ESTRESSE, SOBRECARGA E QUALIDADE DE VIDA EM CUIDADORES DE CRIANÇAS COM/SEM FISSURA OROFACIAL E DISFAGIA

RESUMO

Objetivo:

analisar a correlação entre o estresse, a sobrecarga e a qualidade de vida de cuidadores informais de crianças com e sem fissura orofacial e disfagia.

Método:

estudo transversal, do tipo caso-controle, realizado em um hospital público e terciário, situado no interior de São Paulo, Brasil, que englobou dois grupos: caso e comparativo. O grupocaso constou de 30 cuidadores informais de crianças com fissura orofacial e disfagia, em uso de sonda alimentadora, enquanto o comparativo foi composto por 30 cuidadores informais de crianças sem fissura orofacial, alimentadas por via oral. Para a coleta de dados, utilizouse a Escala de Bourden Interview, Inventário de Sintomas de Stress para Adultos e o World Health Organization Quality of Life Bref. Para a análise estatística, utilizaram-se os testes: qui-quadrado, t de Student, Mann-Whitney e de correlação de Pearson, todos com nível de significância de 5%. Usou-se, ainda, a análise das forças de correlação linear.

Resultados:

no grupo-caso, o estresse apresentou moderada correlação com a qualidade de vida global (r=-0,41; p=0,025) e satisfação com a saúde (r=-0,42; p=0,021). Ainda no grupo-caso, referente à qualidade de vida, os domínios Físico e Psicológico apresentaram forte correlação com a sobrecarga (r=-0,54, p=0,002; r=-0,55, p=0,002 respectivamente). No grupo comparativo, não foram identificadas correlações.

Conclusão:

entre os cuidadores informais de crianças com fissura orofacial e disfagia, evidenciou-se correlação entre o estresse e a percepção da qualidade de vida global e da satisfação com a saúde, bem como entre a sobrecarga e a qualidade de vida, nas dimensões física e psicológica.

DESCRITORES
Estresse psicológico; Sobrecarga; Qualidade de vida; Cuidadores; Fenda labial; Fissura palatina; Transtornos de deglutição; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to analyze the correlation between stress, overload and quality of life of informal caregivers of children with and without orofacial cleft and dysphagia.

Method:

a cross-sectional, case-control study carried out in a public and tertiary hospital, located in the inland of São Paulo, Brazil, which encompassed two groups: case and comparative. The case group consisted of 30 informal caregivers of children with orofacial cleft and dysphagia, using a feeding tube, while the comparative group consisted of 30 informal caregivers of children without orofacial cleft, fed orally. For data collection, the Bourden Interview Scale, Inventory of Stress Symptoms for Adults and the World Health Organization Quality of Life Bref were used. For statistical analysis, the following tests were used: chi-square, Student's t, Mann-Whitney and Pearson's correlation, all with a 5% significance level. Analysis of the linear correlation forces was also used.

Results:

in the case group, stress presented a moderate correlation with the overall quality of life (r=-0.41; p=0.025) and satisfaction with health (r=-0.42; p=0.021). Also in the case group, referring to quality of life, the Physical and Psychological domains presented a strong correlation with overload (r=-0.54, p=0.002; r=-0.55, p=0.002, respectively). In the comparative group, no correlations were identified.

Conclusion:

among the informal caregivers of children with orofacial cleft and dysphagia, there was a correlation between stress and the perception of global quality of life and satisfaction with health, as well as between overload and quality of life, in the physical and psychological dimensions.

DESCRIPTORS
Psychological stress; Overload; Quality of life; Caregivers; Cleft lip; Cleft palate; Swallowing disorders; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar la correlación entre estrés, sobrecarga y calidad de vida de cuidadores informales de niños con y sin hendidura orofacial y disfagia.

Método:

estudio transversal, de tipo caso-control, realizado en un hospital público terciario, ubicado en el interior de São Paulo, Brasil, que abarcó dos grupos: caso y control. El grupo de casos estaba compuesto por 30 cuidadores informales de niños con hendidura orofacial y disfagia, que utilizaban una sonda de alimentación, mientras que el grupo control se conformó por 30 cuidadores informales de niños sin hendidura orofacial, alimentados por vía oral. Para la recolección de datos se utilizó la Escala Bourden Interview, el Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos y el Cuestionario de Calidad de Vida de la Organización Mundial de la Salud (WHOQOL-BREF). Para el análisis estadístico se utilizaron las siguientes pruebas: chi-cuadrado, t de Student, pruebas de correlación de Mann-Whitney y Pearson, todas con un nivel de significancia del 5%. También se utilizó el análisis de fuerzas de correlación lineal.

Resultados:

en el grupo de casos, el estrés presentó una correlación moderada con la calidad de vida global (r = -0,41; p = 0,025) y la satisfacción con la salud (r = -0,42; p = 0,021). En el grupo de casos, en relación a la calidad de vida, los dominios Físico y Psicológico mostraron una fuerte correlación con la sobrecarga (r = -0,54, p = 0,002; r = -0,55, p = 0,002 respectivamente). En el grupo control, no se identificaron correlaciones.

Conclusión

entre los cuidadores informales de niños con hendidura orofacial y disfagia, hubo correlación entre el estrés y la percepción de calidad de vida global y satisfacción con la salud, así como entre sobrecarga y calidad de vida, en las dimensiones física y psicológica.

DESCRIPTORES
Estrés psicológico; Sobrecarga; Calidad de vida; Cuidadores; Labio leporino; Fisura palatina; Trastornos de la deglución; Enfermería

INTRODUÇÃO

As fissuras orofaciais são as malformações não sindrômicas de acometimento craniofacial mais comuns. De etiologia multifatorial, no Brasil admite-se a incidência de 1:650 nascidos vivos. Podem acarretar problemas de ordem funcional, estética e psicossocial1^-2.

Em recém-nascidos e lactentes, as implicações relacionam-se às dificuldades funcionais, em particular as alimentares, que incluem o selamento labial ineficaz, a sucção insuficiente por causa da ausência de pressão intraoral, o refluxo nasal de alimento e tempo de mamada prolongado3^-4.

Embora a alimentação por via oral não seja contraindicada devido aos reflexos de sucção e deglutição apresentarem-se preservados, em alguns casos, em especial nos associados a síndromes genéticas e/ou a problemas clínicos, essas crianças podem apresentar disfagia orofaríngea, cuja sintomatologia inclui desde quadros de tosse e engasgos até broncoaspirações e baixo ganho ponderal1^,3. Dessa forma, o processo de alimentação torna-se dificultoso para essas crianças e frustrante para seus pais e/ou cuidadores.

Associado a isso, frequentemente faz-se necessário o uso de sondas alimentadoras, as quais irão permitir à criança uma condição clínica compatível com sua recuperação e sobrevivência3^-4. Sua utilização não contraindica a alta hospitalar, contudo os cuidadores devem receber treinamento para garantir a continuidade dos cuidados no domicílio, que incluem o posicionamento ereto da criança continuamente, preparo e administração da dieta, manutenção da permeabilidade da sonda, fixação adequada da sonda, higiene nasal e oral e monitoramento de complicações, como náuseas, vômito, diarreia, empachamento, refluxo gastroesofágico, entre outros5^-6.

Em geral, a responsabilidade do cuidado da criança é assumida pelos pais ou familiares que não possuem formação científica para tal. Diante dessa nova realidade, o cuidador se depara com um universo que vai além das demandas de cuidados, podendo vivenciar sentimentos negativos e dificuldades ligadas às novas responsabilidades7^-9.

Dessa forma, o ato de cuidar, com as responsabilidades que lhes são inerentes, pode representar uma tarefa exaustiva. Soma-se a isso o fato de os cuidadores, por vezes, negligenciarem sua própria saúde e autocuidado para zelarem por seus filhos. Esses fatores em associação podem ocasionar, em curto e médio prazo, sobrecarga e/ou estresse que influenciarão a qualidade do cuidado prestado e a percepção da qualidade de vida10^-11.

Em suma, modelos de assistência centrados na família são necessários para apoiar a unidade familiar no cuidado de uma criança com disfagia e/ou com dificuldades alimentares. Os pais, cuidadores informais, devem ser incluídos no processo e receber monitoramento de seu bem-estar físico e mental12^-13.

No entanto, ressalta-se que o ato de cuidar de uma criança, mesmo sem comorbidades, como a fissura orofacial e a disfagia, demanda tempo e responsabilidade, ou seja, esses cuidadores também se encontram suscetíveis a desenvolverem estresse e sobrecarga, com influências negativas em sua qualidade de vida14. Assim, visando a resultados mais fidedignos e independentes, optou-se neste estudo por comparar os cuidadores informais de crianças com fissura orofacial e disfagia a cuidadores de crianças sem essas alterações.

Diante do exposto, buscou-se responder às seguintes questões: cuidadores informais de crianças com e sem fissura orofacial e disfagia possuem estresse e sobrecarga? A sobrecarga e o estresse influenciam a percepção da qualidade de vida? Comparativamente, existe diferença entre essas variáveis em cuidadores de crianças com e sem fissura orofacial e disfagia?

Considerando-se a vulnerabilidade desses cuidadores informais, bem como sua exposição a fatores estressores e de sobrecarga, torna-se relevante compreender a influência dessas variáveis sobre a percepção da qualidade de vida deles. Nesse sentido, ressalta-se a importância de se abranger os cuidadores no contexto do cuidado de enfermagem, uma vez que sua saúde e bem-estar influenciam diretamente a qualidade do cuidado prestado e, por sua vez, o processo reabilitador.

Assim, o objetivo deste estudo consistiu em analisar a correlação entre o estresse, a sobrecarga e a qualidade de vida de cuidadores informais de crianças com e sem fissura orofacial e disfagia.

MÉTODO

Estudo transversal, do tipo caso-controle, desenvolvido em um hospital público e terciário, referência no atendimento de pacientes com anomalias craniofaciais e síndromes relacionadas, situado no interior do estado de São Paulo, Brasil.

Conforme mencionado anteriormente, com a finalidade de comparação, foram elencados dois grupos: caso e comparativo. A população do grupo-caso compreendeu cuidadores informais com idade igual ou superior a 18 anos, de crianças de 0 a 1 ano, 11 meses e 29 dias, alimentados exclusivamente por sonda alimentadora e que necessariamente tivessem recebido alta para casa antes da pesquisa, caracterizando a prestação dos cuidados no domicílio pelo cuidador e viabilizando a avaliação da sobrecarga, do estresse e da qualidade de vida.

Em contrapartida, o grupo comparativo compreendeu cuidadores informais com idade igual ou superior a 18 anos, de crianças de 0 a 1 ano, 11 meses e 29 dias, que não apresentavam fissura orofacial ou outras comorbidades clínicas e síndromes genéticas, acompanhadas em um programa de puericultura de um município do interior do estado de São Paulo, Brasil. Essa escolha se deu devido à população apresentar características sociodemográficas similares ao grupo-caso, o que tornou possível e viável a comparação entre os grupos.

Em ambos os grupos, foram excluídos cuidadores informais em uso de psicofármacos (como antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos e estabilizadores do humor) e cuidadores de crianças com comprometimento neuropsicomotor.

Para o cálculo amostral, considerou-se um percentual de sobrecarga e estresse a ser detectado de 45%15, poder do teste de 90% e erro de 5%. Assim, estimou-se 30 participantes, ou seja, a amostra constou de 60 cuidadores, sendo 30 para o grupo-caso e 30 para o comparativo.

A coleta de dados iniciou-se após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, pertencente à instituição. Todos os participantes formalizaram a adesão ao estudo por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em consonância com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Para a coleta de dados, foram utilizados quatro instrumentos: Questionário Sociodemográfico, Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL), Escala de Bourden Interview para avaliar a sobrecarga e o World Health Organization Quality of Life - WHOQOL-Bref para avaliar a qualidade de vida16^-18.

O Questionário Sociodemográfico foi utilizado para caracterizar os participantes segundo as variáveis: idade, sexo, escolaridade, classificação socioeconômica19, número de filhos e estado civil/afetivo.

A percepção de qualidade de vida foi avaliada por meio do WHOQOL-Bref. É composto por 26 questões, sendo que a primeira se refere à qualidade de vida de um modo geral; e a segunda, à satisfação com a própria saúde. As outras 24 questões estão distribuídas em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente. Cada domínio tem escore que varia de 0 a 100, no qual 0 corresponde à pior qualidade de vida; e 100, à melhor qualidade de vida18.

Já o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP visa identificar, de forma objetiva, a sintomatologia de estresse, os tipos psicológico ou somático e a fase em que se encontra (alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão). É composto por três quadros com questões referentes aos sintomas observados nas quatro fases do estresse, em que o sujeito irá assinalar quais sintomas tem experimentado nas últimas 24 horas, na última semana e no último mês16.

Por fim, para avaliação da sobrecarga, foi utilizada a Escala de Bourden Interview. Desenvolvida com a finalidade de avaliar a sobrecarga de cuidadores informais, foi traduzida e validada para a população brasileira. É composta por 22 itens, cujas respostas são pontuadas por escores que variam entre 0 e 4 pontos. A classificação ocorre da seguinte forma: 0 a 21 pontos, ausência de sobrecarga; valores entre 21 a 40 pontos indicam sobrecarga moderada; entre 41 a 60, sobrecarga de moderada a severa; e igual ou acima de 61 pontos, sobrecarga severa17.

Para o grupo-caso, as informações referentes aos critérios de inclusão e exclusão foram obtidas por meio de consulta aos prontuários, assim como aquelas relativas à caracterização sociodemográfica. Para o grupo comparativo, as informações foram obtidas mediante entrevista realizada individualmente e em ambiente privativo.

A coleta de dados foi efetuada entre os meses de janeiro e junho de 2017, com os participantes do grupo-caso no período de internação das crianças, individualmente, fora do horário de permanência dos cuidadores na unidade hospitalar. Para o grupo comparativo, a abordagem ocorreu em uma sala privativa, e a coleta de dados foi realizada antes da consulta médica com o pediatra. A coleta de dados durou, em média, 40 minutos.

Os dados foram analisados utilizando o programa IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS)^®, versão 21.0 para Windows. Para a análise estatística das variáveis sociodemográficas, sexo e idade, foram utilizados os testes qui-quadrado e tde Student. A fim de comparar o estresse, a sobrecarga e a qualidade de vida entre os grupos, usou-se o teste de Mann-Whitney. Com o objetivo de correlacionar o estresse e a sobrecarga à qualidade de vida, foi utilizada a correlação de Pearson. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 5% (p ≤ 0,05). Ainda, foi usada a análise das forças de correlação linear, em que uma correlação menor do que 0,30 indica fraca correlação, 0,30-0,50, moderada correlação; e acima de 0,50, forte correlação20.

RESULTADOS

Referente à caracterização dos grupos, não se evidenciou diferença estatística significante entre eles, apontando homogeneidade (Tabela1).

Tabela 1 -
Características sociodemográficas dos participantes no grupo-caso e grupo comparativo. Bauru, SP, Brasil, 2017. (n=60)

Variáveis		Caso		Comparativo		Valor de p
		n	%	n	%
Sexo	Masculino	-	-	02	7	0,472*
	Feminino	30	100	28	93
Idade	25 anos (±1,8)	30	100	-	-
	26 anos (± 2,2)	-	-	30	100
	Ensino superior completo	9	30	8	27	0,177*
Escolaridade	Ensino médio incompleto	03	10	0	0
	Ensino médio completo	18	60	22	73
Estado civil	Solteiro	05	16	03	10	0,704*
	União estável	25	83	27	90
Classificação social	Baixa inferior	09	30	06	20
	Baixa superior	16	53	16	54
	Média inferior	05	17	3	10	0,475*
	Média	-	-	2	6
	Média superior	-	-	3	10

• ^*
  Teste qui-quadrado; †Teste t de Student; nível de significância adotado de 5% (p ≤ 0,05).

O estresse foi significantemente maior no grupo-caso (p=0,001), com predomínio da fase de resistência (80%; n=20) e sintomas psicológicos (72%; n=28). Quanto à sobrecarga, embora presente em ambos os grupos (caso e comparativo) em nível moderado, não se observou diferença estatisticamente significante entre eles (p=0,147) (Tabela 2).

Tabela 2 -
Análise e comparação do estresse e da sobrecarga no grupo-caso e grupo comparativo. Bauru, SP, Brasil, 2017. (n=60)

Variáveis	Grupos	n	Mediana	Q1	Q3	Média	DP§	Valor de p
Estresse	Caso	30	4,1	2,8	6,2	4,7	2,3	< 0,001*
	Comparativo	30	2,4	1,7	3,4	2,8	1,8
Sobrecarga	Caso	30	25,0	23,0	29,3	25,1	6,4	0,147
	Comparativo	30	22,0	13,5	28,0	22,2	10,7

• ^§
  DP: desvio-padrão; *Teste de Mann-Whitney, com nível de significância adotado de 5% (p ≤ 0,05).

Ao se avaliar a percepção global da qualidade de vida e a satisfação com a saúde, observou-se que o grupo-caso apresentou valores medianos menores em comparação com o grupo comparativo (p=0,005 e p=0,026, respectivamente). No que tange à qualidade de vida, verificou-se que o grupo-caso apresentou valores medianos menores nos domínios Psicológico (p=0,016), Relações Sociais (p=0,017) e Meio Ambiente (p<0,001) (Tabela 3).

Tabela 3 -
Análise da qualidade de vida no grupo-caso e grupo comparativo. Bauru, SP, Brasil, 2017. (n=60)

Domínios	Grupos	n	Mediana	Q1	Q3	Média	Desvio-padrão	Valor de p
Físico	Caso	30	63,0	38,8	75,0	59,8	19,1	0,057
	Comparativo	30	69,0	54,5	81,0	68,9	16,8
Psicológico	Caso	30	56,0	44,0	70,5	56,5	17,3	0,016*
	Comparativo	30	69,0	56,0	75,0	67,8	12,1
Relações Sociais	Caso	30	62,5	50,0	69,0	58,0	19,0	0,017*
	Comparativo	40	75,0	56,0	81,0	67,6	19,9
Meio Ambiente	Caso	30	50,0	44,0	56,0	52,0	12,8	< 0,001*
	Comparativo	30	66,0	54,5	75,0	64,3	12,4
Qualidade de vida global	Caso	30	4,0	3,0	4,0	3,6	0,8	0,005*
	Comparativo	30	4,0	4,0	4,3	4,1	0,6
Percepção geral da saúde	Caso	30	3,5	2,0	4,0	3,3	1,1	0,026*
	Comparativo	30	4,0	3,0	4,0	3,9	0,9

• *Teste de Mann-Whitney, com nível de significância adotado de 5% (p ≤ 0,05).

Ao se correlacionar o estresse e a sobrecarga à qualidade de vida no grupo-caso, observou-se fraca correlação entre o estresse e a sobrecarga (r=0,21; p=0,269). O estresse apresentou moderada correlação com a qualidade de vida global (r=-0,41; p=0,025) e satisfação com a saúde (r=-0,42; p=0,021). Os domínios Físico e Psicológico apresentaram forte correlação com a sobrecarga (r=-0,54, p=0,002; r=0,55, p=0,002 respectivamente) (Tabela 4).

Tabela 4 -
Correlação entre estresse, sobrecarga e qualidade de vida no grupo caso. Bauru, SP, Brasil, 2017. (n=60)

Variáveis de correlação	r †	Correlação‡	Valor de p §
Estresse/Sobrecarga	0,21	Fraca	< 0,269
Domínios QV*/Estresse
Físico	0,10	Fraca	0,269
Psicológico	-0,13	Fraca	0,582
Relações Sociais	0,16	Fraca	0,479
Meio Ambiente	0,26	Fraca	0,399
Qualidade de vida global	-0,41	Moderada	0,025§
Percepção geral da saúde	-0,42	Moderada	0,021§
Domínios QV*/Sobrecarga
Físico	-0,54	Forte	0,002§
Psicológico	-0,55	Forte	0,002§
Relações Sociais	-0,31	Moderada	0,094
Meio Ambiente	-0,28	Fraca	0,136
Qualidade de vida global	-0,22	Fraca	0,233
Percepção geral da saúde	-0,22	Fraca	0,248

• *QV: Qualidade de vida; ^†Correlação de Spearman; ^‡Análise das forças de correlação linear; ^§Nível de significância adotado de 5% (p ≤ 0,05).

DISCUSSÃO

Ao se correlacionar o estresse à qualidade de vida, notou-se moderada correlação com a percepção do indivíduo sobre sua qualidade de vida global; e com a satisfação do indivíduo com a sua saúde. Esses resultados reforçam a hipótese de que as demandas de cuidados exigidos pela condição da criança com fissura orofacial e disfagia, em uso de sonda alimentadora, configura-se como um fator estressor aos cuidadores informais, com influência negativa sobre a percepção da qualidade de vida.

Nesse sentido, estudo realizado na África do Sul apontou que o ônus de cuidar de uma criança com fissura orofacial relacionava-se principalmente às dificuldades alimentares vivenciadas e à necessidade de inúmeros retornos ou atendimentos hospitalares, repercutindo em estresse aos cuidadores4.

Ressalta-se que a saída ou deslocamento acidental da sonda alimentadora configura-se uma preocupação importante no contexto do cuidado à criança disfágica, com necessidade de atendimento médico e/ou de enfermagem para seu restabelecimento. De fato, visitas frequentes a hospitais aumentavam o estresse e a ansiedade da família21. Assim, o treinamento dos cuidadores visando ao seu preparo para a alta hospitalar, ou seja, para a continuidade do cuidado no domicílio, deve estabelecerse como prioridade, uma vez que o nível de habilidade de cuidado, entre outros fatores, influencia os níveis de sobrecarga e estresse22.

Outra investigação que incluiu cuidadores informais de lactentes com fissura orofacial, disfágicos e que se alimentavam por sonda apontou que as mães, por assumirem o cuidado integral dessas crianças, sejam por não receberem apoio, sejam por não confiarem na prestação dos cuidados realizados por outras pessoas, sentiam-se sobrecarregadas e estressadas13.

Outro estudo realizado com cuidadores informais de lactentes com sequência de Robin, que se caracteriza por micrognatia, glossoptose e fissura palatina em 90% dos casos, apontou que 45% deles apresentaram estresse, com predomínio da fase de resistência e sintomas psicológicos. Ressalta-se que esses lactentes, sobretudo nos primeiros meses de vida, usam sonda alimentadora6. Além disso, diferentes pesquisas apontaram elevados níveis de estresse entre cuidadores informais de crianças, incluindo aquelas com câncer e doença falciforme23^-24.

A fase de resistência, prevalente entre os participantes deste estudo, indica que o indivíduo está exposto a um agente estressor cronicamente e não desenvolveu mecanismos compensatórios, apresentando tendência ao cansaço, declínio da disposição e falhas de memória16. Portanto, faz-se necessário desenvolver e implementar ações que favoreçam o acolhimento, voltem-se às necessidades das famílias e incluam a avaliação psicológica destes cuidadores informais25.

Embora não tenha sido objeto deste estudo, infere-se que as características sociodemográficas dos participantes possam relacionar-se aos resultados aqui evidenciados, como o fato de a totalidade dos cuidadores informais deste estudo ter sido composta por mães.

Elas, cujos filhos possuem necessidades especiais, por vezes se sentem culpadas e, com isso, apresentam dificuldade em dividir as tarefas referentes aos cuidados, preferindo centralizá-las e gerenciá-las, o que certamente contribui para o desenvolvimento de estresse e sobrecarga, com influência na percepção de sua qualidade de vida. Soma-se a isso, o fato de a mulher desempenhar diversas atividades, que, no caso das mães, além do gerenciamento do lar, das obrigações com outros filhos e com o cônjuge, por vezes necessitam exercer atividades laborais para garantir o provimento necessário à sua família3^,6.

Estudo realizado com pais de crianças com diagnóstico de anomalias congênitas evidenciou que as mães apresentaram mais dificuldades de ajustamento emocional em comparação aos pais, com pior percepção da qualidade de vida, por assumirem integralmente o cuidado do filho. Ainda, sentiam-se sobrecarregadas, privando-se muitas vezes do convívio social26.

Nesse sentido, a participação ativa da família em relação aos cuidados com a criança, em associação a um acompanhamento psicológico em nível familiar despontam como alternativas para reduzir o estresse e favorecer a saúde física e mental dos cuidadores27.

Outros resultados que chamam a atenção referem-se à média de idade das participantes, que foi de 25 anos, e a classe socioeconômica baixa, prevalente entre os participantes. Embora jovens, essas cuidadoras desempenham papéis que denotam grande responsabilidade e necessidade de dedicação integral, ocasionando falta de tempo para realizar atividades rotineiras, incluindo as recreativas e de autocuidado, com implicações ao convívio familiar e social3^,6^,13.

Uma condição socioeconômica desfavorável pode influenciar a qualidade e a manutenção dos cuidados no ambiente domiciliar, uma vez que, para provê-los, são necessários materiais específicos, dietas e outros insumos, os quais são onerosos às famílias. De fato, dificuldades relacionadas à aquisição de materiais, assim como as financeiras, com frequência contribuem para o aumento do estresse e da sobrecarga6^,13.

Assim, a enfermagem, junto com a equipe de saúde, deve agir e interagir a favor de uma efetiva articulação e integração entre a família e todos os profissionais e/ou instituições de saúde envolvidas no cuidado, visando garantir as condições para sua continuidade28.

Ainda referente ao estresse, prevaleceram os sintomas psicológicos indicando que os cuidadores poderiam estar experimentando sentimentos como irritabilidade excessiva, cansaço excessivo, angústia, ansiedade e hipersensibilidade emotiva16. É nessa fase que as pessoas podem apresentar ideia fixa referente a algum assunto, que neste estudo se remete à condição da criança com a malformação associada à dificuldade alimentar e uso da sonda alimentadora.

Portanto, acredita-se que essas condições possam alterar a capacidade perceptiva do indivíduo, incluindo a de sua saúde e qualidade de vida global, pois o fato de os cuidadores informais apresentarem sintomas psicológicos pode influenciar negativamente tanto a qualidade de vida deles quanto sua capacidade de oferecer acolhimento e responder às demandas de cuidados que as crianças requerem, podendo comprometer a capacidade de enfrentamento situacional10^,29.

De fato, o cuidado dispensado à criança em uso de sonda alimentadora é uma condição que possibilita sentimentos e reações emocionais de medos, incertezas e preocupações6^,13.

Ao se fazer a relação da sobrecarga com a qualidade de vida, verificou-se forte correlação com os domínios Físico e Psicológico. Resultado similar foi observado em outro estudo realizado com cuidadores informais integrantes de um programa de saúde da família, apontando que, quanto maior a sobrecarga, menor é a satisfação do cuidador com sua saúde e qualidade de vida, ou seja, indivíduos mais sobrecarregados pela tarefa de cuidar apresentam pior percepção de sua qualidade de vida30. Outra investigação que incluiu 224 mulheres cuidadoras informais demonstrou que a sobrecarga correlacionou-se negativamente com a qualidade de vida31. Ainda, uma pesquisa apontou que níveis elevados de ansiedade, depressão e sobrecarga influenciam negativamente os escores de qualidade de vida de cuidadores informais32.

Os domínios Físico e Psicológico abrangem a satisfação com o sono, com o desenvolvimento das atividades diárias, disposição para o autocuidado e capacidade para o trabalho18. Nesse sentido, ressalta-se que o cuidado com a criança disfágica exige do cuidador vigilância constante, ou seja, há necessidade, por exemplo, do preparo e instalação da dieta durante o período noturno, o que afeta a qualidade do sono e, cronicamente, repercute nas atividades de vida diária, como as de autocuidado. Com frequência, observa-se que cuidadores informais deixam de exercer atividades profissionais, ocupando-se quase que exclusivamente da prestação dos cuidados3^,6^,13.

Ainda, neste estudo, evidenciou-se que os cuidadores apresentaram nível moderado de sobrecarga, que pode indicar a necessidade de apoio no processo de cuidar, seja da família, seja da sociedade, ou relacionar-se à necessidade, nem sempre expressa, de esclarecimentos sobre os cuidados que a criança necessita. Chama a atenção o fato de este resultado ter sido observado entre os cuidadores dos grupos caso e comparativo, apontando que o ato de cuidar da criança, mesmo sem comorbidades, pode gerar sobrecarga.

Níveis elevados de sobrecarga podem estar associados a demandas exaustivas de cuidados, falta de tempo para realizar atividades recreativas e de interação social, podendo ocasionar conflitos familiares, solidão e exclusão, o que repercutirá nas condições físicas e psicológicas daqueles que cuidam15^,17.

De fato, cuidadores informais apresentam maiores níveis de sobrecarga em comparação aos formais por não disporem das experiências, conhecimento e habilidades adquiridas pela formação profissional33. Ainda, apresentam tendência em isolar-se socialmente, reduzindo o apoio que poderiam receber da sociedade.

Embora toda a família seja afetada pela doença, incapacidade ou limitação de um de seus membros, na maioria dos casos o cuidador principal assume o cuidado do paciente na esfera física e emocional. Assim, a sobrecarga inerente vivenciada de maneira crônica pode manifestar-se por meio de problemas físicos e psicológicos, com possibilidade de influenciar no tipo de cuidado que o paciente passa a receber. Deve-se, portanto, dedicar especial atenção ao cuidador, que por vezes pode adoecer ante a demanda de cuidados a ele imposta34.

Nesse sentido, algumas ações têm se mostrado promissoras. Dentre elas, o cuidado centrado na família, o qual consiste em um modelo de assistência em que o foco principal de atenção é o indivíduo e sua família, e não meramente a doença. Em outras palavras, a família é a fonte essencial do apoio35.

Ademais, outra prática de atenção à saúde refere-se às relações terapêuticas de longa duração entre os profissionais de saúde e usuários, pautadas na criação de vínculos na perspectiva de um cuidado longitudinal36.

Por fim, visto que esta pesquisa inclui centro único e desenho transversal, não se permitem relações de causa e efeito e tampouco a generalização dos resultados, constituindo-se limitações do presente estudo. Assim, a realização de estudos multicêntricos e prospectivos é estimulada, visando consolidar os resultados aqui firmados.

Contudo, as contribuições desta investigação à prática clínica são evidentes e incluem o fortalecimento da hipótese de que cuidadores informais apresentam estresse e sobrecarga diante da carga de cuidados a eles imposta; e de que essas variáveis influenciam a percepção de sua qualidade de vida e de sua saúde de modo geral. Ressalta-se que essa situação pode repercutir negativamente na qualidade dos cuidados prestados e, por sua vez, no processo reabilitador das crianças.

Assim, voltar a atenção aos cuidadores entendendo as barreiras físicas, sociais e emocionais envolvidas no ato de cuidar torna-se imprescindível para proporcionar maior qualidade de vida a eles, bem como para propiciar resultados de qualidade nos cuidados por eles prestados. Em suma, um cuidado de enfermagem centrado na família é urgente e indispensável.

CONCLUSÃO

Evidenciou-se, entre os cuidadores informais de crianças com fissura orofacial e disfagia, em comparação aos cuidadores informais de crianças sem essas alterações, correlação moderada entre o estresse, a percepção da qualidade de vida global e a satisfação com a saúde e da sobrecarga com a percepção da qualidade de vida, nas dimensões física e psicológica.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Cuidadores informais de crianças com fissura labiopalatina, disfágicas, em uso de sonda alimentadora: correlação entre estresse, sobrecarga e qualidade de vida, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo, em 2018.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, parecer n. 1.867.446/2017, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 62380016.0.0000.5441.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Selma Regina de Andrade, Gisele Cristina Manfrini, Elisiane Lorenzini Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  11 Maio 2020
• Aceito
  12 Ago 2020