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O giro decolonial no Direito Internacional

The decolonial turn of International Law

Resumo

O presente texto tem como objetivo central estabelecer o ponto de contato entre o pensamento decolonial e o direito internacional. Isso porque, tendo a decolonialidade emergido como contraponto à colonialidade inaugurado na modernidade, o qual elevou o Europeu/Norte Global ao centro do sistema mundial e estabeleceu uma estrutura hierarquizada, opressora e excludente a qual ainda se mantém na atualidade, ele se torna uma base teórica adequada para questionar a opressão existente no campo do Direito Internacional. Afinal, este ramo do Direito, dotado de elementos colonialistas desde a sua origem, passa a ser questionado na atualidade em razão de não apenas não ouvir o Terceiro Mundo, mas também por não responder seus anseios ou por permitir que ele colabore com a formulação de novas regras, como aponta o Movimento Terceiro Mundista de Direito Internacional. Logo, através de uma pesquisa de natureza aplicada, seguindo o método dedutivo de abordagem e a técnica da revisão bibliográfica, busca-se compreender a relação entre eles, concluindo-se, ao cabo, que a decolonialidade, expressada pelas abordagens terceiro-mundistas, é de suma importância para contestar o papel designado ao Sul Global no Direito Internacional.

Palavras-chave:
Decolonialidade; Terceiro Mundo; Direito Internacional; TWAIL; Colonialidade do Fazer

Abstract

The present text has as its main objective to establish the point of contact between decolonial thought and international law. This is because, as decoloniality emerged as a counterpoint to coloniality inaugurated in modernity, which elevated the European/Global North to the center of the world system and established a hierarchical, oppressive and excluding structure seen until today, it becomes a theoretical basis for questioning the existing oppression in the field of International Law. After all, this branch of Law, a point of colonialist elements since its origin, is now being questioned because not only does it listen to the Third World, but also because it does not respond to its wishes or because it allows it to collaborate with the dynamics of new rules, as points the Third World Approaches of International Law. Therefore, through a research of an applied nature, following the deductive method of approach and the bibliographic review technique, we seek to understand a relationship between them, concluding, in the end, that decoloniality, expressed by third-world approaches, it is of paramount importance to contest the role assigned to the Global South in International Law.

Keywords:
Decoloniality; Third World; International Law; TWAIL; Coloniality of Doing

1 INTRODUÇÃO

O pensamento decolonial mostra-se relevante na atualidade especialmente por questionar as bases cognitivas utilizadas e introduzidas com a virada do século XV com a chegada do Europeu às Américas (Okafor, 2005OKAFOR, Obiora C. Newness, imperialism, and international legal reform in our time: a TWAIL perspective. Osgoode Hall Law Journal, Toronto, v. 43, n. 1, p. 171-191, 2005. Disponível em: Disponível em: http://digitalcommons.osgoode.yorku.ca/ohlj/vol43/iss1/7 . Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 177), as quais visam manter as estruturas hierárquicas, opressoras e excludentes então existentes na atualidade, pois despreocupada com a contínua dominação social. Não só isso este pensamento permite a introdução de outras abordagens para além da visão Ocidental, fornecendo uma abertura epistemológica necessária para que se busquem mecanismos que contornem a situação de colonialidade1 1 Enquanto colonialismo se refere ao período em que os povos americanos, estiveram sob dominação política e formal Europeia, a colonialidade pode ser apontada como sendo a sustentação das estruturas ideológicas instituídas naquele regime de exploração e subjugação, as quais se mantêm na atualidade, mesmo após os processos de independência, influenciando política e economicamente as sociedades situadas às margens (Ballestrin, 2017), logo, sustentando a contínua divisão do globo entre países centrais e periféricos, divididos pelo critério do (sub)desenvolvimento (AFONSO, 2019, p. 108-109). presente no globo, especialmente por viabilizar respostas mais concretas às realidades até então desconsideradas/silenciadas pelo Norte global.

Como afirmado em outro estudo (Squeff, Gomes, 2017SQUEFF, Tatiana Cardoso; GOMES, Joséli Fiorin. Corte Interamericana de Direitos Humanos para Americanos: os perigos do uso da fertilização cruzada entre as cortes europeia e americana. In: GOMES, Eduardo Biacchi; SQUEFF, Tatiana de A. F. R. Cardoso; BRANDÃO, Clarissa Maria B. (Orgs.). Direitos Humanos, Feminismo e Decolonização na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Multifoco, 2017.), deve-se lembrar que o próprio ‘universalismo europeu’ desconsidera “qualquer contribuição de outros povos (os colonizados) para a construção moral e normativa internacional, em razão de serem tidos como inicialmente primitivos, meros legatários da luz civilizatória trazida pelos europeus via colonização, incapazes de alcançar a modernidade” sem o auxílio dos europeus. Mesmo considerando os estadunidenses no centro do sistema-mundo desde o fim da Primeira Guerra Mundial, essa assertiva ainda se mostra presente, haja vista ainda subsistir um verdadeiro monólogo no que tange a tomada de decisões no plano internacional hodierno, vez que não é raro que a posição de países situados no Sul Global seja desconsiderada, tal como o debate do programa nuclear iraniano em 2010 (Amorim, 2018AMORIM, Celso. Teerã, Ramalá e Doha: Memórias da política externa ativa e altiva. 2ª edição. São José dos Campos, SP: Benvirá, 2018.), a responsabilidade dos países nas recentes incursões armadas no Norte da África e no Oriente Médio (Squeff; Scippa, 2019SCIPPA, Victória N.; SQUEFF, Tatiana Cardoso. A Imprescindível Adoção da Responsabilidade ao Proteger no Direito Internacional: debates a partir da guerra da Líbia. In: JUBILUT, Liliana; LOPES, Rachel de O.; GARCEZ, Gabriela S.; FERNANDES, Ananda P. (Org.). Direitos Humanos e vulnerabilidade e o direito humanitário. Boa Vista: Ed. UFRR, 2019, pp. 534-574, p. 554) ou mesmo os debates atinentes a necessidade de conferir proteção específica aos deslocados ambientais (Squeff, 2019aSQUEFF, Tatiana Cardoso. Overcoming the coloniality of knowledge in international law: the case of enviromental refugees. Revista Direito das Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2019. Disponível em: Disponível em: http://seer.unirio.br/index.php/rdpp/article/view/9395 . Acesso em: 20 out. 2021.
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), para citar alguns.

Com isso, é imperativo abrir-se para outras formas de conhecimento, o que, porém, não pode ser sustentado por ideários pautados nas epistemologias tradicionais ainda hoje presentes e recorrentemente utilizadas para justificar as condutas no cenário internacional, de modo que o discurso decolonial fornece a abertura necessária para se desconstruir tal centralidade e ouvir o submisso, o encoberto, o etnizado - o sujeito do Sul Global. Isso porque, a decolonialidade surge como forma de romper com esse cenário na medida em que ele introduz a ideia de inclusão, isto é, de ouvir o próximo, até mesmo o então subalterno; de garantir a sua liberdade de fala e deliberação própria para além do autoritarismo, vez que nesses locais é que poderiam ser igualmente encontradas as soluções aos problemas (Segato, 2011SEGATO, Rita Laura. Que cada pueblo teja los hijos de su historia: el pluralismo jurídico en diálogo didáctico con legisladores. In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena; ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa (Coord.). Justicia y Diversidad en América Latina: pueblos indígenas ante la globalización. Ecuador/Ciudad de México: FLACSO/CIESAS, 2011., p. 376; Segato, 2002SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES. Coimbra, v. 18, pp. 106-131, 2002. DOI: https://doi.org/10.4000/eces.1533
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, p. 115).

Assim sendo, adotar o viés decolonial significa rechaçar a “aparente neutralidade” existente no plano internacional (Bragato, 2015BRAGATO, Fernanda Frizzo. O que há de novo no constitucionalismo latino-americano: reflexões sobre o giro descolonial. In: GOMES, Ana Cecília de Barros; STRECK, Lenio Luiz; TEIXEIRA, João Paulo Allain. Descolonialidade e Constitucionalismo na América Latina. Belo Horizonte: Arraes, 2015., p. 206), que legitima, reproduz e sustenta [... ] a subordinação do Terceiro Mundo” ao Europeu/Estadunidense (Mutua, 2000MUTUA, Makau. What is TWAIL? Proceedings of the ASIL 94th Annual Meeting. Washington D.C., pp. 31-38, abr. 2000. DOI: https://doi.org/10.1017/S0272503700054896
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, p. 31), jogando luz ao “verdadeiro espírito do direito internacional”, o qual é lotado de verdadeira universalidade oriunda de uma contínua abertura cultural entre todos os povos (Pahuja, 2005PAHUJA, Sundhya. The postcoloniality of international law. Harvard International Law Journal, v. 46, n. 2, pp. 459- 469, 2005., p. 459) e que, forte nisso, permite que as normas sejam articuladas com base nas diversas humanidades invisibilizadas e silenciadas pelo Europeu/Ocidente em razão da modernidade.

Logo, considerando toda a bagagem oriunda de mais de cinco séculos de colonialidade, a qual não se findou; pelo contrário, adquiriu outras proporções, globalizando-se (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. , p. 122-123; Quijano, 2002, p. 11-12), o que se propõe com o uso da base decolonial no direito internacional é justamente estimular o desapego para com a epistemologia universalista moderna (Chimni, 2003CHIMNI, Bhupinder S. Third World Approaches to International Law: a manifesto. In: ANGHIE, Antony; CHIMNI, Bhupinder S.; OKAFOR, Obiora. The Third World and the World Order: Law, Politics and Globalizatin. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2003.), à luz de tudo o que ocorrera nesse período, especialmente em relação ao Terceiro Mundo2 2 Boaventura de Sousa Santos (1989, p. 63) não nega: a ciência como um todo foi “impost[a] pela antropologia cultural e social europeia e norte-americana às sociedades ‘selvagens’, ‘primitivas’, da África, da Ásia e da América”, de modo que a “hegemonia social e política das sociedades ‘civilizadas’ [era] considerara [uma] condição lógica” neste período, enquanto as demais eram meramente “objeto de estudo” - formulações essas que vão ao encontro da lógica do universalismo e o encobrimento do ‘Outro’, que o discurso decolonial pretende combater. , reconhecendo a legitimidade de outros discursos (haja vista a existência de uma pluralidade de saberes), mais inclusivos (abarcando todos os seres e formas de agrupamento - do Norte e do Sul) (Rajagopal, 2003RAJAGOPAL, Balakrishnan. International Law from Below: development, social movements and Third World Resistance. Cambridge: Cambridge University Press , 2003, p. 47) e flexíveis (notando que não há uma única verdade), para igualmente assinalar respostas aos problemas hodiernos.

Outrossim, se “a opção descolonial não pretende ser a solução universal”, pressupondo, no campo dos direitos humanos, “o desprendimento inicial da retórica da modernidade na qual se legitimam os modelos de pensamento” por ela utilizados, como aduz Mignolo (2008MIGNOLO, Walter. La opción descolonial. Letral. Granada, n.1, pp. 4-22, 2008., p. 15)3 3 Note-se que Mignolo (2008) utiliza-se do termo descolonial em detrimento do decolonial em tal tradução para o português. Nesse sentido, impende destacar que existe uma distinção para o uso dos dois termos, a qual, porém, não abarca o texto do citado autor. Inclusive, ele mesmo traz que a teoria decolonial advém da ideia de de-link, isto é, de desconectar com o que seria colonial e que ainda se mantém na atualidade através da colonialidade (MIGNOLO, 2007). E, no caso, o termo descolonial estaria atrelado ao ato de descolonizar, ou seja, vinculado à quebra do vínculo político-econômico-social que o Europeu mantinha com suas colônias. Com isso, enquanto este está atrelado a temas de atuo-determinação e independência, aquele é a teoria em si, que almeja uma concreta emancipação, que afasta a imperialidade e a colonialidade ainda reinante. , utilizá-la no plano do direito internacional geral seria permitir que outras formas de solução sejam ponderadas e disponibilizadas ao alcance de todos. Como afirma Chimni (2007CHIMNI, Bhupinder S. The Past, Present and Future of International Law: A Critical Third World Approach. Melbourne Journal of International Law, v. 8, n. 2, pp. 499-515, 2007. Disponível em: Disponível em: http://www5.austlii.edu.au/au/journals/MelbJIL/2007/27.html . Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 515), “é hora de as abstrações do direito internacional enraizarem-se no mundo empírico da vida cotidiana e de suas angústias”. Desta feita, a questão que se pretende introduzir no presente escrito é justamente onde esse pensamento tem brotado neste ramo do Direito, avultando-se, assim, a importância do Movimento Terceiro-Mundista de Direito Internacional (item 2) e quais são algumas das bases que este movimento busca propriamente (re)pensar (item 1).

2 (ALGUNS) PRESSUPOSTOS COLONIAIS DO DIREITO INTERNACIONAL

Em razão do direito internacional ter sido conjecturado sob auspícios coloniais, ele reflete largamente as tradições da modernidade, as quais se pretende repensar à luz do pensamento decolonial. Outrossim, quais seriam as principais características deste campo do Direito que o torna um ambiente tão excludente e monolítico que o faça desconsiderar a própria pluralidade existente no seu interior? São elas o conservadorismo, patriarcado, individualismo e o formalismo.

No caso específico do direito internacional, o conservadorismo mostra-se presente quando se remete às suas bases como sendo aquelas da Paz de Westfália (1648) - momento em que houve a ruptura entre o Estado e a Igreja na Europa, em que o Estado (absolutista) teria uma razão em si, afastando-se de uma ordem global verticalizada na vontade divina pela construção da ideia de soberania.4 4 “The Peace of Westphalia has played a decisive role in structuring conventional histories of international law. (…) Many political theories regarded sovereignty as a response to the problem of order” (ANGHIE, 2014, p. 124-125). Entretanto, a ordem global limitava-se aos Estados europeus, enfatizando ainda mais a ideia de dominação que este exercia sobre outros povos, especialmente quando estes eram desprovidos de soberania e limitavam-se às estruturas do Pacto Colonial.5 5 “Broadly, once non-European states were excluded from making any sort of legal claim in the realm of international law because only sovereign states were able to participate as full members with all the attendant rights” (ANGHIE, 2004, p. 55).

No tocante ao patriarcado, este resta presente no direito internacional não só a partir da concepção da Paz de Westfália a qual voltava à produção normativa aos Europeus e aos seus interesses, como ela é repisada ao longo da história em diversos episódios, tal como a criação do ‘Concerto Europeu’ em 1815 (Watson, 1992WATSON, Adam. The evolution of International Society: a comparative historical analysis. New York: Routledge , 1992., p. 238-250), firmando um pacto pela paz (a vigorar na Europa) calcado no equilíbrio de poder entre as nações europeias (notadamente aquelas cujos governantes haviam sido destituídos do poder por Napoleão Bonaparte) e novamente com a construção das organizações internacionais que seguiram as duas Grandes Guerras, isto é, a Liga das Nações (em 1919)6 6 Particularmente quanto a Liga das Nações, cumpre ressaltar que “os Estados-membros eram classificados em três categorias: a) os membros originários que firmaram o Pacto, excluídos, desde logo, os países derrotados; b) os membros convidados que se mantiveram neutros durante a guerra; e c) os admitidos posteriormente em razão de um voto positivo de dois terços da Assembleia” (SEITENFUS, 2012, p. 109). e as Nações Unidas (em 1945), notadamente em razão da formulação do Sistema de Mandato existente na primeira (transformado em Sistema de Tutela na segunda)7 7 Segundo Anghie (2004, p. 118-119), “[t]he mandate system was devised in order to provide internationally supervised protection for the peoples of the Middle East, Africa and the Pacific who previously had been under the control of Germany or the Ottoman Empire. (…) These territories were inhabited by peoples who were characterized as ‘incapable or deficient in power and economic independence’. The mandate system was to play the role of the reversionary of defeated Empires”. A crítica resta exatamente na forma em que eram administrados tais territórios, podendo ser inclusive visto como uma “segunda colonização” desses espaços, como destaca Rajagopal (2003, p. 55) a partir do caso South West Africa de 1966 da Corte Internacional de Justiça, que não permite o questionamento por Etiópia e Libéria, países situados aos Sul, das condutas levadas a cabo em tal região. , além do próprio Conselho de Segurança de ambas as instituições (Mutua, 2000MUTUA, Makau. What is TWAIL? Proceedings of the ASIL 94th Annual Meeting. Washington D.C., pp. 31-38, abr. 2000. DOI: https://doi.org/10.1017/S0272503700054896
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, p. 31; Gathii, 2011GATHII, James Thuo. TWAIL: a brief history of its origins, its decentralized network, and a tentative bibliography. Trade, Law and Development. Mandore, v. 3, n. 1, pp. 26-48, 2011. Disponível em: Disponível em: https://lawecommons.luc.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1203&context=facpubs . Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 42; e Rajagopal, 2006RAJAGOPAL, Balakrishnan. Counter-Hegemonic International Law: Rethinking human rights and development as a third world strategy. Third World Quarterly. London, v. 27, n. 5, pp. 467-783, 2006. DOI: https://doi.org/10.1080/01436590600780078
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, p. 772), quando observados os países com assento permanente, os quais acabam por deter grande influência nas relações internacionais por força disso8 8 Nesse interim, enquanto na Liga das Nações os cinco países com assento permanente eram Estados Unidos, França, “Império Britânico”, Itália e Japão; nas Nações Unidas, este é formado por Estados Unidos, França, Reino Unido e da Irlanda do Norte, China e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (substituída pela Rússia, considerada seu Estado-sucessor em matéria de tratados internacionais). Chama a atenção positivamente na formulação do Conselho da Liga a participação do ‘Extremo Oriente’, representado pelo Japão - muito embora este também fosse um império à parte (na lógica da modernidade/colonialidade, cumpre dizer que ele nunca fora colonizado e exatamente por isso, ele manteve-se alheio ao sistema-mundo, muito embora sempre envolto de um misticismo, o qual ‘aos olhos do ocidental’ remonta à sua própria formação - cf. KENNEDY, 1989, p. 23-25), por vezes desprovido de soberania (v. discussão em torno da decisão da Suprema Corte americana sobre a posição do Japão no caso ‘Paquete Habana’ de 1900 em Anghie, 2014, p. 129; e a discussão sobre o seu papel na Segunda Guerra Mundial na decisão dissidente do juiz indiano Radhabinod Pal no Tribunal de Tóquio, absolvendo os japoneses em: GATHII, 2011, p. 36). Ademais, destaca-se a participação da China no âmbito do Conselho de Segurança atual, em que pese o assento ter sido, de fato, ocupado no início pela República da China - Taiwan - em detrimento da República Popular da China, a qual só assumira a posição quando da expulsão daquela em 1971 por 76 votos a favor, 35 contrários, entre eles Brasil e Estados Unidos, 17 abstenções e 3 não-votantes (Cf.ONU, 1971). Por fim, salienta-se que para a aprovação e uma medida no âmbito da Liga das Nações era necessário atingir a unanimidade dos votos/membros; já nas Nações Unidas, faz-se necessário atingir nove votos de 15, sem que haja vetos por parte de quaisquer membros-permanentes - situação essa que demostra certo “aprimoramento” do patriarcado quando, antes, quaisquer membros influíam de maneira decisiva na tomada de decisão, permanente ou não; já hoje, nota-se o papel determinante dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança (SEITENFUS, 2012, p. 110). - sem contar a própria imposição das regras já estipuladas no plano internacional aos novos Estados quando da sua independência política (Anghie, 2014ANGHIE, Antony. Towards a Postcolonial International Law. In: SINGH, Prabhakar; MAYER, Benoît. Critical International Law: postrealism, postcolonialism and transnationalism. New Dehli: Oxofrd Unveristy Press, 2014., p. 137).

O individualismo está presente no plano do direito internacional particularmente no que se refere aos direitos humanos. Muito embora o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tenha sido formulado conjuntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos no ano de 1966, nota-se não só na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, bem como nos demais documentos internacionais, a existência de uma predileção pela positivação de direitos de liberdade, de notório viés liberal, em detrimento de direitos de igualdade, de cunho social, em alusão à inclinação do Norte Global à garantia daqueles, terminando por dificultar a garantia específica destes em razão da impossibilidade de justicializá-los (Abramovich; Couris, 2014ABRAMOVICH, Víctor; COURIS, Christian. Los Derechos Sociales como Derechos Exigibles. 2ª ed. Madrid: Ed. Trotta, 2014., p. 37-46).9 9 O mais comum é buscar acionar nos foros regionais de proteção à pessoa humana os direitos sociais através dos direitos civis e políticos, como salienta Elizabeth Salmón (2011, p. 63-92). No plano internacional, como afirmado anteriormente, há, no máximo, no que tange esses direitos, os mecanismos de fiscalização, os quais não detêm poderes repreensivos).

Designadamente no contexto Americano, onde a crítica da modernidade/colonialidade mostra-se presente, essa característica individualista é bem acentuada, quando nota-se na Convenção Americana de Direitos Humanos a menção à tais direitos apenas no artigo 2610 10 Art. 26: “Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados” (OEA, 1969). , cuja justiciabilidade era bastante limitada até pouco tempo atrás (embora ainda restrita a alguns poucos temas)11 11 A Corte Interamericana tem tido um papel considerado essencial nesse sentido, na medida em que ela tem reconhecido a justiciabilidade dos direitos de segunda dimensão presentes no art. 26 da Convenção Americana, colaborando novamente (Squeff, 2019b) para uma “libertação” do sistema interamericano. O primeiro exemplo nesse sentido foi decisão da Corte contra o Peru em um caso envolvendo um eletricista peruano, despedido com justa causa por participar de uma entrevista enquanto representante de sua categoria (Corte IDH, 2017). Outros casos envolvendo direito a saúde e direito à água e à cultura seguiram. Outrossim, há espaços que a Corte não adentra, que, inclusive, seriam anteriores a própria possibilidade dela se manifestar, isto é, o caso envolvendo comunidades indígenas. Explica-se: em que pese se reconheça em diversas decisões o direito das comunidades à propriedade comunal, nada se debate sobre o próprio aceite destas comunidades à jurisdição da Corte ou mesmo às regras por ela feitas. , fruto não só da eficácia limitada antes atribuída ao citado artigo 26, mas também da própria restrição existente no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988, mais conhecido como Protocolo de São Salvador, que previa apenas a justiciabilidade dos artigos à greve (art. 8, alínea b) a à educação (art. 13, parágrafo 1º).

Por fim, no que tange ao formalismo do direito internacional, cumpre dizer que esse guarda íntima relação com a crítica feita supra quanto à dificuldade de alterarem-se as regras desse campo do Direito, mesmo que elas sejam consideradas pelo Terceiro Mundo já retrogradas e ultrapassadas, pois restritas pelos limites da sua estrutura normativa positivista, formulada em momento histórico distinto (moderno/colonial) que lhe garantia legitimidade (Rajagopal, 2006RAJAGOPAL, Balakrishnan. Counter-Hegemonic International Law: Rethinking human rights and development as a third world strategy. Third World Quarterly. London, v. 27, n. 5, pp. 467-783, 2006. DOI: https://doi.org/10.1080/01436590600780078
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, p. 56), sendo por isso, de difícil alteração especialmente a partir das ferramentas hoje existentes (Anghie, 2004ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty, and the making of International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. , p. 127-128 e 130-131), as quais persistem em requerer a manifestação/atuação das nações centrais (ou, melhor, imperiais12 12 Segundo Quijano (2002, p. 11), existiria hoje um bloco imperial mundial, composto por poucos Estados-nação modernos hegemônicos cujas decisões são “impostas ao conjunto dos demais países e aos centros nevrálgicos das relações econômicas, políticas e culturais do mundo”. ) e que, em virtude disso, ao fim e ao cabo, sustentam o status quo global (Orford, 2012ORFORD, Anne. The past as law or history? the relevance of imperialism for modern international law. IILJ Working Paper 2: History and Theory of International Law Series, pp. 1-17, jun. 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.iilj.org/publications/the-past-as-law-or-history-the-relevance-of-imperialism-for-modern-international-law-2/ . Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 3).

E em relação a isso, especificamente, o que parece existir é que além das colonialidades do poder, do saber e do ser13 13 Suscintamente, a colonialidade do poder refere-se à classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de raça”, a qual seria fundamental para o controle dos meios de produção nas mãos de alguns (brancos e europeus) (QUIJANO, 2002, p. 4). Desta, deriva a colonialidade do ser, que determina os atributos que identificam a pessoa enquanto tal, permitindo que apenas um padrão detenha direitos, qual seja, para além de ser branco e europeu, deve ser igualmente homem, cisgênero, cristão, heterossexual, proprietário, patriarca, conservador (BRAGATO, 2014, p. 221). Já a colonialidade do saber está vinculada a existência de uma única racionalidade aceita, a europeia, a qual se sobrepõe às “demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos” (QUIJANO, 2005, p. 126) - características centrais da colonialidade que são operacionalizadas através de regras internacionais (Chimni, 2003CHIMNI, Bhupinder S. Third World Approaches to International Law: a manifesto. In: ANGHIE, Antony; CHIMNI, Bhupinder S.; OKAFOR, Obiora. The Third World and the World Order: Law, Politics and Globalizatin. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2003.) - há ainda o que poderíamos chamar de ‘colonialidade do fazer’, isto é, de como proceder diante de situações em que são exigidas mudanças dos regramentos em vigor no âmbito internacional, haja vista estar-se diante de contextos sociais que pugnam por evoluções/transformações normativas. Noutros termos, se é através do Direito que se guia a sociedade no que pertine a condutas ambicionadas, para além de toda a crítica e discussão que pode haver em torno de quem estipula essas condutas ou para quem elas são dirigidas, há também um debate premente que é justamente como agir para modificá-las, uma vez que elas não são ‘ilegais’ em sentido estrito, porém, guardam em si uma alta carga de colonialidade.

Logo, diante dessas características basilares do direito internacional, assiste razão Rajagopal (2006RAJAGOPAL, Balakrishnan. Counter-Hegemonic International Law: Rethinking human rights and development as a third world strategy. Third World Quarterly. London, v. 27, n. 5, pp. 467-783, 2006. DOI: https://doi.org/10.1080/01436590600780078
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, p. 2) quando afirma que esse campo do Direito existe para os países do Norte global, de modo que o Terceiro Mundo é um mero observador, o qual sofre com as consequências das decisões tomadas por outrem. E justamente na tentativa de finar com essa passividade que parece existir, na tentativa de superar a colonialidade do poder, do saber, do ser e do fazer que permeiam o direito internacional é que surge o Movimento Terceiro Mundista de Direito Internacional.

3 TWAIL: A TEORIA DECOLONIAL NO DIREITO INTERNACIONAL

No plano do direito internacional, especificamente, as abordagens terceiro-mundistas (TWAIL, na sigla em inglês) tem ganhado especial relevo ao reconhecer a imperialidade14 14 “A imperialidade se refere a um direito, privilégio e sentimento de um ser imperial ou à defesa de um modo imperial de vida, no qual a invasão geopolítica do poder ocidental é legitimada ou desejada. Ela se reflete em um ethos imperial de cuidado percebido nas tentativas de levar progresso, civilização e democracia a outras sociedades com certa gratidão ou consentimento”. Nesse passo, se “o colonialismo pode ser compreendido como um resultado do imperialismo, a colonialidade deve ser compreendida como um resultado da imperialidade, [isto é], a lógica do imperialismo, na modernidade” (BALLESTRIN, 2017, p. 520 e 522). e a colonialidade presentes nas normas que regem as relações internacionais, na tentativa de fornecer o aparato crítico necessário para que outras15 15 Este é um elemento central para as TWAIL na medida em que elas não buscam rechaçar as construções do passado, senão reconhecê-las para oferecer outras opções - nunca ‘uma outra’. Afinal, se assim o fizesse, estar-se-ia agindo da mesma forma como a visão tradicional/moderna/imperial/colonial age, conduzindo “a um esvaziamento de significados prejudicial, [... ] nega[ndo] os próprios avanços já alcançados em termos de reconhecimento [formal] da diferença, da aceitação da multiculturalidade e da conscientização de que mudanças são necessárias desde o descortinamento da [... ] diferença colonial” (SQUEFF; DAMASCENO, 2021, p. 277-278). soluções possam ser cogitadas. Respostas essas que devem tomar como base o discurso decolonial, para superar quaisquer exclusões feitas até então no ordenamento internacional pela modernidade/colonialidade.16 16 Afonso (2015, p. 145) parece compreender no mesmo sentido ao afirmar que “[n]o amplo quadro da teoria crítica, destacam-se as perspectivas de análise comprometidas com a (re)construção do saber a partir do sujeito subalterno, do indivíduo e das coletividades colonizadas, isto é, aquelas que optam por um projeto político de reconstrução das bases discursivas sobre as quais suas próprias propostas ganham vida”. Até mesmo porquê, inspirar-se em outra matriz poderia levar à incongruência do argumento emancipatório que se quer conjecturar, haja vista ter sido “o direito internacional um resultado do encontro colonial” (Eslava; Obregón; Urueña, 2016ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y Derecho(s) Internacional(es): ayer y hoy. In: ANGHIE, Antony; KOSKENNIEMI, Martti; ORFORD, Anne. Imperialismo y Derecho Internacional. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2016., p. 42).

Assim sendo, cumpre destacar que a TWAIL se refere a um movimento surgido na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, no ano de 1997, o qual tinha como pressuposto debater as aproximações entre o Terceiro Mundo e o direito internacional, tendo sido chamada inicialmente de New Approaches to International Law (NAIL), e que, por uma acertada decisão de Antony Anghie e Bhupinder Chimni, passou a ser cunhada de TWAIL, após a realização do seu primeiro evento.17 17 Skouteris (1997, p. 417) assevera que “the label New Approaches to international Law (NAIL), was coined in the early 1990s to capture the spirit of a new stream of international legal scholarship, inspired by critical theory and engaged in an ambitious project of reimagining international law. NAIL has never been an intellectual ‘movement’ in the usual meaning of the term, possessing a forma organization structure, newsletters, etc. It has rather been a rubric under which people with common sensibilities about international law have been exchanging views and experiences. The Harvard Conference came to evaluate the progress made so far and to celebrate the abandonment of the appellation NAIL as the form representing the ever-evolving new stream writing to the label and practices NAIL for too long would ultimately defeat its objectives”. Cf. também: ESLAVA; OBREGÓN; URUEÑA, 2016, p. 42; AFONSO, 2015, p. 147.

Nesse evento, averiguou-se que os debates levados a cabo pela TWAIL eram, primeiramente, guiados por temas que entrelaçavam o direito internacional e o direito econômico, tais como a geração de riqueza e pobreza, além e da própria questão da soberania, restando em um segundo plano a ideia de mapeamento das abordagens feitas no Terceiro Mundo em relação ao formalismo do direito internacional e aos direitos por ele prescritos (Gathi, 2011, p. 29; Bianchi, 2016BIANCHI, Andrea. International Law Theories: an inquiry into different ways of thinking. Oxford: Oxford University Press, 2016. , p. 209). Tal divisão, acabou se comprovando com o que veio a ser apontado como as próprias fases desse movimento, que já realizou oito encontros, tendo sido o último no ano de 201818 18 Além do primeiro encontro em Boston, nos Estados Unidos (Harvard University School of Law) no ano de 1997, o movimento reuniu-se posteriormente em Toronto, Canadá (Osgoode Hall Law School) no ano de 2001; em Albany, Estados Unidos (Albany Law School) no ano de 2007 em Vancouver, no Canadá (University of British Columbia) no ano de 2008; em Paris, na França (University of Paris, Sorbonne) no ano de 2010; em Oregon, nos Estados Unidos (Oregon Law School) no ano de 2011; em Cairo, no Egito (The American University) no ano de 2015, e, finalmente, em Singapura (National University of Singapore Faculty of Law) em 2018. .

No que diz respeito à TWAIL I, como é cunhada a sua primeira fase19 19 Andrea Bianchi (2016, p. 209) afirma que “a first phase of the movement can be thought to coincide with the fight for decolonization. From the mid-1950s to the mid-1980s, the Third World concentrated its efforts in freeing itself from the formal shackles of colonialism and in vindicating the autonomy and sovereign equality of the newly independent states”. Da mesma forma, se posiciona Galindo, 2013, p. 48. , o debate esteve muito atrelado à Teoria da Dependência e o consequente subdesenvolvimento dos países periféricos, muito em razão das trocas desiguais entre as nações, dando ênfase a críticas ao sistema, vez que largamente opressor em relação aos países do Sul.20 20 Antony Anghie (2014, p. 136) explica: “Colonies were extremely important as source of raw materials for the economy of the colonial power. It is unsurprising then that one of the first major initiatives undertaken by the new states was to attempt to reassert control over their natural resources which had previously been exploited by the colonial powers”. Cf. também, Afonso, 2015, p. 174. Nesse primeiro momento, portanto, os twailers debateram questões envolvendo “a igualdade soberana dos Estados e a não intervenção”, os quais eram considerados princípios essenciais para romper com a lógica da colonialidade no contexto político-econômico mesmo após a independência de várias nações do Terceiro Mundo (Anghie (2014ANGHIE, Antony. Towards a Postcolonial International Law. In: SINGH, Prabhakar; MAYER, Benoît. Critical International Law: postrealism, postcolonialism and transnationalism. New Dehli: Oxofrd Unveristy Press, 2014.), p. 136; Galindo, 2013GALINDO, George Rodrigo B. A volta do terceiro mundo ao direito internacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 119-124, pp. 46-68, ago./dez. 2013., p. 48). Logo, rondavam as discussões temas como o surgimento da Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI) e a soberania dos Estados sob seus recursos naturais, as quais foram debatidas e aprovadas sob a forma de resolução no âmbito da Assembleia Geral da ONU na década em 1970 com grande margem de vantagem, de modo que a TWAIL I ressaltava o papel essencial que esses tipos normativos (soft laws) tiveram para confrontar a narrativa convencional do direito internacional.21 21 Narrativa essa ainda substancialmente envolta pelo conservadorismo e patriarcado, como se pode notar da opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça no caso Western Sahara de 1975, como bem apontado por Antony Anghie, quando ela “rejected the notion of land occupied by indigenous peoples at the time a European power asserted sovereignty could be considered legaly empty, or ‘terrae nullis’” (ANGHIE, 2014, p. 127 - nota de rodapé n. 11).

Outrossim, os seus debates não contemplaram a percepção de que a independência dos países não colaborou para a sua verdadeira emancipação. Isso porque o direito internacional chancelou a manutenção das elites no ambiente “libertado”, conduzindo a diversas turbulências na ordem doméstica, e manteve tais localidades subordinadas ao centro desde a roupagem do (inalcançável) desenvolvimento (Afonso, 2019AFONSO, Henrique W. A questão desenvolvimentista na segunda metade do século XX: um olhar desde as TWAIL. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, pp. 101-124, 2019. DOI: https://doi.org/10.12957/rqi.2019.38776
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, p. 108-109).

Ao seu turno, a TWAIL II olhava para o presente, isto é, para a década de 1990 - e não para o passado, como a TWAIL I. Assim, a segunda fase trouxe um novo enfoque para o movimento, posto que se desviava o debate do Estado para os seus atores internos, como a questão mulheres/feminismo e indígenas - especialmente na questão da emancipação desses indivíduos (e, repisa-se, não do Estado em si) (Galindo, 2013GALINDO, George Rodrigo B. A volta do terceiro mundo ao direito internacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 119-124, pp. 46-68, ago./dez. 2013., p. 48-49; Afonso, 2015AFONSO, Henrique Weil. A Reconstrução Histórica da Diversidade no Direito Internacional. Rio de Jeneiro: Lúmen Júris, 2015., p. 183-184). Logo, as abordagens nesse segundo momento centraram-se na questão da autoridade e na formação do conhecimento, no sentido de questionar quem deteria o poder para fazer regras e tomar decisões importantes sobre esses grupos no plano interno e externo (Bianchi, 2016BIANCHI, Andrea. International Law Theories: an inquiry into different ways of thinking. Oxford: Oxford University Press, 2016. , p. 216). Assim sendo, os debates alinhavam-se à problemática da colonialidade do ser e do saber, ocasionando uma grande proliferação institucional e de regimes internacionais afeitos às suas pautas (Rajagopal, 2006RAJAGOPAL, Balakrishnan. Counter-Hegemonic International Law: Rethinking human rights and development as a third world strategy. Third World Quarterly. London, v. 27, n. 5, pp. 467-783, 2006. DOI: https://doi.org/10.1080/01436590600780078
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p. 76-77; Afonso, 2015, p. 185).

Acerca das fases do movimento, Andrea Bianchi e George Galindo, em trabalhos distintos, apontam para a existência de uma TWAIL III. Enquanto o primeiro exprime que tal momento seria o atual (dos anos 2000 em diante), tecendo que os envolvidos seriam largamente acadêmicos22 22 De fato, chama a atenção quando Bhupinder Chimni (2003, p. 68) “urge[s] critical third world scholars to willingly court ‘irresponsibility’ if that is what it takes to boldly critique the present globalization process and project just alternative futures”. e que, por força disso, essa geração “parece ser mais reflexiva em sua disposição de refletir criticamente sobre o papel desempenhado pelos estudiosos TWAIL no passado” (Bianchi, 2016, p. 2010); o segundo explica que “a terceira fase estaria em surgimento, incitada especialmente pelos eventos de 11 de setembro de 2001, (...) [os quais] marcariam de volta a centralidade do Estado nas análises da TWAIL, e não mais em grupos marginalizados ou instituições internacionais”, em razão dos temas aos quais o movimento se volta (Galindo, 2013, p. 49).

No caso, largas críticas recaem a ambas as visões no tocante às atuações da TWAIL III. No que compete a visão de Bianchi, compartilhada por Chimni (2003CHIMNI, Bhupinder S. Third World Approaches to International Law: a manifesto. In: ANGHIE, Antony; CHIMNI, Bhupinder S.; OKAFOR, Obiora. The Third World and the World Order: Law, Politics and Globalizatin. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2003.), as abordagens terceiro-mundistas não buscariam ou apresentariam “uma alternativa normativa para o modelo vigente” (Mutua, 2000MUTUA, Makau. What is TWAIL? Proceedings of the ASIL 94th Annual Meeting. Washington D.C., pp. 31-38, abr. 2000. DOI: https://doi.org/10.1017/S0272503700054896
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, p. 31), restando limitadas a contestar o passado e, por isso, seriam pouco “produtivas”; por outra banda, no que tange a leitura de Galindo, parece que a TWAIL teria se deixado levar pelas preocupações de nações centrais, representada por eventos vividos no Norte Global (atentados terroristas nos Estados Unidos, seguidos por atentados na Espanha, no Reino Unido e na França), tomando conta da agenda internacional, quando, na verdade, dever-se-ia buscar trazer à luz pautas do Sul ocultadas por tais eventos, como a proteção efetiva de direitos humanos (e a necessidade de não se afastar a sua proteção em nome da coletividade, forte na utilização da teoria margem nacional de apreciação, para citar um exemplo), desafiando o sistema político e econômico global historicamente contribuído, para dialogar com Orford (2012, p. 3).

De toda sorte, o que se absorve das discussões conduzidas por esse grupo em maior ou menor escala é justamente a tentativa de questionar o direito internacional, (re)agindo frente às bases colonialistas (e imperialistas - para utilizar-se dos termos assinalados pelo movimento) nas quais ele foi estruturado23 23 Explica Makau Mutua (2000, p. 31) que a TWAIL “basically describes a response to a condition [the decolonization and the end of direct European colonial rule over non-Europeans], and is both reactive and proactive. It is reactive in the sense that is responds to international law as an imperial project. But it is proactive because it seeks the internal transformation of conditions in Third World”. , pois, além de excludente e alheio as lutas dos seres do Terceiro Mundo que compõe a sociedade internacional (desde os indivíduos aos Estados), ele é ilegítimo para solucionar os problemas deste, forte na sua construção ter sido realizada com base nas “experiências intelectuais, históricas e culturais” do Ocidente (Mutua, 2000MUTUA, Makau. What is TWAIL? Proceedings of the ASIL 94th Annual Meeting. Washington D.C., pp. 31-38, abr. 2000. DOI: https://doi.org/10.1017/S0272503700054896
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, p. 36). Por isso, as suas normativas, mesmo que prevendo a igualdade soberana entre as nações e a própria autodeterminação, por exemplo, não poderiam ser lidas separadamente do contexto que as criara, vez que, se assim se procedera, poder-se-ia perpetuar uma narrativa assimétrica de poder (Gathii, 2011GATHII, James Thuo. TWAIL: a brief history of its origins, its decentralized network, and a tentative bibliography. Trade, Law and Development. Mandore, v. 3, n. 1, pp. 26-48, 2011. Disponível em: Disponível em: https://lawecommons.luc.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1203&context=facpubs . Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 35 e 40).

E nisso que aproxima a TWAIL ao giro decolonial24 24 Segundo Ballestrin (2013, p. 105), o “‘Giro decolonial’ é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 e que basicamente significa o movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade”. , posto que, ciente de tais assimetrias, não poderia o internacionalista restar inerte e replicar conteúdos e fórmulas que ao fim e ao cabo não reverterão o problema que ele busca resolver sob a pretensa ideia de que ele não poderia agir de outra forma, haja vista não haver previsão nas bases legais tradicionais (modernas/colonialista).

4 CONCLUSÃO

Ao internacionalista deveria ser permitido pensar em alternativas que dialoguem com o seu contexto, com as suas histórias, especialmente quando lhe tocar, as quais não poderiam ser inviabilizadas pela desculpa de não existir tal opção nas bases Westfalianas do direito internacional. Afinal, quem é o Europeu/Estadunidense para lhe dizer como agir frente a problemas que não lhes são comuns? Respostas construídas desta forma apenas perpetuariam a dominação do Norte das narrativas jurídicas, sendo latente a falta de legitimidade destes para responder tais questões. E o projeto central da TWAIL é justamente confrontar essa hegemonia eurocentrada, dando eco a outras vozes e construindo um pluriverso, em prol de um rearranjo teórico e prático do Direito, o que faz com que as suas visões também sejam pontuadas como decoloniais.

Muito embora não exista uma agenda unitária ou homogênea no Terceiro Mundo como já alertava Homi K. Bhabha (1998BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. , p. 52), afinal, este é conjecturado por diversos povos, matizes, culturas, histórias, etc., dentre os twailers parece existir um consenso acerca do seu papel, qual seja:

(1) entender, desconstruir e desvelar os usos do direito internacional como um meio para a criação e perpetuação de uma hierarquia racializada de normas e instituições internacionais que subordinam não-europeus a europeus; (2) construir e apresentar um sistema jurídico alternativo para a governança internacional; (3) erradicar, por meios do estudo detalhado, de políticas públicas e da política, as condições de subdesenvolvimento no Terceiro Mundo (Galindo, 2013GALINDO, George Rodrigo B. A volta do terceiro mundo ao direito internacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 119-124, pp. 46-68, ago./dez. 2013., p. 51).

Por conseguinte, se a solução tradicional (moderno/colonialista) no direito internacional para solucionar problemas que advêm das relações internacionais, em que são exigidas mudanças, pois insustentáveis, é a formalização de tratados, por meio dos quais comportamentos são impostos aos membros da sociedade internacional em direção ao que se entende como sendo o melhor caminho a seguir, a TWAIL questiona esse posicionamento; essa subordinação. Não só porque no plano internacional a colonialidade do poder, do ser e do saber ainda subsistem, de modo que as pressões políticas refletem na sustentação do patriarcado e do conservadorismo, os quais forçam a tomada de decisões que comumente desprezam o (seu impacto no) Sul, mas igualmente em razão do formalismo, cujo reflexo conduz a uma possível ocultação de outras formas de resolver-se a situação, tendendo a conservar o problema (forte, portanto, no que seria a colonialidade do fazer [Squeff, 2021SQUEFF, Tatiana Cardoso. Overcoming the “coloniality of doing” in international law: soft law as a decolonial tool. Revista Direito GV, São Paulo, v. 38, n. 3, e2127, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/2317-6172202127
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]).

Ademais, ao mesmo tempo compete à TWAIL ter uma atitude proativa frente a isso, com o intuito de não só englobar anseios daqueles seres/sujeitos largamente marginalizados/oprimidos/encobertos (o Terceiro Mundo!), como também para equilibrar o desigual ordenamento internacional, direcionando a sociedade à respostas que contemplem os fatores histórico-culturais intrínsecos a determinada situação para que as respostas e alternativas encontradas não sejam vazias (vez que ancoradas em discursos universalistas) e ineficientes (pela desconexão com o mundo vivido). Panorama esse que, todavia, é o mais comum - especialmente, como diria Rajagopal25 25 Segundo Rajagopal (206, p. 772), “a counter-hegemonic international law, one would think, starts from the human rights discourse - the pre-eminent global moral discourse of our time. Instead, human rights - or to be accurate, a broad language of ‘freedom’ has become the foundation for a hegemonic international law” - grifo inexistente no original. , quando envolvendo direitos humanos -, o qual termina por ressaltar a importância das abordagens terceiro-mundistas fulcradas no pensamento decolonial na esfera do direito internacional para contestar o papel apontado ao Sul, que aparentemente não saberia “fazer” de outra forma, senão a partir de formulações “tradicionais”, e trazer novas roupagens que efetivamente contornem as dificuldades, erradicando mecanismos claramente inaptos.

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  • WATSON, Adam. The evolution of International Society: a comparative historical analysis. New York: Routledge , 1992.
  • 1
    Enquanto colonialismo se refere ao período em que os povos americanos, estiveram sob dominação política e formal Europeia, a colonialidade pode ser apontada como sendo a sustentação das estruturas ideológicas instituídas naquele regime de exploração e subjugação, as quais se mantêm na atualidade, mesmo após os processos de independência, influenciando política e economicamente as sociedades situadas às margens (Ballestrin, 2017), logo, sustentando a contínua divisão do globo entre países centrais e periféricos, divididos pelo critério do (sub)desenvolvimento (AFONSO, 2019, p. 108-109).
  • 2
    Boaventura de Sousa Santos (1989SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 63) não nega: a ciência como um todo foi “impost[a] pela antropologia cultural e social europeia e norte-americana às sociedades ‘selvagens’, ‘primitivas’, da África, da Ásia e da América”, de modo que a “hegemonia social e política das sociedades ‘civilizadas’ [era] considerara [uma] condição lógica” neste período, enquanto as demais eram meramente “objeto de estudo” - formulações essas que vão ao encontro da lógica do universalismo e o encobrimento do ‘Outro’, que o discurso decolonial pretende combater.
  • 3
    Note-se que Mignolo (2008) utiliza-se do termo descolonial em detrimento do decolonial em tal tradução para o português. Nesse sentido, impende destacar que existe uma distinção para o uso dos dois termos, a qual, porém, não abarca o texto do citado autor. Inclusive, ele mesmo traz que a teoria decolonial advém da ideia de de-link, isto é, de desconectar com o que seria colonial e que ainda se mantém na atualidade através da colonialidade (MIGNOLO, 2007MIGNOLO, Walter D. Delinking: The rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of de-coloniality. Cultural Studies, v. 21, n. 2/3, pp. 449-514, 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09502380601162647
    https://doi.org/10.1080/0950238060116264...
    ). E, no caso, o termo descolonial estaria atrelado ao ato de descolonizar, ou seja, vinculado à quebra do vínculo político-econômico-social que o Europeu mantinha com suas colônias. Com isso, enquanto este está atrelado a temas de atuo-determinação e independência, aquele é a teoria em si, que almeja uma concreta emancipação, que afasta a imperialidade e a colonialidade ainda reinante.
  • 4
    The Peace of Westphalia has played a decisive role in structuring conventional histories of international law. (…) Many political theories regarded sovereignty as a response to the problem of order” (ANGHIE, 2014, p. 124-125).
  • 5
    Broadly, once non-European states were excluded from making any sort of legal claim in the realm of international law because only sovereign states were able to participate as full members with all the attendant rights” (ANGHIE, 2004ANGHIE, Antony. The Evolution of International Law: colonial and postcolonial realities. In: FALK, Richard; RAJAGOPAL, Balakrishnan; STEVENS, Jacqueline [Eds. ] International Law and the Third World. New York: Routledge, 2008., p. 55).
  • 6
    Particularmente quanto a Liga das Nações, cumpre ressaltar que “os Estados-membros eram classificados em três categorias: a) os membros originários que firmaram o Pacto, excluídos, desde logo, os países derrotados; b) os membros convidados que se mantiveram neutros durante a guerra; e c) os admitidos posteriormente em razão de um voto positivo de dois terços da Assembleia” (SEITENFUS, 2012SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012., p. 109).
  • 7
    Segundo Anghie (2004, p. 118-119), “[t]he mandate system was devised in order to provide internationally supervised protection for the peoples of the Middle East, Africa and the Pacific who previously had been under the control of Germany or the Ottoman Empire. (…) These territories were inhabited by peoples who were characterized as ‘incapable or deficient in power and economic independence’. The mandate system was to play the role of the reversionary of defeated Empires”. A crítica resta exatamente na forma em que eram administrados tais territórios, podendo ser inclusive visto como uma “segunda colonização” desses espaços, como destaca Rajagopal (2003, p. 55) a partir do caso South West Africa de 1966 da Corte Internacional de Justiça, que não permite o questionamento por Etiópia e Libéria, países situados aos Sul, das condutas levadas a cabo em tal região.
  • 8
    Nesse interim, enquanto na Liga das Nações os cinco países com assento permanente eram Estados Unidos, França, “Império Britânico”, Itália e Japão; nas Nações Unidas, este é formado por Estados Unidos, França, Reino Unido e da Irlanda do Norte, China e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (substituída pela Rússia, considerada seu Estado-sucessor em matéria de tratados internacionais). Chama a atenção positivamente na formulação do Conselho da Liga a participação do ‘Extremo Oriente’, representado pelo Japão - muito embora este também fosse um império à parte (na lógica da modernidade/colonialidade, cumpre dizer que ele nunca fora colonizado e exatamente por isso, ele manteve-se alheio ao sistema-mundo, muito embora sempre envolto de um misticismo, o qual ‘aos olhos do ocidental’ remonta à sua própria formação - cf. KENNEDY, 1989KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das Grandes Potências: a transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campos, 1989., p. 23-25), por vezes desprovido de soberania (v. discussão em torno da decisão da Suprema Corte americana sobre a posição do Japão no caso ‘Paquete Habana’ de 1900 em Anghie, 2014, p. 129; e a discussão sobre o seu papel na Segunda Guerra Mundial na decisão dissidente do juiz indiano Radhabinod Pal no Tribunal de Tóquio, absolvendo os japoneses em: GATHII, 2011, p. 36). Ademais, destaca-se a participação da China no âmbito do Conselho de Segurança atual, em que pese o assento ter sido, de fato, ocupado no início pela República da China - Taiwan - em detrimento da República Popular da China, a qual só assumira a posição quando da expulsão daquela em 1971 por 76 votos a favor, 35 contrários, entre eles Brasil e Estados Unidos, 17 abstenções e 3 não-votantes (Cf.ONU, 1971ONU. Assembleia Geral. Resolução n. 2.758. Aprovada em 25 out. 1971. Disponível em: Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/192054 . Acesso em: 20 out. 2021.
    https://digitallibrary.un.org/record/192...
    ). Por fim, salienta-se que para a aprovação e uma medida no âmbito da Liga das Nações era necessário atingir a unanimidade dos votos/membros; já nas Nações Unidas, faz-se necessário atingir nove votos de 15, sem que haja vetos por parte de quaisquer membros-permanentes - situação essa que demostra certo “aprimoramento” do patriarcado quando, antes, quaisquer membros influíam de maneira decisiva na tomada de decisão, permanente ou não; já hoje, nota-se o papel determinante dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança (SEITENFUS, 2012, p. 110).
  • 9
    O mais comum é buscar acionar nos foros regionais de proteção à pessoa humana os direitos sociais através dos direitos civis e políticos, como salienta Elizabeth Salmón (2011SALMÓN, Elizabeth. Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2011. , p. 63-92). No plano internacional, como afirmado anteriormente, há, no máximo, no que tange esses direitos, os mecanismos de fiscalização, os quais não detêm poderes repreensivos).
  • 10
    Art. 26: “Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados” (OEA, 1969OEA. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 1969. Disponível em: Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm . Acesso em: 20 out. 2021.
    https://www.cidh.oas.org/basicos/portugu...
    ).
  • 11
    A Corte Interamericana tem tido um papel considerado essencial nesse sentido, na medida em que ela tem reconhecido a justiciabilidade dos direitos de segunda dimensão presentes no art. 26 da Convenção Americana, colaborando novamente (Squeff, 2019bSQUEFF, Tatiana Cardoso. Cross fertilization as a neocolonial tool? IMpression deriving from the artavia murilo vs. Costa Rica case before the Inter-American Court of Human Rights. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, Edição Especial: 107-131, 2019b. Disponível em: Disponível em: https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/ 33. Acesso em: 20 out. 2021.
    https://revista.fdsm.edu.br/index.php/re...
    ) para uma “libertação” do sistema interamericano. O primeiro exemplo nesse sentido foi decisão da Corte contra o Peru em um caso envolvendo um eletricista peruano, despedido com justa causa por participar de uma entrevista enquanto representante de sua categoria (Corte IDH, 2017CORTE IDH. Caso Lagos del Campo vs. Peru. Sentença de 31 ago. 2017 - Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Disponível em: <Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/se riec_340_esp.pdf >. Acesso em 25 jan. 2018).
    http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/art...
    ). Outros casos envolvendo direito a saúde e direito à água e à cultura seguiram. Outrossim, há espaços que a Corte não adentra, que, inclusive, seriam anteriores a própria possibilidade dela se manifestar, isto é, o caso envolvendo comunidades indígenas. Explica-se: em que pese se reconheça em diversas decisões o direito das comunidades à propriedade comunal, nada se debate sobre o próprio aceite destas comunidades à jurisdição da Corte ou mesmo às regras por ela feitas.
  • 12
    Segundo Quijano (2002QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, Poder, Globalização e Democracia. Novos Rumos, a. 17, n. 37, pp. 4-28, 2002., p. 11), existiria hoje um bloco imperial mundial, composto por poucos Estados-nação modernos hegemônicos cujas decisões são “impostas ao conjunto dos demais países e aos centros nevrálgicos das relações econômicas, políticas e culturais do mundo”.
  • 13
    Suscintamente, a colonialidade do poder refere-se à classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de raça”, a qual seria fundamental para o controle dos meios de produção nas mãos de alguns (brancos e europeus) (QUIJANO, 2002, p. 4). Desta, deriva a colonialidade do ser, que determina os atributos que identificam a pessoa enquanto tal, permitindo que apenas um padrão detenha direitos, qual seja, para além de ser branco e europeu, deve ser igualmente homem, cisgênero, cristão, heterossexual, proprietário, patriarca, conservador (BRAGATO, 2014BRAGATO, Fernanda F. Para além do discurso eurocêntrico dos direitos humanos: contribuições da descolonialidade. Novos Estudos Jurídicos, v. 19, n. 1, pp. 201-230, 2014. DOI: https://doi.org/10.14210/nej.v19n1.p201-230
    https://doi.org/10.14210/nej.v19n1.p201-...
    , p. 221). Já a colonialidade do saber está vinculada a existência de uma única racionalidade aceita, a europeia, a qual se sobrepõe às “demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos” (QUIJANO, 2005, p. 126)
  • 14
    “A imperialidade se refere a um direito, privilégio e sentimento de um ser imperial ou à defesa de um modo imperial de vida, no qual a invasão geopolítica do poder ocidental é legitimada ou desejada. Ela se reflete em um ethos imperial de cuidado percebido nas tentativas de levar progresso, civilização e democracia a outras sociedades com certa gratidão ou consentimento”. Nesse passo, se “o colonialismo pode ser compreendido como um resultado do imperialismo, a colonialidade deve ser compreendida como um resultado da imperialidade, [isto é], a lógica do imperialismo, na modernidade” (BALLESTRIN, 2017BALLESTRIN, Luciana M. A. Modernidade/colonialidade sem “Imperialidade”? O elo perdido do giro decolonial. Revista Dados, Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, pp. 505-540, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/001152582017127
    https://doi.org/10.1590/001152582017127...
    , p. 520 e 522).
  • 15
    Este é um elemento central para as TWAIL na medida em que elas não buscam rechaçar as construções do passado, senão reconhecê-las para oferecer outras opções - nunca ‘uma outra’. Afinal, se assim o fizesse, estar-se-ia agindo da mesma forma como a visão tradicional/moderna/imperial/colonial age, conduzindo “a um esvaziamento de significados prejudicial, [... ] nega[ndo] os próprios avanços já alcançados em termos de reconhecimento [formal] da diferença, da aceitação da multiculturalidade e da conscientização de que mudanças são necessárias desde o descortinamento da [... ] diferença colonial” (SQUEFF; DAMASCENO, 2021SQUEFF, Tatiana Cardoso; DAMASCENO, Gabriel. Descolonizar o direito internacional em prol de múltiplas miradas: entre desmistificações e ressignificações. In: MANTELLI, Gabriel; MASCARO, Laura. Direitos Humanos em Múltiplas Miradas. São Paulo: OAB/ESA, 2021, p. 271-285, p. 277-278).
  • 16
    Afonso (2015, p. 145) parece compreender no mesmo sentido ao afirmar que “[n]o amplo quadro da teoria crítica, destacam-se as perspectivas de análise comprometidas com a (re)construção do saber a partir do sujeito subalterno, do indivíduo e das coletividades colonizadas, isto é, aquelas que optam por um projeto político de reconstrução das bases discursivas sobre as quais suas próprias propostas ganham vida”.
  • 17
    Skouteris (1997SKOUTERIS, Neil. Fin de NAIL: New Approaches to International Law and its Impact on the Contemporary Legal Scholarship. Leiden Journal of International Law. Leiden, v. 10, n. 3, pp. 415-420, 1997., p. 417) assevera que “the label New Approaches to international Law (NAIL), was coined in the early 1990s to capture the spirit of a new stream of international legal scholarship, inspired by critical theory and engaged in an ambitious project of reimagining international law. NAIL has never been an intellectual ‘movement’ in the usual meaning of the term, possessing a forma organization structure, newsletters, etc. It has rather been a rubric under which people with common sensibilities about international law have been exchanging views and experiences. The Harvard Conference came to evaluate the progress made so far and to celebrate the abandonment of the appellation NAIL as the form representing the ever-evolving new stream writing to the label and practices NAIL for too long would ultimately defeat its objectives”. Cf. também: ESLAVA; OBREGÓN; URUEÑA, 2016, p. 42; AFONSO, 2015, p. 147.
  • 18
    Além do primeiro encontro em Boston, nos Estados Unidos (Harvard University School of Law) no ano de 1997, o movimento reuniu-se posteriormente em Toronto, Canadá (Osgoode Hall Law School) no ano de 2001; em Albany, Estados Unidos (Albany Law School) no ano de 2007 em Vancouver, no Canadá (University of British Columbia) no ano de 2008; em Paris, na França (University of Paris, Sorbonne) no ano de 2010; em Oregon, nos Estados Unidos (Oregon Law School) no ano de 2011; em Cairo, no Egito (The American University) no ano de 2015, e, finalmente, em Singapura (National University of Singapore Faculty of Law) em 2018.
  • 19
    Andrea Bianchi (2016, p. 209) afirma que “a first phase of the movement can be thought to coincide with the fight for decolonization. From the mid-1950s to the mid-1980s, the Third World concentrated its efforts in freeing itself from the formal shackles of colonialism and in vindicating the autonomy and sovereign equality of the newly independent states”. Da mesma forma, se posiciona Galindo, 2013, p. 48.
  • 20
    Antony Anghie (2014, p. 136) explica: “Colonies were extremely important as source of raw materials for the economy of the colonial power. It is unsurprising then that one of the first major initiatives undertaken by the new states was to attempt to reassert control over their natural resources which had previously been exploited by the colonial powers”. Cf. também, Afonso, 2015, p. 174.
  • 21
    Narrativa essa ainda substancialmente envolta pelo conservadorismo e patriarcado, como se pode notar da opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça no caso Western Sahara de 1975, como bem apontado por Antony Anghie, quando ela “rejected the notion of land occupied by indigenous peoples at the time a European power asserted sovereignty could be considered legaly empty, or ‘terrae nullis’” (ANGHIE, 2014, p. 127 - nota de rodapé n. 11).
  • 22
    De fato, chama a atenção quando Bhupinder Chimni (2003, p. 68) “urge[s] critical third world scholars to willingly court ‘irresponsibility’ if that is what it takes to boldly critique the present globalization process and project just alternative futures”.
  • 23
    Explica Makau Mutua (2000, p. 31) que a TWAIL “basically describes a response to a condition [the decolonization and the end of direct European colonial rule over non-Europeans], and is both reactive and proactive. It is reactive in the sense that is responds to international law as an imperial project. But it is proactive because it seeks the internal transformation of conditions in Third World”.
  • 24
    Segundo Ballestrin (2013BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política. Brasília, n. 11, pp. 89-117, mai./ago. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
    https://doi.org/10.1590/S0103-3352201300...
    , p. 105), o “‘Giro decolonial’ é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 e que basicamente significa o movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade”.
  • 25
    Segundo Rajagopal (206, p. 772), “a counter-hegemonic international law, one would think, starts from the human rights discourse - the pre-eminent global moral discourse of our time. Instead, human rights - or to be accurate, a broad language of ‘freedom’ has become the foundation for a hegemonic international law” - grifo inexistente no original.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2021
  • Aceito
    15 Jun 2022
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