MODELO DE ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE FAWCETT APLICADO À TEORIA DA TRISTEZA CRÔNICA

RESUMO

Objetivo:

analisar a Teoria da Tristeza Crônica (Theory of Chronic Sorrow), seguindo o modelo de análise e avaliação de teorias de Enfermagem proposto por Jacqueline Fawcett.

Método:

estudo reflexivo, desenvolvido por meio da investigação da Teoria da Tristeza Crônica e sua aplicação na prática de enfermagem. A amostra foi composta de dezoito estudos que utilizaram a teoria como referencial. Foi utilizado um Modelo de Análise e Avaliação das Teorias de Enfermagem que envolveu, na primeira etapa, um exame detalhado da referida teoria quanto ao escopo, ao contexto e ao conteúdo. Na segunda etapa - a de avaliação - empregaram-se os critérios de clareza, significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade, adequação empírica e adequação pragmática.

Resultado:

trata-se de uma teoria de médio alcance e preditiva em relação ao escopo. Quanto ao contexto, fundamenta-se no modelo de estresse e adaptação. O conteúdo apresenta conceitos definidos bem delimitados e inter-relacionados. Os conceitos de metaparadigma têm significância, consistência interna e são operacionáveis. Apresenta um instrumento utilizável: o Chronic Sorrow Questionnaire, confiável como ferramenta de rastreio para detectar a presença de tristeza crônica. A teoria é parcimoniosa, pode ser utilizada por enfermeiros e direcionada a pessoas com doenças crônicas em fase final de vida e seus familiares cuidadores.

Conclusão:

este estudo poderá contribuir para indicar o uso da Teoria da Tristeza Crônica e respaldar a assistência de enfermagem na promoção de estratégias eficazes e, consequentemente, melhorar o conforto de pacientes e de suas famílias no enfrentamento da tristeza crônica.

DESCRITORES:
Enfermagem; Teoria de enfermagem; Tristeza; Luto; Cuidados paliativos

ABSTRACT

Objective:

to analyze the Theory of Chronic Sorrow, following the model of analysis and evaluation of Nursing theories proposed by Jacqueline Fawcett.

Method:

a reflective study, developed through the investigation of the Theory of Chronic Sorrow and its application in the nursing practice. The sample consisted of eighteen studies that used the theory as a reference. A Model for Analysis and Evaluation of Nursing Theories was used, which involved, in the first stage, a detailed examination of the referred theory in terms of scope, context and content. In the second stage - evaluation - the criteria of clarity, significance, internal consistency, parsimony, testability, empirical adequacy and pragmatic adequacy were used.

Result:

This is a mid-range theory that is predictive in relation to the scope. As for the context, it is based on the stress and adaptation model. The content presents well-defined and interrelated concepts. The concepts of meta-paradigm have significance, internal consistency and are operable. It features a usable instrument: The Chronic Sorrow Questionnaire, reliable as a tracking tool to detect the presence of chronic sorrow. The theory is parsimonious, it can be used with chronic diseases and directed to people in the final phase of life and their family caregivers.

Conclusion:

this study may contribute to indicate the use of the Theory of Chronic Sorrow and support nursing care in promoting effective strategies and, consequently, improve the comfort of patients and their families in coping with chronic sorrow.

DESCRIPTORS:
Nursing; Nursing theory; Grief; Sadness; Palliative care

RESUMEN

Objetivo:

analizar la Teoría de la Tristeza Crónica (Theory of Chronic Sorrow), sobre la base del modelo de análisis y evaluación de las teorías de Enfermería propuesto por Jacqueline Fawcett.

Método:

estudio reflexivo, desarrollado por medio de la investigación de la Teoría de la Tristeza Crónica y su aplicación en la práctica de enfermería. La muestra estuvo formada por dieciocho estudios que utilizaron la teoría como referencia. Se utilizó un Modelo de Análisis y Evaluación de Teorías de Enfermería, que involucró, en una primera etapa, un examen detallado de la referida teoría referida en términos de alcance, contexto y contenido. En la segunda etapa - la de evaluación - se utilizaron los criterios de claridad, significación, consistencia interna, parsimonia, testeo, adecuación empírica y adecuación pragmática.

Resultado:

es una teoría predictiva y de mediano alcance en relación a sus objetivos. En relación al contexto, se basa en el modelo de estrés y adaptación. El contenido presenta conceptos definidos, bien delimitados e interrelacionados. Los conceptos de metaparadigma tienen significado, consistencia interna y son operativos. Presenta un instrumento utilizable: Chronic Sorrow Questionnaire, confiable como herramienta de cribado para detectar la presencia de tristeza crónica. La teoría es parsimoniosa, puede ser utilizada por los enfermeros y está dirigida a personas con enfermedades crónicas en la etapa final de la vida y a sus cuidadores familiares.

Conclusión:

este estudio puede contribuir a indicar el uso de la Teoría de la Tristeza Crónica y respaldar la atención de enfermería en la promoción de estrategias efectivas y, en consecuencia, mejorar el bienestar de los pacientes y sus familias en el afrontamiento de la tristeza crónica.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Teoría de enfermería; Duelo; Tristeza; Cuidados paliativos

INTRODUÇÃO

A Enfermagem contemporânea é desafiada pelo crescimento significativo da tecnologia, das biociências e da globalização, que impactam não só sua prática como também a educação.1 É considerada como uma profissão que cuida das pessoas, de sua família e da comunidade, em várias situações relacionadas à saúde. Esse cuidado também envolve planejamento de ações, e isso requer a aplicação de conhecimentos e habilidades para cuidar de modo eficaz. Para manter um equilíbrio adequado entre a teoria e a prática, o enfermeiro precisa estar atualizado em relação ao campo do saber e do fazer.2 Para isso, a Enfermagem também precisa usar regularmente as Teorias nas atividades que envolvem toda a dimensão do cuidado em saúde.

Teoria é um conjunto de declarações ou princípios concebidos para explicar um grupo de fatos ou fenômenos amplamente aceitos. Ela pode ser usada para descrever, explicar, prever ou prescrever respostas, acontecimentos ou situações, no cuidado de enfermagem,3 para descrever as relações e as interações que existem na prática e consolidar a profissão como ciência e arte na área da saúde.4 As teorias são multidimensionais, consistem em vários componentes tangíveis e intangíveis e são relevantes para a prática presente e a futura, para a pesquisa e para as estratégias de ensino da Enfermagem.5

Pesquisa constatou que as teorias de enfermagem orientaram a prática nos países orientais e nos ocidentais. A maioria utilizou o modelo de autocuidado de Orem, o modelo de adaptação de Roy e a Teoria das Relações Interpessoais de Peplau. O efeito de intervenções orientadas pelas teorias foi avaliado em relação à melhoria da qualidade de vida, à autoeficácia, ao autocuidado e ao estresse de pacientes com doenças crônicas, agudas, cardíacas e psicológicas. Os achados indicaram que a maior parte das teorias de enfermagem foi desenvolvida nos Estados Unidos, porém elas costumavam nortear pesquisas e práticas em outras partes do mundo, mostrando a utilidade transcultural dessas teorias.6

A Enfermagem reflete um cuidado holístico efetivado ao longo da vida, em diversos contextos assistenciais, com habilidade de oferecer um trabalho eficiente e de boa qualidade ao ser humano em todas as fases da vida - o nascimento, a infância, a adolescência, a fase adulta e a idosa. Esse cuidado envolve desde a prevenção até a assistência no limiar entre a vida e a morte, como, por exemplo, as doenças crônicas que ameaçam a continuidade da vida, o que requer cuidados paliativos.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos são uma abordagem cujo objetivo é aliviar o sofrimento humano. São apropriados para pessoas acometidas por doenças crônicas que ameaçam a continuidade da vida, por meio de identificação precoce, avaliação e tratamento impecáveis da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais. Também oferece um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e no próprio luto.7

Alguns exemplos de doenças para as quais é indicado o tratamento paliativo incluem: câncer, doença cardíaca, doença respiratória grave, insuficiência renal, HIV/AIDS, doença hepática crônica, esclerose múltipla e Alzheimer. A cada ano, 40 milhões de pessoas necessitam de assistência paliativa, contudo apenas 14% delas recebem atualmente esses cuidados.7

A assistência paliativa é promovida por uma equipe multiprofissional,6 da qual o enfermeiro é um membro imprescindível, porquanto promove cuidado integral e humanizado ao paciente, desde o diagnóstico inicial de uma patologia que ameaça a continuidade da vida até a finitude, e apoia a família durante o enfrentamento da doença até o processo de luto.

Vale ressaltar que o trabalho do enfermeiro influenciou os cuidados paliativos: por meio dos seguintes ações: descobrindo e combatendo a conspiração do silêncio; ajudando os pacientes sob cuidados paliativos, para que possam ressignificar e redirecionar suas vidas; promovendo abordagens colaborativas para cuidar, administrar a dor e outros sintomas; integrar o luto antecipatório como parte do cuidado centrado no paciente e na família, realizando pesquisas e educando enfermeiros para atenderem a contento aos seus pacientes em sua totalidade.8 O luto antecipatório é uma resposta à iminente perda de vida e da identidade, função, esperanças e planos futuros, que provoca ansiedade, depressão e desesperança e implica a tensão da comunicação nas famílias.9

Assim, considerando a relevância do tema abordado para a prática assistencial do enfermeiro e para efetivar o cuidado de enfermagem no processo do luto antecipatório em cuidados paliativos, surgiu a necessidade de identificar teorias de Enfermagem que possam orientar a realização desse cuidado para que os propósitos que se pretendem alcançar sejam fundamentados na teoria escolhida. Nessa perspectiva, destaca-se a Teoria da Tristeza Crônica (Theory of Chronic Sorrow), que propõe estratégias de enfrentamento eficazes para lidar com as situações de perdas decorrentes de uma doença que ameaça a continuidade da vida para o paciente e sua família.10

Na literatura científica, a Teoria da Tristeza Crônica foi documentada, pela primeira vez, em 1998. É uma base teórica da Enfermagem não só para a experiência da tristeza crônica em situações de perda, mas também para se enfrentar o fenômeno. Além disso, devido à crescente multiplicidade e às competências da assistência de enfermagem, essa teoria tem a capacidade de incorporar a complexidade da Enfermagem moderna e dar a base para a prática de enfermagem contemporânea.

O objetivo deste estudo foi o de analisar a Teoria da Tristeza Crônica (Theory of Chronic Sorrow), seguindo o modelo de análise e avaliação de teorias de Enfermagem proposto por Fawcett. O exame dessa teoria justifica-se devido à produção de uma descrição crítica, com o escopo de aprofundar a compreensão, aperfeiçoar seus conceitos e difundir para a comunidade científica suas proposições e à inserção na prática clínica do enfermeiro.11 Portanto, a análise reflexiva é de fundamental importância para ser aplicada no contexto do luto antecipatório em cuidados paliativos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo reflexivo, com base na Teoria de Enfermagem de Médio Alcance da Tristeza Crônica e em pesquisas que utilizaram a teoria como referencial. Com o propósito de alcançar o objetivo do estudo, foi utilizado o Modelo de Análise e Avaliação das teorias de enfermagem11, que reflete a atenção para uma linguagem que engloba todas as situações e configurações da prática de enfermagem, evidencia as características mais relevantes de grandes teorias e teorias de médio alcance e é adequado para o nível de abstração desses dois tipos de teoria de enfermagem.11

Essa modalidade de investigação vem fortalecendo a Enfermagem e tem sido utilizada como referencial para avaliar outras teorias, com a finalidade de confirmar sua utilidade, sua aplicabilidade e seu valor na educação, na prática e na pesquisa. Nesse sentido, merecem destaque as seguintes publicações: análise e avaliação da teoria final de vida pacífico segundo critérios de Fawcett;12 Adequando para a prática: análise e avaliação da Teoria do Cuidado Humano de Watson;13 e a Teoria das Relações Interpessoais de Peplau: uma avaliação baseada nos critérios de Fawcett.14

Os trabalhos analisados neste estudo foram resgatados em uma busca no portal de periódicos Capes e nas bibliotecas virtuais e nas bases de dados MEDLINE/PubMed, Wiley, SAGE, Scielo, Scopus (Elsevier), utilizando-se as seguintes palavras-chave: ‘teoria de enfermagem’, ‘teoria da tristeza crônica’, ‘teoria de médio alcance de enfermagem’, ‘cuidado de enfermagem’, ‘nursing theory’, ‘chronic sorrow theory’, ‘mid-range nursing theory’ e ‘nursing care’.

Para selecionar os estudos, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: artigos em que foi utilizada a teoria como referencial; que tratassem do tema proposto e publicados em qualquer idioma. Não foi delimitado um recorte temporal com o intuito de saber quando a Teoria da Tristeza Crônica passou a ser objeto de investigação e de publicação na literatura científica. Foram excluídos os manuscritos que não abordavam o assunto em questão.

Com a amostra final definida, foi utilizado o modelo estrutural de análise e avaliação de teorias de enfermagem proposto por Jacqueline Fawcett, cuja aplicação produz um comentário descritivo, analítico e crítico, que aprimora o entendimento da Teoria de Médio alcance da Tristeza crônica e pode levar a refinamentos em seus conceitos e proposições.11

A análise propõe uma investigação detalhada e imparcial, incluindo escopo, contexto e conteúdo da Teoria. A avaliação baseia-se nos resultados da análise, na revisão de críticas publicadas anteriormente, em relatórios de pesquisa e relatos de aplicações práticas. Essa teoria reivindica julgamentos a serem feitos para que uma teoria atenda a certos critérios, a saber: significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade, adequação empírica e adequação pragmática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As teorias variam no nível de abstração e no escopo, e o tipo mais abstrato e mais amplo é definido como uma grande teoria. A Teoria de Médio Alcance é mais concreta e com menor escopo e tem uma esfera de ação mais limitada. As Teorias de Médio Alcance podem ser classificadas em três tipos: descritivas, explicativas e preditivas.11

Uma das primeiras etapas consiste em classificar a teoria quanto ao seu escopo. A Teoria da Tristeza Crônica visa melhorar a qualidade de vida das pessoas com tristeza crônica resultante de uma experiência de perda significativa, real ou simbólica em pacientes com doenças crônicas progressivas que ameaçam a continuidade da vida e seus familiares que têm a responsabilidades de cuidar, na morte e no luto, e atingir estratégias de enfrentamento positivas relacionadas às intervenções de enfermagem e aos resultados específicos para essas pessoas.15 Por essa razão, pode ser considerada uma teoria de médio alcance e preditiva.

A segunda etapa da análise é a de definição do contexto, que consiste em identificar as reivindicações filosóficas em que a teoria é baseada.11 O termo ‘tristeza crônica’ foi introduzido na literatura há 55 anos e originado com o trabalho intitulado Chronic Sorrow: a response to having a mentally defective child, em 1962, para caracterizar o luto recorrente vivenciado pelos pais de crianças com deficiência intelectual. A teoria também é fundamentada no modelo de estresse e adaptação, no qual formou as bases para se entender como as pessoas lidam com a tristeza crônica.15^-16

No que se refere ao conteúdo da teoria, é articulado por meio de seus conceitos e proposições. Os conceitos de uma teoria são palavras ou grupos de palavras que expressam uma imagem mental de algum fenômeno e atribuem significado ao que pode ser imaginado ou observado por meio dos sentidos.11 A Teoria de Médio Alcance da Tristeza Crônica é sustentada pelos seguintes conceitos:15^-16

Tristeza crônica - recorrência periódica de tristeza permanente e difundida ou de outros sentimentos relativos ao luto decorrente de uma experiência de perda.

Experiência de perda - perda significativa, real ou simbólica, que pode ser constante, sem fim previsto ou um evento mais circunscrito de perda isolada.

Disparidade - uma lacuna entre a realidade atual e o desejado em consequência de uma experiência de perda.

Eventos ou marcos desencadeantes - são situações, circunstâncias e condições que originam a disparidade negativa resultante da perda e iniciam ou exacerbam sentimentos de sofrimento.

Mecanismos de enfrentamento - são meios pelos quais os indivíduos lidam com a tristeza crônica. Podem ser internos (estratégias de enfrentamento pessoal positivo usadas para lidar com os episódios periódicos de tristeza crônica) ou externos (intervenções de enfermeiros para auxiliar os indivíduos a enfrentarem a tristeza crônica).

Enfrentamento ineficaz - o gerenciamento ineficaz resulta de estratégias que aumentam o desconforto do indivíduo ou os sentimentos de tristeza crônica.

Enfrentamento efetivo - o gerenciamento efetivo resulta de estratégias que intensificam o conforto do indivíduo afetado.

A Figura 1 ilustra os conceitos adotados pela Teoria da Tristeza Crônica e apresenta uma estrutura para entender as respostas a várias situações de perda e uma nova maneira de examinar essa experiência.

Figura 1 -
Modelo diagramático que explica as situações vivenciadas pela pessoa durante o ciclo de vida a partir dos conceitos da Teoria da Tristeza Crônica.

No exame do conteúdo da teoria, é mister evidenciar as proposições não relacionais, que descrevem conceitos e sua definição constitutiva. Segundo a Teoria da Tristeza Crônica, a tristeza crônica é a generalizada, em que a experiência é permanente, periódica e potencialmente progressiva; os marcos (gatilhos) são eventos desencadeadores de tristeza crônica; designam estratégias internas de enfrentamento pessoal. O mecanismo de enfrentamento externo foi conceituado como intervenções de enfermagem que ajudam as pessoas com tristeza crônica a se sentir mais confortáveis por meio de papéis de presença empática, carinhosa e competente.15

As proposições relacionais são as associações ou ligações entre dois ou mais conceitos e expressam-se na teoria da seguinte forma: a tristeza crônica é uma resposta humana normal relacionada à disparidade contínua criada por experiências de perda; os pacientes têm estratégias de enfrentamento inerentes que podem ser eficazes na recuperação do equilíbrio normal. As intervenções de enfermagem (estratégias de enfrentamento externo) voltadas para atingir o equilíbrio normal podem ser aplicadas em cenários diversos, especialmente nos serviços de cuidados paliativos na assistência ao paciente com doença crônica e em final de vida e seus familiares.15^-16

A avaliação de uma teoria possibilita inferências e o julgamento de materiais que se basearam em determinados critérios definidos pela autora na teoria.11 O primeiro critério foca o contexto da teoria, é denominado de significância, requer a justificação da importância da teoria para a disciplina ‘Enfermagem’ e é atendido quando as origens metaparadigmáticas e os autores influentes de enfermagem são explícitos.11

Fawcett menciona quatro unidades centrais de Enfermagem: o ser humano, o ambiente, a saúde e a Enfermagem e formalizou esses conceitos como metaparadigma - conceitos que definem a Enfermagem prática, que é o cuidado em toda a sua complexidade.17 Para a Teoria da Tristeza, os conceitos principais são:15 pessoa: as pessoas comparam suas experiências com o ideal e as demais ao seu redor. Embora a experiência de cada um seja diferente e cada perda única, existem características comuns sobre a experiência da perda; enfermagem: no escopo da prática de enfermagem, diagnostica-se a tristeza crônica e se fazem intervenções que incluem presença empática, experiência em ensino e cuidado e competência profissional; saúde: a saúde de uma pessoa depende de sua adaptação às disparidades associadas à perda; meio ambiente: envolve as interações que ocorrem em um contexto social, que incluem ambientes familiares, sociais e de trabalho. Os indivíduos respondem a avaliação de si mesmos em relação às normas sociais referentes ao processo de perda.

Para as teóricas, não existe uma teoria particular de Enfermagem que influenciou diretamente o desenvolvimento de seu trabalho. Entretanto, nas décadas de 1980 e 1990, pesquisas foram conduzidas para descrever a tristeza crônica entre vários grupos de pessoas em situações de perda. Assim, a Teoria de Médio Alcance da Tristeza Crônica foi desenvolvida de forma indutiva, usando a análise de conceito, ampla revisão da literatura, revisão crítica da pesquisa e validação em estudos qualitativos e quantitativos de várias situações de perda.10^,15^,16^,18^-21

Quanto ao critério de consistência interna, o modelo de análise e avaliação sugere que, para que esse parâmetro seja mantido, é necessário analisar os aspectos semânticos e estruturais do contexto e do conteúdo da teoria.11 Porém a Teoria da Tristeza Crônica atende ao critério de consistência interna. Os conceitos e as relações de hipótese podem ser facilmente aplicados em contextos clínicos. O conteúdo da teoria é congruente com as afirmações filosóficas de Olshansk, uma vez que a clareza semântica é evidente nas definições constitutivas dadas aos conceitos da teoria e congruente com os estilos identificados em teoria estabelecida sobre estresse e enfrentamento de Lazarus e Folkman, em que as estratégias de enfrentamento pessoal eficaz usadas por pessoas com tristeza crônica são consistentes entre as pessoas afetadas.15^,16

A teoria delineia claramente a relação entre conceitos e faz sentido intuitivo, como por exemplo, está claro que o gerenciamento eficaz, interno ou externo, proporcionará mais conforto, e o gerenciamento ineficaz, mais desconforto e a intensidade da tristeza crônica. Há um número limitado de variáveis que parece ser suficiente para explicar os fenômenos. A descrição que acompanha a teoria é sucinta e fácil de compreender.

A teoria tem uma consistência estrutural, ou seja, é logicamente organizada e descrita em detalhes. Nesse sentido, é oferecido um modelo (Figura 1) que auxilia a explicar os vínculos dos conceitos.15 Os conceitos utilizados na Teoria da Tristeza Crônica são inter-relacionados, o que proporciona uma visão única para a prática de enfermagem, sem que haja contradições evidentes nas proposições relacionais. O critério de parcimônia avalia o conteúdo da teoria e exige que sejam utilizados menos conceitos e proposições para explicar os fenômenos apresentados pela teoria.11 Isso significa que seu conteúdo deve ser afirmado de forma clara e concisa.

A Teoria da Tristeza Crônica pode ser caracteriza como parcimoniosa, porque seus conceitos-chave são claramente descritos e facilmente compreendidos. A Teoria da Tristeza Crônica aborda, especificamente, as necessidades do luto e a experiência de perda. Além disso, pode ser usada com facilidade por educadores, pesquisadores, administradores de enfermagem e enfermeiros, quando prestam cuidado a pacientes com doenças crônicas, em qualquer situação de perda e nas mais distintas culturas mediante dados empíricos.

Essa teoria de médio alcance é adequada para pesquisas sobre a eficácia das intervenções tanto para os pacientes quanto para os cuidadores familiares. Pode ser usada, também, para determinar as condições que são mais propensas a desencadear uma exacerbação de sentimento de tristeza e começar uma experiência de tristeza crônica. De posse desse conhecimento, os enfermeiros serão capazes de antecipar as necessidades e promover ações para um resultado eficaz.

Estudo com o objetivo de explorar o conceito de tristeza crônica enfatizou estratégias de enfrentamento interno, baseado nas experiências vivenciadas por um grupo de mães de crianças com câncer, e externo, com intervenções de enfermeiros para auxiliar as mães a enfrentarem o sofrimento de seus filhos devido à doença grave. A pesquisa indicou, também, que eventos subsequentes, como a recidiva da doença, por exemplo, poderiam causar sofrimento mais severo do que o experimentado no momento do diagnóstico, que se manifesta de diferentes formas, como sentimento de raiva e de culpa.22

Os resultados do referido estudo contribuíram para que os enfermeiros que trabalham com crianças acometidas de câncer e suas famílias preparassem orientações e planejassem um cuidado holístico e familiar que compreende, entre outras: incluir a família no plano de cuidados; ajudá-la a compreender o processo da doença, para que ela desempenhe outros papéis; intervir nas respostas emocionais, como medo, tristeza, isolamento e esperança; buscar suporte social e respeitar a cultura e a religiosidade.22

O critério de testabilidade é considerado a principal característica da utilidade da Teoria de Médio Alcance. Essa abordagem requer que os conceitos de uma teoria sejam observáveis por meio de instrumentos e indicadores empíricos apropriados para medir as afirmações feitas pelas proposições que produzirão evidências sobre a teoria.10 Nessa perspectiva, a teoria influencia diversas intervenções de enfermagem e é amplamente utilizada. Uma série de estudos, que formam a base da Teoria de Médio Alcance da Tristeza Crônica,10^,15^,16^,18^-24 estão repletos de aplicações práticas.

Foram resgatados dezoito estudos, cinco dos quais foram publicados pelas autoras da Teoria da Tristeza Crônica, incluindo o artigo principal da teoria “Middle-Range Theory of Chronic Sorrow”; 12 artigos versavam sobre a teoria em questão, e um, sobre a Teoria de Enfermagem de Médio Alcance - elementos básicos para o desenvolvimento e a prática, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 -
Distribuição dos artigos selecionados quanto ao periódico, ao título e ao ano de publicação. João Pessoa, PB, Brasil, 2019 (n=18)

Periódico	Título do artigo	Ano de publicação
Death Studies	Current knowledge and research on chronic sorrow: a foundation for inquiry 10	1992
Issues in mental health nursing	Coping with chronic sorrow20	1994
Archives of Psychiatric Nursing	Chronic sorrow: the lived experience of parents of Chronically mentally III individuals19	1995
Image: journal of nursing scholarship	Middle-range theory of chronic sorrow15	1998
Journal of family nursing	Milestones of chronic sorrow: perspectives of chronically ill and bereaved persons and family caregivers18	1999
Revista aquichan	Middle-range nursing theories are necessary for the advancement of the discipline17	2005
Journal of Neuroscience Nursing	Chronic sorrow and depression in parents of children with neural tube defects25	2004
Journal of Clinical Nursing	The presence and meaning of chronic sorrow in patients with multiple sclerosis26	2007
Journal of Neuroscience Nursing	Chronic sorrow in next of kin of patients with multiple sclerosi27	2008
Philippine Journal of occupational therapy	Filipino Mothers' Experience of Chronic Sorrow28	2010
African Journal of Traumatic Stress	The experience of chronic sorrow among war victims with traumatic facial disfigurement in northern Uganda29	2014
Journal of Pediatric Oncology Nursing	Chronic sorrow in mothers of children with cancer30	2015
Journal of primary health care	The impact of non-motor manifestations of Parkinson’s disease on partners: understanding and application of chronic sorrow theory31	2015
Supportive and Palliative Care in Cancer	Translation and Psychometric properties of Persian Version of “Kendall Chronic Sorrow Instrument” in Mothers of Children with Cancer25	2017
European Journal of Oncology Nursing	Experience of chronic sorrow in mothers of children with cancer: a phenomenological study22	2017
Perspect Psychiatr Care	The chronic sorrow experiences of caregivers of clients with schizophrenia in Taiwan: a phenomenological study32	2017
Journal compilation	Chronic sorrow at the elderly who has lost partner with pakurenan culture (extended family) In Indonesia33	2018
BMC Psychology	Existence, triggers, and coping with chronic sorrow: a qualitative study of caretakers of children with sickle cell disease in a National Referral Hospital in Kampala, Uganda23	2018

Em relação ao critério de testabilidade, estudo realizado pelas teóricas forneceu um instrumento utilizável - o Chronic Sorrow Questionnaire - para determinar quando a tristeza crônica ocorre e quais características ela exibe em uma variedade de populações ao longo da vida.10 As autoras da teoria desenvolveram outra ferramenta de avaliação quantitativa - o Burke/Eakes Chronic Sorrow Assessment Tool. Esse instrumento pode ser aplicado em situações de perda e envolve cuidadores familiares, pacientes com doenças crônicas e pessoas em luto antecipatório ou que experienciam o processo de luto depois da morte de um ente querido.16

Pesquisa realizada em Uganda explorou a existência de tristeza crônica e enfrentamento de sentimentos relacionados ao luto entre cuidadores de crianças com doença falciforme, e o meio mais eficaz de determinar a presença da tristeza crônica foi o Burke Chronic Sorrow Questionnaire para cuidadores.23

Outro estudo realizado nos Estados Unidos adaptou e avaliou o instrumento para compreender a natureza e o significado das experiências vividas de pais com tristeza crônica que estão cuidando de uma criança com uma condição médica crônica.24 Achados assinalam que o Burke Chronic Sorrow Questionnaire é confiável como ferramenta de rastreio para detectar a presença de tristeza crônica na população e possibilitou a intervenção de enfermagem com eficácia23^-24. Outra pesquisa avaliou as propriedades psicométricas do Kendall Chronic Sorrow Instrument e concluiu que essa versão pode ser usada como um instrumento válido e confiável para mensurar a tristeza crônica em mães iranianas de crianças com câncer.34

Convém enfatizar que, na literatura brasileira, não foram encontradas publicações em que se utilizasse a teoria no período investigado. Contudo não se pode deduzir que a Teoria da Tristeza Crônica é desvalorizada no campo da pesquisa científica nacional. A produção do conhecimento sobre teorias de Enfermagem representa uma frequência relativamente baixa. Há que se considerar a tendência atual da Enfermagem a diversificar o referencial teórico e/ou metodológico usados em seus estudos, porque os enfermeiros vêm buscando a contribuição de outras áreas do conhecimento para dar conta da complexidade dos fenômenos que fazem parte de sua prática, conforme aponta estudo.35 Assim, é necessário divulgar a Teoria de Médio Alcance da Tristeza Crônica, com a finalidade de subsidiar pesquisas na área de Enfermagem no contexto nacional.

A Adequação Empírica é o critério de avaliação de uma teoria de médio alcance e exige que as afirmações feitas por ela sejam congruentes com as evidências empíricas. Esse parâmetro requer a avaliação do grau de confiabilidade da teoria.11 Como é característico da Teoria de Médio Alcance, o escopo limitado possibilita, prontamente, que os pesquisadores estudem o fenômeno.

Com um número limitado e relações definidas de variáveis, nem todas as declarações têm suporte empírico. Portanto, essa teoria requer testes para afirmar sua validade empírica e determinar se todas as declarações são indispensáveis ou se declarações adicionais são necessárias, com o propósito de testar a teoria e de encontrar estratégias de manejo externo e interno para reduzir a tristeza crônica criada pelo processo do luto antecipatório em pacientes sob cuidados paliativos e seus familiares.

Na avaliação de uma teoria, o Critério de Adequação Pragmática é um passo que enfoca sua utilidade para a prática de enfermagem e exige desses profissionais conhecimentos sobre seu conteúdo e habilidades necessárias para a sua aplicação, a fim de alcançar resultados favoráveis para as pessoas que participam das ações de cuidado.11

É importante mencionar que a teoria é usada na prática assistencial e no âmbito da pesquisa, porém ainda não foi bem difundida, principalmente em intuições destinadas a pacientes sob cuidados paliativos. Entretanto, algumas ações pontuais são postas em prática, como, por exemplo, a Universidade de La Sabana em Bogatá (Colômbia), cuja assistência de enfermagem e pesquisas no serviço de obstetrícia e de ginecologia são pautadas na teoria. Esse grupo de estudos mantém um site que fornece informações gerais sobre mães que enfrentam a experiência de perder um filho, destinado a fins educacionais, para pesquisa e prática clínica.36

A literatura sobre linguagens de enfermagem padronizadas revela que a tristeza crônica é uma categoria de diagnóstico da NANDA International (NANDA-I). Esse termo foi aprovado em 1998 e revisado em 2017. É definido como “padrão cíclico, recorrente e potencialmente progressivo de tristeza disseminada, vivenciada (por pai/mãe, cuidador ou indivíduo com doença crônica ou deficiência) em resposta à perda contínua ao longo da trajetória de uma doença ou deficiência”.37:681 É, também, um conceito diagnóstico na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem - CIPE®, desde a Versão 1, publicada em 2005, definida como uma ‘emoção negativa: sentimentos de pesar e de melancolia associados à falta de energia”.38

As relações entre as categorias de diagnóstico na NANDA International (NANDA-I), a Classificação de Resultados de Enfermagem (NOC) e a Classificação de Intervenções de Enfermagem (NIC) dão aplicações educacionais para educadores da área de Enfermagem que projetam currículos e ensinam para estudantes do Curso de Graduação de Enfermagem em Processos de Decisão Clínica. Além disso, os vínculos focam o planejamento de cuidados em resultados, um passo essencial no ensino de práticas baseadas em evidências.38^-40

Assim, é importante disseminar os conceitos da teoria para orientar pacientes e familiares que vivem uma experiência extremamente perturbadora simultaneamente à trajetória do final da vida do paciente, não apenas devido ao estresse físico e emocional inerente ao cuidado, mas também a sentimentos de perda e de separação causados por uma doença crônica, de progressão rápida e de morte iminente. O luto antecipatório engloba muitos domínios da vida da pessoa. Assim, a assistência paliativa deve proporcionar conforto, que pode ser resultante de práticas de cuidar em saúde e em enfermagem, conciliando racionalidade, sensibilidade e manutenção da dignidade do paciente e sua família.

CONCLUSÃO

A perda é uma experiência comum para o ser humano. Ao lidar com pacientes com doenças crônicas, degenerativas ou na fase final da vida, o enfermeiro deve encarar a perda real ou percebida que abrange o luto. Essa é uma experiência frequente na vivência de muitos familiares. A Teoria da Tristeza Crônica aborda, de forma singular, as necessidades do luto e a experiência de perda. Como uma teoria de médio alcance preditiva, pode ser facilmente aplicada nos diferentes cenários da Enfermagem - na assistência, no ensino e na pesquisa. Além disso, a utilização dessa teoria é perspectivada por uma linguagem padronizada, que traduz para a Enfermagem a relevância da abordagem dos aspectos associados à tristeza crônica.

O instrumento próprio da teoria é uma ferramenta adequada para determinar a presença da tristeza crônica dos pacientes e dos familiares cuidadores, tanto no processo do luto antecipatório quanto no enlutamento da família, depois que ela perde seu ente querido, e para possibilitar a intervenção de enfermagem.

Uma limitação do estudo foi a falta de publicações sobre a referida teoria no cenário brasileiro. Por isso, sugere-se que pesquisas futuras se concentrem em um processo de validação de conteúdo do instrumento da teoria pelos enfermeiros da área de cuidados paliativos e uma validação clínica, que será testada com familiares de pacientes com doença crônica e na fase final da vida.

Espera-se que este estudo possa contribuir, no sentido de indicar o uso da Teoria da Tristeza Crônica, para respaldar a assistência de enfermagem na promoção de estratégias eficazes, proporcionar conforto e melhorar a qualidade de vida nos contextos físicos, psicoespiritual, ambiental e sociocultural dos pacientes e de suas famílias, as quais enfrentam um processo de tristeza crônica relativo ao luto.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Trabalho desenvolvido na disciplina - Análise Crítica de Teorias de Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba, em 2019.

• FINANCIAMENTO

  Estudo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  12 Fev 2020
• Aceito
  30 Abr 2020