Acessibilidade / Reportar erro

SHIRLEY JACKSON, KAZUO ISHIGURO E O PÚBLICO LEITOR GEEK: ASPECTOS CONDICIONANTES DE MARCAS DE ORALIDADE EM TRADUÇÕES DE FICÇÃO DE GÊNERO E DE FICÇÃO LITERÁRIA1 1 Agradecimentos: Sou imensamente grato à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por auxílio concedido a esta pesquisa (Processo 19/01783-5: “As identidades da variação linguística representada em obras da alta literatura e em best-sellers de ficção popular”).

SHIRLEY JACKSON, KAZUO ISHIGURO AND THE GEEK READERSHIP: CONDITIONING ASPECTS OF ORALITY MARKERS IN TRANSLATIONS OF GENRE FICTION AND LITERARY FICTION

RESUMO

Este artigo apresenta uma pesquisa sobre marcas de oralidade em um romance de ficção de gênero, A assombração da casa da colina, de Shirley Jackson (traduzido por Débora Landsberg), e em um romance de ficção literária, Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro (traduzido por Beth Vieira), ambos publicados pelo Grupo Editorial Companhia das Letras. Em consonância com Amorim (2018a, 2018b e 2021a), este trabalho pretendeu avaliar se obras traduzidas, associadas aos best-sellers, como as de ficção de gênero, seriam permeáveis às marcas de oralidade, comparativamente às obras de ficção literária. Realizaram-se um levantamento quantitativo e uma análise qualitativa das marcas de oralidade. Coletaram-se informações sobre a popularidade das obras e sobre o nível de ressonância de seus autores junto ao campo acadêmico. Como o livro de Jackson é publicado por um selo voltado ao público geek, recorremos às informações de uma pesquisa sociológica acerca de seu perfil no Brasil. Os resultados apontaram que: a) ambas as obras detêm um grau elevado de marcas de oralidade; e b) apesar das diferenças, os dois autores desfrutam de elevado capital simbólico, traduzido em prêmios literários e em recepção crítica junto ao campo acadêmico-universitário. As análises sugerem a existência de hierarquias governando os graus de consagração/reverberação acadêmica quanto à diferenciação de obras e autores, mesmo no subcampo da ficção de gênero, e que leitores com diferentes níveis de capital cultural/escolar poderiam, talvez, exercer alguma influência no modo como que tradutores/editores projetam a representação da variação linguística nas traduções a serem publicadas.

Palavras-chave:
Estudos da Tradução; ficção de gênero; ficção literária; marcas de oralidade

ABSTRACT

This paper presents research results on orality markers in a genre fiction novel, A assombração da casa da colina, by Shirley Jackson (translated by Débora Landsberg), and in a literary fiction novel, Não me abandone jamais, by Kazuo Ishiguro (translated by Beth Vieira), both published by the Companhia das Letras Publishing Group. In line with Amorim (2018a, 2018b and 2021), this paper aims to assess whether translated best-selling, genre fiction works would be permeable to orality markers when compared to literary fiction ones. A quantitative survey and a qualitative analysis of the orality markers were carried out. Information on the popularity of the works and the level of the authors’ resonance amongst the academic field were collected. As Jackson’s book was published by an imprint aimed at the geek readership, we gathered information from a sociological survey about their social profile in Brazil. The results show that: a) both novels have a high level of orality markers; b) despite their differences, both authors profit from having high symbolic capital translated into literary awards and critical reception within the academic-university field. The findings suggest the existence of hierarchies governing the degrees of consecration/academic resonance regarding the differentiation of novels and their authors, even in the subfield of genre fiction, and that readers with different levels of cultural capital could perhaps exert some influence on the way in which translators/editors may project the representation of linguistic variation in translations to come out.

Keywords:
Translation Studies; genre fiction; literary fiction; orality markers.

INTRODUÇÃO: O CONTEXTO DA PESQUISA

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que remonta, também, a dois artigos anteriores (AMORIM, 2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. e 2018b) e a um terceiro artigo mais recente (AMORIM, 2021a).2 2 Neste momento, o artigo de Amorim (2021a) está em vias de publicação no periódico Tradução em Revista (PUC-RJ), n. 31, tema livre, julho-dezembro, 2021. Este trabalho é, portanto, o quarto artigo na série de pesquisas.3 3 O artigo de Amorim (2021a) e este artigo (AMORIM, 2021b) se referem a uma pesquisa financiada pela FAPESP, a qual se iniciou em 2019 e foi concluída em junho de 2021. Esses trabalhos investigam se a representação da variação linguística, em diálogos ficcionais em obras literárias traduzidas, com a presença de marcas de oralidade, poderia ser, em princípio, condicionada pela diferença entre obras literárias associadas à chamada alta literatura e obras consideradas best-sellers de ficção popular.

No artigo de Amorim (2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. ), o pesquisador analisou a obra traduzida Indignação, de Philip Roth, autor premiado reconhecido pela academia (e publicada pelo Grupo Companhia das Letras), e um best-seller de thriller jurídico, O Manipulador, de John Grisham (pela editora Rocco), autor reconhecido pelo seu sucesso de vendas. Com o software AntConc, que quantifica ocorrências linguísticas em textos, Amorim (2018a) observou que o livro associado à alta literatura continha mais marcas de oralidade como também uma variedade maior delas. Em Amorim (2018b), o pesquisador buscou ampliar o corpus de obras. Foram analisadas quatro obras4 4 As obras de Hemingway foram: Contos volume 2 (traduzida por José J. Veiga), O sol também se levanta (traduzida por Berenice Xavier), Por quem os sinos dobram (traduzida por Luiz Peazê), e Do outro lado do rio, entre as árvores (traduzida por José Geraldo Vieira), todas publicadas pela editora Record/Bertrand Brasil. traduzidas de Ernest Hemingway, autor consagrado pela academia, vencedor do Prêmio Nobel (pela editora Bertrand Brasil/Record), e quatro obras5 5 As obras de Agatha Christie foram: Morte na Praia (traduzida por Rodrigo Breunig), Assassinato no Expresso Oriente (traduzida por Petrucia Finkler), Cai o pano (traduzida por Bruno Alexander), e Um punhado de centeio (traduzida por Alexandre Boide), todas publicadas pela editora L&PM. traduzidas de Agatha Christie, autora de best-sellers de ficção policial (pela editora L&PM). Os resultados se assemelham aos do artigo de Amorim (2018a): as quatro obras associadas à alta literatura apresentaram uma média bem superior de ocorrências de marcas de oralidade, em comparação aos quatro best-sellers policiais. Os resultados (AMORIM 2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. e 2018b) pareciam sugerir que as obras literárias consagradas, geralmente associadas à alta literatura (ou ao que se convencionou chamar de literatura “highbrow”), e traduzidas especialmente nos últimos 30 anos, se mostravam mais permeáveis às marcas de oralidade diafásicas, proporcionando, assim, um efeito de verossimilhança (cf. BRITTO, 2012BRITTO, P. H. (2012). A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) entre o diálogo escrito e falas reais espontâneas, de falantes cujo nível de escolaridade e de pertencimento de classe seriam semelhantes.6 6 Nas obras estudadas nos artigos de Amorim (2018a, 2018b, 2021a e 2021b) analisaram-se apenas as marcas de oralidade diafásicas que geralmente indicam maior ou menor grau de informalidade (variação estilística), ou seja, não se detectaram, nessas obras, marcas de oralidade diastráticas que caracterizassem sobretudo falas geralmente tidas como “estigmatizadas”, seja em virtude da baixa escolaridade do falante ou do seu pertencimento a uma classe social mais baixa.

Em Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.),7 7 A partir dessa pesquisa (AMORIM, 2021a), recorreu-se ao software Wordsmith Tools (versão 7). recorreu-se a um recorte metodológico diferente: analisaram-se duas obras de ficção científica traduzidas (editora Aleph), sendo ambas associadas à chamada ficção de gênero (genre fiction). Uma delas, porém, é Androides sonham com ovelhas elétricas?, um romance cult aclamado, e cujo autor, Philip K. Dick, foi premiado, entre outros, com o Hugo Award, um dos prêmios máximos da ficção científica e ficção de fantasia. A segunda obra é um spin-off, Star Wars: provação, uma novelização envolvendo personagens da saga Star Wars, tendo sido escrita, sob encomenda da Disney, por Troy Denning, um autor cujo capital simbólico não é elevado. A quantificação das marcas de oralidade apontou um contraste bem nítido: o romance cult apresentou 816 ocorrências, enquanto que o spin-off de Star Wars limitou-se a 360 ocorrências.

Na tradução do spin-off houve o emprego sistemático de itens lexicais e frasais mais alinhados à tradição gramatical conservadora, com falas de registro mais formal. Mais significativo ainda é que essas decisões tradutórias não foram aparentemente guiadas pela necessidade de se representar, no texto traduzido, construções linguísticas conservadoras que estariam presentes nas falas correspondentes em inglês. As opções tradutórias parecem ter sido condicionadas por fatores exógenos aos diálogos e às falas do texto em inglês propriamente dito.

Até o momento, com as pesquisas já publicadas (AMORIM, 2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. , 2018b e 2021a), pôde-se chegar às seguintes conclusões:

a) Com a pesquisa de Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.), foi possível constatar que a metodologia de pesquisa baseada no contraste entre “alta literatura” e literatura best-seller (AMORIM 2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. , 2018b) poderia não ser suficiente para abarcar uma questão mais complexa: o fato de que o alto capital simbólico atribuído a um autor e a sua obra não se restringe ao campo da chamada alta literatura. Essa atribuição também pode ocorrer em relação a obras e autores que não fazem parte, originariamente, do campo de produção cultural estrita (cf. BOURDIEU, 2015BOURDIEU, P. (2015). A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. 3. ed. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Porto Alegre: Zouk . ), geralmente associada à cultura erudita ou “highbrow”, mas que, embora oriundos de um campo literário associado mormente às forças comerciais de mercado, como é o campo da literatura de gênero, acabam por adquirir reconhecimento literário, mesmo entre leitores e pesquisadores associados à academia e ao campo universitário, como é o caso de Philip K. Dick e seu romance cult de ficção científica, Androides sonham com ovelhas elétricas?, analisado por Amorim (2021a). Esse seria um exemplo daquilo que Peter Swirski (2005SWIRSKI, P. (2005). From Lowbrow to Nobrow. Montreal: McGill-Queen’s University Press. , 2017) chama de obras “nobrow”, que combinam aspectos tanto da cultura “lowbrow”, porque são concebidas com um interesse de forte natureza comercial, quanto da perspectiva “highbrow”, uma vez que haveria, nessas obras, uma inclinação importante para a experimentação estética.

b) Em vez de nos atermos ao binômio “alta literatura” e “best-sellers populares”, passamos a considerar, a partir de Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.), o contraste entre autores com “alto capital estético-simbólico” e autores com “baixo capital estético-simbólico”. Esse novo contraste permite incluir obras consagradas da alta literatura e obras literárias que se tornaram um sucesso de vendas, ao longo do tempo, mas que também adquiriram prestígio entre seguidores do campo acadêmico ou mesmo dos nichos literários de que fazem parte (como é o caso dos seguidores, fãs, escritores e editores que escrevem e debatem o tema da ficção científica, por exemplo).

Na pesquisa que se apresenta neste artigo (AMORIM, 2021bAMORIM, L. M. (2021b) Shirley Jackson, Kazuo Ishiguro e o público leitor geek: Aspectos condicionantes de marcas de oralidade em traduções de ficção de gênero e de ficção literária. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n.1. ), damos continuidade às análises das relações entre marcas de oralidade em textos literários traduzidos e diferentes graus de consagração literária. Para tanto, apresentaremos dois autores cujas obras foram selecionadas para a pesquisa: Kazuo Ishiguro e Shirley Jackson.

1. KAZUO ISHIGURO E SHIRLEY JACKSON: A FICÇÃO LITERÁRIA E A FICÇÃO DE GÊNERO

Neste artigo (AMORIM, 2021bAMORIM, L. M. (2021b) Shirley Jackson, Kazuo Ishiguro e o público leitor geek: Aspectos condicionantes de marcas de oralidade em traduções de ficção de gênero e de ficção literária. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n.1. ), buscou-se avaliar, à semelhança do que foi feito em Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.), duas obras literárias, de autores diferentes, mas publicadas por um mesmo grupo editorial. Nesse caso, as obras selecionadas foram:

Não me abandone jamais, cujo texto-fonte intitula-se Never Let Me Go (originalmente publicado em 2005), de Kazuo Ishiguro (2016ISHIGURO, K. (2016). The Buried Giant. New York: Knopf Doubleday. ), traduzido por Beth Vieira (Grupo Companhia das Letras/selo Companhia das Letras).

A assombração da casa da colina, cujo texto de partida intitula-se The Haunting of Hill House (originalmente publicado em 1959), de Shirley Jackson (2018JACKSON, S. (2018). A assombração da casa da colina. Tradução de Débora Landsberg. São Paulo: Suma/Companhia das Letras. ), traduzido por Débora Landsberg (Grupo Companhia das Letras/selo Suma).

Kazuo Ishiguro (1954-), autor nipo-britânico, é vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, concedido em 2017. O autor desfruta de um elevado capital simbólico, com um reconhecimento bastante sólido nos meios acadêmicos, tendo suas obras sido traduzidas para mais de 40 idiomas, e se tornado objeto de pesquisa em artigos científicos e ensaios da crítica literária. Além disso, alguns de seus romances, como The Remains of the Day (1990) e Never Let Me Go (2005), foram adaptados com sucesso para o cinema. Se, por um lado, parece bastante claro que Ishiguro se situa no campo da produção literária highbrow, marcada pela recepção consagradora do campo acadêmico e da crítica literária institucionalizada, por outro, o autor, em algumas de suas obras, como Never Let Me Go (2005) e The Buried Giant (2015), transita pela construção de limites porosos entre o que se convencionou chamar de literary fiction (ou “ficção literária”, associada geralmente às produções highbrow da literatura) e o que o mercado editorial tem classificado como genre fiction, ou “ficção de gênero” (termo “guarda-chuva” que abrange categorias literárias que gravitam em torno de determinados eixos temáticos, como, por exemplo, “ficção científica”, “ficção gótica ou de horror”, “ficção policial”, “ficção amorosa” etc.). Não me abandone jamais (Never let me go), por exemplo, é, por vezes, vista como uma obra de “ficção científica”, em grande medida porque aborda uma sociedade distópica que sancionou o uso de clones humanos para a extração de órgãos para fins médicos, ainda que a trama se passe na Inglaterra da década de 1990. The Buried Giant é uma narrativa situada na Inglaterra medieval, no período inicial das invasões germânicas, onde se supõe a existência de ogros, dragões e feitiçarias, tendo a obra sido identificada, por parte dos críticos de ficção de gênero, como um romance de fantasia.

Entretanto, a percepção em torno dessa relação do autor com uma criação literária mais próxima da ficção de gênero não é consensual. De fato, há críticos (MICHEL, 2015MICHEL, L. (2015). Was the Year the Literary Versus Genre War Ended. Flipboard. Disponível em: https://flipboard.com/@vice/2015-was-the-year-the-literary-versus-genre-war-ended/f-6391f13e22%2Fvice.com?format=amp. Acesso em: Jan. 2021.
https://flipboard.com/@vice/2015-was-the...
; MARCHE, 2015MARCHE, S. (2015). How Genre Fiction Became More Important Than Literary Fiction. Esquire. Disponível em: https://www.esquire.com/entertainment/books/a33599/genre-fiction-vs-literary-fiction/. Acesso em: Jan. 2015.
https://www.esquire.com/entertainment/bo...
; MILLER, 2015MILLER, L. (2015). We’re all genre readers now: Can we finally stop the tired “pixies and dragons” vs. literary fiction wars? Salon. Disponível em: https://www.salon.com/2015/03/11/were_all_genre_readers_now_can_we_finally_stop_the_tired_pixies_and_dragons_vs_literary_fiction_wars/. Acesso em: Jan 2021.
https://www.salon.com/2015/03/11/were_al...
) que veem com entusiasmo esse tipo de experimentação, especialmente por acreditarem que a ficção de gênero é uma forma legítima de criação literária de qualidade. Outros, porém, sustentam visões um pouco diferentes. É o caso de Chris Holmes (SUSTICK, 2020SUSTICK, K. (2020). Professor examines works that push the limits of genre. The Ithacan. Disponível em: https://theithacan.org/opinion/qa-professor-examines-works-that-push-the-limits-of-genre/. Acesso em: Jan. 2021.
https://theithacan.org/opinion/qa-profes...
), para quem a proposta inovadora de Ishiguro não residiria, necessariamente, no hibridismo entre “ficção literária” e “ficção de gênero”, mas sobre os limites entre o que pode ser considerado humano e o não humano.

Não há, portanto, unanimidade entre os críticos quanto a considerar Não me abandone jamais como ficção científica. Ishiguro se tornou célebre, sobretudo, no campo de uma produção vinculada à “literary fiction”, de modo que esse fato o acampanha, inexoravelmente, em suas experimentações junto à ficção de gênero. Apesar dessas experiências serem inovadoras, o escritor não é identificado predominantemente como um autor de ficção de gênero, nem do ponto de vista mercadológico-editorial, nem mesmo do ponto de vista dos nichos especializados em divulgarem e comentarem ficção de fantasia e ficção científica. Sua posição no campo editorial literário é diferente da de autores como Neil Gaiman e Ursula K. Le Guin, que se tornaram renomados por sua sólida contribuição para o campo da ficção de gênero. Le Guin (2015), aliás, escreve uma crítica pouco receptiva a The Buried Giant, na medida em que ela não considera que o romance tenha, de fato, elementos suficientemente concretos para torná-lo uma obra literária de fantasia.8 8 No resumo descritivo de Não me abandone jamais, no site do Grupo Editorial Companhia das Letras, afirma-se o seguinte a respeito do romance: “Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses “doadores” [de órgãos, enquanto clones humanos], em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência.” Pode-se supor, portanto, que a editora considere que a ligação da obra com a ficção científica seja apenas um elemento de “superfície”.

Shirley Jackson (1916-1965), por sua vez, é reconhecida como um nome importante no campo da literatura gótica, sendo, desse modo, associada mais diretamente às produções literárias de ficção de gênero. Ela escreveu seis romances, dois livros de memórias e mais de 200 contos. Seus dois romances mais célebres que gravitam em torno da temática gótica são: The Haunting of Hill House (1959)9 9 No selo Suma, do Grupo Editorial Companhia das Letras, apresenta-se a seguinte sinopse da obra: “Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e sensitiva, e a Luke, o herdeiro da mansão. Porém, o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus hóspedes. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a sanidade - e a vida - de todos está em risco”. Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=28000408 andWe Have Always Lived in the Castle(1962), romances pelos quais tornou-se célebre como “mestre do horror gótico e do suspense psicológico” (ENCYCLOPEDIA.COM). Sua influência sobre diversos escritores é bastante visível:

Shirley Jackson tem vários fãs entre os escritores modernos. Stephen King considerou The Haunting of Hill House [A maldição da casa da colina] como um dos dois “grandes romances do sobrenatural dos últimos cem anos” e disse que escreveu The Shining [O Iluminado] tendo como referência The Sundial, de Jackson. Escritores como Neil Gaiman e Joyce Carol Oates tecem-lhe elogios, e Donna Tartt afirma que suas histórias estão “entre as mais aterrorizantes já escritas”. Sylvia Plath também era fã e esperava entrevistá-la durante um estágio de verão em Mademoiselle em 1953. Não deu certo, mas Plath continuaria escrevendo trabalhos com muitos paralelos com os de Jackson. (FERRO, 2019FERRO, S. (2019). Five facts about Shirley Jackson. Mental Floss. Disponível em: https://www.mentalfloss.com/article/566901/shirley-jackson-facts. Acesso em: Jan. 2021.
https://www.mentalfloss.com/article/5669...
)10 10 No original: “Shirley Jackson has a number of fans among modern writers. Stephen King has called The Haunting of Hill House one of the two “great novels of the supernatural in the last hundred years,” and he has said he wrote The Shining with Jackson’s The Sundial in mind. Writers like Neil Gaiman and Joyce Carol Oates sing her praises, and Donna Tartt has called her stories “among the most terrifying ever written.” Sylvia Plath was a fan, too, and hoped to interview her during summer internship at Mademoiselle in 1953. It didn’t work out, but Plath would go on to write works with plenty of parallels to Jackson’s”.

Seu livro, The Haunting of Hill House, serviu de inspiração para a criação de uma série de horror disponível na plataforma de streaming Netflix: The Haunting of Hill House (conhecida no Brasil como A Maldição da Residência Hill].11 11 Mais informações disponíveis em: https://www.netflix.com/br/title/80189221 Segundo Laura Miller (2006), em texto introdutório ao livro The Haunting of Hill House,

A história de fantasmas de Jackson, publicada em 1959, foi um sucesso; tornou-se um best-seller, os críticos elogiaram-na e os direitos para filmagem foram vendidos por uma boa quantia. […] The Haunting of Hill House, depois de “The Lottery”, é a obra mais frequentemente associada a Jackson, mas ela não é amplamente lida. Isso não é necessariamente surpreendente; os romancistas de sucesso de uma geração muitas vezes evaporam da consciência da geração seguinte, e provavelmente não ajudou sua reputação, nos círculos literários, o fato de ela, às vezes, escrever como uma espécie de mulher pensante de Erma Bombeck. (Na época, ainda mais do que agora, o reino doméstico era visto como insuficientemente sério.) Ainda assim, o estilo limpo e conciso de Jackson e sua obstinação deveriam atrair os tipos de leitores que mantêm a publicação de Patricia Highsmith e de James M. Cain até hoje. De certa forma, Jackson tinha grande afinidade com os romancistas de gênero hard-boiled de seu tempo. Ela também descreveu piadas cruéis do destino e do acaso se desdobrando em um universo amoral. Só que, em vez de fazer isso com homens e armas, ela escolheu escrever sobre garotas loucas e solitárias e casas grandes e sinistras. (MILLER, 2006, p. xiv-xv)12 12 No original: “Jackson’s ghost story, published in 1959 was a hit; it became a bestseller, the critics praised it, and the movie rights sold for a goodly sum. […] The Haunting of Hill House, after “The Lottery,” is the work most often associated with Jackson, but she is no longer widely read. This isn’t necessarily surprising; the successful novelists of one generation often evaporate from the awareness of the next, and it probably didn’t help her reputation in literary circles that she sometimes wrote as a kind of thinking-woman’s Erma Bombeck. (Then even more than now, the domestic realm was viewed as insufficiently serious.) Still, Jackson’s clean, terse style and her tough-mindedness ought to appeal to the kind of readers who keep Patricia Highsmith and James M. Cain in print today. In a way, Jackson was a kindred spirit to the hard-boiled genre novelists of her time. She also depicted the cruel jokes of fate and chance unfolding in an amoral universe. It’s just that instead of doing it with men and guns, she chose to write about mad, lonely girls and big, sinister houses”.

Deve-se contextualizar a afirmação de Miller (2006) de que Jackson “não [seja] amplamente lida”. O texto introdutório de Miller foi publicado em uma edição de 2006 de The Haunting of Hill House. Atualmente tem havido uma ampliação considerável da leitura de suas obras, especialmente com o lançamento da série homônima pela Netflix.

The Haunting of Hill House está na posição 8.82913 13 Os dados sobre as vendas e avaliações dos dois textos originais e de suas respectivas traduções brasileiras foram checados no dia 10 de março de 2021. dos mais vendidos pela Amazon.com. Encontra-se, porém, em uma posição de evidente destaque: a de número 35 dentre os livros de ghost fiction e a de 55 dentre os livros de gothic fiction mais vendidos, tendo recebido mais de 7 mil avaliações, com um percentual bastante alto de avaliações positivas (com 66% de cinco estrelas atribuídas e uma média total de 4.4 estrelas). A tradução, A assombração da casa da colina, vendida pela loja brasileira da Amazon, apresenta um posicionamento geral melhor em comparação à sua posição na Amazon estadunidense: está na posição geral 4.525 dos livros mais vendidos, e na posição 751 na categoria “Europeia literatura e ficção” (sic), tendo recebido 385 avaliações, das quais 66% com cinco estrelas, com uma média total de 4.4 estrelas. Por sua vez, Never let me go ocupa a posição 1.121 de livro mais vendido e a posição 32 no ranking dos mais vendidos da categoria “ficção e literatura contemporânea”. Obteve 6.621 avaliações, das quais 55% o consideraram uma obra cinco estrelas, numa média total de 4.2 estrelas. A tradução Não me abandone jamais está na posição 8.785 dos livros mais vendidos, e na posição 2.811 dos livros mais vendidos da categoria “Romance”. Obteve 137 avaliações, das quais 75% o classificaram como sendo cinco estrelas, numa média total de 4.6 estrelas.

É naturalmente esperado que o livro de Shirley Jackson esteja numa posição mais alta no ranking de vendas, em vista de duas razões pelo menos: a) o livro tem sido publicado há várias décadas desde 1959, tendo a obra se tornado um clássico da literatura gótica estadunidense; e b) sua obra está associada a um gênero de ficção bastante popular e com forte impacto comercial. A obra de Kazuo Ishiguro, por outro lado, beneficia-se do fato de o autor ter ganho o Prêmio Nobel, o que lhe confere um elevado capital simbólico que, de certa forma, se traduz, também, em ganhos econômicos (para o autor, para as editoras e livrarias), uma vez que essa informação tende a ser divulgada em cada um de seus livros comercializados internacionalmente. Vejamos, agora, como os dois autores estão integrados ao Grupo Editorial Companhia das Letras.

2. GRUPO EDITORIAL COMPANHIA DAS LETRAS: SELO COMPANHIA DAS LETRAS E SELO SUMA

No site do Grupo Companhia das Letras, descreve-se um breve histórico do grupo editorial. Fundada em 1986 por Luiz Schwarcz e Lilia Moritz Schwarcz, a editora tornou-se, atualmente, o maior grupo editorial do Brasil. Em 2013 a editora Companhia das Letras fundiu-se ao Grupo Random House, criando-se, assim, “o maior grupo editorial do mundo” (COMPANHIA DAS LETRAS).14 14 https://www.companhiadasletras.com.br/sobre.php Segundo matéria da Folha de São Paulo, do dia 02 de abril de 2020, “o conglomerado de mídia alemão Bertelsmann anunciou [...] que concluiu a aquisição daPenguin Random House, o maior grupo editorial do mundo, que detém o controle de 320 editoras pelo planeta -entre elas, a Companhia das Letras, no Brasil.” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2020).

O Grupo Companhia das Letras articula 18 selos, destacados a seguir na ordem em que aparecem no site do grupo, com respectivos números de títulos atualmente editados e disponíveis15 15 Pesquisa realizada em 12 de março de 2021. em cada selo: Alfaguara (365), Boa Companhia (17), Grupo Brinque-Book (221), Clássicos Zahar (78), Companhia das Letras (2.548), Companhia das Letrinhas (749), Companhia de Bolso (218), Companhia de Mesa (19), Fontanar (67), Objetiva (447), Paralela (152), Penguin/Companhia das Letras (157), Pequena Zahar (68), Portfolio Penguin (51), Quadrinhos na Cia. (130); Seguinte (100); Suma (235); e Zahar (765).

O livro Não me abandone jamais assim como as demais sete obras traduzidas de Kazuo Ishiguro fazem parte do selo Companhia das Letras. É possivelmente o selo mais antigo do Grupo, confundindo-se com o próprio nome da editora, e que converge o maior número de títulos disponíveis atualmente (2.548). O selo reúne vários autores premiados com o Nobel: José Saramago, Doris Lessing, Vidiadhar S. Naipaul, Luigi Pirandello, Orhan Pamuk, Herta Müller, Toni Morrison, J.M. Coetzee, Wislawa Szymborska, entre outros.

O livro A assombração da casa da colina integra o catálogo do selo Suma. No site do Grupo Editorial não há informações descritivas sobre a natureza do selo, mas na descrição presente na conta da editora (selo) Suma, no Facebook, afirma-se o seguinte: “A Editora Suma é um selo do Grupo Companhia das Letras voltado para temas geeks. Nossos principais gêneros são fantasia, ficção científica e terror, embora tenhamos títulos em outras áreas de interesse, como não ficção e thrillers.”16 16 https://www.facebook.com/editorasuma/ No perfil do Instagram, tem-se o seguinte resumo descritivo: “Editora Suma. Livros de terror, scifi e fantasia. Casa de Stephen King e George R. R. Martin no Brasil”. Além disso, o Grupo Editorial Companhia das Letras mantém, atrelada ao selo Suma, a Revista Suprassuma,17 17 https://www.revistasuprassuma.com.br/ voltada para ficção especulativa, de acesso on-line gratuito, e que recebe contribuições ficcionais de leitores.

Observa-se, assim, que os autores e obras aqui estudados ocupam lugares distintos na lógica editorial do Grupo Companhia das Letras: Ishiguro integra um selo mais tradicional, ao lado de outros autores laureados com o Nobel, mais frequemente associados à chamada “literary fiction”, ao passo que Shirley Jackson tem seu romance mais conhecido publicado por um selo especializado nos temas consagrados da literatura de gênero, e voltado para um público específico: o dos fãs de fantasia, ficção científica e horror, identificados abertamente pela editora como geeks. No site do Grupo Editorial Companhia das Letras, a autora é descrita como “uma das principais autoras americanas do século XX”, tendo influenciado “escritores como Stephen King, Donna Tartt, Neil Gaiman e Richard Matheson”. Na descrição sublinha-se ainda que “sua obra é leitura obrigatória em diversas escolas dos Estados Unidos, e seu trabalho é aclamado pelo público e pela crítica”.19 19 https://www.shirleyjacksonawards.org/ Shirley Jackson chegou a receber três prêmios: o prêmio O. Henri Prize Stories e dois Mystery Writers of AmericaEdgar Allan Poe Awards, tendo vários de seus trabalhos recebido o título de “Melhor Ficção” pela New York Times Book Review. Atualmente, nos Estados Unidos, concede-se um prêmio chamado Shirley Jackson Awards, voltado para o reconhecimento de produções literárias envolvendo suspense psicológico, horror e fantasia sombria.19 19 https://www.shirleyjacksonawards.org/

Outro dado interessante é o fato de que não somente Kazuo Ishiguro, mas Shirley Jackson e sua obra também são objetos de interesse de pesquisas universitárias, o que indica o fato de que não apenas obras de autores consagrados do universo literário highbrow, ou da “ficção literária” (“literary fiction”), mas também de autores da “ficção de gênero”, encontram ressonância nos meios acadêmicos. É o que mostram os dados dos quadros abaixo:

Quadro 1
ProQuest (artigos científicos)
Quadro 2
Dissertações e Teses (Open Acess - OATD)
Quadro 3
Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Brasil)23
Quadro 4
Dados da Pesquisa Geek Power - 201927

3. MARCAS DE ORALIDADE EM NÃO ME ABANDONE JAMAIS E EM A ASSOMBRAÇÃO DA CASA DA COLINA

Na pesquisa realizada e aqui revelada (AMORIM, 2021bAMORIM, L. M. (2021b) Shirley Jackson, Kazuo Ishiguro e o público leitor geek: Aspectos condicionantes de marcas de oralidade em traduções de ficção de gênero e de ficção literária. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n.1. ), recorreu-se ao software Wordsmith Tools para o levantamento quantitativo de 56 marcas de oralidade nos diálogos ficcionais das obras traduzidas. Na tabela abaixo apresentam-se os resultados:

Tabela 1
Levantamento Quantitativo das Marcas de Oralidade em Não me abandone jamais e em A assombração da casa da colina

Exemplos de ocorrências de marcas de oralidade extraídos de Não me abandone jamais, de Kazuo

Exemplos de ocorrências de marcas de oralidade extraídos de A assombração da casa colina, de Shirley Jackson

Os resultados indicam que ambas as obras apresentam diferenças muito pequenas quanto à quantidade de marcas de oralidade identificadas: o romance de Shirley Jackson detém cerca de 100 ocorrências de marcas de oralidade (947) a mais em comparação ao livro de Kazuo Ishiguro (841). Os dados numéricos sugerem que não houve, nessas duas obras, uma diferença tão claramente demarcada em relação ao emprego de marcas de oralidade nos diálogos ficcionais. Abaixo apresentam-se alguns trechos traduzidos das duas obras:

Os diálogos acima selecionados e concebidos por Kazuo Ishiguro revelam, por um lado, que o autor buscou criar falas que, na escrita, não se distanciam demasiadamente de produções linguísticas reais. Obviamente, seus diálogos ficcionais não representam uma transcrição de falas reais, mas concepções linguísticas que imitam, até certo ponto, a espontaneidade do discurso oral em inglês, o que inclui, por exemplo, formas contraídas (como “don’t”, “weren’t”, entre outras). Por outro lado, não há, nessas falas, formas linguísticas consideradas tipicamente estigmatizadas ou que sejam vistas como “erros” pela tradição normativa da língua inglesa. Todas as falas são de personagens adolescentes, exceção feita à fala de número 4, de Keffers, senhor responsável pela manutenção do Casario, uma espécie de fazenda desativada em que, mais adiante na narrativa, servirá de hospedagem temporária aos jovens clones. Os trechos traduzidos correspondentes revelam que a tradutora, Beth Vieira, e a editora buscaram criar falas mais próximas da oralidade e da espontaneidade, com a inclusão de diversas marcas de oralidade, como as que foram destacadas. Essas passagens revelam que, de fato, na tradução, buscou-se produzir diálogos próximos da variação linguística diafásica, em que certo grau de informalidade se faz presente, proporcionando um grau desejável de verossimilhança entre o diálogo escrito e um diálogo real.

A tradutora, Débora Landsberg, à semelhança de Beth Vieira, e a editora, que chancelou o resultado definitivo, buscaram recriar diálogos mais próximos do vernáculo geral brasileiro, chegando a reforçar opções tradutórias que desafiam as normas conservadoras da tradição gramatical da língua portuguesa, como, por exemplo, o emprego do pronome oblíquo “ela” como objeto verbal e como sujeito de oração encaixada (ver trecho de número 6). Chama a atenção também o emprego sistemático do imperativo no modo indicativo (“Faz...”; “Presta atenção...”; “Vem olhar...”), forma linguística sensivelmente evitada nos best-sellers traduzidos analisados por Amorim (2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. e 2018b) e no romance/novelização spin-off de Star Wars, analisado por Amorim (2021a). Sublinha-se que a tradutora Débora Landsberg (2016) defendeu um mestrado, intitulado Tradução de diálogos em obras literárias: ampliando os limites da verossimilhança, no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob a orientação do tradutor e professor Paulo Henriques Britto, que defende, em seus escritos (BRITO, 2012BRITTO, P. H. (2012). A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) e em sua prática tradutória, o emprego sistemático de marcas de oralidade como forma de representação dos diálogos ficcionais em textos literários traduzidos. Essa vivência acadêmica da tradutora certamente confere, ao seu trabalho tradutório, um nível de consciência mais agudo em relação à seleção de marcas de oralidade que, de fato, produziram um efeito desejável de verossimilhança nos diálogos do romance de Shirley Jackson.

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS RESULTADOS, ALGUMAS HIPÓTESES E CONCLUSÕES

Os resultados apresentados sugerem que o grau elevado de marcas de oralidade na obra traduzida de Shirley Jackson é um indicativo importante de que obras literárias do campo da ficção de gênero não são necessariamente menos permeáveis à representação da variação linguística, o que, de fato, chegou a ser confirmado por Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.), em artigo em que se analisou Androides sonham com ovelhas elétricas?, uma obra cult de ficção científica de alto capital simbólico e na qual houve um emprego sistemático de marcas de oralidade. Por outro lado, Jackson é uma autora consagrada no campo da literatura gótica de horror e de suspense psicológico, tendo encontrado ressonância em estudos realizados no campo acadêmico. Embora ela não ocupe a mesma posição de prestígio na academia de que desfruta Kazuo Ishiguro, ela e sua obra não estão destituídas de um capital simbólico relevante.

Há também uma questão bastante pertinente quanto ao fato do romance de Shirley Jackson ter sido publicado na editora/no selo Suma. Segundo Loureiro (2020LOUREIRO, J. (2020) Conheça quais são as maiores editoras do Brasil. Livrobingo. Disponível em: https://www.livrobingo.com.br/conheca-quais-sao-as-maiores-editoras-do-brasil. Acesso em: 10 Jan. 2021.
https://www.livrobingo.com.br/conheca-qu...
),

A Suma veio para ser o braço geek da Companhia [das Letras]. Uma tremenda responsabilidade, tendo em vista que o “público nerd” é muito exigente, não só com a exigência da publicação das histórias, mas como a produção de materiais gráficos de alto nível de excelência, porque os livros deixam de ser “apenas para leitura”, mas tornam-se itens de colecionador (LOUREIRO, 2020LOUREIRO, J. (2020) Conheça quais são as maiores editoras do Brasil. Livrobingo. Disponível em: https://www.livrobingo.com.br/conheca-quais-sao-as-maiores-editoras-do-brasil. Acesso em: 10 Jan. 2021.
https://www.livrobingo.com.br/conheca-qu...
).

É interessante observar que, nas últimas décadas, com o desenvolvimento das tecnologias e das redes e mídias sociais, tem ocorrido um avanço cada vez maior das relações entre produções literárias e nichos que congregam leitores com interesse renovado por produtos da cultura pop. Uma editora (ou selo) como a Suma conta não apenas com o sistema de busca e de compras do Grupo Editorial Companhia das Letras: como vimos, ela tem à sua disposição redes e mídias sociais importantes para a divulgação de seus lançamentos, como o Instagram, o Facebook, o Twitter e, também, o Youtube. Esse trabalho constante de interação midiática com potenciais leitores de suas obras alimenta a formação de uma comunidade virtual de fãs, geralmente seguidora fiel dos lançamentos de seus autores prediletos. Destaca-se, também, a preocupação que emerge, nesse contexto, com os projetos gráficos e com a qualidade editorial dos livros, especialmente porque o público consumidor geek estaria entre os mais exigentes.

Na cultura estadunidense, especialmente em fins da década de 1970, e, posteriormente, ao longo das décadas de 1980 e 1990 (cf. LANE, 2018), os jovens identificados como “nerds” eram retratados, sistematicamente, pelos programas televisivos e pelo cinema, como sendo absolutamente dedicados aos estudos, caracterizados por um Q.I. muito acima da média de seus colegas, porém estigmatizados e excluídos por estes, em virtude de sua alegada falta de habilidade para interação social. Entretanto, contemporaneamente, os termos “nerd” e “geek” têm adquirido sobretons mais positivos, em conexão com o conhecimento tecnológico e com os produtos midiáticos da cultura pop. Séries televisivas de estrondoso sucesso como Big Bang Theory; eventos de cultura pop e de fandom voltados para temas que incluem videogames, ficções de gênero, histórias em quadrinhos, animes, filmes e séries, como o Comic-Com International (que ocorre em San Diego, California) e o Comic-Com Experience (evento brasileiro análogo ao estadunidense), além dos vários sites e podcasts (estrangeiros e brasileiros) que têm como foco o público geek/nerd, vêm contribuindo, significativamente, para a construção de uma imagem mais assertiva e atraente acerca desse público e dos temas e produtos culturais correlacionados.

Em texto em que se exploram os resultados de uma pesquisa envolvendo a análise de conglomerados (cluster analysis) com foco em tweets contendo os termos “nerd” e “geek”, Vrooman et al (2018VROOMAN, S. et al. (2018). Mediagasms, Ironic Nerds, and Mainstream Geeks: A Multimethodological Ideographic Cluster Analysis of <Nerd> and <Geek> and on Twitter. In: LANE, K. (Ed.) Age of the Geek: Depictions of Nerds and Geeks in Popular Media. Palgrave MacMillan: Alva.) sugerem que aspectos negativos tradicionalmente associados ao termo “nerd” (como, por exemplo, o “descontrole” sobre a própria obsessão por produtos tecnológicos e pela cultura pop) vão, aos poucos, sendo “sancionados”, culturalmente, como aceitáveis na formação da identidade de um(a) consumidor(a) “fanático(a)”. Isso ocorre especialmente nos tweets que se associam aos produtos de natureza midiática:

Assim, em tweets relacionados às mídias, a identidade que revela em primeiro plano a história da luta pelo controle sobre identidades múltiplas, e que é tradicionalmente familiarizada com noções de impopularidade ou de desvio em relação aos comportamentos “normais” do público, é mais frequentemente usada de forma positiva, porém cautelosa. O termo <geek>, quando despojado de sua energia de produtividade capitalista, ligeiramente regride em direção a sua dimensão diacrônica de esquisitice ou ao sentido ainda contemporâneo de pessoa excluída e intimidada em idade escolar. O termo <nerd>, que parece nunca ter alcançado uma posição mais alta, em termos de status, do que um insulto lúdico e/ou de autoidentificação, parece ganhar poder discursivo como uma retórica cautelosa da dança do controle quando confrontado com as mídias tão queridas. No contexto midiático, parece que <geek> e <nerd> alternam-se como marcadores de agência.23 23 https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/

Em pesquisa intitulada Geek Power, de 2019, realizada pelo Instituto MindMiners em parceria com a Omelete Company, é possível conhecer melhor dados sociológicos relevantes a respeito do perfil e dos hábitos de consumo do público geek brasileiro. A metodologia da pesquisa valeu-se das respostas de 1.853 respondentes na plataforma oferecida pelo site Omelete24 24 No original: “In media-related tweets, then, the identity, which foregrounds the story of the struggle for control over multiple identities and which is traditionally conversant with notions of unpopularity or deviance from “normal” audiencing behaviors, is more often used in a guardedly positive way. The <geek> , when stripped of its capitalist productivity vibe, slightly regresses toward its diachrony of freakishness or the still-contemporary bullied school-age outcast. The <nerd>, which seems to have never achieved much more, status-wise, than a playful insult and/or self-identification, seems to gain discursive power as a guarded rhetoric of the dance of control when confronted with much-loved media. In the context of media, it seems that <geek> and <nerd> flip as markers of agency”. e 1500 respondentes na plataforma disponibilizada pelo site da MindMiners.25 25 Disponível em: https://www.omelete.com.br/ Abaixo reproduzimos parte dos dados obtidos:

Alguns dados chamam a atenção, especialmente aqueles que podem se relacionar de forma mais próxima com este trabalho. Destaca-se o fato de que a parcela majoritária desse público com ensino superior, ou cursando, é relativamente alta: cerca de 56% dos respondentes; 5% deles têm um título de mestre ou de doutor, e 86% dos participantes falam inglês. Destaca-se, também, o fato de que 83% leem quadrinhos e livros. No entanto, há uma parcela considerável desse público que pertence às classes sociais mais baixas e com menor escolaridade: 44% dos respondentes não têm diplomas de ensino superior, nem estão frequentando cursos de graduação. Além disso, cerca de 58% desse público pertencem às classes sociais C e D, quando somadas.26 26 Disponível em: https://mindminers.com/ Esses dados sugerem que o público geek brasileiro é bem heterogêneo tanto socialmente quanto em relação ao nível de escolaridade.

Na pesquisa de Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.), observou-se, como já mencionado neste trabalho, que duas obras de ficção científica, publicadas por uma mesma editora brasileira especializada no assunto, foram traduzidas segundo aspectos normativos distintos: Androides sonham..., um romance cult, detentor de alto capital simbólico, apresentou-se com uma quantidade maior de marcas de oralidade, em contraste com a tradução da obra spin-off de Star Wars (Star Wars: provação), obra de menor capital simbólico e bem mais conservadora quanto ao emprego de marcas de oralidade. Um diferencial bastante claro entre as duas obras é o fato de que a primeira foi publicada como capa dura e com sobrecapa, incluindo conteúdos extras, de natureza crítico-interpretativa, e com uma produção gráfica mais arrojada e de alta qualidade, ao passo que a edição da novelização de Star Wars apresentou-se com um perfil editorial padrão, sem quaisquer destaques gráficos ou conteúdos complementares (como prefácio, ilustrações etc). Sugere-se que, com essas duas publicações tão distintas, a editora teve em mente dois públicos diferentes que mantêm, porém, o interesse comum pela ficção científica: um público possivelmente mais exigente, de perfil mais intelectualizado e interessado por ficção cult, e outro público com uma formação social e educacional possivelmente mais heterogênea. Em relação a essa questão, Amorim (2021a) aventa a seguinte hipótese:

[Em] 2019, segundo a PNAD-IBGE, o número de pessoas com ensino superior completo era de apenas 17,4% da população (ou 21,4% se incluirmos as pessoas com ensino superior incompleto), com 25 ou mais anos de idade. Se consideramos o restante da população com instrução, o que inclui pessoas com ensino médio completo e incompleto, bem como com ensino fundamental completo e incompleto, chegamos ao contingente de 72,1% da população, com 25 ou mais anos de idade, caracterizado por graus bastante heterogêneos de escolaridade. Seria lícito, portanto, com base nessas informações, supor que haveria uma probabilidade razoável de que best-sellers de literatura traduzida sejam lidos, em grande medida, por leitores cuja formação educacional encontra-se no espectro desses 72,1% da população, o que, logicamente, não exclui leitores dos grupos sociais com ensino superior completo, como visto anteriormente.

A primeira hipótese sugerida por Amorim (2021aAMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.) é que os típicos best-sellers literários traduzidos (com baixo ou nenhum capital estético-simbólico), como os que foram analisados por Amorim (2018a, 2018b, 2021a), teriam sido projetados para alcançarem públicos mais amplos, e um leitorado cujos níveis de formação educacional seriam mais heterogêneos, e possivelmente com menor vinculação à formação no ensino superior (sem necessariamente excluí-la). Assim, isso poderia representar, em parte, um fator coercitivo que, consciente ou inconscientemente, influenciaria a publicação de traduções literárias com menor aderência às marcas de oralidade, geralmente diafásicas, como foi observado nos resultados de pesquisa até o momento. Há uma segunda hipótese, alicerçada em Bourdieu (2017BOURDIEU, P. (2017). A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Tradução Daniela Kern e Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk.[1979]) e em Lizardo e Skiles (2016LIZARDO, O.; SKILES, S. (2016). After omnivoriousness is Bourdieu still relevant? In: HANQUINET, L.; SAVAGE, M. (Ed). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture. New York: Routledge. ), de que quanto mais elevado for o capital cultural e escolar dos atores sociais, maior seria, em tese, a sua predisposição a favorecer uma percepção e um julgamento “estetizantes” a respeito dos objetos culturais para os quais voltam os seus olhares.

Em uma pesquisa de opinião, envolvendo fotografia, Bourdieu (2017BOURDIEU, P. (2017). A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Tradução Daniela Kern e Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk. [1979]) revelou dados que sugerem que respondentes de classes sociais altas e com maior escolaridade tinham a tendência para selecionar, com base em imagens oferecidas pelo pesquisador, objetos comuns que poderiam ser considerados belos em uma fotografia. Revelou-se que esses atores sociais, com maior grau de escolaridade - diferentemente da classe trabalhadora - rejeitavam objetos de admiração tipicamente popular, como a foto de uma “primeira comunhão” ou de um “pôr do sol”:

[...] Os entrevistados com alto capital cultural foram capazes de empregar seu maior domínio da “disposição estética” para estender o adjetivo “lindo” (e, portanto, esteticamente aceitável) a uma maior variedade de objetos do que os entrevistados da classe trabalhadora. Por sua vez, os entrevistados de baixo status mostraram uma capacidade muito mais restrita de considerar objetos não convencionais como lindos, considerando um número maior de objetos como incapazes de serem estetizados em comparação com os entrevistados com formação educacional superior (LIZARDO e SKILES, 2016LIZARDO, O.; SKILES, S. (2016). After omnivoriousness is Bourdieu still relevant? In: HANQUINET, L.; SAVAGE, M. (Ed). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture. New York: Routledge. , p.95, itálico no original).27 27 Disponível em: https://ofelm.com.br/geek-power-2019-divulgado-resultados-da-pesquisa-na-unlock-experience-confira/

Talvez possamos supor que certos(as) tradutores(as) e, principalmente, editores(as), movidos(as) por uma interpretação não necessariamente racionalizada ou consciente, projetem a crença de que parte dos potenciais leitores de best-sellers com formação educacional mais heterogênea tenham uma receptividade mais restrita para formas linguísticas tradicionalmente rejeitadas ou categorizadas como “erros de português”. Essa receptividade menor se contrastaria com a “estetização” que, teoricamente, leitores com maior capital cultural (e com maior nível de escolaridade) seriam inclinados a aplicar às formas linguísticas estigmatizadas ou desabonadas pela tradição gramatical conservadora, em nome de uma percepção favorável às marcas de oralidade como fazendo parte do “jogo estético” que se atribui a uma obra literária.

Essas diferenças relativas ao habitus de leitura, condicionadas parcialmente pelos níveis de capital cultural e de formação educacional dos leitores, poderiam, em tese, exercer uma influência nas percepções que sustentariam as escolhas editoriais e de tradutores(as). Essas opções representariam uma projeção ideológica - e não necessariamente consciente - acerca do grau de aceitabilidade da variação linguística que se atribui às avaliações e julgamentos que os leitores (com diferentes capitais culturais) poderiam fazer acerca da linguagem na tradução de uma obra literária.

Tendo em vista os casos estudados nesta pesquisa, chegamos a determinadas conclusões sobre algumas questões relevantes:

a) Considerando as pesquisas já realizadas (AMORIM, 2018aAMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163. , e este artigo, 2021b), destaca-se que três obras editadas pelo Grupo Companhia das Letras apresentam-se com elevada frequência de marcas de oralidade: Indignação, um romance (de “literary fiction”) de um autor consagrado, Philip Roth, premiado com o Pulitzer e com outros prêmios relevantes (AMORIM, 2018a); Não me abandone jamais (“literary fiction” com tons de “ficção de gênero/ficção científica”) de Kazuo Ishiguro, premiado com o Nobel, e A assombração da casa da colina (“ficção de gênero”) de Shirley Jackson, tendo ela obtido prêmios associados à ficção de horror e tendo seu próprio nome se convertido em prêmio (Shirley Jackson Award) no campo da ficção de horror e de suspense psicológico. Essa constatação nos leva a considerar algumas perguntas que precisariam ser analisadas, empiricamente, em pesquisas futuras: 1) As pesquisas até o momento, por um lado, sugerem que o elevado capital simbólico de um autor ou de uma obra (independentemente do fato de ser um romance considerado “literary fiction” ou “genre fiction”) parece se associar a uma maior permeabilidade da tradução às marcas de oralidade; mais pesquisas com uma variedade maior de autores e obras com menor capital simbólico - ou seja, com menor reconhecimento e reverberação no campo acadêmico - poderão apontar para respostas mais conclusivas a esse respeito, especialmente se forem publicadas pela Companhia das Letras, o que poderá indicar se a editora tem uma política mais abrangente, ou apenas localizada em certas obras e autores, em relação à representação da variação linguística;

b) São necessários novos estudos para averiguar em que medida a abertura às marcas de oralidade, observada na obra A assombração na casa da colina, de Shirley Jackson, seria um fenômeno que abrangeria outras traduções de ficção de gênero mantidas pelo selo Suma. Análises complementares podem auxiliar a compreender de que modo o selo Suma direciona suas obras a esse público, buscando-se observar em que medida haveria formas de diferenciação referentes aos capitais simbólicos e níveis de consagração atribuídos aos autores e obras publicadas, e como isso pode se relacionar com a questão da representação da variação linguística nos diálogos ficcionais. É interessante ressaltar que Laura Dourado, então responsável, em 2017, pela relação da editora Suma com as redes sociais, afirmou, em uma matéria, que “o público geek é mais jovem, menos formal, e nosso jeito de falar com eles sobre os livros e as novidades da editora teve que mudar também” (PUBLISHNEWS, 2017). Ela complementou que “os posts [nas redes sociais] ficaram mais íntimos, têm a voz e o conteúdo dos livros, e as páginas da Suma puderam virar um espaço divertido para os leitores e fãs” (PUBLISHNEWS, 2017). Essa declaração está consonante com os dados de pesquisa sobre as marcas de oralidade encontradas em Assombração da casa da colina. Entretanto, na editora Aleph (voltada para a ficção científica), houve claramente obras traduzidas segundo modos distintos de representação da variação linguística, de forma que isso nos faz supor que a ideia de “informalidade” não pode ser necessariamente atribuída a todas as traduções de diálogos ficcionais voltadas para o público geek, o que demanda, portanto, mais estudos.

Talvez não seja possível supor que o público geek seja homogêneo (como bem aponta a pesquisa Geek Power), ou que as obras publicadas pelo selo Suma (ou por outras editoras e selos com objetivos semelhantes) tenham como foco o público geek sem qualquer forma de diferenciação. Haveria, por outro lado, uma hierarquia que governa os graus de consagração e de reverberação no processo de diferenciação de obras e autores, mesmo no campo da ficção de gênero, o que pode implicar, em parte, que os leitores, com diferentes níveis de capital cultural poderiam, também, integrar esse processo de diferenciação no consumo das produções literárias, com possíveis impactos na forma como que as traduções são projetadas para publicação.

Não concluímos, porém, com essas observações, que tradutores(as) e editores(as) tomem, a todo momento, decisões integralmente conscientes ou que sejam frutos de uma atitude totalmente racionalizada em relação a essas questões. Entendemos que as escolhas tradutórias e as revisões linguísticas chanceladas por editores(as) podem fazer parte do que Pierre Bourdieu (1983BOURDIEU, P. (1983). Esboço da teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu/Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Tradução Paula Monteiro. São Paulo: Ática.) denomina como habitus e que se vincula às práticas sociais, incluindo-se, entre elas, a tradução literária e a editoração. O habitus envolve a incorporação de práticas que até podem ser intuídas como o resultado de uma estruturação social, não sendo, porém, frutos de um determinismo que nos levaria a crer na obediência plenamente consciente dos agentes às regras ou normas sociais. Como sublinha Bourdieu, o habitus é definido como um

sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamentadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro. (BOURDIEU, 1983BOURDIEU, P. (1983). Esboço da teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu/Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Tradução Paula Monteiro. São Paulo: Ática. [1972], p.15)

Não estamos supondo que os fatores possivelmente coercitivos, discutidos neste trabalho, sejam “universais” ou previsíveis para todo tipo de tradução literária contemporânea que se encaixe seja na categoria de best-sellers de baixo capital estético-simbólico, seja na categoria das obras que apresentam esse capital em níveis elevados. As pesquisas realizadas até o momento, com traduções realizadas nos últimos trinta anos, têm apontado, porém, que parece haver uma relação entre a representação mais sistemática da representação da variação linguística e sua ocorrência em certas obras e autores que têm em comum um capital simbólico-estético elevado. O que se pode supor, pelo menos de forma momentânea, é que essa relação parece ter uma influência sobre o modo como determinados(as) editores(as)/tradutores(as) concebem certos produtos traduzidos, e não necessariamente sobre todos(as) os/as tradutores(as) e editores(as) que contemporaneamente atuam no meio editorial brasileiro ou em face de todos os produtos literários traduzidos. Não se pode, nem se deve, fazer essa generalização.

Pesquisas de natureza etnográfica,28 28 Classe A (rendimentos acima de 20 salários mínimos), Classe B (rendimentos entre 10 e 20 salários mínimos), Classe C (rendimentos entre 04 e 10 sálarios mínimos), Classe D (rendimentos entre 02 e 04 salários mínimos), e Classe E (rendimentos de até 02 salários mínimos). Fonte: https://fdr.com.br/2020/10/03/classe-social-descubra-se-pertence-ao-grupo-b-ou-c/ envolvendo entrevistas com questões estruturadas e semiestruturadas, poderão trazer contribuições importantes para se conhecerem os pressupostos e as crenças, implícitas ou não, que subjazem as práticas discursivas e textuais, bem como as tomadas de decisão de tradutores e editores quanto à representação da variação linguística e sua relação com os graus de consagração de obras e autores, e com os públicos-leitores que essas práticas possam ter por referência.

  • 1
    Agradecimentos: Sou imensamente grato à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por auxílio concedido a esta pesquisa (Processo 19/01783-5: “As identidades da variação linguística representada em obras da alta literatura e em best-sellers de ficção popular”).
  • 2
    Neste momento, o artigo de Amorim (2021a) está em vias de publicação no periódico Tradução em Revista (PUC-RJ), n. 31, tema livre, julho-dezembro, 2021.
  • 3
    O artigo de Amorim (2021a) e este artigo (AMORIM, 2021b) se referem a uma pesquisa financiada pela FAPESP, a qual se iniciou em 2019 e foi concluída em junho de 2021.
  • 4
    As obras de Hemingway foram: Contos volume 2 (traduzida por José J. Veiga), O sol também se levanta (traduzida por Berenice Xavier), Por quem os sinos dobram (traduzida por Luiz Peazê), e Do outro lado do rio, entre as árvores (traduzida por José Geraldo Vieira), todas publicadas pela editora Record/Bertrand Brasil.
  • 5
    As obras de Agatha Christie foram: Morte na Praia (traduzida por Rodrigo Breunig), Assassinato no Expresso Oriente (traduzida por Petrucia Finkler), Cai o pano (traduzida por Bruno Alexander), e Um punhado de centeio (traduzida por Alexandre Boide), todas publicadas pela editora L&PM.
  • 6
    Nas obras estudadas nos artigos de Amorim (2018a, 2018b, 2021a e 2021b) analisaram-se apenas as marcas de oralidade diafásicas que geralmente indicam maior ou menor grau de informalidade (variação estilística), ou seja, não se detectaram, nessas obras, marcas de oralidade diastráticas que caracterizassem sobretudo falas geralmente tidas como “estigmatizadas”, seja em virtude da baixa escolaridade do falante ou do seu pertencimento a uma classe social mais baixa.
  • 7
    A partir dessa pesquisa (AMORIM, 2021a), recorreu-se ao software Wordsmith Tools (versão 7).
  • 8
    No resumo descritivo de Não me abandone jamais, no site do Grupo Editorial Companhia das Letras, afirma-se o seguinte a respeito do romance: “Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses “doadores” [de órgãos, enquanto clones humanos], em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência.” Pode-se supor, portanto, que a editora considere que a ligação da obra com a ficção científica seja apenas um elemento de “superfície”.
  • 9
    No selo Suma, do Grupo Editorial Companhia das Letras, apresenta-se a seguinte sinopse da obra: “Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e sensitiva, e a Luke, o herdeiro da mansão. Porém, o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus hóspedes. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a sanidade - e a vida - de todos está em risco”. Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=28000408
  • 10
    No original: “Shirley Jackson has a number of fans among modern writers. Stephen King has called The Haunting of Hill House one of the two “great novels of the supernatural in the last hundred years,” and he has said he wrote The Shining with Jackson’s The Sundial in mind. Writers like Neil Gaiman and Joyce Carol Oates sing her praises, and Donna Tartt has called her stories “among the most terrifying ever written.” Sylvia Plath was a fan, too, and hoped to interview her during summer internship at Mademoiselle in 1953. It didn’t work out, but Plath would go on to write works with plenty of parallels to Jackson’s”.
  • 11
    Mais informações disponíveis em: https://www.netflix.com/br/title/80189221
  • 12
    No original: “Jackson’s ghost story, published in 1959 was a hit; it became a bestseller, the critics praised it, and the movie rights sold for a goodly sum. […] The Haunting of Hill House, after “The Lottery,” is the work most often associated with Jackson, but she is no longer widely read. This isn’t necessarily surprising; the successful novelists of one generation often evaporate from the awareness of the next, and it probably didn’t help her reputation in literary circles that she sometimes wrote as a kind of thinking-woman’s Erma Bombeck. (Then even more than now, the domestic realm was viewed as insufficiently serious.) Still, Jackson’s clean, terse style and her tough-mindedness ought to appeal to the kind of readers who keep Patricia Highsmith and James M. Cain in print today. In a way, Jackson was a kindred spirit to the hard-boiled genre novelists of her time. She also depicted the cruel jokes of fate and chance unfolding in an amoral universe. It’s just that instead of doing it with men and guns, she chose to write about mad, lonely girls and big, sinister houses”.
  • 13
    Os dados sobre as vendas e avaliações dos dois textos originais e de suas respectivas traduções brasileiras foram checados no dia 10 de março de 2021.
  • 14
  • 15
    Pesquisa realizada em 12 de março de 2021.
  • 16
  • 17
  • 18
  • 19
  • 20
    Foi necessário acrescentar o termo “horror” porque há autoras (de outras áreas) com nomes iguais ou parcialmente semelhantes.
  • 21
    Tipos de fontes: dissertações e teses; documentos de trabalho; jornais; livros; outras fontes; periódicos acadêmicos; periódicos comerciais; procedimentos e trabalhos de conferência; relatórios; revistas, e trabalho de áudio e vídeo.
  • 22
    Fonte: https://oatd.org/ . Pesquisa feita com resultados contendo os nomes dos autores nos títulos em trabalhos escritos em língua inglesa.
  • 23
  • 24
    No original: “In media-related tweets, then, the identity, which foregrounds the story of the struggle for control over multiple identities and which is traditionally conversant with notions of unpopularity or deviance from “normal” audiencing behaviors, is more often used in a guardedly positive way. The <geek> , when stripped of its capitalist productivity vibe, slightly regresses toward its diachrony of freakishness or the still-contemporary bullied school-age outcast. The <nerd>, which seems to have never achieved much more, status-wise, than a playful insult and/or self-identification, seems to gain discursive power as a guarded rhetoric of the dance of control when confronted with much-loved media. In the context of media, it seems that <geek> and <nerd> flip as markers of agency”.
  • 25
    Disponível em: https://www.omelete.com.br/
  • 26
    Disponível em: https://mindminers.com/
  • 27
  • 28
    Classe A (rendimentos acima de 20 salários mínimos), Classe B (rendimentos entre 10 e 20 salários mínimos), Classe C (rendimentos entre 04 e 10 sálarios mínimos), Classe D (rendimentos entre 02 e 04 salários mínimos), e Classe E (rendimentos de até 02 salários mínimos). Fonte: https://fdr.com.br/2020/10/03/classe-social-descubra-se-pertence-ao-grupo-b-ou-c/
  • 29
    No original: “[…] high cultural capital respondents were able to make use of their greater command of the ‘aesthetic disposition’ to extend the adjective ‘beautiful’ (and thus aesthetically acceptable) to a wider range of objects than were working class respondents. In turn, lowstatus respondents showed a much more restricted capacity to deem unconventional objects as beautiful, thus deeming a larger number of objects as incapable of being aestheticized in comparison to respondents with high education backgrounds”.

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, L. M. (2021b) Shirley Jackson, Kazuo Ishiguro e o público leitor geek: Aspectos condicionantes de marcas de oralidade em traduções de ficção de gênero e de ficção literária. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n.1.
  • AMORIM, L. M. (2021a) Capital simbólico, público-leitor e a tradução de best-sellers: a questão da representação da variação linguística em Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, e em Star Wars: Provação, de Troy Denning. Tradução em Revista, 31.
  • AMORIM, L. M. (2018b). Contrastando marcas de oralidade em traduções de “alta literatura” e de “best-sellers de ficção popular”: Ernest Hemingway e Agatha Christie. Belas Infiéis, v. 7, n. 1, p. 59-90, 2018.
  • AMORIM, L. M. (2018a). A variação linguística em traduções de alta literatura e de best-sellers de ficção popular. TradTerm, São Paulo, v.31, p. 136-163.
  • BOURDIEU, P. (2017). A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Tradução Daniela Kern e Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk.
  • BOURDIEU, P. (2015). A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. 3. ed. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Porto Alegre: Zouk .
  • BOURDIEU, P. (1983). Esboço da teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu/Sociologia Coleção Grandes Cientistas Sociais. Tradução Paula Monteiro. São Paulo: Ática.
  • BRITTO, P. H. (2012). A tradução literária Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • FERRO, S. (2019). Five facts about Shirley Jackson. Mental Floss Disponível em: https://www.mentalfloss.com/article/566901/shirley-jackson-facts Acesso em: Jan. 2021.
    » https://www.mentalfloss.com/article/566901/shirley-jackson-facts
  • GRUPO alemão Bertelsmann conclui aquisição da Penguin Random House. (2020). Folha de São Paulo Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/04/grupo-alemao-bertelsmann-conclui-aquisicao-da-penguin-random-house.shtml Acesso em: Jan. 2021.
    » https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/04/grupo-alemao-bertelsmann-conclui-aquisicao-da-penguin-random-house.shtml
  • LIZARDO, O.; SKILES, S. (2016). After omnivoriousness is Bourdieu still relevant? In: HANQUINET, L.; SAVAGE, M. (Ed). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture New York: Routledge.
  • LOUREIRO, J. (2020) Conheça quais são as maiores editoras do Brasil. Livrobingo Disponível em: https://www.livrobingo.com.br/conheca-quais-sao-as-maiores-editoras-do-brasil Acesso em: 10 Jan. 2021.
    » https://www.livrobingo.com.br/conheca-quais-sao-as-maiores-editoras-do-brasil
  • ISHIGURO, K. (2016). Não me abandone jamais Tradução de Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras.
  • ISHIGURO, K. (2006). Never let me go New York: Vintage Books.
  • ISHIGURO, K. (2016). The Buried Giant New York: Knopf Doubleday.
  • ISHIGURO, K. (1990). The Remains of the Day New York: Vintage International.
  • JACKSON, S. (2018). A assombração da casa da colina Tradução de Débora Landsberg. São Paulo: Suma/Companhia das Letras.
  • JACKSON, S. (2006). The Haunting of Hill House New York: Penguin Classics.
  • JACKSON, S. (2006). We have always lived in the castle New York: Penguin Classics .
  • LE GUIN, U. (2015). Are they going to say this is fantasy? Book View Café Disponível em: http://bookviewcafe.com/blog/2015/03/02/are-they-going-to-say-this-is-fantasy/Acesso em: Jan 2021.
    » http://bookviewcafe.com/blog/2015/03/02/are-they-going-to-say-this-is-fantasy/
  • MARCHE, S. (2015). How Genre Fiction Became More Important Than Literary Fiction. Esquire Disponível em: https://www.esquire.com/entertainment/books/a33599/genre-fiction-vs-literary-fiction/ Acesso em: Jan. 2015.
    » https://www.esquire.com/entertainment/books/a33599/genre-fiction-vs-literary-fiction/
  • MICHEL, L. (2015). Was the Year the Literary Versus Genre War Ended. Flipboard Disponível em: https://flipboard.com/@vice/2015-was-the-year-the-literary-versus-genre-war-ended/f-6391f13e22%2Fvice.com?format=amp Acesso em: Jan. 2021.
    » https://flipboard.com/@vice/2015-was-the-year-the-literary-versus-genre-war-ended/f-6391f13e22%2Fvice.com?format=amp
  • MILLER, L. (2015). We’re all genre readers now: Can we finally stop the tired “pixies and dragons” vs. literary fiction wars? Salon Disponível em: https://www.salon.com/2015/03/11/were_all_genre_readers_now_can_we_finally_stop_the_tired_pixies_and_dragons_vs_literary_fiction_wars/ Acesso em: Jan 2021.
    » https://www.salon.com/2015/03/11/were_all_genre_readers_now_can_we_finally_stop_the_tired_pixies_and_dragons_vs_literary_fiction_wars/
  • A NOVA SUMA. (2017). Publishnews Disponível em: https://www.publishnews.com.br/materias/2017/08/30/a-nova-suma#:~:text=%E2%80%9CO%20p%C3%BAblico%20geek%20%C3%A9%20mais,para%20os%20leitores%20e%20f%C3%A3s%E2%80%9D Acesso em: Jan. 2021.
    » https://www.publishnews.com.br/materias/2017/08/30/a-nova-suma#:~:text=%E2%80%9CO%20p%C3%BAblico%20geek%20%C3%A9%20mais,para%20os%20leitores%20e%20f%C3%A3s%E2%80%9D
  • SUSTICK, K. (2020). Professor examines works that push the limits of genre. The Ithacan Disponível em: https://theithacan.org/opinion/qa-professor-examines-works-that-push-the-limits-of-genre/ Acesso em: Jan. 2021.
    » https://theithacan.org/opinion/qa-professor-examines-works-that-push-the-limits-of-genre/
  • SWIRSKI, P.; VANHANEN, T. E. (Eds.). (2017). When Highbrow Meets Lowbrow Popular Culture and the Rise of Nobrow New York: Palgrave Macmillian.
  • SWIRSKI, P. (2005). From Lowbrow to Nobrow Montreal: McGill-Queen’s University Press.
  • VROOMAN, S. et al (2018). Mediagasms, Ironic Nerds, and Mainstream Geeks: A Multimethodological Ideographic Cluster Analysis of <Nerd> and <Geek> and on Twitter. In: LANE, K. (Ed.) Age of the Geek: Depictions of Nerds and Geeks in Popular Media Palgrave MacMillan: Alva.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2021
  • Aceito
    26 Jun 2021
  • Publicado
    28 Jul 2021
UNICAMP. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp/IEL/Setor de Publicações, Caixa Postal 6045, 13083-970 Campinas SP Brasil, Tel./Fax: (55 19) 3521-1527 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: spublic@iel.unicamp.br