo III. Madri: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012.), os quais reivindicam/reivindicaram uma concepção de língua que, muitas vezes, borram as fronteiras com a Sociologia, a Política, a Educação, a Antropologia, dentre outros campos, em busca de uma melhor compreensão sobre a complexa realidade social da qual fazemos parte.

Considerando essas tramas que envolvem língua, democracia e sociedade, nosso propósito de realizar este estudo foi suscitado a partir da leitura de Cerutti-Rizzatti, Pedralli e Tomazoni (2012), as quais abordam em seu artigo a apropriação e usos sociais da escrita por funcionários prestadores de serviços básicos em espaços educacionais universitários. Tais autoras reclamam à sociedade [acadêmica] a construção de inteligibilidades que favoreçam o delineamento de ações acerca dos estratos sociais fragilizados. Em seu texto, entretanto, a abordagem tematiza os usos sociais da escrita por parte de tais sujeitos em âmbito particular e laboral, não havendo, pois, uma verticalização sobre como essa cultura acadêmica incide na vida desses sujeitos trabalhadores, o que, certamente, contribuiu para que buscássemos nesta lacuna o foco de nossa pesquisa. Nesses termos, nosso objetivo foi buscar compreender o modo como o sujeito participante deste estudo se inscreve na cultura acadêmica, a partir da esfera laboral, e como ele assimila essa mesma cultura em diálogo com seus valores e crenças.

O contexto universitário é caracterizado por compreender diversos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2010 [1952-53]BAKHTIN, M. (1952-1953). Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 261-306.), sobretudo os secundários, como palestras, aulas, conferências, banners, oficinas, dentre outras atividades que, muitas vezes, é apenas na universidade em que elas são mais proeminentes. Soma-se a isso, é na universidade onde mais encontramos discursos de diferentes ordens e perspectivas; pessoas com distintos perfis e posicionamentos. A universidade é, em suma, um local em que há a convivência do diferente, de modo que opiniões de cunho político, econômico e social são efervescentes em tal contexto. Dessa maneira, compreender como os sujeitos oriundos de entornos outros se inscrevem nessa esfera é um modo de refletir sobre o papel da academia para além da formação de seus estudantes.

Nosso campo de estudo foi, portanto, a esfera universitária, com maior atenção ao Térreo e 1º andar do Centro de Comunicação e Expressão (CCE), da Universidade Federal de Santa Catarina, lócus de trabalho de nossa participante de pesquisa. Esse centro de estudos é caracterizado por ter suas atividades imanentes à escrita tanto no que diz respeito ao estudo e à pesquisa quanto à formação profissional. No que diz respeito ao Térreo do CCE, podemos encontrar um auditório (local destinado a inúmeros eventos promovidos pelos cursos presentes no Centro em questão), dentre outras salas em que ocorrem oficinas, minicursos, defesas de TCC, Mestrado e Doutorado. Em relação ao primeiro andar, bloco B, encontram-se salas de professores, bem como o Departamento de Língua e Literatura Estrangeira (DLLE), local em que há a oferta de provas de proficiências em diferentes idiomas e também oferta de cursos extracurriculares de línguas para toda a comunidade.

Imagem 1
Andar térreo, Bloco B do CCE (esquerda).

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- Andar térreo, Bloco B do CCE (direita).

Imagem 3
1º andar, Bloco B do CCE (esquerda).

Imagem 4
1º andar, Bloco B do CCE (direita).

Ao tomarmos o início deste texto com a reflexão sobre a socialização do conhecimento, buscamos justamente estabelecer um ponto de contato com o foco de nossa pesquisa: as vivências de nossa participante de pesquisa, Ângela1 1 Nome fictício para preservar a identidade de nossa participante. , no contexto universitário. Partindo, pois, da vida desse sujeito, as questões que, neste ensaio, buscaremos responder, ou mesmo problematizar, são as seguintes: a) que lugar o conhecimento formalizado e, portanto, a cultura escrita acadêmica ocupa na vida de Ângela?; e b) de que modo as vivências com/na cultura acadêmica incidem em seus posicionamentos, olhares e valores?

Para responder a esses questionamentos, partimos do estudo de um caso: o caso de Ângela, trabalhadora terceirizada de serviços gerais na esfera acadêmica e atuante há quase três anos neste emprego. Utilizamos, no processo de geração de dados, os seguintes mixed methods (HASHEMI; BABAII, 2013HASHEMI, M. R.; BABAII, E. Mixed methods research: Toward new research designs in applied linguistics. The Modern Language Journal, v. 97, n. 4, p. 828-852, 2013.): entrevistas semiestruturadas como método de pesquisa e gravação em áudio, fotografias e notas de campo como métodos de registro. Julgamos relevante o estudo de um caso, pois, embora as discussões se circunscrevam em compreensões acerca de um sujeito apenas, o estudo de um caso nos auxilia em uma análise mais vertical e profunda sobre alguns aspectos da vida de tal sujeito, de modo a impulsionar reflexões mais holísticas sobre um determinado problema de pesquisa. Conforme Duff (2012)DUFF, P. A. Case Study. The Encyclopedia of Applied Linguistics, p. 1-8, 2012. doi:10.1002/9781405198431.wbeal0121.
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,

By examining quite intensively the experiences or characteristics of just one or a few people or contexts, researchers aim to understand in a more holistic way (usually) the intricacies and inner workings of the people, events, systems, or policies under scrutiny. The case then becomes a vivid exemplar of larger processes and conditions related to language.2 2 Ao examinar mais intensivamente as experiências ou características de apenas um(a) ou poucas(os) pessoas ou contextos, pesquisadores buscam entender de forma holística (usualmente) as complexidades e os funcionamentos internos das pessoas, eventos, sistemas, ou políticas sob investigação. O caso, então, torna-se uma nítida amostra de grandes processos e condições relacionados à linguagem. (Tradução nossa). (DUFF, 2012DUFF, P. A. Case Study. The Encyclopedia of Applied Linguistics, p. 1-8, 2012. doi:10.1002/9781405198431.wbeal0121.
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, p.2).

Assim considerando, a fim de dar conta da discussão a que nos propomos, buscaremos lançar mão de reflexões sobre as vivências com/na cultura acadêmica e colocaremos em cena dois autores de epistemologias distintas: Mikhail Bakhtin e Michel Foucault. Das contribuições do filósofo russo, buscaremos teorizar sobre a relação dialógica do sujeito-participante com a cultura escrita acadêmica e, portanto, seus gêneros do discurso, bem como sobre a constituição desse sujeito em diálogo com essa vida laboral no contexto universitário. A base que sustenta nossas reflexões analíticas sobre os dados gerados são, portanto, a filosofia bakhtiniana3 3 Compreendemos que tanto Bakhtin quanto Foucault têm compreensões distintas acerca de conceitos como sujeito, língua, enunciado e discurso, por exemplo. Nesse sentido, registramos, aqui, que apesar de colocarmos esses autores lado a lado, esses conceitos fundantes presentes nas discussões deste texto terão como base os escritos de Bakhtin e Voloshínov. . Em contrapartida, evocaremos Foucault quando da emergência em discutir aspectos políticos e institucionais presentes em tal contexto, acentuando questões sobre relações de poder. Sobre a utilização dessas duas bases distintas, vale elucidar que

Embora os contextos sócio-político-culturais vividos por Bakhtin (1895-1975) e Foucault (1926-1984) sejam distintos e as tradições filosóficas que constituem seus pensamentos não convirjam diretamente, defende-se a possibilidade de um diálogo entre esses pensadores, especialmente pelas preocupações em torno de questões de linguagem, ética e [...] política.” (SEVERO, 2013SEVERO, C. G. Bakhtin e Foucault: apostando em um diálogo. In: PAULA, D. L.; STAFUZZ, G. Círculo de Bakhtin: pensamento interacional. São Paulo: Mercado das Letras, 2013., p. 143).

Cabe destacar que nossa prospecção inicial ao ensaiar este estudo estava relacionado exclusivamente à compreensão sobre as vivências de Ângela no que tange ao seu contato com a cultura escrita (com base em BRITTO, 2012BRITTO, L. P. L. Inquietudes e desacordos: a leitura alé m do ó bvio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012.; GALVÃO; QUEIROZ; JINZENJI4 4 Cabe destacar que, nessa publicação, embora as autoras também definam cultura escrita, elas argumentam em favor do uso culturas do escrito. , 2013GALVÂO, A. M. de O.; JINZENJI, M. Y.; QUEIROZ, K. A. S. Mulheres de meios populares e a construçã o de modos de participação nas culturas do escrito (Minas Gerais, Brasil, sé culo XX). Archivos Analíticos de Políticas Educativas / Education Policy Analysis Archives, v. 21, p. 1- 21, 2013.) na esfera acadêmica. Essa abordagem inicial, entretanto, invisibilizava os limites fronteiriços percebidos apenas com a entrada em campo. Assim, devido à abertura ao que as enunciações de Ângela puderam nos suscitar, compreendemos como relevante o enfoque em questões relacionadas aos valores, olhares e percepções da participante frente à sua constituição como sujeito. Nesse sentido, ainda que tematizemos questões relacionadas à cultura escrita, entendida aqui como o lugar que “[...] implica valores, conhecimentos, modos de comportamento que não se limitam ao uso objetivo do escrito”. (BRITTO, 2005BRITTO, L. P. L. Letramento e alfabetização: implicaç ões para a educaç ão infantil. In: FARIA, A. L. G. de; MELLO, S. A. (Org.). O mundo da escrita no universo da pequena infa ncia. São Paulo: Autores Associados, 2005, p. 5-21., p. 15), bem como “[...] o lugar - simbólico e material - que o escrito ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade.” (GALVÃO; QUEIROZ; JINZENJI, 2013GALVÂO, A. M. de O.; JINZENJI, M. Y.; QUEIROZ, K. A. S. Mulheres de meios populares e a construçã o de modos de participação nas culturas do escrito (Minas Gerais, Brasil, sé culo XX). Archivos Analíticos de Políticas Educativas / Education Policy Analysis Archives, v. 21, p. 1- 21, 2013.), nosso olhar tentará abranger questões de ordens diversas, buscando estabelecer um diálogo entre nossas vozes [em texto] e a voz de Ângela quando da elucidação dos dados gerados em campo.

Ainda que partamos da compreensão de Clifford (2016CLIFFORD, James. Introdução: Verdades parciais. In: CLIFFORD, J.; MARCUS, G. A escrita da cultura: poética e política da etnografia. Rio de Janeiro: EdUERJ; Papéis Selvagens Edições, 2016., p. 50), de que “qualquer que seja a sua forma monológica, dialógica ou polifônica, as etnografias são arranjos hierárquicos de discursos”, conforme esse mesmo autor (2016, p. 48), “quando o dialogismo e polifonia são reconhecidas como modos de produção textual, a autoridade monofônica passa a ser questionada”, assim, buscamos, na escrita deste artigo, um olhar que se inclina mais a interrogações do que necessariamente a afirmações sobre questões que envolvam a vida de Ângela na esfera universitária.

Importa destacar também que optamos na escrita deste texto por não antever uma seção puramente teórica, mas, em contrapartida, duas seções em que a teoria e a análise dos enunciados de nossa participante dialogam desde então, trazendo, pois, um tom mais ensaístico, em que haja uma reivindicação da ficção, da subjetividade, da artesania que é ligada à construção de uma pesquisa etnográfica (com base em CLIFFORD, 2016CLIFFORD, James. Introdução: Verdades parciais. In: CLIFFORD, J.; MARCUS, G. A escrita da cultura: poética e política da etnografia. Rio de Janeiro: EdUERJ; Papéis Selvagens Edições, 2016.).

Tendo em vista as colocações, parênteses e esclarecimentos elencados até aqui, compete ainda destacar que este artigo terá dois mo[vi]mentos: o primeiro compreenderá uma discussão sobre questões que envolvam a vida particular e laboral da participante, trazendo um olhar analítico acerca de seus enunciados, de modo a compreender suas vivências com a cultura escrita acadêmica; e o segundo movimento corresponde à discussão sobre as percepções de Ângela no que concerne a seus valores e crenças em tensionamento com outros posicionamentos presentes na esfera universitária.

1. A HISTORIAÇÃO DA VIDA DE ÂNGELA E AS BARREIRAS INSTITUCIONAIS NAS VIVÊNCIAS COM A CULTURA ESCRITA ACADÊMICA

Bakhtin, no terceiro capítulo de sua obra seminal Estética da Criação Verbal (2010 [1979]), discorre sobre os vivenciamentos do homem frente ao existir, agregando à palavra vivência a adjetivação de rastro; de reflexo do sentido na existência. Vivenciar, para o autor, seria, pois, captar o sentido que está fora de nós. Segundo o filósofo,

a vivência é uma relação com o sentido e com o objeto e fora dessa relação não existe para si mesma, nasce enquanto carne (carne interior) de modo involuntário e ingênuo, por conseguinte, não para si mas para o outro, para quem ela se torna valor a ser contemplado independentemente da significação do sentido, torna-se forma dotada de valor enquanto o sentido se torna conteúdo. O sentido se submete ao valor da existência individual, à carne mortal da vivência. (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 105).

Nesse sentido, quando nos referimos a vivências, aludimos, portanto, à conceitualização de Bakhtin, a qual, a nosso ver, está ligada diretamente à constituição do sujeito como ser responsável e responsivo (BAKHTIN, 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.). Conforme o autor, o vivenciamento vivo nunca pode entrar em repouso em si mesmo: parar, terminar, concluir-se (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 114); ele é, em realidade, contínuo. Desse modo, as vivências de Ângela, no que se refere tanto à escrita quanto a outras situações cotidianas da esfera particular e laboral, estão ligadas à sua constituição como sujeito e é, assim, uma abertura para possíveis ressignificações de olhares, valores e percepções no que compete a si e ao mundo.

Assim considerando, antes de partirmos para questões relacionadas às enunciações de Ângela sobre suas próprias vivências na esfera laboral, e ainda que pese o tom de relato, delineamos, a seguir, uma breve caracterização desta participante no que diz respeito a suas vivências na esfera ‘privada’, de modo que possamos compreender - e, portanto, dar acabamento - (a)o seu posicionamento frente a questões-foco deste estudo.

Ângela, portanto, é uma mulher de 48 anos que, em seu tempo livre, diz gostar de cuidar de seu jardim e cozinhar. Em entrevista com esta participante, ela nos relatou ter concluído o ensino médio e, no que concerne a suas atividades, disse se interessar por passear e assistir a séries e filmes em plataforma on-line, destacando seu desinteresse pela televisão. Ademais, comentou não ter muito tempo para lazer, esse tempo que, conforme Ponzio (2010a)PONZIO, A. Procurando uma palavra outra. São Carlos: Pedro e Joã o Editores, 2010a., é deixado livre pelo trabalho, pelo trabalho-mercadoria, como intervalo, funcional ao trabalho que préocupa antes de ser ocupado.

Soma-se a isso, Ângela nos contou que é mãe de três filhos, é católica e gosta de trabalhar com serviços gerais porque, segundo ela, faz o que uma mulher que cuida de sua casa sabe fazer. Trata-se de um trabalho que não requer, conforme a participante, saberes especializados para realizar tal atividade. Para ela, as atribuições pessoais de limpeza e de cuidados com a sua casa são os prerrequisitos necessários para o trabalho que ela exerce atualmente.

No que se refere à sua rotina de trabalho, vale mencionar que Ângela atua na UFSC há quase três anos, reside num bairro distante da universidade, e se desloca todos os dias para uma jornada que se inicia às sete horas da manhã e termina às dezesseis horas da tarde. Em seu horário de almoço e descanso aproveita para conferir as redes sociais ou assistir a alguns vídeos on-line por meio de seu dispositivo híbrido móvel (seu celular). Ademais, ela comentou conosco que lê apenas poucas reportagens sobre seus assuntos favoritos: jardinagem e culinária.

Compreendendo um pouco a rotina de nossa participante, podemos destacar que não nos foi dado perceber uma familiarização com leituras de livros, revistas e materiais escritos afins na esfera privada [objeto de nosso interesse ao entrevistá-la inicialmente], a não ser com as lides de seu dispositivo móvel em interações informais nas redes sociais. Essa não ‘familiaridade’ de nossa participante com materiais escritos nos impede de analisar a natureza das leituras de Ângela em seu dia a dia para além da esfera laboral. Conforme seu relato, o pouco tempo para distração após o trabalho limita as atividades que gostaria de realizar. De todo modo, não percebemos, na voz de Ângela, uma necessidade temporal em relação à leitura e à escrita [em seu sentido amplo]. Observamos, em contrapartida, um anseio pela disponibilidade de tempo para fazer o que mais lhe agrada: passear, cuidar do jardim e cozinhar5 5 “A luta pela democratização de tal acesso a manifestações da cultura escrita distintas daquelas que já nos são familiares não se filia a uma lógica bancária (com base em FREIRE, 1968), voltada à reprodução da opressão a quem ainda não tem ingresso nessas diferentes práticas; ao contrário, o acesso a tais diferentes manifestações da cultura escrita é de substancial importância para que todos possam valer-se dos mais variados usos linguísticos e operar criticamente com os modos de pensar e produzir no âmbito vasto dessa mesma cultura escrita (BRITTO, 2012, p. 105), ampliando seus horizontes de possibilidades de agir no mundo.” (ALANO, 2017, p. 31). .

Tais questões nos levam a compreender que na rotina deste sujeito, no que se refere a sua vida privada, as atividades com a escrita em gêneros do discurso secundários (BAKHTIN, 2010 [1952-53]BAKHTIN, M. (1952-1953). Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 261-306.) não têm presença significativa. Também não parece ser presente atividades culturais que em nosso país têm o histórico de serem desigualmente distribuídas (BRITTO, 2003BRITTO, L. P. L. Contra o consenso. Campinas/SP: Mercados das Letras, 2003.), como frequentar teatros, cinema e espetáculos de outras naturezas. Conforme Britto (2012BRITTO, L. P. L. Inquietudes e desacordos: a leitura alé m do ó bvio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012., p. 67), há um “[...] vínculo estrito entre a escrita e as formas de poder e de apropriação dos bens simbólicos produzidos na própria cultura escrita.”. Nesse sentido, embora Ângela utilize da escrita para finalidades pontuais de sua rotina e seu interesse, por razões de natureza econômica, histórica, cultural e social, o acesso aos bens de ordem artística, filosófica e científica tende a ser restringido e limitado (BRITTO, 2003BRITTO, L. P. L. Contra o consenso. Campinas/SP: Mercados das Letras, 2003.).

Em contrapartida, na voz de Ângela percebemos um apreço pelos estudos. Ao falar sobre seus filhos, Ângela comentou o seguinte: “eles não têm o mesmo gosto da mãe pelos estudos”. Seu enunciado veio após um questionamento que fizemos a ela sobre a possibilidade de estudar na universidade em que ela atua como trabalhadora. Conforme a participante, “[...] Eu tenho vontade até hoje, sabe?, vontade assim, eu queria fazer um curso de jardinagem ou culinária porque eu adoro cozinhar.”. Essa enunciação de Ângela, embora nos faça refletir sobre seu interesse pelos saberes formais institucionalizados - quiçá fruto de sua rotina na universidade -, também nos leva a refletir sobre o fato de que esses possíveis cursos não se distanciam das suas práticas diárias na vida privada. Sua vontade e interesse pelo estudo parecem, portanto, não extrapolar certos campos de conhecimento, além dos que já estão inseridos em suas vivências no âmbito do lar.

Não estamos querendo afirmar com isso, que Ângela devesse optar por outros cursos, mas acentuar que a sua constituição como sujeito (com base, também, em GERALDI, 2010aGERALDI, J. W. Ancoragens: estudos bakhtinianos. Sã o Carlos, Pedro & Joã o Editores, 2010a., 2010bGERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos, Pedro & Joã o Editores, 2010b.; MIOTELO, 2011MIOTELLO, V. Discursos da é tica e a é tica dos discursos. São Carlos: Pedro & Joã o Editores, 2011.) e sua (não) imersão em determinadas esferas da atividade humana nos levam a pensar que tais possibilidades de estudo elencadas por ela (muitas vezes considerando a dificuldade de acesso à educação formal) podem ser resultado de uma restrição de escolhas que em sua base encontram-se problemas mais substantivos de desigualdade social e econômica.

Essa restrição de escolhas também parece fazer parte de questões mais importantes da vida de Ângela como sua vida laboral. Quando questionada por nós sobre os prerrequisitos para poder trabalhar com serviços gerais na universidade, ela pontua: “É, porque o que que tu precisa é varrer, tirar o pó, limpar uma parede, uma coisa… lavar banheiro, coisa que a gente faz em casa no diário.”. Ao indagarmos sobre a exigência de alguma especialização, ela discorre: “Não, só pediram experiência, né?, vontade de trabalhar, né?, cumprir horário e disponibilidade (...) Então, assim, não é um trabalho difícil, sabe? Não é. Eu gosto do que eu faço, eu sou uma dona de casa, eu sei lavar, passar, cozinhar, né?, e limpar a casa.”. As enunciações de Ângela parecem indicar, portanto, uma não necessidade de estudos formalizados para atuar nessa profissão, mas uma disposição e disponibilidade para tal tarefa. Assim, tanto na esfera privada quanto na particular, não parece haver para nossa participante um requerimento, um convite, uma invocação para lidar com gêneros presentes em contornos sociais mais específicos, em que a escrita esteja presente de modo mais consubstanciado, ainda que a esfera em que ela trabalha seja a universidade, lugar em que esses gêneros são instituidores de relações.

Nesse sentido, quando questionamos neste estudo sobre o lugar que os conhecimentos formalizados ocupam em sua vida, podemos pensar que o espaço em que eles poderiam ser suscitados fosse a esfera laboral, considerando o contexto em que Ângela atua. Mas, compreendendo aqui que as atividades requeridas para a atuação dependem mais de lides com o corpo, em trabalhos mais braçais, esse conhecimento parece ter lugar restrito, a saber por sua própria manifestação: “Uma vez por ano, eles dão uma palestra lá na reitoria, então eles ensinam como usar a água sanitária, o sabonete, o detergente, o desinfetante, como colocar os papéis. Uma vez por ano, eles dão uma palestra pra gente.”.

Essas vivências de Ângela nos levam a afirmar que mover-se em diferentes espaços em que há a presença da escrita nem sempre implica uma inserção. Ademais, este sujeito parece estar na posição de aprendizado formalizado apenas uma vez por ano e esse movimento que é de ordem institucional visa apenas sua eficiência como trabalhadora de determinada empresa. A busca, nesse sentido, não é um processo de aprendizado que foca nas relações que estabelece em seu dia a dia com os colegas de trabalho, com a universidade, e outros propósitos possíveis, mas em como lidar com produtos. Compreendemos a importância em tal atividade, embora nos perguntemos sobre o lugar que esse conhecimento ocupa na vida de Ângela para além dessa esfera laboral e para além de seus afazeres domésticos.

Ainda no que compete a refletir sobre o lugar que ocupam os saberes formalizados - e, portanto, a cultura escrita - na vida de nossa participante de pesquisa, devemos destacar, talvez, o único movimento que pudemos perceber um surtir de interesse por tais saberes na e para a vida de Ângela. Tendo em vista a atuação de Ângela no primeiro andar do bloco B do Centro de Comunicação e Expressão (CCE), lócus em que há a presença do departamento de línguas, pudemos perceber, em interações com essa participante, um anseio em estudar inglês. Ela nos contou o seguinte: “Eu gostaria também de estudar inglês. Até eu falo com o menino ali do xerox, a gente é bem amigos também, né? Um dia eu brinquei até com ele: ‘Ai, Carlos6 6 Nome fictício. , bem que tu podia me dar umas aulinhas de inglês, né?’ ”.

Nas interações com Ângela, percebemos um movimento de interesse em realizar tais estudos, o qual nos leva a estabelecer possíveis relações com suas vivências laborais, como o fato de i) estar imersa na esfera universitária; ii) o percurso de trabalho abranger as salas disponibilizadas aos cursos extracurriculares de línguas estrangeiras; iii) ter um amigo que trabalha com cópias de material didático para os cursos de língua estrangeira e que poderia lhe ensinar essa língua.

O anseio por aprender outro idioma pôde, portanto, ter sido suscitado nesse contexto acadêmico, mas, é importante ressaltar, aqui, que tal interesse aparentemente não aguçou a curiosidade por conhecer a forma como se dá a entrada regular dos alunos nos cursos extracurriculares, abertos à comunidade, cujos valores são mais acessíveis do que os praticados em instituições privadas. Esse suposto “desinteresse” - ou mesmo desconhecimento - talvez seja resultado de um sentimento de não pertencimento dentro desta comunidade acadêmica ou ainda uma não familiarização com questões de configuração institucional relacionadas à cultura escrita. Nesse sentido, cabe destacar que

Ter acesso a diferentes manifestações da cultura escrita implica movimentos diversos na vida dos sujeitos, pois a ampliação das práticas de uso da língua contribui para a apropriação de outros modos de compreender a realidade. Isso implica que o sujeito ressignifique suas próprias práticas, transite por e imerja em diferentes esferas da atividade humana, podendo transcender suas práticas locais, não lhe sendo negado, portanto, o direito ao ato de dizer (com base em BAKHTIN, 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.) mais amplo, para além do já conhecido. (ALANO, 2017ALANO, N. D. Vivências com a cultura escrita por parte de sujeitos com Trajetória de rua: relações de tensionamento na (in) funcionalidade da leitura e da escritura. Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017., p. 33).

E em nos referindo ao caso de Ângela, essa aparente não familiarização e/ou sentimento de não pertencimento com/a essa esfera parece ser ‘testemunhado’ quando a questionamos sobre sua participação, ainda que ‘de ouvido’ e por curiosidade, em algum evento promovido por algum curso no Centro em que atua ou mesmo sobre as leituras de banners e cartazes expostos nos corredores daquele espaço. Ângela nos dá a seguinte resposta: “Não porque a gente não tem como, né? Porque, daí, a gente sai pra ir assistir, de repente a supervisora vê, o que que a gente tá parado lá.”. E mais: “A gente já se acostumou com o ritmo, a gente acaba nem olhando. A gente só para assim pra ver ‘Nossa, que lotado!’ Teve um aí que teve gente pelas porta afora, assim, sabe?”.

A partir dessas enunciações de Ângela, podemos chamar a atenção tanto para a sua não imersão no contexto acadêmico de modo que ela pudesse extrapolar o seu momento de labor, mas também [e sobretudo] quanto ao status de vigília que circunda a sua vida laboral. Conforme pudemos registrar em notas de campo: em um momento de entrevista com esta participante, ela avistou sua supervisora pela janela, esquivou-se e solicitou que descêssemos até o 1º andar para que ela não fosse vista fora do seu setor de atuação.

Essa reação de Ângela assume com mais força as considerações sobre a relação de poder suscitada entre supervisor e funcionário, imperando, pois, um olhar sobre o corpo do outro, que causam efeitos de ‘não pertencimento’ e alheamento por parte desta participante, no que tange às participações (ainda que informalmente) em eventos dentro da esfera em questão. O panóptico (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir: História da violência nas prisões. Trad. de Raquel Ramalhete. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.) atua nos corredores em que Ângela trabalha. Esse panóptico pode ser, muitas vezes, não somente a supervisora, mas os colegas de trabalho, os professores e estudantes, as câmeras instaladas nos corredores, etc. O poder parece, pois, ser exercido por esse olhar, esse controle que é centrado no corpo e “produz efeitos individualizantes, manipula o corpo como foco de forças que é preciso tornar úteis e dóceis ao mesmo tempo.” (FOUCAULT, 1999FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975 - 1976). São Paulo: M. Fontes, 1999. [1975-1976], 297).

De acordo com Foucault (1995 [1982a]FOUCAULT, M. (1982a). O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. MICHEL FOUCAULT. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 243), “de fato, aquilo que define uma relação de poder é o modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação.”. Sendo assim, tal comportamento denota a pressão e o estado de (auto)vigilância exercidos por si e pela instituição - empresa que a emprega por meio de sua supervisora - de modo a compreender sua posição hierárquica e que suas ações não podem transgredir os termos convencionados na relação entre empregador e empregado. A esse respeito, e evocando novamente Foucault,

A atividade, que assegura o aprendizado e a aquisição de aptidões ou de tipos de comportamento, aí se desenvolve através de todo um conjunto de comunicações reguladas (lições, perguntas e respostas, ordens, exortações, signos codificados de obediência, marcas diferenciais do “valor” de cada um dos níveis de saber) e através de toda uma série de procedimentos de poder (enclausuramento, vigilância, recompensa e punição, hierarquia piramidal). (FOUCAULT, 1995 [1982a]FOUCAULT, M. (1982a). O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. MICHEL FOUCAULT. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 241).

Não podemos compreender a verdade que se coloca sobre a vida de Ângela - se é que ela possa existir - e suas atuações pontuais na esfera acadêmica, em seu lugar de labor; mas, compreendendo alguns aspectos de sua vida particular e laboral aqui pontuados, bem como suas relações de trabalho, considerando o que nos foi dado observar e registrar em nossos encontros com esta participante, pudemos trazer alguns indícios sobre esse seu não atravessamento, esse não olhar de esguelha quanto ao que envolve a cultura escrita acadêmica, atentando, pois, para questões de cunho histórico, social e político.

Embora os saberes existentes não sejam provenientes apenas da cultura escrita acadêmica (com base em FREIRE, 2013 [1968]), vale destacar que o saber formalizado, institucionalizado, apesar de que dentre as suas inúmeras funções [não exitosas] está em produzir uma sociedade regrada e normatizada, como já pontuara Britto (2011), ele deve ser socializado. E a importância da socialização desses conhecimentos não está pela ordem de reprodução de poder, da norma, da lógica dominante, mas em uma noção de direito à imersão na (in)funcionalidade da leitura e da escritura (L. PONZIO, 2002PONZIO, L. Visioni del texto. Bari: Edizioni B.A. Graphis, 2002.) por parte desses sujeitos, como Ângela, que historicamente têm esses direitos negados.

Em suma, se nosso objetivo nesta seção foi buscar respostas a inquietações, no que diz respeito à forma como este sujeito que circunscreve o ambiente universitário [ainda que por meio de uma relação institucional indireta - em um regime de contratação que se dá entre a universidade e uma empresa prestadora de serviços] atravessa tais contextos, levando em consideração as vivências com a cultura escrita acadêmica devido à inserção em tais espaços, no que se refere às enunciações de Ângela, compete acentuar haver uma relação institucional e hierárquica que parece apagar os ruídos provenientes da esfera acadêmica.

2. PARA ALÉM DA CULTURA ACADÊMICA: O QUE É DADO INCIDIR NA VIDA DE ÂNGELA, A PARTIR DAS RELAÇÕES E VIVÊNCIAS EM AMBIENTE DE LABOR?

O poeta e escritor moçambicano, Mia Couto, em um dos seus ensaios no livro E se Obama fosse Africano?, escrevera: “aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomos, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente” (COUTO, 2011COUTO, M. E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 100). Se, por um lado, Ângela não nos deu como resposta algo que indicie uma mudança significativa em suas lides com a cultura escrita acadêmica, pudemos perceber um movimento para outros aspectos de sua vida que envolvem: posicionamentos, olhares e valores decorrentes de trocas com esses outros e com essa realidade da qual nos referimos: a esfera acadêmica.

Esta participante nos relatou que ao ingressar como terceirizada na universidade, alguns estranhamentos perpassaram sua rotina de trabalho. Diante dos comentários proferidos por Ângela sobre suas percepções acerca da esfera universitária, destacamos a seguinte situação: Ângela, ao indagarmos sobre como foi seu ingresso na vida laboral, na universidade, dirigiu-se a um de nós, diminuiu o tom, embora não houvesse ninguém por perto, e disse:

Eu não sei tu é... vai me desculpar, tá? Se tu é gay, se tu não é. Entende?”.

Essa primeira atitude prudente ao falar sobre sexo/sexualidade, dirigindo-se a alguém desconhecido como interlocutor, remete-nos primeiramente ao que pontua Bakhtin (2010 [1952-53]BAKHTIN, M. (1952-1953). Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 261-306.) sobre as conformações do gênero do discurso. Conforme esse autor,

ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as sua concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias - tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele. Essa consideração irá determinar também a escolha do gênero enunciado e a escolha dos procedimentos composicionais e, por último, dos meios linguísticos, isto é, o estilo do enunciado. (BAKHTIN, 2010 [1952-53]BAKHTIN, M. (1952-1953). Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 261-306., p. 302).

Ângela é, pois, cuidadosa ao se dirigir ao seu interlocutor, compreendendo não saber o modo como ele irá receber sua colocação. E assim ela o faz em outras situações, como apresentaremos posteriormente. Ela não é taxativa, ela pondera antes de se enunciar. Partindo, contudo, para outra perspectiva e saindo da filosofia bakhtiniana, podemos aludir, aqui, ao que Foucault (2014 [1976])FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014. denomina em História da Sexualidade I: a vontade de aprender como controle dos discursos7 7 Vale registrar que a compreensão sobre o conceito discurso para Foucault é necessariamente distinta à de Bakhtin, autor com o qual estamos, aqui, dialogando mais estreitamente. . Ângela hesita ao questionar sobre sexualidade muito possivelmente porque “talvez tenha havido uma depuração - e bastante rigorosa - do vocabulário autorizado. Pode ser que se tenha codificado toda uma retórica da alusão e da metáfora.” (FOUCAULT, 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 19-20). Ainda sobre os dispositivos discursivos na produção de enunciações a respeito do sexo, Foucault afirma:

Novas regras de decência, sem dúvida alguma, filtraram as palavras: polícia dos enunciados. Controle também das enunciações: definiuse de maneira muito mais estrita onde e quando não era possível falar dele [sexo]; em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais; estabeleceram-se, assim, regiões, senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição [...]. (FOUCAULT, 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 20).

Ângela se desculpa por proferir o que pretende proferir, pois o que vem posteriormente em sua ‘futura’ enunciação envolve outras questões morais e de valores que talvez o interlocutor pode considerar inadequadas. Continua a participante ao relatar sua experiência ao ingressar em seu trabalho na universidade: “Eu acho que assim [trecho inaudível] querendo se vestindo de mulher, daí eles sentado ali no banco se beijando, namorando, assim, ao vivo, coisa que a gente não via isso, só televisão, quando a gente chega fica assim [ela reage com uma expressão de espanto/surpresa].”

Esta realidade encarada por Ângela na universidade é considerada por ela situações vistas apenas via mídia televisiva; à distância, alheia, até então, às suas vivências. Ela, que sempre viveu em Florianópolis, ainda que em bairros mais afastados do centro da cidade, deparou-se com questões da realidade social que até então não havia experienciado. Nesse enunciado em questão, a participante assume seu estranhamento inicial, possivelmente movido por embates e confrontos com seus próprios valores e crenças, daí a justificativa de seu pedido de ‘desculpa’ no início de sua enunciação. Ademais, por mais que Ângela tenha demonstrado certo incômodo ao relatar suas vivências quando começou a trabalhar na universidade, é possível observar uma movência de status quando discorre: “Estranhei muito o fato deles ali, né? Mas agora já tô acostumada, então agora pra mim já é normal, sabe? (...) Então, eu estava falando do menino do xerox, ele também é gay, ele me apresentou o namorado dele, então, agora… se fosse a primeira vez que eu tivesse vendo dois moço se beijando, até ia estranhar, mas agora não estranho mais, é normal, já se acostumei.”.

A partir desse processo transitório de estranhamento à normalização evidenciados na fala de Ângela, podemos evocar Foucault, o qual considera que falar sobre sexo/sexualidade na sociedade contemporânea exige “a suspensão de um obstáculo, a quebra de um segredo” que “pode abrir o caminho que conduz até ele.” (FOUCAULT, 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 39). Conforme o autor, “nas fronteiras de todo discurso atual, ele é exibido como o segredo que é indispensável desencavar [...]” (FOUCAULT, 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 39). Para além disso, a importância crescente da atuação da norma é consequência do desenvolvimento do biopoder, sendo assim,

Se pudéssemos chamar de “bio-história” as pressões por meio das quais os movimentos da vida e os processos da história interferem entre si, deveríamos falar de “biopolítica” para designar o que faz com que a vida e seus mecanismos entrem no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana; não é que a vida tenha sido exaustivamente integrada em técnicas que a dominem e gerem; ela lhes escapa continuamente. (FOUCAULT, 2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 154).

Para Foucault (2014 [1976]FOUCAULT, M. (1976). História da Sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz & Terra, 2014., p. 156) “a lei funciona cada vez mais como norma, e [...] a instituição judiciária se integra cada vez mais num contínuo de aparelhos [...] cujas funções são reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida.”. Bakhtin (2017 [1920-24])BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., em sua crítica sobre a ética material, registra que “a norma é uma forma especial de livre arbítrio de um em relação aos outros” (BAKHTIN, 2017 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p. 74), sendo “validada não do ponto de vista do seu conteúdo-sentido, mas do ponto de vista da autoridade real da sua fonte (livre arbítrio) ou da autenticidade e da exatidão da transmissão [...]” (BAKHTIN, 2017 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p. 74).

Em todos os outros domínios, a norma é simplesmente a forma verbal que notifica as condições de adequação convencional de algumas teses a uma finalidade determinada: se você quer ou precisa disso ou daquilo, então, visto que… (a tese teoricamente válida é invocada neste ponto), então você deve agir de tal maneira. Aqui não há nenhum livre arbítrio, e, por conseguinte, nenhuma autoridade: todo o sistema está aberto: se você quiser. O problema de um livre arbítrio com autoridade (que cria a norma) é um problema de filosofia do direito, de filosofia da religião, e também um dos problemas de uma filosofia moral efetiva enquanto ciência primeira, filosofia primeira (o problema do legislador). (BAKHTIN, 2017 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p. 75).

Ângela, nesse sentido, demonstrou não apenas transpor a barreira do segredo em relação ao sexo/sexualidade [ainda que com escusas] como também transgredir as convenções ao naturalizar o que lhe era estranho. Também não parece ter sido o discurso ‘televisivo’ sozinho [quando ela menciona em entrevista que só via os beijos homoafetivos em contexto midiático] que a fez ressignificar suas percepções acerca de outras formas de relação, mas suas vivências dentro da instituição com sujeitos outros parecem ter agenciado/despertado esse outro olhar em Ângela, trazendo, pois, uma validade universal e individual; unitária e singular de seu ato (BAKHTIN, 2017 [1920-1924]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.).

No que se refere ao enunciado anterior de Ângela, podemos destacar, portanto, que a sua consideração sobre a familiarização com a homossexualidade se estabelece em razão da frequência com que se depara com esses sujeitos e também fruto, quiçá, de sua relação com seu amigo, Carlos, homem que trabalha no xerox. O enunciado desta participante nos impele ao que pontua Bakhtin (2010 [1979]) acerca das vivências e de nossa constituição como sujeitos. Nas palavras do filósofo russo,

Não posso calcular a mim mesmo inteiramente, afirmando: aqui estou eu inteiro, e não existo mais em parte alguma e em nada, já estou integralmente. Vivo nas profundezas de mim mesmo com a eterna fé e a esperança na permanente possibilidade do milagre interior de um novo nascimento. Não posso acomodar axiologicamente toda a minha vida no tempo e nele justificá-la e concluí-la integralmente. A vida temporalmente concluída é inviável do ponto de vista do sentido que a move. (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 116).

As relações estabelecidas por Ângela em sua rotina de labor parece ir além do plano da funcionalidade (PONZIO, 2010; 2014), incidindo, assim, em suas visões de mundo. É na interação com o outro, e por meio de palavras, que vivenciamos contradições, embates, focos opostos, e é também nessa relação que a interpretação da realidade natural e social se altera, de modo que possamos nos constituir; ressignificar-nos como sujeitos.

É com Carlos, seu amigo, com quem Ângela disse querer aprender inglês (como destacamos na seção anterior) e foi com ele que ela acentuou sua nova compreensão sobre questões relacionadas à sexualidade. Essa participante, em sua relação com esse outro, inclina-se, desse modo, para uma alteridade absoluta (com base em PONZIO, 2014PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal. In: MIOTELLO, V.; MOURA, M. I. A alteridade como lugar da incompletude. São Carlos/SP: Pedro e Joã o Editores, 2014, p. 49-95.). Não é um outro qualquer que lhe orienta e discorre sobre outras compreensões acerca desta realidade, é seu amigo com nome próprio; é Carlos. A constituição dos sujeitos se dá na relação com o outro/Outro; “[...] nosso mundo interior [...] é [...] heterogêneo, na medida em que a realidade linguístico-social é heterogênea [...]. E sua dinâmica interior decorre da dialogização desta heterogeneidade.” (FARACO, 2009, p. 85).

A universidade, como já pontuamos anteriormente, é caracterizada por agregar diferentes visões de mundo, compreensões dissonantes, e dialógicas, opiniões acerca da realidade que nos cerca. Nesse sentido, podemos destacar ainda que é “somente graças a esta refração das opiniões, avaliações e pontos de vista o signo é vivo e móvel e é capaz de desenvolvimento.” (VOLOCHÍNOV, 2013 [1930], p. 199).

Seguindo às nossas interações com Ângela, podemos elencar outros enunciados em que percebemos embates e contrapalavras que se entrecruzam, embaralham, confrontam suas percepções: o primeiro enunciado se refere a uma conversa com esta participante sobre alguns registros das portas dos banheiros nos locais em que são de responsabilidade de Ângela realizar a limpeza, e o segundo, centra-se à sua opinião sobre a greve estudantil ocorrida em outubro-novembro de 2019.

No que tange aos rabiscos no banheiro, Ângela discorre: “É, tem muitas coisas que elas escrevem, (...) nada a ver, sabe?, muita baixaria. (...) Escrevem muito assim, ‘sem Lula é fraude’.” Ao questionarmos sobre a razão de tais mensagens, ela nos responde: “É que eles querem o Lula na presidência, não é isso?”. Alguns pontos deste comentário da participante de nossa pesquisa requerem reflexão: Ângela responde a nós, estudantes desse ambiente universitário, afirmando algo, mas, em seguida, direciona-se a nós com um questionamento que, em nossa compreensão, parece pedir o nosso consentimento: “não é isso?”. Parece, pois, haver um posicionamento valorativo e de cuidado com relação à situação de entrevista/conversa estabelecida com os interlocutores envolvidos, possivelmente porque o local de onde emergem os escritos no banheiro - com provável atribuição de autoria a um estudante, por exemplo - sugere, na tentativa de expor seu entendimento sobre tal alegação, uma forma de adivinhar a nossa opinião, porque também somos estudantes e, por conta disso, poderíamos compactuar com tais registros escritos naquele espaço. Talvez possamos assimilar essa postura adotada por Ângela ao que Bakhtin (2010) denomina como compreensão simpática: um “ativismo que vem de fora e visa ao mundo interior do outro.” (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 94). Nas palavras do autor:

Não se trata, de maneira nenhuma, de uma representação exata e passiva, de uma duplicação do vivenciamento de outro indivíduo em mim (aliás, tal duplicação é impossível), mas da transferência do vivenciamento para um plano axiológico inteiramente distinto, para uma nova categoria de valorização e enformação. [...] A compreensão simpática não é uma representação mas uma valorização essencialmente nova, um emprego de minha posição arquitetônica na existência fora da vida interior do outro. A compreensão simpática recria todo o homem interior em categorias esteticamente afagantes para uma nova existência em um novo plano do mundo. (BAKHTIN, 2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 94).

Podemos, ainda, refletir sobre algumas questões suscitadas pela contrapalavra de Ângela. A pergunta que se coloca diante dessa crítica anunciada por parte da participante é a seguinte: até que ponto os diálogos promovidos nas portas de banheiro podem dissuadir pessoas de entornos distintos; os não universitários; os sujeitos encarregados justamente de limpar aquilo que é escrito? Por vezes, os registros nesse contexto podem transparecer uma alteridade relativa, em que esse ‘outro’ que recebe a palavra não é levado em conta: é olhado de cima para baixo, nunca de frente (PONZIO, 2014PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal. In: MIOTELLO, V.; MOURA, M. I. A alteridade como lugar da incompletude. São Carlos/SP: Pedro e Joã o Editores, 2014, p. 49-95.). Em muitas situações,

A relação social é a relação de individualidades reciprocamente indiferentes, que se submetem ao social como necessidade devida à realização do interesse individual delas mesmas e nas quais a preocupação com a própria identidade e com a própria diferença, indiferente às diferenças dos outros, incrementa sempre mais o medo que se tem do outro. (PONZIO, 2014PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal. In: MIOTELLO, V.; MOURA, M. I. A alteridade como lugar da incompletude. São Carlos/SP: Pedro e Joã o Editores, 2014, p. 49-95., p. 3-4).

A condição de anonimato dos enunciados presentes nas portas dos banheiros não parece provocar em Ângela uma compreensão; uma ausculta daquilo que se propõe e é dirigido ao outro. Ainda assim, cabe destacar que as inserções de opiniões por parte de sujeitos anônimos visam, muitas vezes, à dialogia que também é discordância, resposta e ‘orientação’ de algo a alguém que também é anônimo, uma vez que ele pode ser qualquer um ou qualquer uma. Conforme Nwoye (1993)NWOYE, O. G. Social issues on walls: graffiti in university lavatories. Discourse & Society, 4, 1993, p. 419-442., os escritos em banheiros podem conter um enredo elaborado, simbologias, fontes de investigação que possibilitam análises sociais. E, diante do caldeirão de vozes presentes em tal contexto, o que chamou a atenção de nossa participante foi justamente uma análise social que ela, por sua vez, taxou como algo negativo, adjetivando, portanto, como ‘desnecessário’ e ‘baixo’.

Ainda que esses diálogos não pareçam, de início, ter suscitado em Ângela um questionamento, uma interrogação acerca do que é posto, não podemos afirmar que esse não atravessamento irá perdurar. Conforme Bakhtin (2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 272), “os gêneros [...] foram concebidos precisamente para essa compreensão ativamente responsiva de efeito retardado.”, o que certamente nos leva a crer que as reflexões possam vir posteriormente. Por que eleição sem Lula é considerada fraude por parte desses estudantes? Será que ao eleger esse enunciado, diante de outros presentes nas portas dos banheiros, Ângela não gostaria de solicitar uma resposta, ainda que não direcionado de modo direto e pontual? Além do mais, a razão de Ângela enunciar esse fato como significativo nos leva a questionar sobre o quanto de contrapalavra esse ponto destacado por Ângela pode carregar. Soma-se a isso, essa colocação da participante nos leva a interrogar sobre os meios de comunicação que ela costuma acessar para se informar de questões políticas em sua vida particular.

Todo falante, como registrara o filósofo russo, é um respondente ainda que em maior ou menor grau e é responsável por seus atos, por suas palavras e contrapalavras. Ângela, ainda que não esclareça seu posicionamento, taxando, pois, o registro em questão como ‘desnecessário’, é, ainda assim, ativa em sua colocação, em seu ato respondente, o que nos leva necessariamente às discussões da vida humana como originalmente dialógica. Nas palavras de Bakhtin (2010 [1979]BAKHTIN, M. (1979). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 3-192., p. 348),

[...] Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa por inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

Por fim, evocamos, aqui, a enunciação de Ângela no que compete à questão da greve dos estudantes. Opina a participante: “Olha eu não sou contra nem a favor, entende, cada um é cada um, cada um faz o que sabe. (...) As professoras estavam achando chato de eles fazer greve agora porque é final de ano, tem que entregar trabalho, prova, notas, essas coisa. Pra elas foi muito ruim.”. Na resposta desta participante, podemos, inicialmente, pensar sobre seu não posicionamento frente a nós, como estudantes. Ângela não se coloca como responsável por seu ato, ao dizer “não sou contra nem a favor”. Ela parece, portanto, isentar-se da responsabilidade em um posicionamento que possa, eventualmente, causar-lhe desconforto.

Em contrapartida, Ângela utiliza de um discurso de autoridade para amparar seu posicionamento, o que Bakhtin considera juízo teoricamente válido, situado na compreensão da arquitetônica do conteúdo-sentido que leva em consideração diversos elementos que dão origem à construção do pensamento. É levando em consideração o aspecto histórico-individual (factual) do juízo, como “o autor, o tempo, as circunstâncias e a unidade moral de sua vida” (BAKHTIN, 2017 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p. 44), que Ângela, no seu ato (responsivo e) responsável, se vê respaldada em argumentos hierarquicamente constituídos em um ambiente determinado por posições de prestígio social - os professores a quem ela se refere -, o que a envereda axiologicamente para a apreciação superficial aparentemente peremptória. Ainda, de acordo com o autor, “A valoração do pensamento como ato individual leva em consideração e contém em si, de forma plena, o momento da validade teórica do pensamento-juízo; a valoração do significado do juízo constitui um momento necessário na efetivação do ato, apesar de não exaustivo.” (BAKHTIN, 2017 [1920-24]BAKHTIN, M. (1920-24). Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p. 44-45).

A constituição desse sujeito ‘inserido’ na universidade não se estabelece pelo que essa esfera, em seu objetivo principal, fomenta - pela perspectiva da cultura escrita acadêmica, como palestras, aulas, exposições etc -. Em contrapartida, é justamente a inserção pela via laboral que o aproxima de realidades distintas no que concerne à universidade e aos meandros da composição dos sujeitos que circunscrevem tal espaço - nesse contexto, agente de transformação da vida humana, a exemplo dos relatos das vivências de Ângela -, bem como a vida (na concepção dialógica). Com nossa entrada em campo, e ao dialogar com Ângela no processo de geração de dados, percebemos, ademais, que muitas outras questões poderiam suscitar, aqui, outras tantas discussões e/ou aprofundamentos no que respeita à relação entre contexto universitário e a vida desse sujeito, mas que, ainda assim, as questões a que nos propusemos tematizar no âmbito deste artigo foram objeto de reflexão, como primeiro e fundamental propósito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as discussões aqui promovidas, importa registrar que a universidade é uma potente instituidora de relações. A presença de pessoas oriundas de diferentes culturas e classes, a efervescência de gêneros do discurso mediados pela escrita, a eloquência de manifestações que perpassam as militâncias dos centros acadêmicos, tudo isso se orienta, de algum modo, a quem vivencia - em sua condição de estudante ou não - esse espaço.

Nesse sentido, ainda que Ângela não imerja nas distintas práticas de uso da língua, características do ambiente acadêmico, e ainda que possa não se sentir pertencente a ele, transitar por esse espaço oportuniza novos valores e percepções, o que demonstra essa potência que é a relação com o outro; esse outro que não coincide consigo, que não é especular. Não queremos acentuar, entretanto, que basta à Ângela, como trabalhadora terceirizada, essas vivências casuais com o conhecimento [formalizado ou não], mas destacar a importância em lidar com distintas ambientações em que as compreensões sobre a realidade se entrecruzam.

Das discussões suscitadas, podemos destacar, portanto, a necessidade em criar políticas de extensão nessa instituição pública que é a universidade, orientadas e dirigidas aos trabalhadores [terceirizados ou não], de modo a agregá-los em diferentes atividades de socialização [e compartilhamento] dos conhecimentos. É necessário, pois, a promoção de práticas de inclusão e de “audibilidade/visibilidade” das vozes cotidianas, a fim de que tais sujeitos, como Ângela, sintam-se parte do contexto universitário e possam, de fato, participar ativamente nessa esfera.

  • 1
    Nome fictício para preservar a identidade de nossa participante.
  • 2
    Ao examinar mais intensivamente as experiências ou características de apenas um(a) ou poucas(os) pessoas ou contextos, pesquisadores buscam entender de forma holística (usualmente) as complexidades e os funcionamentos internos das pessoas, eventos, sistemas, ou políticas sob investigação. O caso, então, torna-se uma nítida amostra de grandes processos e condições relacionados à linguagem. (Tradução nossa).
  • 3
    Compreendemos que tanto Bakhtin quanto Foucault têm compreensões distintas acerca de conceitos como sujeito, língua, enunciado e discurso, por exemplo. Nesse sentido, registramos, aqui, que apesar de colocarmos esses autores lado a lado, esses conceitos fundantes presentes nas discussões deste texto terão como base os escritos de Bakhtin e Voloshínov.
  • 4
    Cabe destacar que, nessa publicação, embora as autoras também definam cultura escrita, elas argumentam em favor do uso culturas do escrito.
  • 5
    “A luta pela democratização de tal acesso a manifestações da cultura escrita distintas daquelas que já nos são familiares não se filia a uma lógica bancária (com base em FREIRE, 1968FREIRE, P. (1968). Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.), voltada à reprodução da opressão a quem ainda não tem ingresso nessas diferentes práticas; ao contrário, o acesso a tais diferentes manifestações da cultura escrita é de substancial importância para que todos possam valer-se dos mais variados usos linguísticos e operar criticamente com os modos de pensar e produzir no âmbito vasto dessa mesma cultura escrita (BRITTO, 2012BRITTO, L. P. L. Inquietudes e desacordos: a leitura alé m do ó bvio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012., p. 105), ampliando seus horizontes de possibilidades de agir no mundo.” (ALANO, 2017ALANO, N. D. Vivências com a cultura escrita por parte de sujeitos com Trajetória de rua: relações de tensionamento na (in) funcionalidade da leitura e da escritura. Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017., p. 31).
  • 6
    Nome fictício.
  • 7
    Vale registrar que a compreensão sobre o conceito discurso para Foucault é necessariamente distinta à de Bakhtin, autor com o qual estamos, aqui, dialogando mais estreitamente.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2020
  • Aceito
    13 Dez 2021
  • Publicado
    05 Abr 2022
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