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PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NO TRABALHO COM O PRONOME NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

PRACTICE OF LINGUISTIC ANALYSIS IN WORKING WITH THE PRONOUN IN MOTHER LANGUAGE TEACHING

RESUMO

Este estudo apresenta e discute uma proposta teórico-metodológica de análise linguística de perspectiva dialógica, voltada ao gênero discursivo Memórias Literárias, para o trabalho no Ensino Fundamental. A partir dos pressupostos teóricos eleitos e da leitura do enunciado escolhido, elaboramos atividades para o estudo específico de pronomes, ao 7º ano do Ensino Fundamental. Os resultados da proposta apontam: i) a compreensão dos efeitos de sentido e de valor agregados à escolha dos pronomes em decorrência dos aspectos sócio-histórico-ideológicos; ii) a contribuição para a construção da consciência socioideológica e para a produção valorada do discurso, por meio do trabalho paralelo com habilidades epilinguísticas e metalinguísticas no estudo de pronomes; iii) a atribuição de valor à palavra, especificamente, ao uso e à produção de sentidos do enunciado e à alteração realizada na produção escrita; iv) o efetivo trabalho com a escrita, com produções de menor extensão, que evoluem para se chegar à produção textual de Memórias Literárias, a considerar o uso de pronomes como recurso expressivo linguístico inerente do gênero.

Palavras-chave:
dialogismo; análise linguística; memórias literárias; pronome

ABSTRACT

This study presents and discusses a theoretical methodological proposal of linguistic analysis from the dialogical perspective, focused on the discursive genre Literary Memories to be developed in Basic Education. Based on the chosen theoretical assumptions and on the reading of the referred text, we developed some activities related to the study of specific pronouns were developed for the 7th Grade of Elementary School. Results were the following: i) comprehension of meaning effects and of added values to the choice of pronouns, due to the ideological socio-historical aspects; ii) contribution to the construction of the socio-ideological consciousness and to the valued production of discourse, by means of a parallel work with epilinguistic and metalinguistic skills in the study of pronouns; iii) value assigned to the word, specifically, to the use and to the production of text meanings and changes made in the writing production; iv) effective writing process of minor productions which evolve to the production of the text genre Literary Memories, considering the use of pronouns as linguistic expressive resource inherent in the genre.

Keywords:
dialogism; linguistic analysis; literary memories; pronoun

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na concepção dialógica do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1988 [1975]BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp; Hucitec, 1988 [1975].; BAKHTIN, 2003[1979]BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979], p. 261-306.; VOLÓCHINOV, 2017[1929]VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.), o estilo é elemento constitutivo e inerente da linguagem, a conduzir tanto a produção, quanto a compreensão dos sentidos, limite de atuação mútua entre os interlocutores (BRAIT, 2010BRAIT, B. Estilo. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010. p. 79-102.). Sob esse viés, este estudo propõe e discute a elaboração de atividades que demonstram que o estilo de linguagem se configura nos empregos e usos da língua e nas relações dialógicas estabelecidas pelo gênero discursivo, ao contemplar o trabalho com pronomes que marcam a presença do narrador em enunciados específicos da ordem do narrar, por meio de uma abordagem valorativa da linguagem. Este é o diferencial do trabalho: a abordagem sociológica e valorativa, proposta pelos estudos sobre o dialogismo (ACOSTA PEREIRA, RODRIGUES, 2010ACOSTA-PEREIRA, R. A.; RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso sob perspectiva da Análise Dialógica de Discurso do Círculo de Bakhtin. Revista Letras, Santa Maria, v. 20, n. 40, p. 147-162, 2010.; BRAIT, 2008BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p. 9-32., 2017BRAIT, B. Perspectiva dialógica. In: BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M. C. (Org.). Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2017. p. 9-30.; DE PAULA, 2013DE PAULA, L. Círculo de Bakhtin: uma Análise Dialógica de Discurso. Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 239-258, jan./jun. 2013.; FRANCO, ACOSTA PEREIRA, COSTA-HÜBES, 2019FRANCO, N.; ACOSTA PEREIRA, R; COSTA-HÜBES, T. C. da. Por uma análise dialógica do discurso. In: GARCIA, D. A.; SOARES, A. S. F. (Org.). De 1969 a 2019: um percurso da/na análise de discurso. Campinas, SP: Pontes Editores, 2019. p. 275-300.; SOBRAL, GIACOMELLI, 2016SOBRAL, A. U.; GIACOMELLI, K. Elementos sobre as propostas de Voloshinov no âmbito da concepção dialógica de linguagem. In: RODRIGUES, R. H.; ACOSTA-PEREIRA, R. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 141-162., dentre outros), no uso de pronomes1 1 Utilizamos a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) por ser a mais recorrente no contexto de ensino e aprendizagem da LP. Dessa forma, conscientes das noções de dêixis e elementos dêiticos empregadas pela Linguística e pela Linguística Aplicada, optamos pelo tratamento do vocábulo “pronome”, em função do contexto de produção e da proposta de trabalho aqui exarada, isto é, a sala de aula de Ensino Fundamental. , no trabalho com o gênero discursivo Memórias Literárias em situação de ensino.

Na pesquisa, realizamos um diagnóstico das atividades de análise linguística presentes no Caderno Se bem me lembro (CLARA; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2014CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014.), da Olimpíada de Língua Portuguesa: escrevendo o futuro (OLP)2 2 Trata-se de um Programa do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação Itaú Social, sob a coordenação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), que objetiva contribuir para a melhoria do ensino da leitura e da escrita nas escolas públicas brasileiras. Maiores informações são encontradas no Portal da OLP, em www.escrevendoofuturo.org.br. , que apresenta uma sequência didática (SD) do gênero discursivo Memórias Literárias. O diagnóstico evidenciou lacunas na abordagem das atividades, especificamente no que diz respeito ao trabalho voltado ao estilo de linguagem como um elemento constitutivo dos discursos escritos (OHUSCHI, 2019OHUSCHI, M. C. G. Proposta de atividades de análise linguística nos cadernos “Poetas da escola” e “Se bem me lembro” da Olimpíada de Língua Portuguesa. 2019. Relatório Final de Estágio Pós-Doutoral em Letras (Estudos Linguísticos) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019.).

Dessa forma, este artigo visa a apresentar uma proposta teórico-metodológica de análise linguística de perspectiva dialógica voltada ao gênero discursivo Memórias Literárias, para o trabalho no 7º ano do Ensino Fundamental, em complemento às atividades do Caderno Se bem me lembro (CLARA; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2014CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014.). Assim, objetivamos contribuir tanto para a produção de sentidos e de valor do enunciado contemplado na proposta, quanto para a leitura e a produção textual do gênero analisado.

Selecionamos o gênero discursivo Memórias Literárias dentre os demais contemplados pelo Programa da Olimpíada (poema, crônica, artigo de opinião e documentário) por ser um gênero da esfera literária3 3 Optamos por um gênero da esfera literária por ser muito próxima dos professores, no trabalho com a LP. Nesse sentido, vale ressaltar o fato de diversos gêneros dessa esfera (poemas, conto de fadas, fábulas etc.) terem sempre circulado no universo escolar, mesmo antes da disseminação do trabalho com os gêneros no processo de ensino e aprendizagem da LP. que, há pouco tempo, era desconhecido no cenário educacional brasileiro, até sua disseminação pela OLP, em 2004. Além disso, apresenta uma convergência entre o resgate de fatos do passado, a criatividade e a imaginação do autor, o que permite a produção de sentidos por posicionamentos axiológicos próprios do narrador, a possibilitar o trabalho sob o viés dialógico.

Nesse mesmo sentido, há, nos enunciados de Memórias Literárias, elementos linguístico-enunciativos e discursivos, como pronomes, verbos e adjetivos, que marcam a presença explícita do narrador, de forma a evidenciar sua proximidade ou não com o mundo narrado, sua relação com os demais elementos da narrativa e seus posicionamentos valorativos. Dentre esses elementos, neste artigo em específico, optamos pelo trabalho com pronomes, por possibilitar, especialmente no gênero Memórias Literárias, a reflexão sobre a própria entonação do autor ao discurso, por meio das valorações sociais do contexto sócio-histórico-ideológico em que o enunciado se insere. Isso porque as relações entre a forma e o conteúdo temático são axiológicas (BAKHTIN, 1988 [1975]BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp; Hucitec, 1988 [1975].), ou seja, as valorações de um enunciado não se encontram somente em seu conteúdo, mas, também, no modo como está arquitetado no todo do enunciado por meio de uma forma, neste caso, o uso dos pronomes, em específico. Além disso, é um dos aspectos cobrados nos critérios de avaliação da produção textual do aluno participante do concurso da OLP, assim como é conteúdo programático do 7º ano do Ensino Fundamental. Apesar dessa escolha, sabemos dos riscos que corremos em seccionar o todo enunciativo para o trabalho aqui apresentado.

A investigação insere-se nos Grupos de Pesquisa Interação e Escrita (UEM/CNPq) e Dialogismo e ensino de língua (UFPA/CNPq) e nos Projetos de Pesquisa O dialogismo e as práticas de linguagem no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa (UFPA), Escrita, revisão e reescrita-Fase 2 (UEM) e Linguagem em interação: ensino, letramento e diversidade (UEM). A próxima seção apresenta uma breve reflexão sobre a análise linguística em perspectiva dialógica; na sequência, delineamos e discutimos a proposta teórico-metodológica elaborada de análise linguística de prespectiva dialógica.

ANÁLISE LINGUÍSTICA PELO VIÉS DIALÓGICO

A análise linguística de perspectiva dialógica surge responsiva aos avanços da configuração da análise linguística, em Linguística Aplicada, durante três décadas no Brasil: primeiramente a partir dos trabalhos interacionistas que fundaram esta prática (GERALDI, 1984GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984. p. 41-49.; 1997GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.; FRANCHI, 1987FRANCHI, C. Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 9, p. 5-45, 1987.), em seguida, pela publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PNC (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: terceiro e quarto ciclos. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.) e, na sequência, por meio de trabalhos de diversos pesquisadores e estudiosos brasileiros convergentes ao interacionismo e ao dialogismo (OHUSCHI, 2013OHUSCHI, M. C. G. Ressignificação de saberes na formação continuada: a responsividade docente no estudo das marcas linguístico-enunciativas dos gêneros notícia e reportagem. 2013. 294 p. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.; BEZERRA; REINALDO, 2013BEZERRA, M. A.; REINALDO, M. A. Análise linguística: afinal a que se refere? São Paulo: Cortez, 2013.; MENDONÇA, 2006MENDONÇA, M. Análise Linguística no Ensino Médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, C. e MENDONÇA, M. (Org.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo. Parábola Editorial, 2006. p. 199-226.; PERFEITO, 2005PERFEITO, A. M. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de Língua Portuguesa. In: SANTOS, A. R.; RITTER, L. C. B. (Org.). Concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa. Maringá: EDUEM, 2005. p. 27-79.; 2007PERFEITO, A. M. Concepções de linguagem e análise linguística: diagnóstico para propostas de intervenção. In: ABRAHÃO, M. H. V.; GIL, G.; RAUBER, A. S. (Org.). CONGRESSO LATINO-AMERICANO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS-CLAFPL, 1, Florianópolis, UFSC, 2007. Anais... Florianópolis: UFSC, 2007, p.824-836.; RITTER, 2012RITTER, L. C. B. Práticas de leitura/análise linguística com crônicas no Ensino Médio: proposta de elaboração didática. 2012. 240 f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., entre outros).

Ademais, também nasce responsiva aos avanços da perspectiva dialógica de trabalho com a língua/ linguagem, em especial, a partir da Análise Dialógica do Discurso - ADD (ACOSTA-PEREIRA, RODRIGUES, 2010ACOSTA-PEREIRA, R. A.; RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso sob perspectiva da Análise Dialógica de Discurso do Círculo de Bakhtin. Revista Letras, Santa Maria, v. 20, n. 40, p. 147-162, 2010.; BRAIT, 2008BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p. 9-32., 2017BRAIT, B. Perspectiva dialógica. In: BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M. C. (Org.). Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2017. p. 9-30.; FRANCO, ACOSTA PEREIRA, COSTA-HÜBES, 2019FRANCO, N.; ACOSTA PEREIRA, R; COSTA-HÜBES, T. C. da. Por uma análise dialógica do discurso. In: GARCIA, D. A.; SOARES, A. S. F. (Org.). De 1969 a 2019: um percurso da/na análise de discurso. Campinas, SP: Pontes Editores, 2019. p. 275-300.; MOURA, MIOTELLO, 2016MOURA, M. I.; MIOTELLO, V. A escuta da palavra alheia. In: RODRIGUES, R. H.; ACOSTA-PEREIRA, R. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 129-140.; RODRIGUES, 2005RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-183.; ROHLING, 2014ROHLING, N. Conteúdos de ensino na disciplina de Língua Portuguesa: o embate entre o discurso da tradição e o discurso da mudança. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 14, n. 1, p. 123-137, jan./abr. 2014.; SOBRAL, GIACOMELLI, 2016SOBRAL, A. U.; GIACOMELLI, K. Elementos sobre as propostas de Voloshinov no âmbito da concepção dialógica de linguagem. In: RODRIGUES, R. H.; ACOSTA-PEREIRA, R. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 141-162.). Ancorados nesses estudos, que partem dos aportes teóricos do Círculo de Bakhtin, Polato e Menegassi (2017POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. O estilo verbal como o lugar dialógico e pluridiscursivo das relações sociais: um estatuto dialógico para a análise linguística. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, p. 123-143, 2017.; 2019POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. O estatuto dialógico da análise linguística: caracterização teórico-pedagógica. Acta Scientiarum: Language and Culture, v. 41, p. 1-12, 2019.) apresentam uma possível caracterização da prática análise linguística (PAL) sob o viés dialógico, a incluir seu estatuto, definindo-a como uma perspectiva de caráter pedagógico, que trabalha com aspectos linguísticos, enunciativos e discursivos em enunciados materializados em gêneros discursivos, e que visa, primeiramente, à compreensão do discurso, em decorrência, as relações socioideológicas representadas, por meio da abordagem valorativa da língua/linguagem.

Desse modo, conforme Polato e Menegassi (2017POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. O estilo verbal como o lugar dialógico e pluridiscursivo das relações sociais: um estatuto dialógico para a análise linguística. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, p. 123-143, 2017.; 2019POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. O estatuto dialógico da análise linguística: caracterização teórico-pedagógica. Acta Scientiarum: Language and Culture, v. 41, p. 1-12, 2019.), a proposta busca formar coautores-criadores com estilo próprio, que operam, conscientemente, com e sobre a língua, a constituir seu discurso próprio e seu estilo próprio. Nesse sentido, objetiva interferir na qualidade e na velocidade das respostas ativas construídas na cadeia do discurso por meio da expansão das consciências sociais e ideológicas - ou consciência socioideológica - do produtor de enunciados, no caso, o aluno produtor das Memórias Literárias. Assim, ao ser autor de uma palavra ou de uma construção sintática, por exemplo, o sujeito-aluno não só refrata seu modo de vida, como também reflete as consciências dos grupos sociais a que pertence, em que circula, assim como a suas ideologias, de maneira a cumprir o projeto enunciativo proposto (SOBRAL, 2009SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. Campinas: Mercado de Letras, 2009.), uma vez que toda palavra é ideológica por natureza (VOLÓCHINOV, 2017[1929]VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.).

Essas respostas ativas são geradas pela compreensão das “relações sociais representadas nos textos, a partir de uma abordagem valorativa da língua, para corroborar a compreensão ou a produção valorada do discurso” (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017, p. 15MENDES-POLATO, A. D.; MENEGASSI, R. J. Refratar e refletir: relações sociais e língua em práticas de análise linguística. In: FERNANDES, E. M. da F. (Org.). Gêneros do discurso: refletir e refratar com Bakhtin Campinas, SP: Pontes Editores, 2017, p. 13-44.). Em outros termos, a responsividade é originada pela compreensão da configuração axiológica das relações sociais, históricas e ideológicas presentes em um enunciado de determinado gênero, em seu discurso, quais sejam: o papel social do locutor e do interlocutor, a finalidade discursiva, a ideologia marcada, as valorações específicas daquela situação de comunicação, a qual dialoga com outras já existentes etc. Tais atitudes responsivas (BAKHTIN, 2003[1979]BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979], p. 261-306.) demonstram-se linguisticamente na materialidade do emprego de pronomes, nos enunciados da esfera literária, objeto de trabalho neste texto.

Logo, ao retomar a PAL interacionista configurada por Geraldi (1984GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984. p. 41-49.; 1997GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.) e demarcada pelos estudos dialógicos da linguagem, a partir de pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin, a análise linguística de base dialógica: a) conduz o aluno à compreensão das relações sociais-histórico-ideológicas dos elementos linguísticos do gênero discursivo na construção dos discursos; b) essa compreensão amplia suas consciências sociais e ideológicas aos grupos em que os gêneros discutidos são empregados; c) a partir daí, o discente elabora respostas ativas, como contrapalavras aos discursos (VOLÓCHINOV, 2017[1929]VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.), como atitudes responsivas ativas (BAKHTIN, 2003[1979]BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979], p. 261-306.); d) passa a operar com e sobre a língua de forma consciente, a construir o estilo linguístico do gênero e de si próprio como sujeito de uma sociedade constituída pela linguagem em uso de interações sociais; e) torna-se autor do seu estilo próprio, refratando seu modo de vida, seus grupos sociais e, consequentemente, as ideologias ali presentes. Assim, trabalhar com análise linguística de perspectiva dialógica é produzir reflexões valorativas sobre o emprego e o uso da língua, não apenas estudá-la de maneira estrutural, normativa e reflexiva.

Em seu aspecto pedagógico, também inclui práticas epilinguísticas e metalinguísticas, além das atividades linguísticas. Geraldi (1997)GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. discutiu sobre tais práticas, ao postular que as atividades epilinguísticas possibilitam a reflexão sobre a linguagem, a considerar a utilização dos recursos expressivos a favor das atividades linguísticas a que se está engajado. Nesse mesmo viés, anteriormente, Franchi (1987)FRANCHI, C. Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 9, p. 5-45, 1987. já explicava que era preciso levar os alunos a diversificar os recursos expressivos em sua fala e em sua escrita, a operar sobre a linguagem e a praticar as diferentes possibilidades gramaticais no uso da língua.

As atividades metalinguísticas, segundo Geraldi (1997, p. 190-191)GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997., propiciam “(...) a reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com as quais se torna possível categorizar tais recursos”. Conforme o autor, no processo de ensino e aprendizagem da LP, em que buscamos a produção valorativa de conhecimento e não apenas o reconhecimento e a fixação de elementos gramaticais, é necessário que as atividades metalinguísticas sejam precedidas pelas atividades epilinguísticas, um pressuposto de consenso nos estudos da análise linguística no Brasil.

Para Bezerra e Reinaldo (2013)BEZERRA, M. A.; REINALDO, M. A. Análise linguística: afinal a que se refere? São Paulo: Cortez, 2013., ambas atividades acrescentaram novos conteúdos referentes aos enunciados: na década de 1980, o foco recaía sobre as categorias gramaticais e as estruturas textuais; na década de 1990, sobre as categorias do texto e do discurso; no início do século XXI, o foco passa a ser as categorias advindas das teorias de gênero, como observamos em diversas pesquisas (OHUSCHI, 2013OHUSCHI, M. C. G. Ressignificação de saberes na formação continuada: a responsividade docente no estudo das marcas linguístico-enunciativas dos gêneros notícia e reportagem. 2013. 294 p. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.; COSTA-HÜBES, 2015COSTA-HÜBES, T. da C. (Org.). Atividades de leitura e de análise linguística: 5º ano. V. 1. Cascavel: ASSOESTE, 2015.; PERFEITO, 2005PERFEITO, A. M. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de Língua Portuguesa. In: SANTOS, A. R.; RITTER, L. C. B. (Org.). Concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa. Maringá: EDUEM, 2005. p. 27-79.; 2007PERFEITO, A. M. Concepções de linguagem e análise linguística: diagnóstico para propostas de intervenção. In: ABRAHÃO, M. H. V.; GIL, G.; RAUBER, A. S. (Org.). CONGRESSO LATINO-AMERICANO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS-CLAFPL, 1, Florianópolis, UFSC, 2007. Anais... Florianópolis: UFSC, 2007, p.824-836.; REMENCHE; ROHLING, 2016REMENCHE, M. de L. R.; ROHLING, N. Prática de análise linguística e formação docente: avanços e desafios. In: OHUSCHI, M. C. G.; MENEGASSI, R. J. (Org.). Dialogismo, interação em práticas de linguagem no ensino de línguas. Castanhal: UFPA/Faculdade de Letras, 2016, p. 98-122.; RITTER, 2012RITTER, L. C. B. Práticas de leitura/análise linguística com crônicas no Ensino Médio: proposta de elaboração didática. 2012. 240 f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., OHUSCHI; PAIVA, 2020OHUSCHI, M. C. G.; PAIVA, Z. L. R. Elaboração de atividades de análise linguística: entre o conhecimento sobre a língua e a compreensão do texto. In: FUZA, A. F.; OHUSCHI, M. C. G.; MENEGASSI, R. J. (Org.). Interação e escrita no ensino de língua. Campinas: Pontes Editores, 2020, p. 119-136., dentre outras).

Ritter (2010)RITTER, L. C. B. Análise linguística no ensino fundamental. In: SANTOS, A. R. dos; RITTER, L. C. B.; MENEGASSI, R. J. Escrita e ensino. 2. Ed. Maringá: Eduem, 2010, p. 87-112. exemplifica as atividades epilinguísticas a partir da discussão sobre os efeitos de sentido do uso de um elemento linguístico-enunciativo, como no caso do pronome, no momento da leitura de um enunciado, a refletir sobre sua adequação ao gênero, aos interlocutores, à finalidade discursiva etc. Quanto às atividades metalinguísticas, a pesquisadora aponta a sistematização de conceitos e normas da língua, a possibilitar que o aluno “entenda, por exemplo, o que é um verbo, um adjetivo, e de que maneira essas categorias gramaticais funcionam e caracterizam os textos dos gêneros a serem estudados” (RITTER, 2010, p. 91RITTER, L. C. B. Análise linguística no ensino fundamental. In: SANTOS, A. R. dos; RITTER, L. C. B.; MENEGASSI, R. J. Escrita e ensino. 2. Ed. Maringá: Eduem, 2010, p. 87-112.).

Na análise linguística de perspectiva dialógica, as atividades epilinguísticas pretendem um trabalho que vá além da reflexão sobre os efeitos de sentido de determinado elemento ou recurso linguístico-enunciativo e discursivo, pois, conforme Mendes-Polato e Menegassi (2017)MENDES-POLATO, A. D.; MENEGASSI, R. J. Refratar e refletir: relações sociais e língua em práticas de análise linguística. In: FERNANDES, E. M. da F. (Org.). Gêneros do discurso: refletir e refratar com Bakhtin Campinas, SP: Pontes Editores, 2017, p. 13-44., contribuem para a ampliação da consciência socioideológica dos alunos, os quais se tornam coautores de enunciados (lidos/produzidos) mobilizados em gêneros discursivos. Na realidade, essas atividades também buscam evidenciar os valores sociais e ideológicos que há no trato com a linguagem e a língua em determinados enunciados. As atividades metalinguísticas devem suceder às epilinguísticas, em consonância com Franchi (1987)FRANCHI, C. Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 9, p. 5-45, 1987. e Geraldi (1997)GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997., e buscam desenvolver habilidades de compreensão/produção valorada do discurso. Com isto, afirmamos a necessidade de se trabalhar com todas as atividades relacionadas ao aspecto do estilo de linguagem do gênero do discurso eleito para o trabalho, não apenas com algumas delas.

Para se atingir uma abordagem valorativa a abranger todos os aspectos linguísticos do enunciado, é preciso explorar as valorações sociais que são intrínsecas à enunciação e que se refletem no material verbal que o compõe. O uso do pronome possessivo na primeira pessoa do singular (meu, minha), em Memórias Literárias, por exemplo, traz valorações sociais do sentimento de pertença que o narrador atribui ao uso desse elemento, a considerar a finalidade discursiva do enunciado, as relações históricas e ideológicas e seu envolvimento emocional frente ao que foi relatado. É um mostrar-se na pessoalidade, na individualidade do produtor do enunciado, do autor enquanto sujeito social. É a constituição do indivíduo em sociedade pela linguagem.

Observamos, portanto, uma mudança epistemológica que reflete, diretamente, na prática em sala de aula, com o trabalho relacionado à análise linguística. É sob esse viés que elaboramos as atividades de AL para o gênero discursivo Memórias Literárias4 4 O gênero Memórias Literárias, de acordo com Clara, Altenfelder e Almeida (2014), visa rememorar o passado, a integrar situações reais e ficcionais na construção do estilo do enunciado. Reflexões mais específicas sobre este gênero discursivo podem ser encontradas em: MARCUSCHI, E. A escrita do gênero memórias literárias no espaço escolar. Cadernos Cenpec. v.2. n 1, São Paulo, 2012. p. 47-73. , a contribuir para a formação de coautores-criadores que, de forma consciente, operam com e sobre a língua/linguagem, à constituição dos seus vários discursos sociais.

PROPOSTA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA AO GÊNERO MEMÓRIAS LITERÁRIAS

Nesta seção, expomos e discutimos a proposta teórico-metodológica de análise linguística de perspectiva dialógica, de forma a abordar os pronomes, por meio de atividades orientadoras de exemplificação. Ao propor a reflexão sobre o uso dos pronomes e sua valoração na construção do discurso exposto no enunciado das Memórias Literárias, além de propiciar esse uso em exercícios de escrita, as atividades possibilitam que os alunos atuem com e sobre a língua/linguagem, de forma consciente, a evidenciar seu discurso e estilo próprios, a escolher se prefere escrever em primeira ou em terceira pessoa, por exemplo, sempre a considerar o estilo do próprio gênero e, claro, suas próprias idiossincrasias como participante da sociedade.

Em complemento à primeira atividade da 3ª etapa da Oficina 5 do Caderno Se bem me lembro (CLARA; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2014, p. 58CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014.)5 5 O Caderno, em formato virtual, encontra-se disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/. , que solicita aos alunos a identificação das marcas da presença do narrador em primeira pessoa nos enunciados lidos na segunda etapa, apresentamos as atividades que seguem. Salientamos que, na segunda etapa da Oficina, são expostos apenas fragmentos de enunciados. Dessa forma, propomos a leitura de um deles, o Prólogo da obra O menino e o espelho, de Fernando Sabino, como uma atividade orientadora de exemplificação.

Nossa proposta inicia-se pelo trabalho com a leitura, uma vez que não é possível dissociar os aspectos linguístico-enunciativos e discursivos do enunciado, dos demais elementos que constituem o gênero e de seu contexto de produção. A dissociação isolaria os elementos gramaticais e incorreria em um trabalho pautado apenas na gramática tradicional. Ademais, conforme Mendes-Polato e Menegassi (2017, p. 15)MENDES-POLATO, A. D.; MENEGASSI, R. J. Refratar e refletir: relações sociais e língua em práticas de análise linguística. In: FERNANDES, E. M. da F. (Org.). Gêneros do discurso: refletir e refratar com Bakhtin Campinas, SP: Pontes Editores, 2017, p. 13-44., a análise linguística de perspectiva dialógica “é aplicada à leitura do texto, para demonstrar como ele se constitui representativo de um projeto de interlocução, cujas estratégias de dizer mobilizadas (...) refletem e refratam valores, diálogos de consciências socialmente possíveis”.

Para melhor visualização da proposta que elaboramos, sintetizamos, no Quadro 01, as atividades que a contemplam. Na primeira coluna, elencamos categorias que representam as atividades que compõem a proposta, na ordem em que as desenvolvemos e, na segunda, a descrição dessas atividades. Salientamos que as atividades que envolvem as relações sócio-histórico-ideológicas são apresentadas separadamente, por questões didáticas.

QUADRO 01
Síntese das atividades da proposta teórico-metodológica

Leitura

Para iniciar o trabalho, propomos a leitura de O menino e o homem, de Fernando Sabino, o qual constitui o Prólogo do livro O menino no espelho, do mesmo autor, lançado em 1982. Na obra, de caráter memorialístico, ao mesclar realidade e ficção, o autor conta sobre sua infância vivida na década de 1920, em Belo Horizonte – MG.

Salientamos sobre a importância de o professor levar o gênero em seu suporte original. Assim, antes da leitura, é essencial mostrar o livro aos alunos, para que o manuseiem, observem as ilustrações, os demais capítulos. Desse modo, serão instigados à leitura da obra e poderão compreender onde se insere o enunciado que terão acesso6 6 Caso haja impossibilidade de levar o livro impresso, sugerimos a opção de projetá-lo, em aparelho multimídia, a partir de sua versão online, disponível em https://onlinecursosgratuitos.com/04-livros-de-fernando-sabino-para-baixar/. .

PRÓLOGO O MENINO E O HOMEM

QUANDO chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas, penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que os vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.

E me divertia a valer quando uma nova goteira aparecia, o pessoal correndo para lá e para cá, e esvaziando as vasilhas que transbordavam. Os diferentes ruídos das gotas d’água retinindo no vasilhame, acompanhados do som oco dos passos em atropelo nas tábuas largas do chão, formavam uma alegre melodia, às vezes enriquecida pelas sonoras pancadas do relógio de parede dando horas.

Passado o temporal, meu pai subia ao forro da casa pelo alçapão, o mesmo que usávamos como entrada para a reunião da nossa sociedade secreta. Depois de examinar o telhado, descia, aborrecido. Não conseguia descobrir sequer uma telha quebrada, por onde pudesse penetrar tanta água da chuva, como invariavelmente acontecia. Um mistério a mais, naquela casa cheia de mistérios.

O maior, porém, ainda estava por se manifestar.

NAQUELE dia, assim que a chuva passou, fui como sempre brincar no quintal. Descalço, pouco me incomodando com a lama em que meus pés se afundavam, gostava de abrir regos para que as poças d’água, como pequeninos lagos, escorressem pelo declive do terreiro, formando o que para mim era um caudaloso rio. E me distraía fazendo descer por ele barquinhos de papel, que eram grandes caravelas de piratas.

Desta vez, o que me distraiu a atenção foi uma fila de formigas a caminho do formigueiro, lá perto do bambuzal, e que o rio aberto por mim havia interrompido. As formiguinhas iam até a margem e, atarantadas, ficavam por ali procurando um jeito de atravessar. Encostavam a cabeça umas nas outras, trocando idéias, iam e vinham, sem saber o que fazer. Algumas acabavam tão desorientadas com o imprevisto obstáculo à sua frente que recuavam caminho, atropelando as que vinham atrás e estabelecendo na fila a maior confusão.

Do outro lado, entre as que já haviam passado, reinava também certa confusão. Enquanto as que iam mais à frente prosseguiam a caminhada até o formigueiro, sem perceber o que acontecia à retaguarda, as ainda próximas do rio ficavam indecisas, indo e vindo por ali, junto à margem, pensando uma forma qualquer de ajudar as outras a atravessar.

Resolvi colaborar, apelando para os meus conhecimentos de engenharia. Em poucos instantes construí uma ponte com um pedaço de bambu aberto ao meio, e procurei orientar para ela, com um pauzinho, a fila de formigas.

Estava empenhado nisso, quando senti que havia alguém em pé atrás de mim. Uma voz de homem, que soou familiar aos meus ouvidos, perguntou:

— Que é que você está fazendo?

Sem me voltar, tão entretido estava com as formigas, expliquei o que se passava. Logo consegui restabelecer o tráfego delas, recompondo a fila através da ponte. O homem se agachou a meu lado, dizendo que várias formigas seguiam por um caminho, uma na frente de duas, uma atrás de duas, uma no meio de duas. E perguntou:

— Quantas formigas eram?

Pensei um pouco, fazendo cálculos. Naquele tempo eu achava que era bom em aritmética: uma na frente de duas faziam três; uma atrás de duas eram mais três; uma no meio de duas, mais três.

— Nove! — exclamei, triunfante.

Ele começou a rir e sacudiu a cabeça, dizendo que eram apenas três, pois formiga só anda em fila, uma atrás da outra.

Então perguntei a ele o que é que cai em pé e corre deitado.

— Cobra? — ele arriscou, enrugando a testa, intrigado. Foi a minha vez de achar graça:

— Que cobra que nada! É a chuva e comecei a rir também.

— Você sabe o que é que caindo no chão não quebra e caindo n’água quebra?

— Sei: papel.

Gostei daquele homem: ele sabia uma porção de coisas que eu também sabia. Ficamos conversando um tempão, sentados na beira da caixa de areia, como dois amigos, embora ele fosse cinqüenta anos mais velho do que eu, segundo me disse. Não parecia. Eu também lhe contei uma porção de coisas. Falei na minha galinha Fernanda, nos milagres que um dia andei fazendo, e de como aprendi a voar como os pássaros, e a minha aventura de escoteiro perdido na selva, as espionagens e investigações da sociedade secreta Olho de Gato, o sósia que retirei do espelho, o Birica, valentão da minha escola, o dia em que me sagrei campeão de futebol, o meu primeiro amor, o capitão Patifaria, a passarinhada que Mariana e eu soltamos. Pena que minha amiga não estivesse por ali, para que ele a conhecesse. Levei-o a ver o Godofredo em seu poleiro:

— Fernando — berrou o papagaio, imitando mamãe: — Vem pra dentro, menino! Olha o sereno!

Hindemburgo apareceu correndo, a agitar o rabo. Para surpresa minha, nem o homem ficou com medo do cachorro nem este o estranhou; parecia feliz, até lambeu-lhe a mão. Depois mostrei-lhe o Pastoff no fundo do quintal, mas o coelho não queria saber de nós, ocupado em roer uma folha de couve.

O homem disse que tinha de ir embora — antes queria me ensinar uma coisa muito importante:

— Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da sua vida?

— Quero — respondi.

O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos:

— Pense nos outros.

Na hora achei esse segredo meio sem graça. Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir. Mas que sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo fazendo-me feliz como um menino.

O homem se curvou para me beijar na testa, se despedindo:

— Quem é você? — perguntei ainda.

Ele se limitou a sorrir, depois disse adeus com um aceno e foi-se embora para sempre.

Fernando Sabino, O menino no espelho. 59.ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 13-18SABINO, F. O menino no espelho. 59. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 13-18..

Após a leitura do enunciado, é imprescindível haver uma discussão oral e/ou escrita a seu respeito, a fim de levar os alunos a sua compreensão. Sugerimos alguns aspectos importantes a serem contemplados, entre muitos outros possíveis:

  • - Como era o “festival de goteiras” e o que isso significava para o narrador;

  • - Como se caracteriza a ação entre os familiares diante desse fato;

  • - Que aspectos e objetos caracterizam a casa, da década de 1920, e como são mostrados pelo narrador;

  • - Como eram as brincadeiras e como o narrador as relata, que sentimentos demonstra;

  • - Por que o narrador se solidariza com as formigas;

  • - Qual é a importância, para o narrador, da conversa com o homem adulto que se aproximou;

  • - Sobre o homem, é importante instigá-los a pensar se seria real ou imaginário e levá-los a levantar hipóteses sobre quem seria (esta também pode ser uma excelente oportunidade para instigá-los à leitura da obra, já que tal revelação é feita ao final do livro);

  • - Qual poderia ser a razão de o homem e o cachorro não terem se estranhado (inferências);

  • - O que significa o segredo contado pelo homem e qual a reflexão que o narrador faz ao relacioná-lo a sua vida adulta;

  • - O que pode significar, para o narrador, o fato de o homem ter ido embora para sempre;

  • - O porquê do título.

A proposta trabalha com a AL no momento da leitura, em que incide a coprodução de sentidos do enunciado propiciada pela mobilização dos recursos linguístico-expressivos (PERFEITO, 2005PERFEITO, A. M. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de Língua Portuguesa. In: SANTOS, A. R.; RITTER, L. C. B. (Org.). Concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa. Maringá: EDUEM, 2005. p. 27-79.), a partir da qual é possível compreender os aspectos da situação enunciativa e da subjetividade do locutor/autor do enunciado, que se manifesta como sujeito (RITTER, 2012RITTER, L. C. B. Práticas de leitura/análise linguística com crônicas no Ensino Médio: proposta de elaboração didática. 2012. 240 f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.). Essa compreensão acarreta, no leitor, uma atitude responsiva que se reelabora constantemente, uma vez que “(...) toda compreensão é prenhe de resposta” (BAKHTIN, 2003 [1953], p. 271BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979], p. 261-306.).

Desse modo, inicia-se o trabalho dialógico com o enunciado, a partir de atividades de compreensão responsiva, em que: a) partimos da leitura, na íntegra, uma vez que a apresentação apenas de fragmentos textuais não permitem a compreensão da dimensão social do enunciado; b) recomendamos a apresentação de seu suporte original, haja vista que mostra como o enunciado circula na sociedade; c) sugerimos uma discussão oral e/ou escrita, para a compreensão e a interpretação da leitura e da avaliação da compreensão textual.

Relações sócio-histórico-ideológicas

Com o intuito de contribuir para a construção do universo discursivo dos alunos, é imprescindível leválos à compreensão das relações sócio-histórico-ideológicas que constituem o discurso do enunciado trabalhado. Separamos sua apresentação por questões didáticas.

Relações sociais

Em O menino e o homem, as relações sociais estão vinculadas à convivência familiar, à solidariedade, ao respeito aos mais velhos e contribuem para a construção social do indivíduo. Os “outros”, com quem o menino se relaciona (irmãos, pais, homem misterioso), são representantes da cultura, das normas e das práticas sociais das quais participam. Outros aspectos são necessários para a compreensão dessas relações e do contexto de produção do enunciado em estudo: papel social do autor, interlocutores, finalidade discursiva, esfera de comunicação, suporte de veiculação do enunciado. Para contemplá-los, elaboramos as seguintes atividades:

I. O contexto de produção

a) Fernando Sabino foi escritor e jornalista, mineiro, muito reconhecido e vencedor de prêmios importantes. Faça uma pesquisa, na internet, sobre a vida do autor e sua carreira. Em seguida, responda:

Ao levar em consideração a trajetória profissional de Fernando Sabino, assinale a(s) alternativa(s) que demonstre(m) o papel social do autor, ou seja, a sua importância na sociedade, ao escrever seus textos:

  • ( ) contribuir para a disseminação (expansão) da literatura.

  • ( ) divulgar fatos, notícias nos jornais.

  • ( ) levar conhecimento às pessoas.

  • ( ) tornar eternas suas ideias, histórias, imaginações.

b) Quais seriam os possíveis leitores da obra “O menino e o espelho”, em que o texto está inserido?

c) Que finalidade(s) o autor poderia ter ao escrever o texto “O menino e o homem”?

  • ( ) Contar as peripécias de menino, demonstrando a afetividade para com aquela época.

  • ( ) Mostrar a necessidade de a criança ter alguém para compartilhar suas histórias.

  • ( ) Contribuir para a formação social da criança, ao levá-la a refletir sobre “pensar nos outros”.

  • ( ) Demonstrar que não tem nenhum sentimento para com os fatos do passado.

d) Qual(is) esfera(s) de comunicação em que o texto se insere?

  • ( ) Jornalística.

  • ( ) Literária.

  • ( ) Publicitária.

  • ( ) Escolar.

e) Em qual(is) suporte(s) de circulação o texto foi publicado (revista, jornal, livro impresso, internet)? Qual é a sua importância? Esse(s) suporte(s) abrange(m) um grande número de pessoas? Faça um comentário por escrito, empregando a primeira pessoa do singular (eu) com os pronomes necessários, sobre a importância de se conhecer o suporte textual do texto lido, a expressar sua opinião. Lembre-se que o intuito aqui é produzir um texto em primeira pessoa, para já exercitar o modo de discurso do gênero memórias, que em breve será produzido.

A concepção dialógica do Círculo de Bakhtin se caracteriza pelo aspecto social da linguagem, ou seja, por sua visão social, histórica, ideológica e valorativa. Em contexto de ensino da língua, ao compreender a configuração axiológica dessas relações, separadas didaticamente na proposta, o aluno amplia sua consciência socioideológica e produz respostas ativas.

Para compreender as relações sociais, primeiramente, é necessária a compreensão dos aspectos suscitados pela leitura do enunciado, tais como convivência familiar, solidariedade, respeito aos mais velhos, cultura, normas e práticas sociais.

Em seguida, é preciso entender os aspectos do contexto de produção do enunciado, já que a “situação social mais próxima e o ambiente social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, de dentro, a estrutura do enunciado” (VOLÓCHINOV, 2017[1929], p. 206VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Portanto, para contribuir para a construção da consciência socioideológica dos alunos, é fundamental saber sobre: o locutor e o interlocutor, isto é, “os parceiros da enunciação e suas apreciações valorativas sobre o tema e a parceria; seus papéis sociais; suas relações hierárquicas e interpessoais” (RITTER, 2010RITTER, L. C. B. Análise linguística no ensino fundamental. In: SANTOS, A. R. dos; RITTER, L. C. B.; MENEGASSI, R. J. Escrita e ensino. 2. Ed. Maringá: Eduem, 2010, p. 87-112.); a finalidade discursiva (a apreciação valorativa do locutor); a esfera de comunicação; o suporte de circulação.

Além de propiciar a reflexão sobre tais aspectos, que auxiliará na compreensão dos efeitos de sentido e de valor do foco narrativo e das marcas da presença do narrador em primeira pessoa no enunciado, a atividade referente ao contexto de produção traz um exercício de escrita, ao solicitar a produção do gênero escolar comentário, a utilizar a primeira pessoa. Esse exercício inicia o processo de construção da escrita, que se desenvolve ao longo das atividades da proposta. O processo ocorre de forma contínua, a partir do uso de pronomes em produções de gêneros escolares definidos - comentário, resposta discursiva/argumentativa e relato - importantes e necessários à aprendizagem escolar. Ao possibilitar o desenvolvimento de maior fluidez no emprego dos pronomes, tem o intuito de dar suporte à produção do gênero Memórias Literárias, proposta nas oficinais finais da SD do Caderno Se bem me lembro, da OLP, em que o aluno precisará escrever um enunciado em primeira pessoa, ao assumir a voz do entrevistado, conforme exigido no material do Programa (CLARA; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2014CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014.). Esta atividade é um diferencial para a análise linguística de perspectiva dialógica, pois não fica restrita apenas à compreensão dos aspectos de estilo pelas atividades de leitura, mas os coloca em uso, em situação de escrita.

O comando da atividade define: a) o gênero a ser produzido – “Faça um comentário por escrito”; b) o que dizer – “sobre a importância de se conhecer o suporte textual do enunciado lido, a expressar sua opinião”; c) como dizer – “empregando a primeira pessoa do singular (eu) com os pronomes necessários”; d) o objetivo – “Lembrese que o intuito aqui é produzir um texto em primeira pessoa, para já exercitar o modo de discurso do gênero memórias, que em breve será produzido”. Nesse momento, como são exercícios de escrita e não a produção textual final, o professor se configura como interlocutor/mediador.

Como notamos, a atividade se insere nos princípios do dialogismo. Tem-se uma produção de menor extensão que evolui, aos poucos, para se chegar à produção de Memórias Literárias, num processo de trabalho com a escrita (MENEGASSI, 2016MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: JORDÃO, C. M. A Linguística Aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016, p. 193-230.): o discente inicia com a produção de um comentário e, no decorrer das atividades, passa para a produção de respostas discursivas/argumentativas, em que precisará dar opinião, concluir, explicar, em seguida, produz relato escrito sobre o trabalho desenvolvido com os pronomes, para, ao final, produzir o enunciado de Memórias Literárias. O comando dessa produção determina um gênero da esfera escolar, em contexto e condições de produção definidos, com nível de consciência marcado linguisticamente pelo emprego da 1ª pessoa na produção escrita. Um ato interativo consciente e responsável que propicia a elaboração de respostas ativas.

Relações históricas

A reflexão sobre as relações históricas do enunciado leva em conta: a) o momento histórico em que se passa a história resgatada no enunciado (1920), época do início da industrialização, de movimentos artísticos, além de como eram os costumes, a cultura da época;

b) o momento histórico atual, comparando-o com o anterior.

II. As relações históricas

  • a) Observe, no texto, quais os aspectos ou elementos linguísticos que podem representar que a história se passa em outra época e não em tempos atuais.

  • b) Após, em grupos, pesquise sobre o momento em que se passa a história contada no texto (1920), o que acontecia de importante naquela época no Brasil e no estado de Minas Gerais (onde se passa a história). Investigue, ainda, sobre como eram os costumes e a cultura dessa época.

  • c) E hoje, qual o momento histórico se vive? Quais os costumes e a cultura atuais? Compare as semelhanças e diferenças do tempo atual (em que estamos lendo o texto), com o tempo em que se passa a história. Em seguida, produza um comentário escrito sobre essas semelhanças e diferenças, informando o que, na sua opinião, era melhor naquela época e o que é melhor agora. Utilize os pronomes em primeira pessoa do singular, para lhe permitir manifestar sua opinião.

No que concerne às relações históricas, as atividades consideram o momento histórico em que se passa a história resgatada no enunciado de Memórias Literárias, além de uma comparação com o momento, costumes e cultura atuais. Assim, por meio da interação com cada momento histórico definido, os alunos refletem sobre os valores relacionados à temática do enunciado, aos parceiros e aos objetivos da enunciação, a contribuir para a construção do universo discursivo dos alunos.

Ao dar sequência ao processo contínuo de construção da escrita, conforme explicamos anteriormente, a atividade também propõe um exercício de escrita, a partir de um gênero escolar, em que o aluno utiliza os pronomes em primeira pessoa para expressar sua opinião.

Relações ideológicas

No tocante às relações ideológicas, a considerar-se a pesquisa histórica realizada e as limitações da faixaetária, é importante elencar:

a) as ideologias marcadas a partir das relações sociais e históricas estabelecidas na época em que se passa a história do enunciado: a ideologia conservadora, ligada à manutenção dos valores morais e sociais; a ideologia revolucionária pela qual passavam a cultura e a arte;

b) as valorações específicas da situação de comunicação do enunciado, dialogando com outras já existentes, como a afetividade do narrador ao relatar a época em que viveu sua infância, a solidariedade entre os familiares, no momento da chuva, o respeito aos mais velhos - relacionando com a sociedade atual.

III. As relações ideológicas

a) A partir das pesquisas realizadas sobre o momento histórico em que se passa a história do texto e, com a ajuda do professor, assinale a(s) alternativa(s) que mostre(m) as ideias ou pensamentos que estavam presentes na época em que se passa a história do texto (década de 1920).

  • ( ) A democracia, a partir da participação dos cidadãos na vida política.

  • ( ) O conservadorismo, ligado à manutenção dos valores morais e sociais, sobretudo no âmbito familiar.

  • ( ) A ideologia revolucionária pela qual passavam a cultura e a arte.

  • ( ) A ideologia socialista, sendo introduzida pelos operários imigrantes europeus.

b) Discuta, em pequenos grupos, sobre os valores apresentados no texto, como a afetividade do narrador ao relatar a época em que viveu sua infância; a solidariedade entre os familiares, no momento da chuva; o respeito aos mais velhos, relacionando-os com a sociedade atual.

d) Um dos valores discutidos na questão anterior é a afetividade do narrador ao relatar a época de sua infância. Observe o trecho a seguir, do 22º parágrafo do texto, em que estão destacados os pronomes em primeira pessoa e, em seguida, explique de que forma eles demonstram a afetividade do narrador.

“Falei da minha galinha Fernanda, nos milagres que um dia andei fazendo, e de como aprendi a voar como os pássaros, e a minha aventura de escoteiro perdido na selva, as espionagens e investigações da sociedade secreta Olho de Gato, o sósia que retirei do espelho, o Birica, valentão da minha escola, o dia em que me sagrei campeão de futebol, o meu primeiro amor, o capitão Patifaria, a passarinhada que Mariana e eu soltamos. Pena que minha amiga não estivesse por ali, para que ele a conhecesse”.

A compreensão das relações sociais, históricas e ideológicas, aliada à produção de sentidos do enunciado, contribui para a formação do universo discursivo dos estudantes, já que, conforme Bakhtin (1988 [1975])BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp; Hucitec, 1988 [1975]., os enunciados se estabelecem por meio de relações cronotópicas e os sujeitos se constituem pelas condutas sociais fomentadas pela espacialidade e temporalidade social representadas. A solicitação do uso de pronomes em primeira pessoa, nos exercícios de escrita, em I-f e II-c, dá início a um processo que se constitui no decorrer da proposta e visa a colaborar para a produção escrita final do gênero Memórias Literárias, solicitada na SD da OLP Além disso, a observação do uso dos pronomes em primeira pessoa e sua relação com a afetividade do narrador, em III-d, inicia o processo de compreensão dos efeitos de sentido dos pronomes, no enunciado, que tem sequência nas próximas atividades.

O trabalho com pronomes e o foco narrativo

No enunciado em estudo, há três classes gramaticais definidas que marcam, linguisticamente, o narrador: pronomes, verbos e adjetivos. Nesta proposta de trabalho, possibilitamos que o aluno observe essas marcas, porém delimitamos uma delas para um trabalho mais aprofundado, os pronomes. Os pronomes conduzem à construção do discurso do narrador, ao manifestar seu posicionamento axiológico frente à temática apresentada, a evidenciar, por exemplo, marcas pessoais e afetividade para com o tempo de sua infância, no caso do enunciado em estudo, uma vez que a entonação é o próprio enunciado, em seu todo, carregado de expressividade (VOLÓCHINOV, 2017[1929]VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Além disso, o aluno já emprega, no seu cotidiano, o pronome em primeira pessoa, agora, faz atividades em que o uso é adequado a um gênero determinado na escrita.

IV) Releia o texto “O menino e o espelho”, agora para observar as marcas da presença do narrador em primeira pessoa. Há, no texto, elementos linguísticos que caracterizam esse tipo de narrador, como os pronomes, os verbos e os adjetivos, a demonstrar suas marcas de pessoalidade, afetividade e, sobretudo, seu posicionamento valorativo.

Nesse momento, o estudo será, especificamente, sobre o pronome, que, de forma geral, é o termo que substitui um nome (um substantivo), ou se refere a ele, ou o acompanha, qualificando-o de algum modo, de forma a conduzir o discurso do narrador.

Retome os cinco primeiros parágrafos do texto e circule os pronomes que marcam o narrador em primeira pessoa, ou seja, o foco narrativo. Na sequência, escolha dois diferentes pronomes circulados e responda à questão “quais pronomes você escolheu e por que os destacou no texto?” Para sua resposta, empregue o pronome na primeira pessoa (eu) e circule todos os pronomes usados na sua resposta escrita.

Depois disso, reescreva sua resposta trocando o pronome pela primeira pessoa do plural (nós), o que alterará o foco discursivo do seu texto. Em seguida, também circule os pronomes ali apresentados.

Na sequência, compare o que mudou nas duas respostas escritas, com os pronomes diferentes, e escolha qual delas mais lhe agradou. Isso o ajudará a definir o foco discursivo que utilizará na escrita do seu texto final de Memórias Literárias e a ter mais segurança no emprego dos pronomes.

A identificação dos pronomes que conferem a primeira pessoa ao narrador é importante porque permite que o aluno inicie um processo de atribuição de valor às palavras. A atividade leva o aluno a construir uma resposta discursiva/argumentativa (gênero discursivo escolar), usando duas formas discursivas, para poder realizar a comparação e perceber a contribuição dos pronomes na construção do foco discursivo. Trata-se de mais um exercício de escrita com contexto escolar definido, que dará suporte à produção do enunciado de Memórias Literárias. Ademais, a escolha pela forma de escrita que mais o agradou possibilita a valoração do uso da linguagem, refrata e reflete seu modo de vida e contribui para a formação de seu estilo próprio de escrita, a partir dos gêneros discursivos indicados para produção.

V) Retome os dois primeiros parágrafos do texto, observe as marcas da presença do narrador em primeira pessoa que foram destacadas na atividade anterior: “Quando chovia no meu tempo de menino; “Os velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão”; “E me divertia a valer”.

Qual é a importância do uso dessas marcas para a produção de sentidos do texto?

Para responder à questão, retome as reflexões realizadas nas atividades anteriores, atentando, por exemplo, para: os objetivos que o autor pretende atingir junto a seus leitores; o valor que os fatos têm para o autor (que também é narrador do texto); o momento histórico em que se passa a história etc.

A questão contempla os aspectos epilinguísticos, pois leva os estudantes à reflexão sobre o efeito de sentido do pronome possessivo “meu”, em “Quando chovia, no meu tempo de menino, do pronome pessoal de caso reto “eu”, em “Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão” e do pronome pessoal do caso oblíquo átono “me”, em “E me divertia a valer”. Para realizar a reflexão, é preciso associar o conteúdo do enunciado ao seu contexto de produção, o que contribui para a construção da consciência socioideológica dos sujeitos, ao assumirem o papel de coautores do enunciado (POLATO; MENEGASSI, 2017POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. O estilo verbal como o lugar dialógico e pluridiscursivo das relações sociais: um estatuto dialógico para a análise linguística. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, p. 123-143, 2017.).

Desse modo, nesse momento, os alunos entenderão o sentimento de pertença que o narrador atribui ao uso do pronome possessivo, de modo a levar em consideração a finalidade discursiva do enunciado, as relações históricas e ideológicas do momento em que se passa a história e do momento em que o enunciado foi escrito (já sendo o autor adulto) e o seu envolvimento emocional mediante os fatos relatados, característica específica do foco narrativo em primeira pessoa.

Quanto ao pronome pessoal do caso reto, é importante que os alunos, ao considerarem também o contexto de produção textual, percebam por que o narrador, nesse momento, toma para si o discurso, por exemplo, em meio à confusão posta, todos correndo para aparar as goteiras, os mais velhos se aborreciam e ele toma para si o discurso, alegando não entender a razão, ao assumir-se como sujeito da situação, do enunciado, da oração. No que se refere ao pronome pessoal oblíquo átono, é importante que o aluno perceba, neste caso, o caráter reflexivo, isto é, a ação praticada pelo narrador (divertir-se) reflete nele mesmo, é voltada para ele próprio, a marcar, também o foco narrativo.

Após o aluno perceber os diversos tipos de pronomes que marcam a presença do narrador em primeira pessoa no enunciado, pronomes pessoais do caso reto, pronomes pessoais oblíquos átonos e tônicos, pronomes possessivos, é importante um estudo mais aprofundado sobre cada um deles, a buscar o trabalho com a metalinguagem. Nesse sentido, logo após a questão V, recomendamos que se explicite, aos alunos, a nomenclatura, a função e exemplos de pronomes pessoais retos, pronomes pessoais oblíquos - átonos e tônicos - e pronomes possessivos, não apresentados, aqui, em razão do espaço deste artigo. Dessa forma, o trabalho com a metalinguagem se insere no interior do trabalho maior, ou seja, não é o único, nem o primeiro a ser realizado no processo de ensino e aprendizagem da língua, mas é necessário. Salientamos a importância de os exemplos apresentados serem relacionados à temática e ao gênero discursivo a que pertence o enunciado em estudo, para que estabeleçam diálogo com o que vem sendo abordado no decorrer das atividades.

A partir daqui, detemo-nos às questões que tratam, especificamente, sobre os pronomes pessoais retos, em função do espaço deste artigo.

VI) Retorne ao texto e releia o 22º parágrafo, que se localiza logo após o diálogo do menino com o homem misterioso. Quais são os pronomes pessoais do caso reto que aparecem nesse parágrafo? Por que, nesse momento da narrativa, aparecem dois diferentes pronomes pessoais retos? Qual é a importância do uso desses pronomes para a produção de sentidos e de valor do texto?

VII) Ainda sobre o 22º parágrafo, atente, agora, para os pronomes pessoais retos que marcam o foco narrativo, isto é, a presença do narrador em primeira pessoa:

  1. “ele sabia uma porção de coisas que eu também sabia”;

  2. “embora ele fosse cinqüenta anos mais velho do que eu”;

  3. “Eu também lhe contei uma porção de coisas”;

  4. “a passarinhada que Mariana e eu soltamos”.

a) O pronome pessoal reto “eu” está sendo utilizado da mesma forma nas quatro orações, ou seja, ele exerce a mesma função em todas elas? Por quê?

b) Na língua portuguesa, de acordo com Bechara (2009)BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009., normalmente, a ordem dos pronomes pessoais sujeitos é facultativa, mas, em algumas circunstâncias, é possível invertê-la, “dando a primazia da primeira referência ao seu interlocutor, quer manifestado por pronome, quer por substantivo” (BECHARA, 2009, p. 175BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.).

Observe a posição em que foi empregado o pronome “eu” no quarto exemplo. Se você tivesse contando a história, ou se falasse algo que foi feito em conjunto, por você e por um(a) amigo(a), como utilizaria esse pronome? Ele viria antes ou depois do nome do seu(sua) amigo(a)? Por quê? Que valores estão agregados ao fato de o narrador ter deixado a primeira pessoa por último?

A atividade VI permite que os alunos atentem para o uso dos pronomes pessoais retos em primeira e em terceira pessoa do singular e observem sua importância nesse momento da narrativa, em que o narrador conta sobre sua conversa com o homem misterioso. O narrador demonstra sua satisfação em poder compartilhar com alguém mais velho os mesmos gostos e, portanto, recorre a esses recursos para se assumir enquanto sujeito e para se referir ao novo amigo. A atividade configura-se como epilinguística, pois permite a reflexão sobre o efeito de sentido dos pronomes no enunciado.

De forma progressiva, a atividade VII delimita o olhar para os pronomes que marcam o foco narrativo em primeira pessoa e configura-se como metalinguística, sendo antecedida pela questão epilinguística, conforme ensina Geraldi (1997)GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.. Em a) da questão VII, mesmo não sendo, nesse momento, o objetivo pelo estudo da sintaxe, é importante que os alunos percebem que, no segundo exemplo, o pronome “eu” não é o sujeito que pratica a ação, como nos demais, o que leva à reflexão sobre a estrutura da língua, fato necessário no desenvolvimento do trabalho.

Em VII-b), promove-se a reflexão sobre o funcionamento da língua, de forma específica, sobre a posição do pronome “eu” no sujeito composto e a questão de adequação à situação de comunicação. Nesse sentido, é fundamental discutir com os estudantes sobre: 1) a regra de uso da ordem dos pronomes pessoais, que se apresenta de forma facultativa (BECHARA, 2009BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.); 2) a possibilidade de cordialidade, no uso da língua, ao se deixar a primeira pessoa por último, no caso de sujeito composto, quando o que se declara é algo agradável; 3) a possibilidade de cordialidade, no uso da língua, ao se deixar a primeira pessoa no início, no caso de sujeito composto, quando o que se declara é algo desagradável; 3) a forma mais ou menos adequada de acordo com a situação de comunicação; 4) a questão de o autor primar pela forma mais cordial, devido às condições de produção do enunciado.

VIII) Como já visto, no texto, o menino é o narrador-personagem e o foco narrativo está em primeira pessoa, ou seja, ele conta sua história nessa pessoa. Releia o trecho que segue, para realizar as atividades propostas:

“Gostei daquele homem: ele sabia uma porção de coisas que eu também sabia. Ficamos conversando um tempão, sentados na beira da caixa de areia, como dois amigos, embora ele fosse cinqüenta anos mais velho do que eu (...)”

a) Reescreva o trecho, invertendo os papéis, agora o narrador em primeira pessoa é o homem misterioso e o menino é o personagem. O início será assim: “Aquele menino gostou de mim: (...)”. Atente para a mudança dos pronomes pessoais e faça as devidas adequações e conjugações verbais. Lembre-se de que o valor da memória do momento em que eles estão juntos não pode sofrer alteração.

b) Reescreva novamente o trecho, mas agora você é o narrador-observador e ambos, o menino e o homem, são os personagens. O foco narrativo, desta vez, será em terceira pessoa do singular (ELE). O início será assim: “O menino gostou daquele homem: (...)”. Atente para a mudança dos pronomes pessoais e faça as devidas adequações e conjugações verbais. Tome cuidado para que as orações não fiquem confusas, ao utilizar duas vezes o mesmo pronome. O leitor precisa saber de quem está falando (do menino ou do homem). Assim, quando necessário, substitua um dos pronomes pelo substantivo “menino” ou “homem”. Outro ponto a se lembrar: o valor da memória do momento deve permanecer.

c) Produza um relato desse trabalho efetuado com as mudanças de foco narrativo, em que escreva suas conclusões sobre as alterações realizadas em a) e b), comparando-as com o trecho retirado do texto. Explique os efeitos de sentido e de valor que ocorrem em cada caso, a partir do seu ponto de vista e do ponto de vista da gramática normativa. Neste relato, empregue o pronome escolhido por você.

A atividade 8 possibilita o desenvolvimento gradual da escrita, ao propor que o aluno inverta os papéis entre narrador e personagem – questão a) – e se coloque no lugar de narrador-observador, escrevendo o trecho em terceira pessoa – questão b) –. Assim, ele realiza pequenas produções, em primeira e em terceira pessoa, preparando-se para a produção final do enunciado de Memórias Literárias. A questão c) possibilita a reflexão sobre os efeitos de sentido e a valoração das mudanças do foco narrativo, já pensando na produção inicial de um relato de experiência produzida, no caso, as mudanças textuais e comparações.

As atividades voltadas ao estudo dos pronomes se dispõem de forma encadeada e progressiva, primando à elaboração de respostas ativas dos estudantes. Partem de representações das relações sócio-histórico-ideológicas do enunciado do gênero Memórias Literárias, estudadas anteriormente. A questão axiológica e a produção escrita – considerada aqui como um exercício escolar que evolui para a produção do gênero – perpassam todas as atividades da proposta elaborada. A primeira permite a reflexão sobre o valor do uso dos pronomes, nos enunciados de memórias em estudo, para marcar o foco narrativo em primeira pessoa. A segunda contribui, de forma gradativa, para o uso desses recursos na produção textual de Memórias Literárias, solicitada ao final da SD da OLP

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta elaborada parte de uma abordagem valorativa da linguagem, a ancorar-se no trabalho com “aspectos linguístico-enunciativos e discursivos em enunciados mobilizados em gêneros discursivos, que mira, em primeiro plano, a compreensão do discurso” (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017, p. 15MENDES-POLATO, A. D.; MENEGASSI, R. J. Refratar e refletir: relações sociais e língua em práticas de análise linguística. In: FERNANDES, E. M. da F. (Org.). Gêneros do discurso: refletir e refratar com Bakhtin Campinas, SP: Pontes Editores, 2017, p. 13-44.), para colaborar com a formação de alunos responsivos. Nesse sentido, a proposta teórico-metodológica elaborada:

  • Favorece a compreensão da influência que os aspectos sociais, históricos e ideológicos têm sobre o enunciado, principalmente por meio da escolha dos pronomes, ao entender os efeitos de sentido e o valor que está agregado a essa escolha;

  • Trabalha de forma paralela com habilidades epilinguísticas e metalinguísticas no estudo de pronomes, a contribuir, respectivamente, para a construção da consciência socioideológica e para a compreensão/produção valorada do discurso dos alunos-sujeitos;

  • Contempla a questão axiológica, ao possibilitar a atribuição de valor às palavras, ao solicitar a identificação dos pronomes, ao uso e à construção deles para os sentidos do enunciado, à alteração realizada na produção escrita. Assim, o pronome ganha valor discursivo, pois não é trabalhado como um mero elemento gramatical, mas como um elemento linguístico-enunciativo-discursivo carregado de sentido e de valor;

  • Permite, aos alunos-sujeitos, o uso gradativo dos pronomes, ao longo do trabalho, com a finalidade de desenvolver maior fluidez no emprego desse recurso, podendo também escolher o foco narrativo em suas produções, o que suscita a formação de coautores-criadores com estilo próprio que atuam com e sobre a língua, de forma consciente.

Dessa forma, os pronomes constituem aspecto do estilo verbal de alguns gêneros discursivos e determinam o foco narrativo e discursivo do enunciado que integra a proposta, materializado no gênero Memórias Literárias, a refletir as axiologias que emergem das relações sociais, históricas e ideológicas. Nesse sentido, as atividades elaboradas, em complemento às atividades do Caderno Se bem me lembro (CLARA; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2014CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014.), da OLP, demonstram que o estilo se configura nos usos da língua e nas relações dialógicas estabelecidas. Em decorrência, propõem o ensino de pronomes que marcam a presença do narrador nos enunciados, por meio de uma abordagem valorativa da linguagem, que contribui para a construção de sua consciência socioideológica e, consequentemente, a elaboração de respostas ativas, a refratar e refletir seu modo de vida pelos discursos produzidos em situação de ensino de língua.

  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
    Não há dados públicos utilizados na pesquisa.
  • 1
    Utilizamos a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) por ser a mais recorrente no contexto de ensino e aprendizagem da LP. Dessa forma, conscientes das noções de dêixis e elementos dêiticos empregadas pela Linguística e pela Linguística Aplicada, optamos pelo tratamento do vocábulo “pronome”, em função do contexto de produção e da proposta de trabalho aqui exarada, isto é, a sala de aula de Ensino Fundamental.
  • 2
    Trata-se de um Programa do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação Itaú Social, sob a coordenação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), que objetiva contribuir para a melhoria do ensino da leitura e da escrita nas escolas públicas brasileiras. Maiores informações são encontradas no Portal da OLP, em www.escrevendoofuturo.org.br.
  • 3
    Optamos por um gênero da esfera literária por ser muito próxima dos professores, no trabalho com a LP. Nesse sentido, vale ressaltar o fato de diversos gêneros dessa esfera (poemas, conto de fadas, fábulas etc.) terem sempre circulado no universo escolar, mesmo antes da disseminação do trabalho com os gêneros no processo de ensino e aprendizagem da LP.
  • 4
    O gênero Memórias Literárias, de acordo com Clara, Altenfelder e Almeida (2014)CLARA, R. A.; ALTENFELDER, A. H.; ALMEIDA, N. Se bem lembro...: caderno do professor: orientação para a produção de textos. 4. ed. São Paulo: Cenpec (Coleção da Olimpíada), 2014., visa rememorar o passado, a integrar situações reais e ficcionais na construção do estilo do enunciado. Reflexões mais específicas sobre este gênero discursivo podem ser encontradas em: MARCUSCHI, E. A escrita do gênero memórias literárias no espaço escolar. Cadernos Cenpec. v.2. n 1, São Paulo, 2012. p. 47-73.
  • 5
    O Caderno, em formato virtual, encontra-se disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/.
  • 6
    Caso haja impossibilidade de levar o livro impresso, sugerimos a opção de projetá-lo, em aparelho multimídia, a partir de sua versão online, disponível em https://onlinecursosgratuitos.com/04-livros-de-fernando-sabino-para-baixar/.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2023
  • Aceito
    07 Nov 2023
  • Publicado
    09 Nov 2023
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