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RENORMALIZAÇÃO DO TRABALHO DO ENFERMEIRO EM HEMOTERAPIA: ENTRE O PRESCRITO E O REAL

RESUMO

Objetivo:

caracterizar o processo de trabalho dos enfermeiros na hemoterapia quanto aos procedimentos prescritos, às normas antecedentes e ao trabalho real.

Método:

estudo qualitativo, realizado no período de fevereiro a dezembro de 2017, em um hemocentro na região norte do país, envolvendo uma amostra de vinte e dois enfermeiros. Foi utilizada a triangulação metodológica com dados colhidos através de entrevista semiestruturada, documentos e protocolos institucionais, observação participante e anotações em diário de campo. Para o tratamento e a análise dos dados, foram usados os recursos do software Atlas.ti 8.2.1 (Qualitative Research and Solutions) e os fundamentos do Materialismo Histórico-dialético e da Ergologia.

Resultados:

os resultados evidenciaram que os enfermeiros atuam em diferentes atividades, recriando o trabalho de acordo com as necessidades do serviço. O trabalho assistencial, educativo e gerencial permeia as atividades desenvolvidas e é realizado de acordo com as legislações, buscando garantir a saúde do doador, a qualidade dos produtos e a segurança transfusional.

Conclusão:

as situações de trabalho desses profissionais apontam que os usos de si se fazem presentes no seu cotidiano, promovendo o dinamismo entre as normas antecedentes e as renormalizações.

DESCRITORES:
Transfusão de sangue; Doadores de sangue; Serviço de Hemoterapia; Assistência de enfermagem; Trabalho

ABSTRACT

Objective:

to characterize the work process of nurses in hemotherapy in terms of prescribed procedures, antecedent norms and real work.

Method:

a qualitative study, carried out from February to December 2017, in a blood center in the North of the country, involving a sample of twenty-two nurses. Methodological triangulation with data collected through semi-structured interviews, institutional documents and protocols, participant observation and notes in a field diary were used. For data treatment and analysis, the resources of the Atlas.ti 8.2.1 software (Qualitative Research and Solutions) and the fundamentals of Historical Dialectical Materialism and Ergology were used.

Results:

the results showed that nurses work in different activities, recreating work according to the needs of the service. The assistance, educational and managerial work permeates the activities developed and is carried out in accordance with the legislation, seeking to guarantee the donor's health, the quality of the products and transfusion safety.

Conclusion:

the work situations of these professionals indicate that its uses are present in their daily lives, promoting dynamism between the previous norms and the renormalizations.

DESCRIPTORS:
Blood transfusion; Blood donors; Hemotherapy service; Nursing assistance; Work

RESUMEN

Objetivo:

caracterizar el proceso de trabajo del enfermero en hemoterapia en relación a procedimientos prescritos, normas antecedentes y trabajo real.

Método:

estudio cualitativo, realizado de febrero a diciembre de 2017, en un banco de sangre de la región norte del país, con una muestra compuesta de veintidós enfermeros. Se utilizó triangulación metodológica con datos recolectados a través de entrevistas semiestructuradas, documentos y protocolos institucionales, observación participante y notas en un diario de campo. Para el tratamiento y análisis de los datos se utilizaron los recursos del software Atlas.ti 8.2.1 (Qualitative Research and Solutions) y los fundamentos del Materialismo Histórico Dialéctico y la Ergología.

Resultados:

los resultados mostraron que los enfermeros trabajan en diferentes actividades y recrean el trabajo de acuerdo a las necesidades del servicio. La labor asistencial, educativa y gerencial atraviesa las actividades desarrolladas y se lleva a cabo de conformidad con la legislación, a fin de garantizar la salud del donante, la calidad de los productos y la seguridad transfusional.

Conclusión:

la situación laboral de estos profesionales indica que los usos están presentes en su cotidianidad, y promueven el dinamismo entre las normas antecedentes y las renormalizaciones.

DESCRIPTORES:
Transfusión de sangre; Donantes de sangre; Servicio de hemoterapia; Cuidado de enfermería; Trabajo

INTRODUÇÃO

A atuação do enfermeiro nas atividades específicas da hemoterapia exige conhecimentos científicos e capacidade de tomada de decisão imediata, tanto no cuidado ao doador de sangue, quanto na assistência de enfermagem ao receptor de produtos sanguíneos11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução no 0629/2020: aprova e atualiza a Norma Técnica que dispõe sobre a atuação de Enfermeiro e de Técnico de Enfermagem em Hemoterapia [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 29]. Available from:Available from:http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-629-2020_77883.html
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. Diante disso, o Conselho Federal de Enfermagem, através da Resolução 0629/2020, publicou a norma técnica que estabelece diretrizes para atuação dos enfermeiros e técnicos de enfermagem em hemoterapia, com o objetivo de garantir que a assistência de enfermagem seja competente, resolutiva e segura para o paciente ou doador. O texto normativo detalhou as competências profissionais nos procedimentos de captação de sangue e Hemotransfusão, enfatizando a necessidade de capacitação para os profissionais que forem atuar na área.11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução no 0629/2020: aprova e atualiza a Norma Técnica que dispõe sobre a atuação de Enfermeiro e de Técnico de Enfermagem em Hemoterapia [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 29]. Available from:Available from:http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-629-2020_77883.html
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Essa norma técnica favoreceu a realização de mudanças nos processos de trabalho dos profissionais envolvidos.

Na saúde, o processo de trabalho está contemplado por diferentes profissionais, entre eles o trabalho do enfermeiro. Esse trabalho da enfermagem abrange quatro dimensões: dimensão do cuidado, que compreende o cuidado a indivíduos ou grupos; dimensão educativa, constituída de processos de educação e formação profissional; dimensão gerencial, que compreende as atividades de administração do trabalho de enfermagem, além da participação na gestão da assistência em saúde; e a dimensão investigativa, referente à produção de conhecimentos científicos capazes de fundar e orientar os processos de trabalhos nas outras dimensões - cuidar, gerenciar e educar em saúde.22. Amoras JAB, Sales APA, Sampaio ATL, Machado RM, Duarte SJH. O materialismo histórico dialético na assistência de enfermagem: revisão integrativa. Rev Enferm UFPE On Line [Internet]. 2016 [cited 2018 May 29];10(4):1307-14. Available from: http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-877574
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-33. Bertoncini JH, Pires DEP, Ramos FRS. Dimensões do trabalho da enfermagem em múltiplos cenários institucionais. Tempus [Internet]. 2011 [cited 2019 Jul 22];5(1):123-33. Available from: http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/922/932
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Nessa perspectiva, considerando as quatro dimensões do processo de trabalho do enfermeiro, a formação dos profissionais, a rotina dos trabalhadores e as experiências vivenciadas, este estudo tem o objetivo de caracterizar o processo de trabalho dos enfermeiros na hemoterapia quanto aos procedimentos prescritos, às normas antecedentes e ao trabalho real. Para o alcance dos objetivos, busca-se compreender o processo de trabalho em enfermagem por meio da Teoria do Materialismo Histórico-dialético associado à Ergologia.

O Materialismo Histórico-dialético permite a aproximação com o objeto de estudo por meio da compreensão das mediações e correlações. A Ergologia dá destaque à subjetividade dos trabalhadores, de valores, costumes e experiências durante a execução das atividades. Esses elementos, que apartam o trabalho real do trabalho prescrito, evidenciam que o trabalho, bem como toda a atividade humana, em nenhum momento será mera aplicação de normas, pois envolverá a subjetividade dos trabalhadores, proporcionando a oportunidade de produzir novos saberes.44. Viegas MF, Borré L, Graezel VF. Produção de saberes no trabalho de cuidado na enfermagem de um hospital do Vale do Rio Pardo, RS. Nucleus [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];13(1):292301. Available from: https://doi.org/10.3738/1982.2278.1625
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Pesquisas sobre o trabalho do enfermeiro na hemoterapia ainda são incipientes, sendo que a compreensão do processo de trabalho na perspectiva do Materialismo Histórico-dialético e da Ergologia constitui uma abordagem que ainda não foi explorada nessa área. Portanto, as contribuições teóricas deste estudo vislumbram ampliar o conhecimento sobre o processo de trabalho do enfermeiro na hemoterapia, pautado na produção científica atualizada capaz de sustentar o processo de trabalho do enfermeiro em todas as áreas de atuação, guiando-os com foco na qualidade dos produtos e na segurança dos envolvidos.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa que utiliza a abordagem qualitativa, norteada pelo Materialismo Histórico-dialético e pela Ergologia. O Materialismo Histórico-dialético possibilita relacionar os dados encontrados com os fenômenos em transformação na enfermagem, enquanto a Ergologia faz a aproximação com o trabalho realizado, permitindo a reflexão por meio das experiências vivenciadas, a qual considera as competências requeridas, as atividades prescritas e as condições que o meio propõe.55. Schwartz Y. Abordagem ergológica e necessidade de interfaces pluridisciplinares. ReVEL [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];11(Spe):93-104. Available from: http://www.revel.inf.br/files/2e5e27e69e52df1113fd2b52d2d99f39.pdf
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A pesquisa foi realizada em um Hemocentro de referência em hematologia e hemoterapia, localizado na região Norte do Brasil. Participaram do estudo 22 enfermeiros que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro atuante em hemoterapia e possuir experiência profissional mínima de seis meses na instituição. No período de coleta, o total de enfermeiros era de 28 profissionais.

Para a coleta dos dados, optou-se pela triangulação de fontes: documental, observação e entrevista. A coleta documental permitiu conhecer o que está prescrito sobre o trabalho do enfermeiro na hemoterapia, ou seja, como deve ser esse trabalho segundo as legislações vigentes e o que está determinado nos procedimentos próprios da instituição. Foram identificados e analisados os seguintes documentos: Portaria de Consolidação no 5 de 28 de setembro de 2017 - Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos; Resolução RDC/ANVISA 34 de 11 de junho de 2014 - Boas práticas do Ciclo do Sangue; Portaria Conjunta MS/SAS 370 de 07 de maio de 2014 - Transporte de sangue e componentes; Guia para a Hemovigilância no Brasil, 2015; Guia para uso de Hemocomponentes, 2015; Resolução COFEN 0511/2016 e 0629/2020.

As entrevistas foram realizadas com o objetivo de identificar as atividades desenvolvidas pelo enfermeiro e conhecer como o trabalho é realizado, através da descrição das atividades realizadas no dia a dia, bem como o uso das legislações e demais documentos que orientam as atividades. O roteiro foi composto por três questões: 1) Descreva as atividades que você realiza no seu dia a dia de trabalho; 2) Você aplica as legislações vigentes para o serviço de hemoterapia na sua prática diária? Quais? Cite exemplos; 3) Como você avalia o serviço realizado pelos enfermeiros em seu local de trabalho? Essas perguntas foram realizadas na instituição estudada, conforme a disponibilidade do participante, e foi utilizada a técnica da entrevista semiestruturada. Foram gravadas, em áudio, individualmente, pelo pesquisador, e tiveram duração média de 45 minutos.

A observação participante foi realizada com o objetivo de verificar se os enfermeiros desenvolvem suas atividades seguindo os protocolos institucionais, sendo observados todos os itens constantes nos documentos. Para isso, foi utilizado um roteiro de observação participante, criado a partir dos documentos analisados, o qual serviu para guiar a observação realizada, contendo todos os passos necessários para a realização dos procedimentos específicos da especialidade. O diário de campo foi utilizado como instrumento de coleta de dados. A pesquisadora acompanhou quais eram as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros em diferentes dias da semana e turnos de trabalho, conforme a disponibilidade do serviço, e como essas atividades eram desenvolvidas. No ciclo do sangue, a observação foi realizada somente durante o dia, tendo em vista que o serviço só funciona nesse turno. Na enfermaria, foi no período diurno e noturno. O tempo médio de observação por profissional foi de quatro horas. Todos os 22 profissionais foram observados. Os dados foram coletados no período de fevereiro a dezembro de 2017. As entrevistas e observações foram lidas e codificadas, seguindo o que é proposto na análise de Conteúdo.66. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo, SP(BR): Edições 70; 2016. Para a identificação dos participantes, foram utilizados os nomes de produtos e a tipagem sanguíneas (Plasma, Plaquetas, Hemáceas) e, após, inseridos no software Atlas.ti 8.2.1 (Qualitative Research and Solutions). Os dados foram organizados em quatro categorias de análise, de acordo com as dimensões do trabalho da enfermagem, e analisados de acordo com a teoria do Materialismo Histórico-dialético e a Ergologia.

Foram utilizados os pressupostos propostos pelo instrumento do COREQ (Critérios consolidados para relatos de pesquisa qualitativa).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Amazonas e da Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas, respeitando a Resolução n° 466/ 2012, que trata de normas para a pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

Foram entrevistados 22 profissionais enfermeiros. Destes, treze trabalhavam na assistência ao doador e nove na assistência ao receptor de produtos sanguíneos. O tempo de formação em enfermagem variou entre 3 e 32 anos, sendo que 17 profissionais possuíam mais de 10 anos de formação e dois menos de cinco anos. Em relação ao tempo de trabalho no Hemocentro, quatro enfermeiros trabalhavam há menos de cinco anos e um possuía 27 anos de trabalho na instituição. Alguns profissionais, que atualmente são enfermeiros, já trabalharam na instituição em outras atividades na área da saúde. Sobre a formação na área, apenas quatro profissionais possuíam especialização em hemoterapia. Os demais profissionais eram especialistas em outras áreas de atuação e quatro não possuíam nenhuma especialidade. Por se tratar de uma instituição pública, a maioria dos profissionais (19) era concursada, dois eram bolsistas e um servidor público temporário.

Sobre as atividades hemoterápicas, foi identificado que esses profissionais atuavam tanto no atendimento ao doador quanto na assistência ao paciente. Portanto, para facilitar o entendimento e favorecer a discussão dos resultados, os profissionais serão apresentados em quatro dimensões: dimensão do cuidado, dimensão educativa, dimensão gerencial e dimensão investigativa, seguindo a ordem cronológica de acontecimentos no ciclo do sangue, de acordo com as bibliografias estudadas.

Na dimensão do cuidado, foi identificado que o enfermeiro realiza diversas atividades assistenciais, tanto com o doador quanto com o receptor de componentes sanguíneos. Nas atividades com o doador e receptor, os procedimentos realizados com maior frequência são as triagens clínicas e com o receptor as transfusões sanguíneas.

Na triagem clínica, as atividades de cuidado são direcionadas para investigar o estado de saúde do candidato à doação, com o objetivo de identificar se poderá ou não realizar a doação de sangue, minimizando, assim, o risco de prejuízos ao receptor dos produtos sanguíneos. Para realizar a investigação clínica, o enfermeiro atende o candidato à doação em sala privativa, com o auxílio de um questionário elaborado para esse fim, sendo mensurados e analisados os sinais vitais e o resultado do exame de hematócrito.

[...] Aqui na triagem, faço a triagem do doador. Eu vejo se ele está apto ou não pra doar sangue. Pra isso, aplico o questionário, a entrevista da ficha de triagem clínica, verifico a pressão arterial e o pulso e converso com o doador, procurando saber sobre o comportamento dele e a situação de saúde dele. Faço orientações também, esclareço dúvidas que o doador tiver (Hemácias O+).

Durante a triagem clínica, o enfermeiro realiza a anamnese e o exame físico superficial com o objetivo de obter evidências sobre o estado de saúde do candidato. Questões sobre comportamento e sexualidade também são investigadas. Quando ocorre falta de consistência e contradições nas respostas do doador, o enfermeiro busca diferentes formas de abordagens para concluir o raciocínio clínico e decidir sobre a aptidão ou não do candidato. O voto de autoexclusão entregue ao doador na triagem representa mais uma forma de oferecer a oportunidade de o doador registrar que seu sangue não deve ser transfundido em outra pessoa, porém, o processo de coleta e exames ocorre normalmente. Sobre isso, a observação permitiu identificar que o voto de autoexclusão não é entregue a todos os doadores, já que geralmente a orientação ocorre aos que estão doando pela primeira vez.

[...] Hoje eu já consigo identificar no jeito da pessoa falar, no jeito dele olhar pra mim, eu sei quando ele está omitindo informações. E quando eu vejo que ele não fala, eu reforço as perguntas, exponho a importância de ele falar a verdade, a importância tanto pra ele, quanto pra quem tá recebendo o sangue, pois ele pode prejudicar alguém. Eu faço um drama pra ele poder falar a verdade e ter consciência de que ele não pode doar. Essa experiência a gente vai adquirindo com o tempo. Às vezes, eu até chamava as colegas pra ajudar. Eu também uso o voto de autoexclusão, leio pra ele, explico, aí, fico bem tranquilo porque vai estar na consciência dele se ele vai doar ou não (Plasma O+).

Embora a triagem seja decisiva para a garantia da qualidade do produto, foi possível identificar que os profissionais, muitas vezes, deixam de realizar uma investigação criteriosa devido ao número de candidatos a serem triados. Quando existem muitas pessoas para atender e poucos profissionais, os enfermeiros realizam as triagens clínicas com mais rapidez, sendo que os questionamentos não são aprofundados e as perguntas tornam-se generalistas.

[...] Se tem muita gente na fila, faço a triagem bem rápido mesmo. Eu até me preocupo com a qualidade da triagem, porque a gente precisa triar muito rápido pra dar conta de tudo (Plasma O-).

Na sala de coleta, o trabalho do enfermeiro ocorre em equipe, composta por técnicos de hemoterapia, técnicos de enfermagem e estagiários. As principais atividades desenvolvidas estão relacionadas ao cuidado com o doador, referentes ao acesso venoso e à avaliação do doador após a coleta, inclusive ao atendimento em casos de reações adversas à doação. Além destes, o enfermeiro também se preocupa com riscos biológicos, sendo que sua atuação busca seguir o que está preconizado nas normas de biossegurança impostas pela instituição.

[...] Quando ficamos na sala de coleta, temos muitas atividades: ver se tem profissional pra atendimento, verificar a questão de armazenamento de sangue, verificar a temperatura do ambiente e das caixas térmicas onde o sangue fica em repouso, puncionar o doador quando os técnicos não conseguem, avaliar o fluxo de sangue e cuidar pra que não tenha bolsa bemolizada, também preparar a sala pra casos de atendimento de urgência, pois se caso tenha um doador passando mal temos que atender. Então, tem que ter todo o suporte necessário organizado. Na sala de coleta, trabalho bastante. Nos envolvemos com tudo que acontece lá. É um trabalho de muita responsabilidade (Plaquetas AB-).

As reações adversas à doação ocorrem com frequência e o atendimento imediato é iniciado pelo enfermeiro. O profissional médico é chamado conforme a gravidade da reação. As condutas adotadas pelos profissionais diante da reação são diversificadas, com cada um realizando o que pensa ser resolutivo naquele momento.

Outro procedimento realizado pelo enfermeiro é a coleta de sangue por aférese. É um procedimento hemoterápico que permite a separação de um componente sanguíneo do organismo, sendo realizado através da utilização de um equipamento automatizado. Pode ser realizado com fins terapêuticos em pacientes doentes ou para doação de algum componente sanguíneo. As aféreses terapêuticas realizadas pelos profissionais, por serem realizadas em outras instituições hospitalares, não foram acompanhadas.

Sobre os cuidados com os produtos sanguíneos, pode-se observar a preocupação dos profissionais em manter os produtos armazenados de acordo com as especificações recomendadas nas legislações da hemoterapia.

Em relação ao procedimento transfusional, foi observado que os profissionais realizam os procedimentos seguindo o preconizado nos procedimentos operacionais padrão, elaborados com o objetivo de garantir a qualidade da assistência. Existem cuidados importantes e relatados pelos profissionais sobre a segurança do paciente nesse procedimento.

Segundo os entrevistados, as transfusões são realizadas com rigor técnico, visando proteger o paciente dos riscos inerentes ao procedimento. A prévia entrevista com o paciente é determinante para identificar qualquer risco de reação transfusional.

[...] Na transfusão, quando tem um paciente que vai transfundir, precisamos realizar primeiro a avaliação do paciente antes da transfusão, verificar as condições clínicas desse paciente. Na verdade, realizamos a SAE e se estiver tudo em ordem iniciamos a transfusão. Claro que antes disso temos que ter verificado os sinais vitais e ter feito todos os registros necessários no momento pré-transfusão. Verificam-se também os sinais vitais durante e após a transfusão. Temos um impresso que deve ser preenchido com todos os dados que são necessários para a transfusão. Esses registros são importantes para garantir a segurança dos pacientes, sem contar que temos a rotina de fazer a dupla checagem, onde dois profissionais da enfermagem verificam, conferem tudo, para que não tenha erro nenhum. E, depois de instalado o sangue, se o paciente estiver bem, é só aguardar o término do procedimento e concluir todas as atividades (Hemácias AB-).

A experiência de trabalho nas enfermarias de transfusão e de internação é importante para guiar as atividades. Muitas vezes, o enfermeiro identifica que o paciente apresenta riscos potenciais para desenvolver reação transfusional, mas, devido à necessidade de realização do procedimento, o profissional busca alternativas técnicas para minimizar as consequências e prestar assistência adequada. Se necessário, esses profissionais também realizam o preenchimento da ficha de investigação de reação transfusional e a coleta de amostra para encaminhar para análise laboratorial.

[...] Também realizamos o preenchimento da ficha de notificação da reação transfusional, coletamos as amostras, descrevemos os sinais e sintomas e tudo que o paciente apresentou no momento da intercorrência (Hemácias B+).

A observação e as entrevistas realizadas permitiram identificar que os pacientes que realizam transfusões recebem informações detalhadas sobre o procedimento e sobre os riscos que o procedimento pode ocasionar. Além disso, são orientados sobre os sinais e sintomas sugestivos de reação transfusional, bem como sobre a conduta diante de qualquer suspeita de reação. Pacientes frequentes não recebem as mesmas orientações.

[...] Na hora que instala, aqui o ambiente é pequeno, então fico visualizando. Informamos o paciente que se ele sentir qualquer coisa, dor no local da punção, calafrio, coceira. É para avisar de imediato pra tomarmos as providências, ligar pro médico, fechar logo a transfusão, abrir o soro e ligar logo pro médico informando o que tá acontecendo. Muitos são pacientes antigos, aí nem precisa mais orientar (Hemácias AB+).

Sobre a dimensão educativa, foram identificadas as atividades de orientação a candidatos à doação, doadores, doadores inaptos, doadores com sorologias positivas, doadores por aférese, pacientes com indicação de transfusão e pacientes com indicação de sangria terapêutica.

[...] E também fazemos a orientação dos doadores que não são aptos, em relação a peso, hematócrito irregular e todas as outras causas que podem “inaptar” o doador. Também fazemos as orientações dos doadores aptos, isso geralmente na sala de coleta. Às vezes, encaminhamos os doadores pra consulta médica também, mas isso nos casos de inaptidão daqueles que já são doadores antigos, pra que ele possa fazer novos exames e verificar o estado de saúde dele (Plaquetas A-).

[...] Além disso, eu também faço palestras na sala de espera. Essas palestras são orientações que eu faço para as pessoas que aguardam atendimento (Plaquetas AB-).

Na dimensão educativa, também foram consideradas os treinamentos e as capacitações realizados com os profissionais.

[...] Nós também realizamos treinamentos, tanto para enfermeiros novatos quanto pra outros profissionais, desde médicos até técnicos em hemoterapia (Plaquetas A+).

A observação das atividades realizadas pelos enfermeiros evidenciou que existe uma preocupação constante com os cursos de atualização, as legislações da hemoterapia e as tecnologias utilizadas.

[...] Eu conheço pouco o processo do ciclo do sangue. Eu queria fazer um curso específico pra ter mais destreza no atendimento, mas ainda não tive a oportunidade. Eu queria pelo menos um curso de capacitação, até na internet é difícil. Eu sinto necessidade de algo mais específico. Aqui, eu acho que não tem ninguém especialista em hemoterapia, mas precisava ter alguém pra poder orientar melhor, fundamentar nossas decisões. Às vezes, fico inseguro pra decidir o que fazer, aí, às vezes, pergunto pro colega (Plasma B+).

O relato dos profissionais a respeito dos treinamentos e das capacitações evidenciou fragilidades, uma vez que não são capazes de suprir a necessidade de conhecimento exigida para o exercício das atividades laborais.

A gerência das atividades realizadas pelo enfermeiro no hemocentro estudado foi identificada em todo processo de trabalho do enfermeiro no ciclo do sangue. Gerência dos serviços de triagem, enfermarias de internação e transfusão, e a coordenação das agências transfusionais são realizadas por enfermeiros. Esses profissionais desenvolvem diversas atividades administrativas e gerenciais associadas às atividades de cuidado e educação.

Os enfermeiros desenvolvem atividades de supervisão tanto de profissionais de enfermagem quanto de outras categorias. A grande parte dos trabalhadores na sala de coleta são técnicos em hemoterapia e estagiários do curso de graduação em enfermagem.

[...] Quando estou na sala de coleta, fico na supervisão de tudo que acontece no setor. Lá o trabalho é mais extenso. Chego, verifico se os funcionários já chegaram, a escala, o material, se os demais enfermeiros que trabalham na sala de triagem já chegaram, organizo o material pra caso de urgência e emergência na sala da coleta e o material que vai pra coleta externa (Hemácias O+).

Outra atividade importante no hemocentro, tendo em vista os importantes avanços tecnológicos, é a participação dos enfermeiros nos processos de aquisição de materiais e equipamentos utilizados na hemoterapia.

[...] Também gerencio a questão dos equipamentos, sobre a manutenção corretiva e preventiva. Faço solicitações de compra, elaboro projeto básico para os serviços que eu preciso, fiscalizo e atesto notas fiscais de compra e aquisição de materiais e equipamentos, e outros serviços burocráticos do dia a dia que sempre tem, nunca acaba e nem fica pouco (Plaquetas AB-).

Também foi evidenciado o trabalho do enfermeiro na gestão e coordenação das agências transfusionais. No hemocentro, há um enfermeiro que atua como um elo entre o serviço de hemoterapia e as instituições hospitalares. Esse profissional realiza suas atividades buscando aproximar os serviços das instituições hospitalares ao hemocentro, além de buscar a melhoria dos serviços e a atualização e qualificação dos profissionais envolvidos. É a referência do serviço externo no hemocentro.

Em relação à dimensão investigativa, não houve nenhum relato. Porém, foi observado que dois profissionais estão realizando pós-graduação stricto sensu, sendo justamente eles os envolvidos em pesquisas no hemocentro.

DISCUSSÃO

Com relação à caracterização dos participantes, considera-se pertinente sinalizar que, dentre os 22 participantes, apenas quatro profissionais possuíam especialização específica em hemoterapia. Suas práticas ocorrem de acordo com as legislações técnicas específicas e com os procedimentos operacionais padrão, os quais conduzem e direcionam o trabalho do enfermeiro, bem como suas experiências e a interpretação em relação ao que está prescrito. O trabalhador é um sujeito ativo e participante no seu trabalho, portanto, não irá desenvolver suas atividades tal qual foi prescrita apenas, mas de acordo com o saber prático, a subjetividade, as crenças e os valores adquiridos.77. Schwartz Y, Duc M, Durrive L. Trabalho e ergologia. In: Schwatz Y, Durrive L organizadores. Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói, RJ(BR): EdUFF; 2007. p. 25-36.

A triagem clínica de doadores é uma atividade que requer raciocínio clínico, capacidade de percepção e interpretação do comportamento do doador, além de preparo emocional diante de todos os relatos que podem surgir. É uma fase do ciclo do sangue em que o enfermeiro avalia e investiga o candidato à doação para identificar as condições de saúde e a possibilidade de doação de acordo com a história clínica.88. Padilha DZ, Witt RR. Nurse’s competencies for clinic screening of blood donors. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2019 Jul 22];64(2):234-40. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672011000200003
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As ações de cuidado na triagem clínica ocorrem mediante a compreensão da individualidade de cada um e a interação entre o doador e o enfermeiro. São importantes no processo de doação e representam uma atitude empática, tanto por parte do doador quanto por parte do profissional envolvido no processo de cuidado.99. Silva KFN, Barichello E, Mattia AL, Barbosa MH. Nursing care procedures in response to adverse events to blood donation. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 08];23(3):688-95. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072014001360013
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O diálogo entre o enfermeiro e o doador propicia discussão sobre a realidade, o jeito de pensar sua posição como cidadão e o seu comprometimento na sociedade. Os enfermeiros são os principais atores no processo de doação de sangue, estabelecendo vínculo com o doador, acolhendo, esclarecendo dúvidas e orientando.1010. Nascimento AA, Ilha S, Marzari CK, Diefenbach GD, Backes DS. Cuidado de enfermagem no processo de doação de sangue: percepção dos profissionais e dos doadores. Rev Enferm Cent O Min [Internet]. 2013 [cited 2019 Jul 22];5(1):1497-504. Available from: https://doi.org/10.19175/recom.v0i0.555
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Para o doador, o enfermeiro que o atende é a referência no processo de doação de sangue.

A observação participante e a análise das entrevistas permitiram identificar que as formas de atendimento na sala de triagem variam muito de acordo com o perfil do candidato. Por exemplo, o tempo de atendimento de um doador frequente é muito menor do que de um doador de primeira vez, pois o doador frequente já possui conhecimentos sobre o processo de doação, enquanto o doador que procura o hemocentro pela primeira vez precisa conhecer e ser orientado sobre todo o processo. Essa evidência constitui a renormalização do trabalho, em que o profissional faz as adequações de acordo com as necessidades, adaptando a forma de trabalhar à realidade vivenciada.

As renormalizações fazem parte do trabalho desses profissionais e são desenvolvidas à medida em que o profissional faz uso de si para a atividade de trabalho, as quais deixam de ser compostas apenas por conhecimentos formais. Destacam-se também a experiência e a formação profissional, fato que produz distinções no fazer de cada trabalhador, provocando a distância entre o trabalho prescrito e o real.44. Viegas MF, Borré L, Graezel VF. Produção de saberes no trabalho de cuidado na enfermagem de um hospital do Vale do Rio Pardo, RS. Nucleus [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];13(1):292301. Available from: https://doi.org/10.3738/1982.2278.1625
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O desenvolvimento do trabalho, conforme vai sendo realizado, adquire determinadas formas históricas advindas do modo de produção, ou seja, de acordo com os instrumentos de produção, conforme as relações de produção e as próprias relações sociais estabelecidas.44. Viegas MF, Borré L, Graezel VF. Produção de saberes no trabalho de cuidado na enfermagem de um hospital do Vale do Rio Pardo, RS. Nucleus [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];13(1):292301. Available from: https://doi.org/10.3738/1982.2278.1625
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As falas dos profissionais evidenciam que o enfermeiro da triagem clínica dessa instituição apresenta uma demanda de trabalho que pode estar fragilizando a qualidade das atividades realizadas, além de comprometer a motivação do doador para o gesto de solidariedade. Segundo os entrevistados, o quantitativo de profissionais e/ou usuários altera a forma como desenvolvem o trabalho, principalmente a investigação, que deixa de ser criteriosa e passa a ser generalista e superficial, podendo comprometer a qualidade do sangue e a segurança do receptor.

Sobre isso, a legislação é clara quando refere que os candidatos à doação devem ser informados, de forma clara e com linguagem que possa ser compreendida, sobre todo o processo de doação, o destino do sangue doado, os perigos associados à doação, os exames que serão realizados no sangue para detectar infecções.88. Padilha DZ, Witt RR. Nurse’s competencies for clinic screening of blood donors. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2019 Jul 22];64(2):234-40. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672011000200003
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No momento que o enfermeiro omite essas informações, está comprometendo o resultado do processo de doação. É necessário que o doador esteja consciente sobre sua responsabilidade nesse processo e que seja investigado em todas as possibilidades que possam comprometer tanto a própria saúde quanto a saúde dos receptores dos produtos sanguíneos. A experiência na rotina de trabalho da triagem clínica, embora favoreça a interpretação de algumas evidências, não é suficiente para garantir a qualidade dos produtos. Além disso, a fidelização de doadores também é prejudicada se estes não receberem um bom atendimento em todas as fases do processo de doação. O tempo de espera, a falta de atenção e o estabelecimento de vínculo na sala de triagem são fatores desmotivadores para uma próxima doação.1010. Nascimento AA, Ilha S, Marzari CK, Diefenbach GD, Backes DS. Cuidado de enfermagem no processo de doação de sangue: percepção dos profissionais e dos doadores. Rev Enferm Cent O Min [Internet]. 2013 [cited 2019 Jul 22];5(1):1497-504. Available from: https://doi.org/10.19175/recom.v0i0.555
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Os enfermeiros dos serviços de hemoterapia devem incentivar a equipe a realizar uma assistência sistematizada, orientar, motivar e promover a educação continuada da equipe, além de disseminar políticas públicas capazes de incentivar a doação voluntária de sangue, capazes de sensificar a sociedade.99. Silva KFN, Barichello E, Mattia AL, Barbosa MH. Nursing care procedures in response to adverse events to blood donation. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 08];23(3):688-95. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072014001360013
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Na sala de coleta, o trabalho é realizado em equipe e o enfermeiro se responsabiliza por todas as atividades realizadas, inclusive por outras categorias profissionais. Em todas as atividades, é necessária a atuação da equipe de enfermagem, seja na ajuda da coleta de sangue, no monitoramento dos sinais vitais, na observação constante do doador ou no atendimento de possíveis intercorrências. O trabalho em equipe é imprescindível para o atendimento do doador, garantindo assistência segura e de qualidade.99. Silva KFN, Barichello E, Mattia AL, Barbosa MH. Nursing care procedures in response to adverse events to blood donation. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 08];23(3):688-95. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072014001360013
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A falta de cumprimento de um protocolo assistencial na sala de coleta faz com que cada profissional adquira uma conduta diferenciada diante das reações adversas à doação.

Nas enfermarias, o procedimento hemoterápico mais frequente é a transfusão sanguínea, presente em todas as instituições hospitalares. É um procedimento de responsabilidade do enfermeiro e requer conhecimentos específicos, envolvendo riscos à saúde dos pacientes.1111. Wunsch PR, Mendes JMR. O trabalho no contexto da reestruturação produtiva: determinações históricas e a relação com a saúde. Textos & Contextos (Porto Alegre) [Internet]. 2015 [cited 2019 Jul 22];14(2):291-302. Available from: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2015.2.22516
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Na instituição estudada, as transfusões ocorrem nas enfermarias de internação e de transfusão, sendo a experiência e habilidade dos profissionais determinantes para o sucesso da assistência.

Para realizar o procedimento transfusional, é imprescindível que o profissional possua os conhecimentos necessários para orientar o paciente e esclarecer suas dúvidas em relação à transfusão, reduzindo as preocupações relativas ao procedimento.1212. Abdul-Aziz B, Lorencatto F, Stanworth SJ, Francis JJ. Patients’ and health care professionals’ perceptions of blood transfusion: a systematic review. Transfusion [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 22];58(2):446-55. Available from: https://doi.org/10.1111/trf.14404
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Na perspectiva teórica da Ergologia, é pressuposta a reflexão acerca das experiências dos profissionais no mundo do trabalho.55. Schwartz Y. Abordagem ergológica e necessidade de interfaces pluridisciplinares. ReVEL [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];11(Spe):93-104. Available from: http://www.revel.inf.br/files/2e5e27e69e52df1113fd2b52d2d99f39.pdf
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Logo, a produção do conhecimento adquirido na hemoterapia é, também, fundamentada no conhecimento e na experiência dos trabalhadores no desenvolvimento do trabalho, além do constante questionamento a respeito das normas.

O atendimento das complicações decorrentes da transfusão também faz parte das atividades realizadas junto à equipe, sendo que o enfermeiro exerce papel fundamental na detecção de sinais e sintomas sugestivos de complicações, bem como em toda assistência ao paciente.1313. Souza GF, Nascimento ERP, Lazzari DD, Böes AA, Iung W, Bertoncello KC. Good nursing practices in the intensive care unit: care practices during and after blood transfusion. Rev Min Enferm [Internet]. 2014 [cited 2019 Jul 22];18(4):939-46. Available from: https://doi.org/10.5935/1415-2762.2014006
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Em relação à dimensão educativa, foram identificadas diferentes atividades, tanto com candidatos à doação, quanto com doadores, doadores inaptos, doadores com sorologias positivas, doadores por aférese, pacientes submetidos à transfusão, sangria terapêutica e aférese terapêutica. Essas atividades fazem parte das atribuições diárias dos profissionais e estão intimamente ligadas ao cuidado. O profissional não consegue dissociá-las, pois a orientação constitui o próprio procedimento técnico.

As orientações são tão importantes para o doador quanto para o receptor. Para realizar o procedimento transfusional, é importante que o profissional possua o conhecimento necessário para orientar o paciente e esclarecer as dúvidas em relação à transfusão, reduzindo as preocupações relativas ao procedimento.1212. Abdul-Aziz B, Lorencatto F, Stanworth SJ, Francis JJ. Patients’ and health care professionals’ perceptions of blood transfusion: a systematic review. Transfusion [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 22];58(2):446-55. Available from: https://doi.org/10.1111/trf.14404
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Os relatos dos profissionais também evidenciaram a importância dos treinamentos em serviço e das experiências adquiridas para a realização de atividades específicas, tendo em vista que para atuar na área é necessário o domínio da temática, ainda incipiente nos cursos de formação profissional. Na Austrália, toda a equipe hospitalar envolvida na transfusão deve ser educada para executar práticas seguras. Os enfermeiros desempenham papel fundamental no planejamento, na implementação e na avaliação da educação sobre transfusão, usando diferentes estratégias para educar os profissionais sobre esse procedimento.1414. Bielby L, Akers C, Francis S, Darby S, Campbell L, Hollis L, et al The role of the transfusion safety coordinator in Australia. ISBT Science Series [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];11(1):118-25. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/voxs.12201
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Na dimensão gerencial, o trabalho está voltado para gestão das atividades realizadas no hemocentro, elaboração de escala, supervisão dos serviços, participação nos processos de aquisição de materiais e equipamentos utilizados na hemoterapia, relatórios, além de atividades burocráticas. Todas as atividades gerenciais são realizadas por profissionais especialistas e/ou com experiência na hemoterapia, conhecedores do processo de trabalho do ciclo do sangue. É importante destacar a atuação de profissionais do hemocentro na gestão e coordenação de agências transfusionais em instituições hospitalares, revelando um novo campo de atuação do enfermeiro, ainda incipiente, mas em constante evolução.

A dimensão investigativa ainda é rara, necessitando ser amplamente explorada, a fim de produzir conhecimentos específicos e com impacto na atuação dos profissionais nessa área. Existe um distanciamento entre a enfermagem assistencial e a investigativa, sendo que os profissionais das instituições de saúde estão, em sua grande maioria, envolvidos com a assistência, enquanto a investigação é desenvolvida por aqueles que estão envolvidos com a academia. Ou seja, trata-se de um sistema de produção e produtivismo acadêmico que ocorre desde a formação dos profissionais, dada a preocupação significativa sobre o cuidar e gerenciar.1515. Silva IR, Silva TP, Lins SMSB, Silva LJ, Leite JL. Enfermeiro pesquisador e enfermeiro assistencial: construção e projeção de identidades polimorfas. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019 [cited 2019 Jul 22];72(Suppl 1):204-12. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700204&lng=pt
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-1616. Cioffi ACS, Ribeiro MRR, Ormonde JJC. Validation of the competence profile proposal for the training of nurses. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2019 Jul 22];28:e20170384. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0384
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O papel do enfermeiro com expertise em hemoterapia, embora seja relativamente recente em hospitais e hemocentros, está evoluindo com o objetivo de otimizar o uso adequado dos componentes sanguíneos, reduzir os riscos processuais e melhorar a prática transfusional em geral.1212. Abdul-Aziz B, Lorencatto F, Stanworth SJ, Francis JJ. Patients’ and health care professionals’ perceptions of blood transfusion: a systematic review. Transfusion [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 22];58(2):446-55. Available from: https://doi.org/10.1111/trf.14404
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-1414. Bielby L, Akers C, Francis S, Darby S, Campbell L, Hollis L, et al The role of the transfusion safety coordinator in Australia. ISBT Science Series [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];11(1):118-25. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/voxs.12201
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As renormalizações fazem parte do trabalho desses profissionais e são desenvolvidas na medida em que o profissional faz uso de si para a atividade de trabalho, as quais deixam de ser compostas apenas por conhecimentos formais. Destaca-se, também, que a formação de um profissional ocorre durante a execução de seu trabalho, favorecendo a criação de diferenças na forma de sua realização, as quais diferem o trabalho prescrito e do real.44. Viegas MF, Borré L, Graezel VF. Produção de saberes no trabalho de cuidado na enfermagem de um hospital do Vale do Rio Pardo, RS. Nucleus [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 22];13(1):292301. Available from: https://doi.org/10.3738/1982.2278.1625
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Em todas as dimensões, é possível reconhecer que a prática do enfermeiro requer uma dialética das dramáticas do uso de si e a discussão entre o trabalho prescrito e o trabalho real, para renormalizar o trabalho e conseguir maior autonomia na tomada de decisão.

Este estudo apresenta limitações pelo fato de ter sido realizado somente em um hemocentro, podendo, portanto, ser um potencial de viés. Além disso, a falta de pesquisas anteriores sobre o tema abordado nessa perspectiva teórica também pode ser apontada como uma limitação do estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo mostra-se como uma forma de olhar o trabalho na hemoterapia sob a ótica dos enfermeiros da instituição pesquisada. As entrevistas e observações permitiram identificar que o trabalho desses profissionais acontece através do uso de si nas situações do cotidiano, promovendo a ação entre as normas antecedentes e as renormalizações.

Pode-se perceber que os procedimentos e as legislações utilizadas na hemoterapia são importantes guias para o desenvolvimento das atividades, mas na prática o trabalho é, também, realizado de acordo com a experiência, os valores e as condições de trabalho, os quais modificam o trabalho prescrito.

As atividades dos enfermeiros em hemoterapia contemplam as quatro dimensões da assistência de enfermagem: cuidar, educar, gerenciar e investigar. A demanda nas dimensões de cuidado é maior e está intimamente ligada às dimensões de educação e gerência. A dimensão investigativa revelou que existe um campo rico a ser estudado, com muitas possibilidades de pesquisa, mas que ainda é pouco explorado pelos profissionais da enfermagem.

Também evidenciou que as condições de trabalho dos enfermeiros referentes ao déficit de profissionais, principalmente na triagem clínica de doadores, podem comprometer a qualidade do produto, bem como a fidelização de doadores, além de provocar a renormalização do trabalho.

Este estudo contribuiu para reforçar o pensamento de que o processo de formação do profissional é algo que se modifica continuamente e que as experiências profissionais são capazes de reformular o trabalho e adequá-lo às necessidades. O enfermeiro é um profissional fundamental no cenário da hemoterapia, pois trabalha com equipe multiprofissional, possui muitas responsabilidades no atendimento ao doador e receptor de produtos sanguíneos, sendo que suas ações são dirigidas para a garantia da qualidade dos produtos e a segurança dos pacientes. Constitui um campo promissor na área da saúde.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - Processo de trabalho dos enfermeiros no serviço de hemoterapia: entre o prescrito e o real, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2018.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer n no 2.037.276; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 65321717.2.3001.0009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2019
  • Aceito
    10 Set 2019
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