VIGILÂNCIA PÓS-ALTA EM INFECÇÃO DE SÍTIO CIRÚRGICO: VALIDAÇÃO DE UM INSTRUMENTO

RESUMO

Objetivo:

criar e validar um instrumento para a detecção de potenciais casos de infecção de sítio cirúrgico por meio de vigilância pós-alta telefônica.

Método:

estudo metodológico, utilizando análises psicométricas, para elaboração e validação de um instrumento para a realização de vigilância pós-alta de infecção de sítio cirúrgico.

Resultados:

o instrumento apresentou coeficiente de validade de conteúdo total igual a 0,87. Foi aplicado a uma amostra de 100 pacientes e comparado ao exame físico médico e de enfermagem para detecção da infecção de sítio cirúrgico, resultando em kappa de Cohen (0,83), alfa de Cronbach (0,87) e Comparative Fit Index (0,998) satisfatórios. A diferença entre o tempo dispendido nas ligações telefônicas para pacientes positivos para infecção de sítio cirúrgico foi estatisticamente superior ao tempo das ligações para os pacientes negativos para infecção de sítio cirúrgico (p< 0,001). A sensibilidade foi igual a 76,4%, especificidade de 100%, valores preditivos negativo de 92,5% e positivo de 100%, e precisão de 94%.

Conclusão:

o instrumento foi validado nas etapas de conteúdo, critério e constructo.

DESCRITORES:
Enfermagem; Infecção da ferida operatória; Infecção hospitalar; Estudo de validação; Psicometria; Enfermagem perioperatória; Segurança do paciente

ABSTRACT

Objective:

to create and validate an instrument for detecting potential cases of surgical site infection through post-discharge telephone surveillance.

Method:

a methodological study using psychometric analyzes to develop and validate an instrument for conducting post-discharge surveillance of surgical site infection.

Results:

the instrument had a total content validity coefficient equal to 0.87. It was applied to a sample of 100 patients and compared to a medical and nursing physical examination to detect surgical site infection, resulting in satisfactory Cohen’s kappa (0.83), Cronbach’s alpha (0.87) and Comparative Fit Index (0.998). The difference between the time spent on telephone calls for patients positive for surgical site infection was statistically greater than the time spent on calls for patients negative for surgical site infection (p <0.001). Sensitivity was 76.4%, with specificity of 100%, negative predictive values of 92.5%, positive values of 100% and accuracy of 94%.

Conclusion:

the instrument was validated in content, criteria and constructo stages.

DESCRIPTORS:
Nursing; Surgical wound infection; Cross infection; Validation study; Psychometrics; Perioperative nursing; Patient safety

RESUMEN

Objetivo:

crear y validar un instrumento para la detección de posibles casos de infección del sitio quirúrgico mediante vigilancia telefónica post alta.

Método:

estudio metodológico mediante análisis psicométrico para desarrollar y validar un instrumento para realizar la vigilancia post alta de la infección del sitio quirúrgico.

Resultados:

el instrumento tuvo un coeficiente de validez de contenido total igual a 0,87. Se aplicó a una muestra de 100 pacientes y se comparó con el examen físico médico y de enfermería para la detección de infección del sitio quirúrgico, resultando en kappa de Cohen (0,83), alfa de Cronbach (0,87) e índice de ajuste comparativo (0,998) satisfactorios. La diferencia entre el tiempo dedicado a las llamadas telefónicas de los pacientes positivos para la infección del sitio quirúrgico fue estadísticamente mayor que el tiempo dedicado a las llamadas de los pacientes negativos para la infección del sitio quirúrgico (p <0,001). La sensibilidad fue del 76,4%, especificidad 100%, valores predictivos negativos 92,5%, valores predictivos positivos 100% y 94% de precisión.

Conclusión:

el instrumento fue validado en las etapas de contenido, criterios y constructo.

DESCRIPTORES:
Enfermagem; Infección de la herida quirúrgica; Infección hospitalaria; Estudio de validación; Psicometría; Enfermería perioperatoria; Seguridad del paciente.

INTRODUÇÃO

As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são reconhecidamente um problema de saúde pública e, portanto, se faz necessário que as autoridades regionais e nacionais desenvolvam ações para a diminuição do risco de sua aquisição.1^-3

Nos Estados Unidos da América (EUA) a Infecção do Sítio Cirúrgico (ISC) já é a mais comum, correspondendo a 31% das IRAS entre pacientes hospitalizados, resultando em aumento de custos relacionados à assistência à saúde e do tempo de permanência do paciente na instituição hospitalar.4^-5 No Brasil a ISC ocupa a terceira posição entre as infecções relacionadas à assistência à saúde e eleva entre duas e onze vezes o risco de morte dos pacientes.4

Destaca-se que, com as internações hospitalares cirúrgicas cada vez mais curtas, parte da recuperação do paciente ocorre no domicílio, e assim, estima-se que de 19% a 84% das ISC são diagnosticadas após a alta hospitalar.6

O Sistema Único de Saúde (SUS) é responsável por grande parte das cirurgias realizadas no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2019 foram realizados cerca de 2,4 milhões de procedimentos cirúrgicos por hospitais do SUS ou por ele credenciados.7

Dado o grande número de procedimentos cirúrgicos realizados, e considerando que a maior parte dos casos de ISC se manifestará após a alta, estabelecem-se grandes desafios para a realização da Vigilância Pós-Alta (VPA). Dentre eles, pode-se destacar a carência de recursos de estrutura, humanos e financeiros. Estudo recente que avaliou a realização de VPA em 193 hospitais universitários apontou que apenas 29,3% (n=22) instituições referiram realizar a VPA, sendo o método preferencial o telefone, seguido pelo retorno ambulatorial.8

Desse modo faz-se necessária a implementação de ações de vigilância pós-alta (VPA), preferencialmente por meio de métodos ativos de busca com ferramentas validadas que sejam capazes de fornecer dados fidedignos sobre a incidência de ISC. Esses resultados permitirão avaliar as ações de prevenção e controle de ISC instituídas durante a hospitalização, além de diminuir a ocorrência de subnotificações.7^-8

Sendo assim, este estudo propôs criar e validar um instrumento para a detecção pós-alta de potenciais casos de infecção de sítio cirúrgico, por meio da vigilância pós-alta telefônica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo metodológico, com a finalidade de elaborar e validar um instrumento para a realização da vigilância pós-alta de possíveis casos de ISC utilizando análises psicométricas.

Para tanto, foram utilizados os conceitos da psicometria, que relacionam teorias e técnicas de mensuração para validar instrumentos.9 Nesta investigação foram aplicados os conceitos de validação de conteúdo, critério concorrente e constructo.

A validade de conteúdo permite avaliar, por meio de especialistas da área temática ou constructo em questão, se um conjunto de itens específicos reflete um domínio de conteúdo, ou seja, se o instrumento construído refletiu a definição conceitual aplicada à escala. Para tanto, as seguintes etapas foram percorridas: determinação do tema; desenvolvimento do conjunto de itens; validação pelos juízes especialistas e análise da validação de conteúdo.9

A construção do conjunto de itens se deu por meio de revisão de guias nacionais e internacionais.6^,10^-11 Foram elaboradas, com redações diferentes, quatro questões que abordavam o mesmo indicador clínico,9 para que os juízes pudessem eleger a formulação que melhor atendia os critérios propostos de avaliação, a saber, relevância, clareza e abrangência.9

O instrumento foi disponibilizado aos juízes por meio de plataforma eletrônica, que permitia o acesso ao termo de compromisso para a participação nesta pesquisa, à carta de orientações para avaliação e ao instrumento, propriamente dito.

Adotou-se a recomendação para indicação de, no mínimo três e no máximo cinco juízes especialistas para a composição do painel de julgamento para a validação de instrumentos.12 Dessa forma, na presente investigação, foram selecionados cinco juízes, de acordo com sua expertise e experiência na área do estudo, ou seja, atuação profissional vinculada ao perioperatório e/ou IRAS, com Pós-Graduação lato sensu ou stricto sensu e produção científica na área.

A concordância entre os juízes sobre os aspectos propostos para a avaliação do instrumento foi avaliada por meio do Coeficiente de Validade de Conteúdo e Concordância Total (CVCt), método utilizado para obter individualmente o coeficiente de cada critério avaliado (CVCic), sendo posteriormente realizado o CVCt de cada item proposto no instrumento, segundo a fórmula abaixo:

$$CV{C}_t=\frac{1}{N}{\sum }_{i=1}^{N}CV{C}_i$$

Assim, o instrumento final foi composto pelos 10 itens que apresentaram os maiores valores de CVCt. Após essa etapa, procedeu-se à validação de critério concorrente em uma instituição hospitalar privada, situada no Estado de São Paulo, com 300 procedimentos cirúrgicos/mês de média e alta complexidade, avaliando-se a correlação existente entre o instrumento proposto e o exame físico médico e de enfermagem para detecção da ISC (padrão-ouro).3

Utilizou-se uma amostra por conveniência de 100 pacientes com 18 anos de idade ou mais. A composição da amostra na etapa de validação de critério concorrente atendeu a recomendação de inclusão de 10 pacientes para cada item que compunha a versão final do instrumento.13

Os critérios de seleção foram pacientes submetidos a cirurgias potencialmente contaminadas e contaminadas, que dispunham de contato telefônico e que atenderam a uma das cinco tentativas de contato telefônico do pesquisador.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de abril e junho de 2017, aplicando-se o instrumento Vigi-A por meio de contato telefônico entre o 14º e 16º dia do pós-operatório. Na sequência, agendava-se o retorno ambulatorial para a consulta médica e de enfermagem, objetivando assim a comparação entre as respostas obtidas na entrevista telefônica e o exame médico e de enfermagem presencial do paciente.

Na etapa de validação de constructo, calculou-se a confiabilidade do instrumento, ou seja, sua coerência e sua constância de resultados, medidas por meio do Coeficiente de alfa de Cronbach, que mensurou a correlação entre os itens do instrumento.14 O resultado pode ter valor máximo de 1, sendo o valor mínimo aceitável igual a 0,7.15

O Coeficiente kappa de Cohen foi utilizado para medir a concordância entre dois tipos diferentes de medições, a saber, o instrumento criado e o exame físico (padrão ouro).3

O modelo de Análise Fatorial Confirmatória (AFC), estimada por mínimos quadrados ponderados, foi empregado para verificar os padrões de correlações existentes entre variáveis.14 Além disso, verificou-se o Comparative Fit Index (CFI), considerando-se que valores superiores a 0,90 indicam um bom ajustamento, e o Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA), índice de ajuste absoluto que compara um modelo hipotético a um modelo perfeito, adotando como parâmetros de bom ajustamento valores < 0,05 e valores < 0,08 para indicar um ajuste razoável.16^-17

Além da análise psicométrica descrita anteriormente, foram empregadas medidas de estatística descritiva. Ademais, foram calculados os valores de precisão, sensibilidade, especificidade, valores preditivo e negativo do instrumento. O teste t de Welch foi utilizado para comparar as médias observadas nos diferentes métodos utilizados para a vigilância pós-alta com desvios-padrão distintos, em função da desigualdade das variâncias observadas. O nível de significância adotado foi α = 5%. Os cálculos foram realizados por meio do Software SPSS 22 (IBM, Corp, Armonk, New York, EUA) e pelo R 3.5 (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria).

Todos os juízes especialistas e pacientes participantes da presente investigação receberam informações quanto aos objetivos da pesquisa e a possibilidade, a qualquer momento, de desistirem de sua participação neste estudo, sem nenhum tipo de dano ou prejuízo, e manifestaram sua concordância. Os juízes assinaram um termo de compromisso e os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Cinco juízes especialistas compuseram o painel de avaliadores, sendo quatro enfermeiros, dos quais dois atuam no controle de IRAS e dois em enfermagem perioperatória, e um médico infectologista.

Todos cursaram Pós-Graduação stricto sensu e lato sensu, sendo um (20%) com especialização na área de prevenção e controle de IRAS, dois (40%) com mestrado na área de enfermagem perioperatória e dois (40%) com doutorado nas áreas de enfermagem e medicina. O tempo de experiência na área de atuação variou entre dois e mais de trinta anos. Todos os profissionais eram do Estado de São Paulo.

As questões formuladas sobre cada um dos itens avaliados (drenagem purulenta, edema, abscesso, calor localizado, hipertermia, dor, rubor, sensibilidade aumentada, deiscência e drenagem por dreno) foram avaliadas pelos juízes por meio de escala tipo Likert, segundo sua relevância, clareza e abrangência.

As questões que obtiveram índice CVCt igual ou superior a 0,80 (37,24%) permaneceram inalteradas na versão final do instrumento, denominado Vigi-A.

Os critérios “calor localizado” e “abscesso” foram reformulados, considerando-se as sugestões dos juízes, por não terem obtido índices de concordância aceitáveis em nenhuma das perguntas do conjunto de itens elaborados para a primeira avaliação.

A pergunta reformulada no critério “abscesso” obteve índice igual 0,80. Já a pergunta referente ao critério “calor localizado” obteve índice satisfatório de 0,92. O Coeficiente de Validade de Concordância e Conteúdo Total do instrumento foi igual a 0,87. O instrumental final (Vigi-A) composto por 10 perguntas é apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Instrumento final após validação de conteúdo pelos juízes especialistas. São Paulo, SP, Brasil, 2017

VIGILÂNCIA PÓS-ALTA PARA DETECÇÃO DE INFECÇÃO DE SÍTIO CIRÚRGICO - Vigi-A
PACIENTE:
CIRURGIA REALIZADA:
DATA DA CIRURGIA:	DATA DA COLETA:
Orientações quanto ao preenchimento: antes de cada pergunta existe uma definição do que está sendo considerado na questão. As perguntas foram construídas baseadas nos critérios diagnósticos de infecção de sítio cirúrgico propostos pelos guias internacionais do National Institute for Health and Clinical Excelence (2019), Centers for Disease Control and Prevention (2017) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2017). Faça as perguntas listadas e, na sequência, assinale a resposta do paciente, negativa (NÃO) ou positiva (SIM). Nesta última situação, anote as observações relevantes ao caso. A resposta positiva a um dos itens torna o paciente um possível caso de infecção de sítio cirúrgico e faz necessária a avaliação presencial por profissional de saúde. Anote quaisquer outras informações relevantes na última linha.
RESPONSÁVEL PELO PREENCHIMENTO:
Perguntas	Sim	Não
Definição			Observações
Drenagem purulenta da incisão: presença de exsudato purulento.
Há saída de líquido amarelo da ferida?
Edema: acúmulo anormal de líquido nos espaços intercelulares ou em diferentes cavidades corporais.
A ferida cirúrgica está inchada?
Dor: sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão da localização, produzida pela estimulação de terminação nervosa.
A ferida cirúrgica está dolorida?
Calor localizado: sensação de que um determinado local está extremamente aquecido.
Você sente que a ferida cirúrgica está quente?
Rubor: presença de aumento de vasodilatação sanguínea, favorecendo o aparecimento da “vermelhidão” no local.
O local da ferida está avermelhado?
Presença de sensibilidade aumentada: capacidade de sentir ou perceber impressões transmitidas por nervos aferentes.
Você tem percebido a ferida cirúrgica mais sensível que no início do pós-operatório?
Deiscência: separação natural que pode ocorrer entre órgãos e tecidos, na presença de um foco infeccioso.
Há algum ponto que não está cicatrizando na ferida cirúrgica?
Hipertermia: aumento exagerado da temperatura corporal (maior ou igual a 38ºC).
Você apresentou febre acima de 38ºC nos últimos dias?
Abscesso: presença de exsudato purulento delimitado a tecidos manipulados durante a cirurgia.
Você sente um “volume” com presença de líquido ao toque sob a pele da ferida cirúrgica?
Presença de drenagem de secreção purulenta por drenos: presença de exsudato purulento em dreno ou similar, proveniente de cavidade manipulada durante a cirurgia.
Há pus no líquido do dreno?
Outras informações e observações relevantes:

As validades de critério concorrente e de constructo foram realizadas com uma amostra de 100 pacientes, em sua maioria mulheres (58; 58%), submetidas a cirurgias potencialmente contaminadas e contaminadas, especialmente, histerectomias, retossigmoidectomias e colecistectomias. Os pacientes tinham idade média de 45 (DP± 16 anos), com valores mínimos de 17 anos e máximo de 81 anos. A média do tempo cirúrgico foi de 117minutos (DP± 53 minutos), variando entre 40 minutos e 300 minutos.

Durante a vigilância pós-alta (VPA) telefônica, dentre os 100 pacientes investigados, 26% dos sujeitos apresentaram respostas positivas para pelo menos um dos itens do Vigi-A.

Os sinais ou sintomas indicativos de ISC relatados foram dor (23; 23%), sensibilidade aumentada (16; 16%), edema (14; 14%), rubor e calor localizado (13; 13%) e drenagem purulenta (12; 12%).

No entanto, quando submetidos ao exame físico pelo enfermeiro e posterior confirmação pelo médico cirurgião, apenas 20; 20% dos casos mantiveram o diagnóstico para ISC, sendo que 100% deles eram ISC superficiais.

O tempo médio das ligações telefônicas para a aplicação do instrumento Vigi-A com pacientes com ISC confirmada foi de 3min2s (desvio padrão de 0,73 segundos), variando entre 2min13s a 5min. Para pacientes que não apresentaram sintomas de ISC, as ligações duraram entre 2min13s e 3min50s, com média de 2min55s. Houve diferença estatisticamente significativa entre o tempo dispendido nas ligações realizadas para pacientes que apresentavam ISC e para os que não apresentavam (p=0,001), sendo que para os pacientes com ISC a ligação telefônica foi 1,4 vezes mais longa do que para os sem ISC (p< 0,001), segundo a Figura 1.

Figura 1
Tempo médio de duração da ligação telefônica, em minutos, entre os grupos com ausência ou presença da infecção do sítio cirúrgico. São Paulo, SP, Brasil, 2017

A consistência interna, ou seja, a confiabilidade do questionário, medida pelo alfa de Cronbach, foi de 0,87. O kappa de Cohen foi igual a 0,83, indicando equivalência entre os dois instrumentos de medida empregados neste estudo, o Vigi-A e o retorno ambulatorial com exame físico do paciente.

Na Análise Fatorial Combinatória foram excluídos dois itens, a saber, abscesso e drenagem purulenta por dreno, pois, os pacientes incluídos na amostragem não apresentaram essas complicações. Os demais itens são apresentados na Figura 2. O Comparative Fit Index foi igual a 0,998, valor considerado bom; em contrapartida, o Root Mean Square Error of Aproximation foi de 0,130, considerado insuficiente.

Figura 2
Apresentação das cargas fatoriais obtidas a partir da Análise Fatorial Confirmatória entre Infecção de Sitio Cirúrgico e seus indicadores clínicos. São Paulo, SP, Brasil, 2017

A ferramenta Vigi-A apresentou sensibilidade de 76,9% e especificidade de 100%. O valor preditivo positivo foi igual a 100% e o valor preditivo negativo igual a 92,5%. Sua precisão foi de 94% para a detecção de ISC, por meio da vigilância pós-alta por busca telefônica.

DISCUSSÃO

O instrumento proposto neste estudo, denominado Vigi-A, obteve em sua validação de conteúdo CVCt igual a 0,87, na avaliação dos itens que abordavam sinais e sintomas característicos de todos os tipos de ISC, independentemente de sua topografia.

Na análise de sua confiabilidade, o instrumento obteve alfa de Cronbach satisfatório e, na análise de concordância entre o instrumento proposto e o padrão ouro, considerado o retorno ambulatorial com exame físico, obteve resultado igualmente satisfatório, indicando que o Vigi-A mediu adequadamente aquilo a que se propôs.9^,15

A Análise Fatorial Combinatória demonstrou que os itens do instrumento obtiveram índices aceitáveis de ajustamento, confirmando a impressão clínica de que o item drenagem purulenta é o mais importante para a suspeita de casos de ISC, o que vai ao encontro do descrito na literatura científica.1^,11 Apesar de o tamanho amostral ter seguido o indicado pela literatura científica para estudos de validação de instrumentos,13 ele pode ter influenciado o resultado não satisfatório do Root Mean Square Error of Aproximation, pois sabe-se que este teste tende a rejeitar modelos verdadeiros, quando a amostra é relativamente pequena.17

Utilizando o mesmo padrão ouro empregado por este estudo em comparação a chamadas telefônicas para VPA, pesquisa anterior16 observou confiabilidade de 0,84, concluindo em sua investigação que a VPA telefônica é um método confiável para a identificação de casos de ISC. Análises prévias avaliando a VPA por telefone encontraram dados de sensibilidade que variavam de 73% a 100%.18

Embora estudos anteriores tenham trabalhado com alguma etapa de validação na construção de ferramentas voltadas à prevenção de ISC,18^-20 pode-se dizer que este é o primeiro estudo nacional que percorreu todas as etapas de validação de conteúdo, critério e constructo, na criação de um instrumento de VPA para utilização por meio de ligações telefônicas.

Dentre as investigações que analisaram ferramentas de VPA, pesquisa realizada na Tanzânia buscou avaliar as chamadas telefônicas de acompanhamento pós-alta com aplicação de questionário, objetivando aprimorar a detecção dos casos de ISC pós-cesárea. Observou-se que a sensibilidade do método foi de 73,3%, identificando 26,3% desses casos.18

De fato, a VPA por telefone colabora na detecção de casos de ISC, principalmente as consideradas superficiais, que seriam subnotificadas sem a realização dessa vigilância ativa, como se observou no presente estudo, dado que 20% dos casos de ISC na instituição analisada teriam sido subnotificados sem a VPA.

Da mesma maneira, estudo anterior realizou apenas a validação de conteúdo de um instrumento composto por 40 questões abertas e fechadas para VPA telefônica, direcionadas ao diagnóstico específico de endometrites ou outros eventos esperados entre cirurgias ginecológicas. Verificou-se que, dos 140 casos de ISC encontrados em uma amostra de pacientes cirúrgicos, 62,9% foram diagnosticados após a alta e somente 27,7% durante a internação.19

Um estudo construiu e realizou a validação de conteúdo de uma lista de verificação de itens relacionados à prevenção de ISC, a ser aplicada no período intraoperatório, conjuntamente com o check-list de cirurgia segura.20 Destaca-se que a listagem de verificação foi incorporada ao sistema informatizado da unidade de saúde.20

No Brasil, pesquisa acompanhando 84 pacientes, desde o momento da internação até sete dias após sua alta hospitalar, identificou que 41 casos de ISC foram diagnosticados durante a VPA, destacando que as altas hospitalares cada vez mais precoces impactam sobre o monitoramento de possíveis ISC ou de qualquer outro evento adverso.21

Entendendo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as IRAS como um dos eventos adversos mais frequentes do mundo, ainda que as taxas de subnotificação sejam importantes e motivadas por diversos motivos, sublinha-se a dificuldade de se coletar dados fidedignos. Assim, atuar para garantir a segurança do paciente implica não somente a garantia de cuidado adequado, mas também o monitoramento de dados por meio da vigilância em saúde, incluindo a VPA. 22

Considerando-se que a ISC constitui um problema para a segurança do paciente submetido a procedimentos cirúrgicos, aliado ao crescimento da realização de cirurgias ambulatoriais e de altas precoces, surge a necessidade de esforços coletivos multiprofissionais, no sentido de notificar adequadamente esses eventos, traçar estratégias com enfoque na comunicação e na prática educacional, com o intuito de disseminar informações sobre o processo de notificação.23 Por isso, cabe destacar que uma vigilância de qualidade das ISC não requer necessariamente alto investimento, mas pressupõe, principalmente, a padronização de protocolos e o aprimoramento de práticas para conduzir os programas propostos com qualidade.

Como limitação deste estudo, destaca-se a validação do instrumento entre uma amostragem de conveniência, composta por pacientes submetidos a procedimentos potencialmente contaminados e contaminados.

Dessa forma, sugere-se a realização de novas investigações em outros grupos de pacientes, ampliando a validade do instrumento frente a outros procedimentos cirúrgicos, e realidades profissionais.

CONCLUSÃO

O instrumento Vigi-A foi validado nas fases de conteúdo, critério e construto para a população abordada no estudo.

Acredita-se que o instrumento de VPA aqui apresentado será útil para a detecção de potenciais casos de ISC, especialmente as consideradas superficiais, que são frequentemente subnotificadas nos serviços de saúde.

Dessa forma, com a utilização de uma ferramenta validada e a padronização de um processo para a vigilância pós-alta de ISC, pode-se estabelecer comparações criteriosas de taxas de ISC entre diferentes instituições.

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• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Vigilância pós-alta de infecção de sítio cirúrgico: criação e validação de um instrumento., apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saude do Adulto, da Universidade de São Paulo, em 2017.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo parecer n. 1.915.895, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 61631216.9.0000.5392.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Abr 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  14 Nov 2019
• Aceito
  14 Maio 2020