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A circulação internacional de livros infantojuvenis: estudo de caso a partir das traduções na França e na Espanha

La circulación internacional de libros para niños: Estudio de caso de traducciones en Francia y España

Resumo

Hoje, a publicação de literatura infantojuvenil constitui um dos setores econômicos mais rentáveis no mercado editorial mundial, e esse sucesso vem sobretudo de suas traduções. Este artigo visa examinar a estrutura, as dinâmicas e a distribuição do capital simbólico específicos do mercado mundial de traduções de livros infantojuvenis. Após uma análise comparada dos fluxos de tradução entre dois países, França e Espanha, questionaremos as estratégias dos autores e dos editores na base dessas circulações, chamando atenção particularmente para o papel das categorias editoriais. Em seguida, veremos como a crescente importância dos livros infantojuvenis no sistema mundial de traduções causa reconfigurações nas áreas de atuação dos agentes literários.1 1 Tradução do artigo La circulation des livres jeunesse à l’internationale. Une étude de cas à partir des traductions en France et en Espagne, realizada por Débora Fialho Goulart; revisão de Patrícia C. R. Reuillard.

Palavras-chave
fluxo de traduções; literatura infantojuvenil; agentes literários; categorias editoriais

Resumen

Hoy en día, la industria editorial infantil y juvenil es uno de los sectores económicos más rentables del mercado mundial del libro. Este éxito se debe en particular a las traducciones. Este artículo tiene como objetivo examinar la estructura, la dinámica y la distribución del capital simbólico específicos del mercado mundial de traducción de libros para niños. Tras un análisis comparativo de los flujos de traducción desde y hacia dos países, Francia y España, examinaremos las estrategias de autores y editores en el origen de estas circulaciones, prestando especial atención al papel de las categorías editoriales. Luego veremos cómo el peso creciente de los libros infantiles y juveniles en el sistema global de traducciones conduce a reconfiguraciones en los círculos de agentes literarios.

Palabras clave
flujo de traducciones; literatura infantil y juvenil; agentes literarios; categorías editoriales

Résumé

Hoje, a publicação de literatura infantojuvenil constitui um dos setores econômicos mais rentáveis no mercado editorial mundial, e esse sucesso vem sobretudo de suas traduções. Este artigo visa examinar a estrutura, as dinâmicas e a distribuição do capital simbólico específicos do mercado mundial de traduções de livros infantojuvenis. Após uma análise comparada dos fluxos de tradução entre dois países, França e Espanha, questionaremos as estratégias dos autores e dos editores na base dessas circulações, chamando atenção particularmente para o papel das categorias editoriais. Em seguida, veremos como a crescente importância dos livros infantojuvenis no sistema mundial de traduções causa reconfigurações nas áreas de atuação dos agentes literários.1 17 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Fatia Guelmane, em 27 de novembro de 2019.

Mots clés
flux de traductions; livres jeunesse; agents littéraires; catégories éditoriales

Na França, assim como na Espanha, o setor de livros infantojuvenis se desenvolveu progressivamente e se autonomizou desde os anos 1960. Esse lento processo foi impulsionado por editoras, instituições e personalidades notáveis que estabeleceram um vasto trabalho de reconhecimento, de crítica e de promoção de livros infantojuvenis, tanto em meios universitários, artísticos e editoriais quanto em bibliotecas. Pouco a pouco, o setor adotou regras próprias, emancipando-se daquelas que regem o mercado editorial adulto, escolar e de quadrinhos e, dessa forma, constituiu um subcampo editorial. Além disso, essas publicações se beneficiaram de dinâmicas internacionais favoráveis desde os anos 1950, principalmente com o aparecimento de estruturas transnacionais e internacionais de valorização e de promoção de literatura jovem, como a Biblioteca Internacional da Juventude, de Munique, o International Board on Books for Young People (IBBY) e a Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha (Guijarro Arribas, 20224 GUIJARRO ARRIBAS, Delia. De la moralisation du livre jeunesse à sa consécration littéraire : l’émergence d’un sous-champ international. Biens Symboliques, n. 11, 2022. https://doi.org/10.4000/bssg.1242
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). Hoje, a publicação de literatura infantojuvenil constitui um dos setores econômicos mais rentáveis no mercado editorial mundial, e esse sucesso vem sobretudo de suas traduções.

Johan Heilbron (1999)7 HEILBRON, Johan. Towards a Sociology of Translation. Book translations as cultural world system. European Journal of Social Theory, v. 2, n. 4, p. 429-444, 1999. https://doi.org/10.1177/136843199002004002
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retomou as noções de “centro” e de “periferia” propostas por Abram de Swaan para explicar as relações de dominação e as hierarquias que caracterizam o sistema mundial de traduções. Ele estabelece um sistema de classificação de línguas como hipercentrais, centrais, semiperiféricas ou periféricas e demonstra que os livros circulam majoritariamente do centro para a periferia. Em seguida, Gisèle Sapiro (2008)16 SAPIRO, Gisèle; BOKOBZA, Anaïs. L’essor des traductions littéraires en français. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008. p. 157. desenvolveu esses trabalhos, articulando-os à noção de campo de Pierre Bourdieu e observando um polo de grande produção e um polo de produção restrita para a tradução no nível mundial. Mas e quanto ao setor infantojuvenil? Articulando Sociologia da tradução, Sociologia das profissões culturais e Sociologia das classificações, tal como proposto por Émile Durkheim e Marcel Mauss em Algumas formas primitivas de classificação (1969), propomos uma análise que visa revelar a problemática e os sistemas próprios à circulação internacional de livros infantojuvenis.

Após uma análise comparada dos fluxos das traduções entre dois países, França e Espanha, questionaremos as estratégias dos autores e dos editores na base dessas circulações, chamando atenção particularmente para o papel das categorias editoriais. Em seguida, veremos como a crescente importância dos livros infantojuvenis no sistema mundial de traduções provoca reconfigurações na área de atuação dos agentes literários.

Os fluxos das traduções de literatura infantojuvenil

Nossa análise dos fluxos das traduções de obras infantojuvenis na França e na Espanha se baseia nas estatísticas do Sindicato Nacional de Editores franceses (SNE) e da Federación del Gremio de Editores de España (FGEE). Examinaremos primeiramente as intraduções, ou seja, as produzidas na França e na Espanha, e depois as extraduções – as traduções feitas a partir dos dois países. As estatísticas individuais sobre os catálogos editoriais espanhóis permitiram compensar a falta de dados estatísticos sobre as extraduções do setor infantojuvenil na Espanha.

Intraduções

Constatamos que as intraduções não representam a mesma porção da produção em cada país: na França, as aquisições dos direitos de tradução de obras infantojuvenis representavam, em 2017, 14% do total do setor, enquanto na Espanha a porcentagem se elevava a 42% (SNE, 2018a18 SYNDICAT NATIONAL DE L’EDITION – SNE. Les chiffres de l’édition : 2017-2018. Paris: Syndicat national de l’édition, 2018a., p. 64; Observatorio de la lectura y el libro, 201610 OBSERVATORIO DE LA LECTURA Y EL LIBRO. Libros infantiles y juveniles en España 2014-2015. Madrid: Ministerio Cultura y Deporte, 2016., p.11), Duas razões permitem explicar essa diferença. A primeira está atrelada à singularidade do Estado espanhol, cujo plurilinguismo obriga a analisar de perto as línguas de origem (figura 1). De fato, é surpreendente a posição original do espanhol como segunda língua mais traduzida nas publicações infantojuvenis espanholas (20%). Isso está relacionado ao número elevado de traduções para outras línguas cooficiais do país (catalão, galego, basco). No entanto, esse fenômeno, que diz respeito ao conjunto do mercado editorial espanhol, é amplificado no caso do setor infantojuvenil, como mostra o número de títulos publicados em cada língua cooficial (quadro 1). Ainda assim, a primeira razão não basta para explicar a diferença das intraduções na França e na Espanha. Esta também mostra a posição diferente ocupada pelo francês e o espanhol no sistema mundial de tradução de obras infantojuvenis. Enquanto o francês é uma língua central, o espanhol é uma língua semiperiférica. Ora, quanto mais central for uma língua, menos se traduz nessa língua (Heilbron; Sapiro, 20088 HEILBRON, Johan; SAPIRO, Gisèle. La traduction comme vecteur des échanges culturels internationaux. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008. p. 25-44.).

Figura 1
Línguas de origem dos títulos infantojuvenis traduzidos na Espanha
Quadro 1
Títulos ISBN na Espanha por língua, em publicações infantojuvenis e gerais

Essas posições, central do francês e semiperiférica do espanhol, refletem as lógicas de dominação das obras no sistema mundial de traduções descritas por Gisèle Sapiro e Johann Heilbron. Elas nos mostram a inserção do mercado mundial de livros infantojuvenis no mercado editorial mundial.2 2 Sobre os fenômenos de inserção, ver Sapiro (2013. p. 85). Ainda assim, um olhar mais atento para as estatísticas das intraduções por língua de origem revela posições específicas ocupadas por algumas línguas no sistema mundial de traduções de livros infantojuvenis. Vejamos o caso da Espanha, onde as estatísticas sobre essas publicações diferem visivelmente daquelas sobre as publicações gerais. Em 2014, o inglês representava 58% dos títulos traduzidos do setor como um todo, contra 46% do infantojuvenil. Nesse mesmo ano, o italiano representava 3,7% do conjunto do setor (quinta posição atrás do alemão) contra 11% do infantojuvenil (terceira posição). A dominação ligeiramente inferior do inglês e a importância do italiano atestam a autonomia relativa do setor infantojuvenil e do “capital literário específico acumulado pelas diferentes línguas neste ou naquele gênero”.3 3 Para a literatura adulta traduzida na França, Gisèle Sapiro observou esse fenômeno de acumulação de capital simbólico por algumas línguas em certos gêneros. É o caso do alemão no teatro, ou do espanhol e do hebraico na poesia. Ver Sapiro (2008b, p. 163).

Extraduções

O francês se tornou uma língua central no sistema mundial de traduções de livros infantojuvenis somente a partir dos anos 1980, quando as publicações em francês desse gênero conseguiram reverter a balança de exportações e importações. Os editores de livros infantojuvenis, que eram os grandes compradores de direitos, tornaram-se grandes vendedores. Hoje o setor ocupa, na França, o primeiro lugar na cessão de direitos, com 3.770 títulos e 31% do total das cessões (sem contar as coedições), seguido pelo setor de quadrinhos (3.171). As cessões de direitos para o setor infantojuvenil representam o dobro das de ficção adulta, que ocupa a terceira posição (1.851 títulos). No entanto, em 1993, o setor infantojuvenil ocupava somente a terceira posição, depois da literatura e dos livros de Ciências Humanas e Sociais (Sapiro; Bokobza, 200816 SAPIRO, Gisèle; BOKOBZA, Anaïs. L’essor des traductions littéraires en français. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008. p. 157.). Os números mostram o nascimento de um autêntico mercado mundial de livros infantojuvenis, o que, para o mercado editorial francês, é como uma benção vinda dos céus. Além do reconhecimento das ilustrações francesas, os números das cessões de direitos para obras infantojuvenis e quadrinhos devem ser relacionados ao seu próprio sistema de produção. A grande quantidade de séries permite a assinatura de contratos para vinte ou trinta títulos por vez.

Em relação às línguas das traduções de livros infantojuvenis franceses (figura 2), o mandarim se situa no topo há muitos anos, com 1.507 títulos em 2016 (40% do total). O espanhol e o coreano dividem a segunda posição (7%), seguidos por polonês, russo, turco e italiano. Esses números diferem visivelmente dos de ficção adulta, em que o domínio do mandarim é mínimo, e onde o alemão disputa o primeiro lugar, ao passo que é insignificante no caso das traduções infantojuvenis (SNE, 2018a18 SYNDICAT NATIONAL DE L’EDITION – SNE. Les chiffres de l’édition : 2017-2018. Paris: Syndicat national de l’édition, 2018a., p. 52-56, 2018b19 SYNDICAT NATIONAL DE L’EDITION – SNE. Repères statistiques, l’édition jeunesse : France et international 2016-2017. Paris: Syndicat national de l’édition, 2018b., p. 3). Essas diferenças demonstram a autonomização do setor infantojuvenil, assim como o capital simbólico específico acumulado por certos países que têm menos necessidade de importar, como a Alemanha ou a Itália.

Figura 2
Principais línguas das traduções de obras franceses de literatura infantojuvenil

O espanhol aparece, de acordo com os dados do Sindicato Nacional de Editores franceses, como a segunda língua mais importante em cessão de direitos de livros infantojuvenis depois do mandarim. Com efeito, existe na Espanha e nos países da América Latina uma antiga tradição de compra de obras infantojuvenis francesas, ainda bastante encontrada nos catálogos. Para algumas grandes editoras espanholas de livros infantojuvenis, o francês é a principal língua de partida das traduções. É o caso da editora Edelvives, situada no polo de grande produção. Em seu catálogo de 2017, de 1.030 títulos, 35% são traduções, das quais 224 títulos (quase dois terços) são traduções do francês. Entretanto, a posição do francês se fragilizou na Espanha há alguns anos, em favor de línguas semiperiféricas como o italiano.4 4 A fragilização da posição do francês como língua central no sistema mundial de traduções foi estudada por Gisèle Sapiro (2008c, p. 65-106). Em relação ao italiano, desde 2006, a publicação do personagem de Geronimo Stilton e seu enorme sucesso relançou o interesse dos editores de todos os países para a literatura infanto-juvenil em italiano. Só em 2016, 86 obras de Geronimo Stilton foram traduzidas para o espanhol. A análise dos catálogos de certas editoras permite confirmar isso. No catálogo de 1978 da editora Juventud, de 261 títulos traduzidos (representando 60% do total do catálogo), 120 eram traduções do francês, principal língua traduzida na época. No catálogo de 1998, o francês ocupava somente o segundo lugar, com 64 títulos de 249 obras traduzidas, enquanto as outras traduções aumentaram, representando assim 85% do catálogo da editora. Em 2017, de 541 obras traduzidas (82% do total), o francês não representa mais do que 20% (120 obras), precedido pelo inglês e seguido de perto pelo italiano e alemão. No que diz respeito às outras línguas, as editoras e os agentes literários espanhóis e franceses concordam sobre as novas oportunidades que surgem atualmente na Coreia do Sul, na Polônia, na Rússia e na Turquia. Gisèle Sapiro também observou esse fenômeno nas publicações francesas como um todo. Ela explica como a formação de um mercado editorial mundial intensifica as trocas e provoca a entrada de línguas antes pouco presentes, sobretudo nos países que desenvolvem o setor editorial por meio de políticas de auxílio à tradução, entre outras, como é o caso da Coreia do Sul e da Polônia (Sapiro, 200816 SAPIRO, Gisèle; BOKOBZA, Anaïs. L’essor des traductions littéraires en français. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008. p. 157.c, p. 67).

Estratégias diferenciadas por categorias genéricas

A Sociologia da Tradução tem analisado mais atentamente o mercado mundial de traduções, considerando diferentes categorias genéricas, pois o tipo de livro define em parte sua possibilidade de ser exportado. No nível das publicações como um todo, tal análise é possível graças ao Index Translationum, base de dados criada pela UNESCO e que cataloga traduções do mundo todo. Esse indicador também permite avaliar a centralidade de um país ou de uma língua (Heilbron, 19997 HEILBRON, Johan. Towards a Sociology of Translation. Book translations as cultural world system. European Journal of Social Theory, v. 2, n. 4, p. 429-444, 1999. https://doi.org/10.1177/136843199002004002
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). A análise dessas categorias genéricas é fundamental para compreender as estratégias dos editores nas cessões de direitos, já que, dependendo dos países, os editores apostarão nesta ou aquela categoria geral mais ou menos reconhecida internacionalmente.

Entretanto, o Index Translationum não permite distinguir a produção de literatura infantojuvenil e ainda menos suas categorias genéricas próprias (romances, livros-álbum, livros infantojuvenis etc.). As estatísticas nacionais sobre literatura infantojuvenil que distinguem as categorias genéricas, tanto na França quanto na Espanha, não especificam as traduções, enquanto os dados sobre as cessões e aquisições que especificam o setor não diferenciam os gêneros. Portanto, deve-se encontrar outros meios de identificar as relações de dominação entre as categorias próprias ao setor infantojuvenil. É isto o que propomos por meio de uma análise aprofundada da circulação de certos livros infantojuvenis e do que ela nos revela sobre as estratégias de seus autores.

O caso da escritora espanhola Elvira Lindo e de seu livro Manolito Gafotas, publicado em Madri em 1994, permite analisar as restrições que pesam sobre os escritores de literatura infantojuvenil na circulação internacional de suas obras, assim como as diversas estratégias para superá-las. Manolito Gafotas é uma criança de oito anos que vem de uma família operária da periferia de Madri. O personagem foi inventado para um programa de rádio espanhol e já gozava de certa notoriedade na Espanha antes de se tornar um personagem literário. A editora de obras infantojuvenis Alfaguara – dotada do prestígio literário concedido por seu fundador e ganhador do Prêmio Nobel de literatura, Camilo José Cela – colocou em prática então uma estratégia de marketing agressiva para transformar o primeiro volume da série em um best-seller. O romance é patrocinado por dois autores de literatura adulta reconhecidos e traduzidos no exterior: Antonio Muñoz Molina, marido de Elvira Lindo, e Bernardo Atxaga. A obra obteve uma menção especial no White Ravens, em 1995, catálogo de seleção de livros publicado pela Biblioteca Internacional da Juventude, de Munique. Mesmo que a tradução do livro seja difícil, devido ao vocabulário popular e à abundância de provérbios, ele é traduzido para o francês pela editora Gallimard Jeunesse, em 1997. Essa passagem por Paris e pela Gallimard resulta na rápida tradução para diversas outras línguas: dinamarquês, em 1998, português e holandês, em 1999, e depois alemão, grego, estoniano, polonês, sérvio, húngaro, persa, russo, japonês, inglês etc.5 5 O poder de consagração de Paris no universo literário foi descrito por Pascale Casanova (2008, p. 190-198).

Entretanto, esse tipo de trajetória não é muito frequente entre os escritores espanhóis de livros infantojuvenis, que raramente se lançam além do subcampo nacional e desejam, em geral, que sua obra seja acessível em seu país, na melhor das hipóteses, em sua área linguística. À posição semiperiférica da Espanha e do espanhol no mercado mundial de traduções, somam-se as dificuldades de exportação dos livros para crianças ou adolescentes por três razões principais. A primeira é a estreita ligação entre os livros infantojuvenis – normalmente designados como “livros de leitura” – e o sistema escolar de cada país. Os editores estão muito atentos tanto ao nível de leitura recomendado pelos profissionais da educação quanto às listas de livros recomendados para cada nível escolar pelos ministérios encarregados da educação. Esses livros, pensados para um contexto nacional específico e abordando temáticas escolares próprias, circulam com dificuldade. A segunda razão é o vínculo entre o prestígio escolar/cultural de cada país e as práticas de classificação etária de livros pelos agentes literários e pelos editores. Um romance publicado na França para crianças de oito anos será sistematicamente classificado na Espanha, de acordo com os agentes literários, para crianças de dez anos, pois o agente/editor julga que a criança francesa tem um nível de leitura mais desenvolvido do que a espanhola. Da mesma maneira, os editores franceses têm essa “crença” em relação ao nível de leitura de uma criança sueca. Além disso, de acordo com eles, os temas abordados para uma criança de oito anos não interessarão a uma criança de dez anos.6 6 Os preconceitos ligados à classificação etária dos livros do setor infanto-juvenil em cada país apareceram nas falas de todos os agentes literários entrevistados na Espanha e na França, no contexto de uma pesquisa coletiva sobre a profissão de agente, financiada pela EHESS e coordenada por Gisèle Sapiro e Tristan Leperlier (2021). Enfim, a produção de um romance é muito mais barata que a de um livro-álbum, ou de um livro infantojuvenil, mas sua tradução é mais cara, pois o texto é maior. Por todas essas razões, os editores vão privilegiar a produção nacional de livros destinados às crianças. Entretanto, as obras destinadas aos adolescentes não seguem a mesma lógica e se aproximam mais dos mecanismos específicos da literatura adulta.7 7 Sobre os romances destinados a adolescentes ver: Delia Guijarro Arribas (2021).

Os catálogos de foreign rights são realizados por editores do setor infantojuvenil e por agentes literários para a Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. Sua análise confirma a dificuldade de circulação dos romances infantis entre os países, com exceção do Reino Unido e dos Estados Unidos. Os catálogos dos anos 2017 e 2018 das grandes editoras britânicas (Bloomsbury, Flying Eye Books, Harper Collins e Penguin Random House) indicam uma grande diversidade de categorias genéricas. Eles apresentam tanto livros ilustrados* (como cartonados e pop-ups) quanto romances. Os títulos são destinados a diferentes classificações etárias, de seis anos a mais de quatorze. A posição hipercentral do inglês e do Reino Unido no mercado mundial de literatura infantojuvenil explica o porquê de essas editoras exportarem um amplo conjunto de categorias genéricas (Sapiro, 2008c15 SAPIRO, Gisèle. Situation du français sur le marché mondial de la traduction. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008c. p. 65-107.). Por outro lado, os catálogos de foreign rights das grandes editoras francesas (Gallimard Jeunesse, Actes Sud Junior, Belin, Fleurs, Hachette, La Martinière Jeunesse e Albin Michel Jeunesse) apresentam uma outra realidade. Dos 1.829 títulos apresentados pelos catálogos dessas editoras nos anos 2016, 2017 e 2018, somente 299 são romances, enquanto 83% correspondem a livros ilustrados, dos quais 44% são livros-álbum. Além disso, em 2018, o Escritório Internacional da Edição Francesa (BIEF) também criou seu próprio catálogo (Children’s books: a selection of French titles) a fim de propor uma seleção de títulos franceses para exportação. Esses títulos pertencem a 33 editoras, grandes (Gallimard Jeunesse, Casterman, Flammarion, L’école des loisirs etc.) e pequenas (L’Agrume, Hélium, Les Éditions des Éléphants etc.). Dos 150 títulos selecionados, somente 15 são romances. Com efeito, os livros ilustrados circulam mais facilmente. Além disso, a ilustração infantojuvenil francesa tem um imenso prestígio internacional, o que sustenta ainda mais essa circulação.8 8* Nota de trad.: Os livros ilustrados necessitam da imagem para fazer sentido, enquanto a imagem só é um complemento nos livros com ilustrações.

Por esta razão, as estratégias desenvolvidas pelos ilustradores do setor infantojuvenil são diferentes daquelas dos escritores. Os ilustradores, que às vezes escrevem os textos de suas obras, são os profissionais que se encontram entre o meio literário e o meio artístico. No mundo das artes, a ilusão de que as fronteiras não existem devido à universalidade da obra foi amplamente desmentida (Quemin, 200211 QUEMIN, Alain. L’illusion de l’abolition des frontières dans le monde de l’art contemporain international. La place des pays ‘périphériques’ à ‘l’ère de la globalisation et du métissage’. Sociologie et sociétés, v. 34, n. 2, p. 14-40, 2002. https://doi.org/10.7202/008129ar
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; Moulin, 20039 MOULIN, Raymonde. Le marché de l’art. Mondialisation et nouvelles technologies. Paris: Flammarion, 2003. (Coll. Champs).). Entretanto, as estruturas do mercado de literatura infantojuvenil facilitam a circulação das ilustrações. O alto custo de produção dos livros infantojuvenis e dos livros-álbum encoraja os editores a se associarem internacionalmente para criar coedições, que quase sempre são traduzidas (Guijarro Arribas, 20206 GUIJARRO ARRIBAS, Delia. Associative practices and translations in children’s book publishing: co-editions in France and Spain. In: VAN COILLIE, J.; MCMARTIN, J. (dir.). Children’s literature in translation: texts and contexts. Louvain: Leuven University Press, 2020. p. 93-110.). Além disso, convencidas de que a imagem diminui de alguma maneira os obstáculos da língua, as instâncias de reconhecimento do subcampo internacional de literatura infantojuvenil (Biblioteca Internacional da Juventude de Munique, IBBY e a Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha) conferiram um imenso prestígio às ilustrações. Por isso, as possibilidades internacionais de um ilustrador do setor infantojuvenil são maiores do que as de um escritor do mesmo setor. Naturalmente, esse espaço de possibilidades será mais ou menos restrito de acordo com o prestígio acumulado pelos ilustradores, que herdam da mesma maneira o capital simbólico das nações.

Os artistas que se lançam internacionalmente adotam estratégias de publicação que não se limitam aos seus subcampos nacionais. Eles contatam diretamente os editores estrangeiros (além da sua área linguística) para poderem ser publicados, uma prática impensável para um escritor de literatura infantojuvenil. Guillaume Griffon, diretor da pequena editora francesa L’Agrume, recentemente adquirida pelo grupo Editis, explicou em uma entrevista os mecanismos que levaram à publicação de um livro-álbum escrito e ilustrado pelo autor espanhol Manuel Marsol:

No caso de Manuel, ele fez seu trabalho no seu canto e depois nos propôs um projeto que estava todo finalizado. Nós quase não tocamos em nada. Mesmo a capa estava muito boa, a meu ver. Assim, trabalhamos direto com ele e depois fomos a primeira editora a publicar essa obra. Mas, isso se faz muito, e muito facilmente, com as feiras internacionais, em Bolonha, onde há muitos ilustradores que querem encontrar editores, mostrar seus livros. Sim, sim, isso se faz muito e com muita facilidade. Estou fazendo dois livros com uma ilustradora estrangeira que é bastante conhecida internacionalmente. Ela é israelense, mas mora em Barcelona, então, é isso. Como somos um tanto reconhecidos no cenário internacional, ganhamos um prêmio em Bolonha, eu penso que talvez os ilustradores estejam visando o meio internacional, e talvez a França, particularmente, então os ilustradores estrangeiros nos procuram, com projetos ou sem.9 9 Sobre a construção do prestígio da ilustração francesa ver Guijarro Arribas (2022).

Então, é perfeitamente possível para um ilustrador espanhol ser publicado diretamente por um editor francês, alcançando assim reconhecimento e uma visibilidade internacional maior do que a oferecida por um editor espanhol. Entretanto, o caso de Manuel Marsol mostra que se trata de uma estratégia a longo prazo. Embora muito jovem, ele já é reconhecido por várias publicações e ganhou diversos prêmios no subcampo espanhol de literatura infantojuvenil. Em 2017, foi selecionado pelo júri de Bolonha para fazer parte da exposição de ilustrações e ganhou o prêmio Internacional de Ilustração da Feira. Foi neste ano que ele apresentou dois projetos diferentes a duas editoras francesas do setor infantojuvenil, L’Agrume e Les Fourmis Rouges, e ambas decidiram publicá-lo. Além disso, o livro Duel au soleil, publicado pela L’Agrume, recebeu o prêmio de melhor livro ilustrado do Salão de Montreuil em novembro de 2018.

A fala de Guillaume Griffon resume muito bem as estratégias utilizadas pelos ilustradores de obras infantojuvenis que se lançam ao mercado internacional. Eles vivem nas grandes cidades editoras, Londres, Nova York, Paris, Barcelona; criam sites em inglês com suas biografias, seus trabalhos publicados, os prêmios recebidos e amostras de ilustrações; visitam as feiras e os salões em busca de editoras, sobretudo francesas e britânicas. Todos os editores entrevistados reconhecem que a publicação de ilustradores estrangeiros fora de sua área linguística é uma prática habitual. Essa prática confronta contextos e linguagens que se desconhecem amplamente. No entanto, na maior parte do tempo, os editores não recorrem a nenhum tradutor ou intermediário. Mesmo que mencionem, às vezes, problemas de compreensão ligados à língua para tratar de certas sutilezas gráficas ou literárias (quando há texto), eles não os apresentam como insuperáveis.

Com efeito, muitas vezes os próprios editores realizam as traduções, mesmo quando se trata de línguas que não dominam. Justificam-se então argumentando que o texto é menos importante: eles escolheram o livro por suas imagens. Valérie Cussaguet, diretora da editora Les Fourmis Rouges, explicou sobre o livro-álbum que ela publicou e traduziu: “não, eu não falo espanhol. Não, mas é um pouco mais fácil. Miguel (o autor) tinha feito a tradução com seu péssimo francês, eu a coloquei no Google e foi isso. De qualquer forma eu queria mexer no texto”.10 10 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Guillaume Griffon em Paris, em 22 de novembro de 2018. Os editores/tradutores modificam o texto original com frequência e de modo significativo. Camille Gauthier, editora na Thierry Magnier, reconhece: “Já aconteceu de eu traduzir livros onde tomei diversas liberdades”.11 11 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Valérie Cussaguet em Paris, em 25 de outubro de 2018. Essa prática suscita uma desvalorização do trabalho do tradutor, em especial para os livros ilustrados, cujos nomes são constantemente omitidos da publicação, mesmo quando se trata de profissionais.12 12 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Camille Gauthier em Paris, em 7 de novembro de 2018.

Finalmente, as estatísticas gerais dos sindicatos franceses de editores sobre as traduções de literatura infantojuvenil escondem grandes diferenças de circulação entre as categorias genéricas específicas do setor. Assim, a importância das extraduções na França se apoia amplamente na circulação de obras ilustradas, ligadas ao modelo da coedição. Os romances, por outro lado, circulam com mais dificuldade, com exceção dos livros pertencentes à fórmula editorial young adult, que os editores anglófonos exportam amplamente, de acordo com as lógicas de dominação que dizem respeito à ficção adulta.

A especialização dos agentes literários na circulação dos livros infantojuvenis

Desde os anos 1970, com as diferentes ondas de concentração e hiperconcentração editoriais, os agentes literários se multiplicaram na maioria dos países. Na era da globalização, eles se tornaram intermediários essenciais na circulação da literatura (Sapiro; Leperlier, 202117 SAPIRO, Gisèle; LEPERLIER, Tristan. Les agents de la globalisation éditoriale. Stratégies de conquête et de résistance. Réseaux, n. 226-227, p. 127-153, 2021. https://doi.org/10.3917/res.226.0127
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). No entanto, poucos agentes literários representam os escritores ou os ilustradores do setor infantojuvenil. É preciso especificar que a maioria dos agentes que afirma se interessar por esse nicho representa os escritores cujos livros são publicados na categoria young adult. Ora, como já foi dito, esta segue cada vez menos as regras do subcampo das publicações infantojuvenis e se aproxima dos mecanismos das publicações adultas – mais pelo público-alvo do que pelas lógicas de comercialização e de legitimação.

Este pouco interesse pela representação dos autores de literatura infantojuvenil se explica pelos “mecanismos” próprios do setor, mencionados pelo agente literário francês Olivier Rubinstein.

Um autor de literatura infantojuvenil havia me pedido para representá-lo. Em um primeiro momento, eu aceitei. Mas rapidamente tive que desistir devido à incapacidade de vender seus direitos aos editores. Eu não consegui entender os mecanismos do setor. Para mim, era muito diferente daquilo que eu estava acostumado.13 13 Sobre as condições profissionais dos tradutores ver Assouline (2011).

De acordo com Corinne Marotte, codiretora da L’autre Agence, é necessária uma especialização para representar os autores de literatura infantojuvenil. O porquê de ela se recusar a fazê-lo.

É realmente uma questão de cultura literária infantojuvenil e eu não tenho necessariamente, enfim, eu não tenho tempo para aprender, eu não tenho os elementos para dizer se tem qualidade ou não, ou se já existem coisas similares no mercado francês. Eu posso dizer que gosto, ou não gosto, mas isso não é o suficiente [...]. A literatura infantojuvenil é um outro nicho, é preciso ser conhecido e deve-se ser aceito dentro dele.14 14 Falas recolhidas em 2017 por Delia Guijarro Arribas na Feira Internacional do Livro de Frankfurt.

Com efeito, a coerência da carreira da agente espanhola Isabel Marti atesta essa especialização, frequentemente prévia. Inicialmente educadora e psicóloga, Isabel Marti passou mais de vinte anos trabalhando como editora no setor infantojuvenil na Timun Mas, editora de Barcelona, antes de fundar sua própria agência literária especializada na representação de autores e de catálogos de literatura infantojuvenil.

Eu venho do meio. Sou professora e psicóloga. No início, comecei a trabalhar na área da educação, dando aulas, depois trabalhei no departamento de psiquiatria da Cruz Vermelha com adolescentes e finalmente me chamaram para dar consultoria pedagógica em uma editora (Timun Mas, em Barcelona), para fazer TEO, um personagem bastante conhecido aqui. Depois a editora foi adquirida pela Planeta e eles me deram o departamento de promoção, e depois propuseram que me tornasse editora. Foi aí que eu disse para mim mesma: “olha, eu adoraria conhecer o que acontece nos bastidores!” Então eu fui e criei a agência literária.15 15 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Corinne Marotte em Paris, em 8 de novembro de 2017.

Às vezes, as especificidades do subcampo das publicações infantojuvenis podem ser consideradas como vantagens por certos agentes literários dominados. De acordo com eles, o livro infantojuvenil escapa, de certo modo, à imagem de relação “dual” e “sacrossanta” entre o editor e o autor. A obra seria concebida desde o início como um projeto coletivo: escritores, ilustradores, designers, editores – por meio de uma coprodução ou de uma coedição (Guijarro Arribas, 20206 GUIJARRO ARRIBAS, Delia. Associative practices and translations in children’s book publishing: co-editions in France and Spain. In: VAN COILLIE, J.; MCMARTIN, J. (dir.). Children’s literature in translation: texts and contexts. Louvain: Leuven University Press, 2020. p. 93-110.) – e agentes literários. Fatia Guelmane, diretora da Agence des Livres Électriques, afirmou: “É fato que o mercado é diferente, e que o editor do setor infantojuvenil está mais preparado para trabalhar em colaboração. Ele vê mais rápido a vantagem de trabalhar conosco, como um elemento extra para refletir sobre o projeto”.16 16 Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Isabel Marti em Barcelona, em 24 de março de 2017. Consequentemente, a representação dos autores de literatura infantojuvenil pode ser concebida como um meio de acessar o campo da edição pelas agências dominadas que exigem um conhecimento refinado do setor.

O trabalho de subagente, isto é, a representação de catálogos das editoras estrangeiras, é realizado pela maioria das agências literárias do mundo. Mesmo que a representação de catálogos diga respeito a todos os campos da edição, os agentes literários contam particularmente com a venda dos direitos de tradução dos livros infantojuvenis no exterior, sobretudo na França, onde a cessão de direitos desse tipo de livro é a maior de todo o setor editorial.

A regra mais disseminada no exterior é a delegação desses catálogos às agências literárias do país que tenham um conhecimento mais aprofundado do mercado nacional e até mesmo da área linguística. É o caso, por exemplo, da agência espanhola Sandra Bruna, responsável pela representação dos catálogos das principais editoras britânicas e estadunidenses para o mercado espanhol e latino-americano, como Macmillan, Scholastic e Amazon Children’s Publishing. No caso da França – onde a cessão de direitos dos livros infantojuvenis é mais significativa –, observamos igualmente o aparecimento de agências literárias especializadas na representação internacional das editoras. É possível traçar o perfil dos agentes literários que atuam nesse tipo específico de agência: a grande maioria é composta por mulheres que eram anteriormente encarregadas dos departamentos de cessões de direitos das grandes editoras infantojuvenis na França ou no exterior, como Play Bac, Flammarion Jeunesse, Gallimard Jeunesse, Dorling Kindersley etc. Com efeito, esse tipo de agência tornou-se um nicho para essas mulheres que procuravam conciliar vida familiar e profissional, trabalhando em casa e desvinculando seu local de trabalho das grandes capitais editoriais.

Evidentemente, as competências linguísticas desses agentes são fundamentais. Na maioria dos casos, seu local de nascimento ou suas origens familiares determinam seu domínio de uma língua estrangeira. O bom conhecimento da cultura de um país estrangeiro e o domínio de suas línguas são então vistos como um trunfo, principalmente quando se trata de países onde a entrada é considerada “difícil” pelos editores. É o caso da russa Galina Grekhova, ex-encarregada dos direitos da Play Bac, que criou a agência Syllabes Agency em Lyon, em 2013. O conhecimento do ofício permitiu-lhe obter a representação mundial do catálogo de diversas editoras francesas menores (Editions Cépages, Le Grand Jardin, Balivernes, Le Diplodocus etc.). No entanto, ela foi igualmente contatada pela Hélium, pela Thierry Magnier (pertencente ao grupo Actes Sus) e pela Play Bac para a representação dos seus catálogos na Rússia. Galina Grekhova nega ter uma preferência particular pela venda dos direitos na Rússia, mas reconhece que suas “competências russas” são reconhecidas no meio.

Conclusão

Em suma, a presença crescente de agentes literários especializados em literatura infantojuvenil atesta a profissionalização desses agentes, que hoje se apresentam como os intermediários incontornáveis das cessões de direitos de tradução. Esse aparecimento revela e ao mesmo tempo se explica pela relativa autonomia do setor. São suas especificidades que pudemos observar, apesar dos fenômenos da posição entre o subcampo da literatura infantojuvenil e o campo da editoração, assim como entre o subcampo da literatura infantojuvenil e o mercado mundial de livros. Funcionando, então, com regras e lógicas próprias, os atores desenvolvem estratégias diferenciadas daquelas do restante do mercado editorial para favorecer a circulação – estratégias observáveis pela análise das categorias genéricas, mas que respondem também às lógicas de dominação cultural e econômica. As relações de dominação que definem o capital simbólico das línguas e das nações assumem então uma forma singular no campo dos livros infantojuvenis.

  • 1
    Tradução do artigo La circulation des livres jeunesse à l’internationale. Une étude de cas à partir des traductions en France et en Espagne, realizada por Débora Fialho Goulart; revisão de Patrícia C. R. Reuillard.
  • 2
    Sobre os fenômenos de inserção, ver Sapiro (2013. p. 85)12 SAPIRO, Gisèle. Le champ est-il national ? La théorie de la différenciation sociale au prisme de l’histoire globale. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 5, n. 200, p. 85, 2013. https://doi.org/10.3917/arss.200.0070
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    .
  • 3
    Para a literatura adulta traduzida na França, Gisèle Sapiro observou esse fenômeno de acumulação de capital simbólico por algumas línguas em certos gêneros. É o caso do alemão no teatro, ou do espanhol e do hebraico na poesia. Ver Sapiro (2008b, p. 163)14 SAPIRO, Gisèle. (dir.), Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008b..
  • 4
    A fragilização da posição do francês como língua central no sistema mundial de traduções foi estudada por Gisèle Sapiro (2008c, p. 65-106)15 SAPIRO, Gisèle. Situation du français sur le marché mondial de la traduction. In: SAPIRO, G. (dir.). Translatio: Le marché de la traduction en France à l’heure de la mondialisation. Paris: CNRS Éditions, 2008c. p. 65-107.. Em relação ao italiano, desde 2006, a publicação do personagem de Geronimo Stilton e seu enorme sucesso relançou o interesse dos editores de todos os países para a literatura infanto-juvenil em italiano. Só em 2016, 86 obras de Geronimo Stilton foram traduzidas para o espanhol.
  • 5
    O poder de consagração de Paris no universo literário foi descrito por Pascale Casanova (2008, p. 190-198)2 CASANOVA, Pascale. La République mondiale des Lettres. Paris: Éditions du Seuil, 2008..
  • 6
    Os preconceitos ligados à classificação etária dos livros do setor infanto-juvenil em cada país apareceram nas falas de todos os agentes literários entrevistados na Espanha e na França, no contexto de uma pesquisa coletiva sobre a profissão de agente, financiada pela EHESS e coordenada por Gisèle Sapiro e Tristan Leperlier (2021)17 SAPIRO, Gisèle; LEPERLIER, Tristan. Les agents de la globalisation éditoriale. Stratégies de conquête et de résistance. Réseaux, n. 226-227, p. 127-153, 2021. https://doi.org/10.3917/res.226.0127
    https://doi.org/10.3917/res.226.0127...
    .
  • 7
    Sobre os romances destinados a adolescentes ver: Delia Guijarro Arribas (2021)5 GUIJARRO ARRIBAS, Delia. De la circulation internationale à la globalisation des normes éditoriales : Le cas des livres pour ‘adolescents’ en France et en Espagne. Réseaux, n. 226-227, p. 185-208, 2021. https://doi.org/10.3917/res.226.0185
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    .
  • 8*
    Nota de trad.: Os livros ilustrados necessitam da imagem para fazer sentido, enquanto a imagem só é um complemento nos livros com ilustrações.
  • 9
    Sobre a construção do prestígio da ilustração francesa ver Guijarro Arribas (2022)4 GUIJARRO ARRIBAS, Delia. De la moralisation du livre jeunesse à sa consécration littéraire : l’émergence d’un sous-champ international. Biens Symboliques, n. 11, 2022. https://doi.org/10.4000/bssg.1242
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    .
  • 10
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Guillaume Griffon em Paris, em 22 de novembro de 2018.
  • 11
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Valérie Cussaguet em Paris, em 25 de outubro de 2018.
  • 12
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Camille Gauthier em Paris, em 7 de novembro de 2018.
  • 13
    Sobre as condições profissionais dos tradutores ver Assouline (2011)1ASSOULINE, Pierre. La condition de traducteur. Paris: Centre national du livre, 2011..
  • 14
    Falas recolhidas em 2017 por Delia Guijarro Arribas na Feira Internacional do Livro de Frankfurt.
  • 15
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Corinne Marotte em Paris, em 8 de novembro de 2017.
  • 16
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Isabel Marti em Barcelona, em 24 de março de 2017.
  • 17
    Entrevista realizada por Delia Guijarro Arribas com Fatia Guelmane, em 27 de novembro de 2019.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2022
  • Aceito
    06 Jan 2023
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