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ANÁLISE ESTRUTURAL DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE COVID-19 ENTRE ENFERMEIROS ASSISTENCIAIS

RESUMO

Objetivo

analisar a estrutura das representações sociais sobre a Covid-19 entre enfermeiros assistenciais.

Método

estudo qualitativo fundamentado na Teoria das Representações Sociais, com análise estrutural, realizado com 178 enfermeiros do Ceará, Brasil, no período de maio a junho de 2020. As evocações foram tratadas pelo software EVOC 2000 originando o quadro de quatro casas. Utilizou-se o IRAMUTEQ para produzir a árvore de similitudes.

Resultados

o possível núcleo central foi constituído pelos elementos “medo” e “isolamento”, com a “morte” constituindo a primeira periferia; “tristeza”, “dor” e “insegurança”, na segunda periferia; e “dispneia”, “angústia” e “pandemia”, na zona de contraste.

Conclusão

no primeiro momento, as representações foram construídas em torno de emoções e sentimentos negativos. Indicam-se novos estudos, com adoção de outros métodos de análise para confronto dos achados.

DESCRITORES
Coronavírus; Enfermagem; Profissionais de Saúde; Medo; Isolamento social; Morte

ABSTRACT

Objective

to analyze the structure of the social representations on Covid-19 among assistance nurses.

Method

a study with a qualitative approach, based on the Theory of Social Representations, with structural analysis, conducted with 178 nurses from Ceará, Brazil, from May to June 2020. The evocations were processed with the EVOC 2000® software, creating the four-house chart. IRAMUTEQ® was used to produce the similarity tree.

Results

the potential central nucleus was composed of “fear” and “isolation”, with “death” constituting the first periphery; “sadness”, “pain”, and “uncertainty” in the second periphery; and “dyspnea”, “anguish”, and “pandemic”, in the contrast zone.

Conclusion

at the first moment, the representations were constructed around negative feelings and emotions. New studies are indicated, with the adoption of other analysis methods to confront the findings.

DESCRIPTORS
Coronavirus; Nursing; Health professionals; Fear; Social isolation; Death

RESUMEN

Objetivo

analizar la estructura de las representaciones sociales sobre Covid-19 entre enfermeros asistenciales.

Método

estudio de enfoque cualitativo, fundamentado en la Teoría de las Representaciones Sociales, con análisis estructural, realizado con 178 enfermeros de Ceará, Brasil, entre mayo y junio de 2020. Las evocaciones se sometieron a tratamiento en el software EVOC 2000® dando origen al cuadro de las cuatro casas. Se utilizó el IRAMUTEQ® para generar el árbol de similitud.

Resultados

el posible núcleo central estuvo constituido por los siguientes elementos: “miedo” y “aislamiento”, con la “muerte” constituyendo la primera periferia; “tristeza”, “dolor” e “inseguridad”, en la segunda periferia; y “disnea”, “angustia” y “pandemia”, en la zona de contraste.

Conclusión

en el primer momento, las representaciones se construyeron en torno a emociones y sentimientos negativos. Se indican nuevos estudios, con la adopción de otros métodos de análisis para confrontar los hallazgos.

DESCRIPTORES
Coronavirus; Enfermería; Profesionales de la salud; Miedo; Aislamiento social; Muerte

INTRODUÇÃO

A Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) se caracteriza por ser doença infecciosa, causada pelo Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS-CoV-2), de comportamento ainda não plenamente esclarecido. Este vírus é responsável por uma pandemia sem precedentes nos últimos cem anos da história da saúde brasileira e causadora de uma crise sanitária não vivenciada há muito tempo, vitimando milhares de pessoas em todo o mundo.11. Johns Hopkins Whiting School of Engineering. Center for Systems Science and Engineering [Internet]. Coronavirus COVID-19 Global Cases. 2020 [cited 2020 Mar 24]. Avaliable from: https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6
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Até a segunda quinzena de setembro de 2020, o coeficiente de incidência da doença no mundo era de 4.184/1.000.000 habitantes e o Brasil ocupava a 8ª posição em relação aos demais países, com coeficiente de 22.451 casos/1.000.000 habitantes. Neste mesmo recorte temporal, a taxa de mortalidade no mundo era de 127 mortes por um milhão de habitantes, quando, no Brasil, essa incidêcia era cinco vezes maior, ou seja, 673 óbitos/1.000.000 habitantes.22. Ministério da Saúde (BR). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial - COE - COVID-19. [Internet]. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde;30 Sept 2020 [cited 2020 Oct 03]. Avaliable from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/october/01/boletim-epidemiologico-covid-33-final.pdf
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Devido ao potencial de rápida disseminação, associada à elevada mortalidade, além da inexistência de medidas específicas e terapêuticas comprovadamente eficazes, somadas à deficiente estrutura no sistema de saúde brasileiro, com insuficiência na oferta de leitos, a pandemia da Covid-19 resultou em adoção de medidas radicais pelas autoridades de saúde, jamais vividas pela sociedade contemporânea. Dentre estas, o fechamento do comércio, das escolas, a proibição de fluxo de pessoas em lugares públicos, barreiras sanitárias intermunicipais e até oclusões de fronteiras internacionais têm ocasionado profundas mudanças nos modos de vida da sociedade que tem de enfrentar problemas econômicos, psicossociais, políticos e crise no sistema de saúde.33. Lyon D. Pandemic paradox. ONF [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 08];47(4):371-2. Avaliable from: https://onf.ons.org/onf/47/4/pandemic-paradox
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-55. Aquino EML, Silveira IH, Pescarini JM, Aquino R, Souza-Filho JAS, Rocha AS, et al. Social distancing measures to control the COVID-19 pandemic:potential impacts and challenges in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2020 [cited 2020 June 25];25(Suppl 1):2423-46. Avaliable from: https://doi.org/:10.1590/1413-81232020256.1.10502020
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Diante dessa nova conjuntura sanitária e das repercussões provenientes, cientistas têm se dedicado a estudar os efeitos da pandemia, especialmente junto aos trabalhadores de saúde que, diferentemente de grande parte da população que se mantém em distanciamento social, estão na linha de frente do atendimento nos serviços de saúde. Neste contexto, os enfermeiros se destacam por representar considerável contingente de profissionais nestas equipes, bem como pelo elevado tempo de permanência junto aos pacientes, aumentando a possibilidade de desenvolver a Síndrome de Burnout, mediante a insegurança que vivenciam em se infectar, bem como em transmitir aos familiares.66. Rodrigues NH, Silva LGA. Management of the coronavirus pandemic in a hospital: professional experience report. J Nurs Health [Internet]. 2020 [cited 2020 June 29];10(spe):e20104004. Avaliable from: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1095608/2-gestao-da-pandemia-coronavirus-em-um-hospital-relato-de-expe_r8ZHcz8.pdf
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Essa realidade epidemiológica e social, condicionada pela pandemia, desvela a vulnerabilidade dos profissionais de saúde. Mudanças significativas nos modos de viver e nos processos de cuidar propiciam percepções diferenciadas sobre essa realidade, indicando que, mediante esse novo cenário, em que condutas são redirecionadas, significados e juízos são formados, é importante compreender as representações sociais, que ainda estão sendo constituídas por diversos grupos, dentre estes, enfermeiros, que vivenciam os impactos causados pela Covid-19.

As representações sociais agem como um modelo para interpretação da vivência por enfermeiros, sobre como se relacionam com o meio, bem como apresentam parte do sistema de conhecimento destes profissionais, expressas por crenças e metáforas que transcendem as experiências individuais. Diante dessas considerações, questionou-se: qual a estrutura representacional sobre a Covid-19 entre enfermeiros que trabalham na assistência a pacientes acometidos por esse agravo?

Assim, objetivou-se analisar a estrutura das representações sociais sobre a Covid-19 entre enfermeiros assistenciais do Ceará. A relevância deste estudo reside no fato de reunir vivências, experiências e representações de enfermeiros sobre os enfrentamentos diários percebidos ao lidar com este vírus, nas ações de cuidado prestadas e, ao mesmo tempo, acerca da aquisição de maior conhecimento sobre a doença. Deste modo, a vivência, atrelada ao conhecimento prático, pode ser ferramenta para uma ação de cuidado com mais sentido e segurança, motivando, deste modo, profissionais a produzirem um novo modo de agir e produzir cuidados. Isto implica apreender, realizar inferências sobre a situação enfrentada, ancorar o novo vírus e a nova doença em quadros antigos de conhecimentos e desenvolver imagens para ambos, formando representações sociais, como aponta a teoria.77. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ(BR): Zahar; 1978. -88. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro, RJ(BR): EdUERJ; 2001.

MÉTODO

Estudo de enfoque qualitativo, direcionado pela ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualittive Research (COREQ) e ancorado no referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais (TRS), na abordagem estrutural. A representação social, na abordagem estrutural, está organizada em um núcleo central e elementos periféricos que conformam a representatividade do grupo estudado, sendo o primeiro o motivo da estruturação, do sentido e da permanência ao longo do tempo. O núcleo central se liga à memória social do grupo, sendo o aspecto consensual. Por outro lado, o sistema periférico se relaciona ao contexto mais imediato, é flexível e apresenta os aspectos práticos.99. Abric JC. Experimental study of group creativity: task representation, group structure and performace. Eur J Soc Psychol [Internet]. 1971 [cited 2020 June 20]:311-26. Avaliable from: https://doi.org/10.1002/ejsp.2420010303
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Oportuniza, assim, a compreensão do processo pelo qual o entendimento do objeto estudado é posto pelos sujeitos nas relações por eles estabelecidas, na construção da realidade e incorporação do universo. A proposição teórica se ocupa da ligação entre sujeito e objeto, e como ocorre a construção do conhecimento individual e coletivo, na edificação das Representações Sociais oriundas de senso comum.77. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ(BR): Zahar; 1978.

O cenário do estudo foi o Ceará, Brasil, centro da pandemia da Covid-19, na Região Nordeste, com mais de oito mil óbitos, e que apresentou altos coeficientes de mortalidade da doença no país, até o mês de setembro.1010. Secretaria Estadual de Saúde do Ceará. Boletim epidemiológico: doença pelo novo coronavírus (COVID-19) [Internet]. Fortaleza, CE(BR): Secretaria de Saúde do Estado do Ceará; 2020 [cited 2020 Oct 03]. Avaliable from: https://coronavirus.ceara.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/boletim_covid_SE44_24_09_2020.pdf
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A população foi formada por 14.308 enfermeiros do estado do Ceará. A amostra inicial foi composta por 2.145 enfermeiros, selecionados por conveniência, que aceitaram participar da primeira etapa do estudo, resposta a um questionário on-line e segunda etapa por meio de contato telefônico.

Como critérios de inclusão, definiram-se: (1) profissionais atuantes na assistência a pacientes com Covid-19, no período da coleta dos dados, e (2) inseridos nas unidades de pronto atendimento e hospitalares. Acrescenta-se que a seleção desses critérios ocorreu com base nos três aspectos de constituição dos sujeitos como um grupo social a ser estudado pela Teoria das Representações Sociais: (1) uma mesma classe profissional, (2) implementação de assistência a um mesmo grupo de pacientes acometidos por uma síndrome desconhecida no contexto de uma pandemia e (3) atuação em níveis maiores de complexidades na rede assistencial, como o pronto atendimento e o hospital.

Excluíram-se para a segunda etapa os participantes com os quais não foi possível contato por telefone, após três ligações, bem como os que não aceitaram responder à pergunta realizada por telefone.

Para coletar os dados, produziu-se questionário semiestruturado, com 12 questões que reuniam dados relacionados ao perfil socioeconômico, bem como endereço eletrônico e telefônico dos enfermeiros. Após a produção do questionário, realizou-se teste piloto com seis profissionais. Como não se identificou qualquer dificuldade ou inconformidade, prosseguiu-se à coleta.

Identificaram-se, nas redes sociais (WhatsApp, Instagram, Facebook), enfermeiros do Ceará, da rede de conhecimento dos pesquisadores, bem como aqueles que referiam a enfermagem enquanto profissão em redes sociais particulares e privadas. Os 2.145 enfermeiros identificados foram convidados a participar do estudo, por meio de mensagem privada, em que se explicitou o objetivo da pesquisa, e caso os mesmos respondessem aceitando participar, enviaram-se on-line os termos de consentimento livre e esclarecido, também devolvidos de forma on-line, e o link para responder ao questionário.

Este primeiro momento ocorreu entre os dias 17 a 21 de maio de 2020 (período definido para coleta). Assim, dos 2.145 enfermeiros contactado, 773 responderam à mensagem e aceitaram participar, entretanto, apenas 762 devolveram os instrumentos devidamente preenchidos, que foram disponibilizados por meio do Google Forms.

Dos 762 enfermeiros que responderam ao instrumento de coleta de dados que fora enviado pleo Google Forms completo, conseguiu-se contato telefônico de 213. Estes foram contactados entre os dias 29 de maio a 13 de junho de 2020, em que 35 recusaram participar da evocação de palavras. A amostra final foi constituída, portanto, por 178 enfermeiros.

Com estes, por meio de ligação telefônica, aplicou-se o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP). Durante a ligação, não se indagou o local onde o participante se encontrava, mas foi questionado se estava em ambiente confortável e reservado para responder à pesquisa. Logo após, realizou-se a solicitação: fale as cinco primeiras palavras que lhe vem à mente, quando você escuta o termo Covid-19. O tempo médio de evocações foi de 14 segundos, com mínimo de oito e máximo de 30 segundos para proferir os cinco termos.

Os termos proferidos foram registrados, de acordo com a ordem de evocação, em fichas individuais, catalografadas de forma alfanumérica, com a letra E e a numeração correspondente à ordem da ligação pelas pesquisadoras, de forma a garantir o sigilo.

Esse método para coletar os dados (via telefone) se justifica mediante o isolamento social vivenciado, dificultando pesquisas presenciais. Ademais, os meios virtuais e telefônicos se encontram consolidados em outros tipos de estudo e podem se configurar como técnica aceitável na apreensão das Representações Sociais.

Os dados sociodemográficos foram consolidados no Excel®, exportados para análise no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0, apresentados por meio da estatística descritiva, por meio de frequências absoluta, relativa e desvio padrão.

Para materialização do corpus do estudo, as palavras foram digitadas em arquivos diferentes do Word, com codificações apropriadas para tratamento, pelos softwares Ensemble de programm espermettant l’analyse dês evocations - (EVOC 2000®) e Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ®), com subsequente homogeneização dos termos, visando padronização, no tocante às flexões (gênero e número). Logo após, o arquivo foi salvo em formato .txt (formato comportado pelo EVOC) e .txt Unicode UTF-8 (formato reconhecido pelo IRAMUTEQ®).

Prosseguiu-se com a apreciação das evocações, mediante análise e construção do quadro de quatro casas, demonstrando, de forma gráfica, os termos relativos aos núcleos central e intermediários, referentes ao conjunto de evocações proferidas. Consideraram-se a frequência das palavras e Ordem Média de Aparecimento das Evocações (OME), por meio dos parâmetros: frequência mínima de 15, intermediária de 32 e Rang de 2,8.

O possível núcleo central foi representado pelos elementos que apresentaram maior frequência e foram indicados pelo maior número de pessoas nas primeiras posições (quadrante superior esquerdo). O quadrante que apresenta elementos de baixa frequência, porém, em posições iniciais (quadrante inferior direito), é chamado de zona de contraste, enquanto aquele que possui alta frequência, no entanto, proferidos nas últimas posições (quadrante superior direito), primeira periferia. O quadrante da segunda periferia (quadrante inferior direito) é constituído de elementos que apresentem baixa frequência e últimas localizações.77. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ(BR): Zahar; 1978. -88. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro, RJ(BR): EdUERJ; 2001.

O corpus textual foi submetido ao tratamento no IRAMUTEQ®, versão 0.7 alpha 2, para realizar análise de similitude e composição da árvore máxima para visualização da conexão entre os elementos da representação. A apresentação dos resultados foi realizada por meio de tabela e figura, para melhor compreensão dos achados. A discussão foi pautada na literatura nacional e internacional, bem como nas proposições da Teoria das Representações Sociais. O estudo em tela obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Dos 178 enfermeiros, 165 (92,7%) eram do sexo feminino, com idade média de 32,7 (±6,8) anos, variando entre 21 e 66 anos. No tocante ao estado civil, 102 (57,3%) eram casados. O tempo médio de formado foi de 7,5 (±5,7) anos. Mais da metade (n=101, 56,7%) atuava no hospital e os demais (n=77, 43,3%) em Unidades de Pronto Atendimento (UPA), 71 (39,9%) desempenhavam as funções em unidades de terapia intensiva e todos atenderam a pacientes em situação de internação devido à Covid-19. Entre os participantes, 112 (62,9%) trabalhavam em Fortaleza (capital do Ceará). Todos estavam atuando nesses serviços desde o início da pandemia.

Elencaram-se 890 palavras, destas, 198 foram diferentes e 90 evocações foram pronunciadas apenas uma vez. Excluíram-se os termos com enunciação inferior a 15 e construiu-se o quadro de quatro casas (Tabela 1).

Tabela 1
Estrutura da representação social da Covid-19 entre enfermeiros por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras. Ceará, Brasil, 2020. (n=??)

O possível núcleo central foi composto por “medo” e “isolamento”. Merece atenção a presença do binômio medo-isolamento como elementos que estruturam a representação, assim como se destaca a alta frequência da ideia de morte. Em última instância, formou-se uma tríade, em que se conjuga, de maneira importante, o medo, com a maior frequência da análise e o segundo menor Rang, morte, a segunda maior frequência, e isolamento, a terceira maior frequência. Pode-se considerar que a representação social da Covid-19 para enfermeiros se organiza ao redor destes elementos.

A análise de similitude das evocações produziu a árvore máxima (Figura 1), com vistas a confirmar a centralidade dos núcleos e assentir a centralidade apresentadas na tabela 1.

Figura 1
Análise de similitude das evocações sobre Covid-19 de enfermeiros, por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras. Ceará, Brasil, 2020.

A figura da árvore de similitude explicita como a palavra medo possui efeito de organização na imagem exposta, com 20 evocações agregadoras e cinco nós (núcleos), “morte” (n=72), “isolamento” (n=34), “ansiedade” (n=32), “dispneia” (n=30), “angústia” (n=28). O termo “morte” se configurou como elemento intermediário, com sete elementos associados, e apresentou conexão com “mudança” (n=04), “internação” (n=04), “hospital” (n=04), “UTI” (n=03), “intubação” (n=04), “contágio”(n=02) e “sofrimento” (n=02). Ao mesmo tempo, “isolamento” esteve presente como núcleo central e apontou ligações com os termos “sintoma” e “pandemia”.

Observou-se, ainda, a importância da palavra “morte” na árvore, em que há um bloco de conteúdo específico que nasce desta palavra e inclui os termos “internação”, “hospital” e “intubação”, dentre outras que poderiam ser citadas. Trata-se, portanto, da morte física, decorrente da infecção pela Covid-19.

DISCUSSÃO

As representações sociais apontam uma realidade absorvida por um grupo e reedificada no sistema cognitivo deste, o qual é pautado nos valores, nas vivências e nos contextos nos quais estão inseridos. Constitui-se como uma organização significante que interpreta a realidade e orienta ações e comportamentos.99. Abric JC. Experimental study of group creativity: task representation, group structure and performace. Eur J Soc Psychol [Internet]. 1971 [cited 2020 June 20]:311-26. Avaliable from: https://doi.org/10.1002/ejsp.2420010303
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O núcleo central é formado pelos elementos mais estáveis e rígidos de uma representação, resistente a mudanças, regado de valores e com sustentação ideológica do grupo, frente ao momento experienciado.99. Abric JC. Experimental study of group creativity: task representation, group structure and performace. Eur J Soc Psychol [Internet]. 1971 [cited 2020 June 20]:311-26. Avaliable from: https://doi.org/10.1002/ejsp.2420010303
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Ao analisar o Quadro 1, observa-se que o possível núcleo central da representação social sobre a Covid-19 entre os enfermeiros se encontra representado por “medo” e “isolamento”. Contudo, deve-se considerar, de maneira importante, o léxico morte como elemento presente na primeira periferia, mas com citação importante por parte dos sujeitos. Tem-se, então, uma característica afetiva e outra comportamental, ambas relacionadas à pandemia, bem como a concretude da finitude humana, expressa em mais de 140.000 mortos no Brasil.22. Ministério da Saúde (BR). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial - COE - COVID-19. [Internet]. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde;30 Sept 2020 [cited 2020 Oct 03]. Avaliable from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/october/01/boletim-epidemiologico-covid-33-final.pdf
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Amparados nas proposições da teoria do núcleo central, o termo “isolamento” se apresentou como constituinte do núcleo central da representação. Sabe-se que o isolamento inviabiliza encontros, atividades de lazer e ações laborais. Trata-se de condição imposta pela pandemia, como medida para conter a transmissão do vírus, a fim de evitar o colapso do sistema de saúde.44. Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Factors associated with people’s behavior in social isolation during the COVID-19 pandemic. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2020 [cited 2020 June 29];25(Suppl 1):2411-2. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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Nos últimos anos, nenhuma condição de doença suscitou igual isolamento social, dificultando, assim, a produção teórica e científica da representação social sobre o assunto e apontando que a representação social da Covid-19, por parte dos enfermeiros, encontra-se em processo de construção. Assim, reflete-se que essa condição, sem precedentes nas últimas décadas, produz construções sociocognitivas entre enfermeiros acerca da Covid-19, em especial no contexto do isolamento, do uso de EPI, das informações ininterruptas transmitidas pela mídia e da tensão entre a área da saúde e da economia, considerando o ineditismo da situação.

Para além do distanciamento da sociedade, o isolamento da pessoa cuidada pode causar diversos impactos, tendo em vista que, durante o processo de adoecimento, esta se encontra afastada dos familiares, seja em âmbito hospitalar ou isolada em domicílio.1111. Maben J, Bridges J. Covid-19: Supporting nurses’ psychological and mental health. J Clin Nurs [Internet]. 2020 [cited 2020 June 25];19(15-16):2742-50. Avaliable from: https://doi.org/10.1111/jocn.15307
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Além do mais, muitos profissionais se isolaram dos familiares como medida preventiva.

A experiência de uma pandemia, com grande número de infectados e mortos, é uma realidade excepcional para os enfermeiros do século XXI. Cuidar de pessoas infectadas pelo novo coronavírus se tornou um desafio, devido à diversidade e complexidade dos sintomas apresentados, bem como em virtude das dificuldades estruturais e de processos de trabalho reveladas por essa nova realidade, além da alta exposição dessas pessoas ao vírus.

O outro possível elemento central foi representado pelo “medo”. Compreende-se que o medo dos profissionais pode ser, principalmente, relacionado à possibilidade de infecção e morte. Estudo chinês apontou que vários jovens, membros das equipes de saúde, infectados pela Covid-19, cujos casos pareciam leves, no estágio inicial da doença, recentemente se deterioraram acentuadamente e morreram, aumentando, sobremaneira, o medo do vírus.1212. Huang L, Lin G, Tang L, Yu L, Zhou Z. Special attention to nurses’ protection during the COVID-19 epidemic. Crit Care [Internet]. 2002 [cited 2020 Jul 06];24:120. Avaliable from: https://doi.org/10.1186/s13054-020-2841-7
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Nos últimos cinquenta anos, os profissionais de saúde encontraram riscos de se infectarem por HIV/Aids, SARS, gripe suína e ebola. Como ainda existem lacunas sobre o SARS-CoV-2, no tocante à fisiopatologia, ao modo de transmissão, ao perfil de suscetibilidade e à natureza infecciosa, além de falhas nas cadeias de suprimentos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), os profissionais de saúde estão sendo solicitados a assumir riscos substanciais e incertos, provocadores de medo e angústia.1313. Morley G, Grady C, McCarthy J, Ulrich CM. Covid-19: Ethical Challenges for Nurses. Hastings Center Report [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 04];50(3)53-9. Avaliable from: https://doi.org/10.1002/hast.1110
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A literatura aponta, ainda, que ao cuidar de pacientes com doenças infecciosas, o medo de contraí-las está presente entre profissionais da enfermagem, configurando-se como fator estressor que impulsiona atitudes negativas que impactam diretamente na assistência prestada, assim como desencadeia sintomas e provoca danos à vida desses profissional.1414. Sanches RS, Souza AR, Lima ES. Factors related to the development of stress and burnout among nursing professionals who work in the care of people living with HIV/aids. Rev Fund Care Online [Internet] 2018 [cited 2020 June 30];10(1):276-82. Avaliable from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.276-282
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Para além de infectar-se, o medo de contaminar a família foi um sentimento desvelado por enfermeiros durante os primeiros dias de atendimento na pandemia.1515. Humerez DC, Ohl RIB, Silva MCN. Saúde mental dos profissionais de enfermagem do Brasil no contexto da pandemia Covid-19: ação do Conselho Federal de Enfermagem. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 01];25:e74115. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.74115
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As mulheres vivenciam o medo de forma mais frequente que os homens e, para além daquele relacionado à exposição, enfrentar situações catastróficas, trabalhar em serviços superlotados e com subdimensionamento de pessoal são situações amedrontadoras no exercício profissional.1616. Muir-Cochrane E, O’Kane D, Oster C. Fear and blame in mental health nurses’ accounts of restrictive practices: Implications for the elimination of seclusion and restraint. Int J Ment Health Nurs [Internet] 2018 [cited 2020 June 29]:27(5):1511-21. Avaliable from: https://doi.org/10.1111/inm.12451
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A dimensão representada pelo “medo” também contempla a vivência desses enfermeiros diante das experiências adquiridas, elaboradas e ressignificadas dos processos de trabalho e que apresenta possível configuração da realidade coletiva, demonstrando que tais sentimentos são intrínsecos aos seres humanos nos diversos papéis desempenhados.

Outrossim, alguns elementos apresentaram conexão com o medo, na análise de similitude, como “ansiedade”, “desespero”, “estresse”, “pavor”, “preocupação”, “angústia”, “dor”, insegurança”, “perda”, “tristeza” e “solidão”, entre outros. Vislumbra-se a predominância de sentimentos negativos, impostos pelo medo, e que se completam de sentidos para os enfermeiros durante a pandemia da Covid-19.

Nessa perspectiva, ao considerar que podem existir experiências positivas em um cenário de crise, observam-se, de forma imperiosa, as representações atravessadas por elementos negativos. Espera-se que os enfermeiros encontrem elementos internos para lidarem com os sentidos e significados que o momento impõe, bem como recebam amparo institucional, de forma ampla e respeitosa.

Ao ponderar que a primeira periferia apresenta a conexão entre a realidade concreta e o núcleo central, esta possui como função sustentar a heterogeneidade apresentada pelo grupo.99. Abric JC. Experimental study of group creativity: task representation, group structure and performace. Eur J Soc Psychol [Internet]. 1971 [cited 2020 June 20]:311-26. Avaliable from: https://doi.org/10.1002/ejsp.2420010303
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O termo medo apresentou importante ancoragem à “morte”, demonstrando que a proximidade da morte é real e significante. A morte apresentou conexão com os léxicos “mudança”, “internação”, “hospital”, “UTI”, “intubação”, “contágio” e “sofrimento”, configurando importante interlocução com os constituintes biológicos do adoecimento, bem como relacionados ao ambiente hospitalar, local onde a quase totalidade dos óbitos acontecem.1717. Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FHP. “Pandemic fear” and COVID-19: mental burden and strategies. Braz J Psychiatry [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 07];42(3):232-5. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0008
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A representação de morte interligada ao ambiente hospitalar também pode ser gerada pelos profissionais, em virtude da escassez dos recursos que estes vivenciam. As regiões brasileiras com menor quantitativo de leitos em serviços especializados e ventiladores mecânicos foram associados às maiores médias de mortalidade, realidade especialmente presente em partes das Regiões Nordeste, Sul e Sudeste.1818. Moreira RS. COVID-19: intensive care units, mechanical ventilators, and latent mortality profiles associated with case-fatality in Brazil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 07]:36(5):e00080020. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00080020
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De fato, a Covid-19 tem feito milhares de vítimas e revela que o cuidado ao paciente crítico requer arcabouço científico e profissional consubstanciado, além de estrutura emocional que sustente o profissional, mediante intempéries e perdas, durante o cuidado. Apesar de muitas vidas terem sido protegidas, as mortes foram marcantes, devido ao quantitativo e à velocidade que ocorreram, de forma que não se pode precisar as repercussões entre enfermeiros.

Refletir sobre a morte, no contexto de trabalho de enfermeiros, carece de esteio teórico que coadune com a percepção de finitude da vida e como essa compreensão impacta a prática do cuidado. As situações de cuidado no processo de morrer são imprecisas e singulares, demandando dos enfermeiros tomadas de decisões que se alongam para além de constructos clínicos, mas que impõem ética e, até mesmo, sentido, que dificilmente podem ser compreendidos por meio das ciências duras.1919. Rosemberg JOC, Silva OS. Death: reflections for nursing care in the hospital space. Rev Enferm UFPE on line [Internet]. 2017 [cited 2020 June 29];1(Suppl 10):3662-71. Avaliable from: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i9a234497p3662-3671-2017
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-2020. Cardoso MFPT, Alves CMPM, Martins MMFPS. The dying process: its manifestation in nursing records. R Enf Referencia [Internet]. 2019 [cited 2020 June 29];21:121-30. Avaliable from: https://doi.org/10.12707/RIV19016
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A morte é uma situação complexa e sofrida, cuja ocorrência frequente, em um contexto de pandemia como este, exerce importante impacto sobre os profissionais de saúde, em particular os enfermeiros. Para mais, aponta-se que esse tema ainda é pouco discutido no âmbito acadêmico, produzindo, assim, profissionais vulneráveis, no tocante à finitude da vida humana, principalmente quando esta se encontra sob os cuidados desses profissionais. Aponta-se que o apoio psicológico tem contribuído de forma positiva no enfretamento dos enfermeiros em relação à morte.2121. Souza FF, Reis FP. The nurse against the death process of the pediatric patient. J. Health Biol Sci [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 1];7(3):277-83. Avaliable from: https://doi.org/10.12662/2317-3076jhbs.v7i3.2235.p277-283.2019 .
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Ademais, estes devem compreender a complexidade que envolve a situação de morte e os respectivos significados, principalmente para os pacientes e familiares, considerando a subjetividade, as condições socioculturais e institucionais dos sujeitos envolvidos nesse processo.2222. Prado RT, Leite JL, Silva IR, Silva LJ. Comunicação no gerenciamento do cuidado de enfermagem diante do processo de morte e morrer. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 22];28:e20170336. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2017-0336 .
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Outros termos surgiram na zona de contraste, como “dispneia”, “angústia” e “pandemia”. Ao reconhecer que pandemia é definida, na epidemiologia, como problema de saúde que afeta a população em mais de um continente,2323. Rouquayrol MZ, Gurgel M. Epidemiologia e saúde. 8th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Medsi; 2017. acredita-se que a evocação entre os sujeitos deste estudo revelou o aspecto conceitual e reificado das representações, além de uma problemática que está para além da realidade cotidiana e alcança dimensão mundial, demandando ações de enfrentamento em diferentes modalidades.

As determinações sociais da pandemia apontam que a forma de viver frente a esse momento tem evidenciado a faceta individualista, por meio de comportamentos não protetivos, bem como o lado humanitário de outros, que se propõem a ajudar e minimizar o sofrimento da população.2424. Souza DO. The COVID-19 pandemic beyond health sciences: reflections on its social deternation. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 05];25(Suppl 1):2469-77. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.11532020
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A dispneia se constitui importante complicação da doença, normalmente relacionada à dor, fadiga e ao processo infeccioso.2525. Dantas TP, Aguiar CAS, Rodrigues VRT, Silva RRG, Silva MIC, Sampaio LRL, et al. Nursing diagnoses for patients with COVID-19. Journal Health NPEPS [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 08];5(1):396-416. Avaliable from: https://doi.org/10.30681/252610104575
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Como a dispneia é uma manifestação clínica prevalente entre os doentes da Covid-19 e, muitas vezes, precursora de uma condição grave que pode evoluir para o óbito, pode-se considerar que se trata também de um aspecto reificado e vivencial.

A angústia se configurou, nesta pesquisa, como mais um sentimento negativo que permeia a realidade vivenciada por esses profissionais, compondo, deste modo, a representação acerca da doença. Estudos apontam a presença de sentimentos que revelam sofrimento e impotência de enfermeiros ao cuidar de pacientes em fase terminal,2626. Kolhs M, Machri E, Ferri G, Brustolin A, Bocca M. Sentimentos de enfermeiros frente ao paciente oncológico. J Health Sci Inst [Internet]. 2016 [cited 2020 Jul 08];18(4):245-50. Avaliable from: https://doi.org/10.17921/2447-8938.2016v18n4p245-50
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bem como indicam maior risco de apresentarem angústia quando prestam cuidados a pacientes portadores da Covid-19.2727. Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 08];3(3):e203976. Avaliable from: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
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A segunda periferia, representada pelos termos “tristeza”, “dor” e “insegurança”, promoveu coerência e proteção ao núcleo central, representado por dimensões emocionais de cunho negativo, potencialmente geradores de estresse e sofrimento. Estes elementos demonstram o importante impacto emocional e físico aos quais os enfermeiros são submetidos.

O sofrimento psíquico dos profissionais de saúde e, em particular, dos enfermeiros, na linha de frente do combate à Covid-19, podem ser provenientes da natureza do atendimento em si e das novas formas de trabalhar, as quais são altamente estressantes para estes trabalhadores.1111. Maben J, Bridges J. Covid-19: Supporting nurses’ psychological and mental health. J Clin Nurs [Internet]. 2020 [cited 2020 June 25];19(15-16):2742-50. Avaliable from: https://doi.org/10.1111/jocn.15307
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,1717. Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FHP. “Pandemic fear” and COVID-19: mental burden and strategies. Braz J Psychiatry [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 07];42(3):232-5. Avaliable from: https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0008
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,2727. Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 08];3(3):e203976. Avaliable from: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
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Em muitas áreas, os enfermeiros estão se adaptando para prestar assistência, no final da vida de pacientes, com mais frequência, diante de deterioração mais rápida do que costumavam.

Esses sentimentos negativos podem ser influenciados por fatores intrapessoais, interpessoais e organizacionais que influenciam o enfrentamento dos problemas encontrados nesta atual configuração dos sistemas e serviços de saúde, durante a pandemia. A capacidade de resolver conflitos internos, lidar com a ansiedade, as habilidades de autocontrole, a autoconsciência e autogestão nunca foram tão necessárias e fundamentais à manutenção do equilíbrio emocional e da harmonia nas relações de trabalho das equipes de saúde.

Em alguns serviços, por exemplo, para aliviar o estresse mental de enfermeiros, o enfermeiro chefe tem realizado reunião de 30 minutos com os enfermeiros que trabalharão na área de isolamento no dia seguinte, para conscientizá-los sobre o uso correto dos equipamentos e recursos adequados ao hospital. Além disso, os enfermeiros vêm sendo protegidos e avaliados no primeiro momento em que sentem algum desconforto; aqueles com sintomas de ansiedade ou insônia são, portanto, incentivados a procurar ajuda de psicoterapeutas na equipe de plantão 24 horas por dia, que os avaliará e os ajudará a lidar com possível estresse e depressão.1212. Huang L, Lin G, Tang L, Yu L, Zhou Z. Special attention to nurses’ protection during the COVID-19 epidemic. Crit Care [Internet]. 2002 [cited 2020 Jul 06];24:120. Avaliable from: https://doi.org/10.1186/s13054-020-2841-7
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Assim, torna-se imprescindível o reconhecimento qualitativo, na perspectiva de vivenciar e retratar a práxis profissional, completamente humana e, como tal, cercada de complexidades que influenciam diretamente a relação enfermeiro-paciente. Portanto, urgem maiores discussões sobre o assunto, durante a formação profissional, de forma a instrumentalizar enfermeiros, não apenas no que se refere ao cuidado clínico, mas aos constituintes emocionais relacionadas à morte, que poderão influenciar no processo de cuidado.

A despeito do exposto, apresenta-se como limitação desta pesquisa a dificuldade dos pesquisadores quanto à disponibilidade dos profissionais em realizar as evocações, bem como a impossibilidade de contato presencial para coleta de dados. Ademais, evidencia-se a necessidade de novos estudos, com adoção de outros métodos de análise para confronto dos achados.

CONCLUSÃO

No estudo em tela, apresentou-se a análise estrutural das representações sociais sobre Covid-19 entre enfermeiros assistenciais, destacando-se a presença do elemento emocional negativo como possível eixo central. A representação foi constituída por meio dos elementos “medo” e isolamento”, presentes no quadrante dos candidatos a serem centrais, e “morte”, na primeira periferia.

Acredita-se que este estudo contribui para compreender o momento vivenciado por enfermeiros, na implementação do cuidado direto às vítimas da Covid-19 mediante abordagem estrutural das representações sociais. Ademais, propicia a interpretação da realidade desses atores sociais. A forma como esses profissionais atribuem sentido à doença permite estabelecer nexos para reflexão acerca do objeto estudado, vislumbrado por enfermeiros a partir das realidades por eles vivenciadas.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da pesquisa - Aspectos epidemiológicos, clínicos e sociais de profissionais de saúde durante a pandemia da COVID-19 no Ceará, conduzido pelo Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, em 2020.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, parecer n. 4.029.492/2020, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 30873320.6.0000.5054

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Selma Regina de Andrade, Gisele Cristina Manfrini, Melissa Orlandi Honório Locks, Monica Motta Lino Editor-chefe: Roberta Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2020
  • Aceito
    08 Out 2020
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