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Escalas infantis na cidade modernista: como crianças vivem e exploram Brasíliai i . Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo financiamento da pesquisa que deu origem a este artigo, bem como o financiamento destinado ao período do estágio de doutorado sanduíche no exterior na Queensland University of Technology (QUT).

Children’s scales in the modernist city: how children live and explore Brasilia

Resumo

O presente artigo analisa formas de sociabilidade de crianças em espaços públicos de Brasília. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico com referência nos estudos sociológicos da infância. Nesse estudo, as crianças são consideradas agentes ativos e reconhecidas como participantes centrais do mesmo. As análises foram elaboradas por meio da codificação de dados, com base na teoria fundamentada. Os resultados evidenciam que a sociabilidade ocorre por meio de distintos usos que as crianças fazem dos espaços públicos, significando-os como lugares onde podem conviver entre pares, sem a necessidade da presença do seu responsável direto. Essa sociabilidade está intrinsecamente relacionada às suas ações na superquadra, como brincar, fazer amizade e criar regras próprias de convívio. As discussões apresentadas apontam o reconhecimento da criança como cidadã e agente social, que tem direito à vida em comunidade.

Palavras-chave:
Criança; Infância; Cidade; Sociabilidade; Brasília

Abstract

The main aim of this article is to analyze how children's sociability happens in public spaces in Brasilia, for this purpose, qualitative research draws on the theoretical framework on sociological studies of children and childhood, positioning children as active agents. Data analysis was carried out using Grounded Theory. The results show that children's sociability takes place in the way they use the spaces when they play with peers without their parents. Above all, their sociability is linked to their actions in the superblock, such as making friends and creating their own rules of living. The discussions presented point to the recognition of the child as a citizen and social agent, who has the right to live in the community.

Keywords:
Child; Childhood; City; Sociability; Brasilia

Introdução

Em 2020, Brasília1 1 Em 1956, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, decidiu efetuar a transferência da capital do país. Para tanto, foi publicado, o edital para o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital. Desde então, tornou-se usual nominar a capital de “Plano Piloto”, termo técnico utilizado a princípio para a referência do projeto urbanístico. No entanto, Brasília foi o nome oficial desse projeto de cidade. Com o passar dos anos, a nomenclatura oficial sofreu algumas mudanças e, desde a Lei Distrital nº 1.648 de 1997, a capital que os brasileiros chamam de Brasília, é reconhecida legalmente como Região Administrativa I (RA I) Plano Piloto. Assim, utilizamos ao longo deste artigo diferentes termos para nos referirmos à localidade da RA I Plano Piloto, tais como: Brasília, Plano Piloto, Cidade Modernista e cidade. completou 60 anos. Desde os seus primórdios até hoje a cidade causa sentimentos contraditórios aos que a conhecem, alguns a amam, outros a odeiam. Na crônica “Nos começos de Brasília”, de 1962, Clarice Lispector enaltece a nova capital federal do país e fala de seu espanto ao visitá-la: “Brasília é construída na linha do horizonte. Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado” (Lispector, 2009, s/p). A cidade teve seu desenho traçado à mão e sua “criação não é uma compreensão, é um novo mistério”, ao passo que seu passado extraordinário “já não existe mais” (Lispector, 2009, s/p). A autora expressa toda a sua admiração e estranhamento ao deparar-se com a ordenação e magnitude da nova capital do país. Em suas ideias, aparentemente desordenadas, encontramos aforismos que interpretam Brasília como uma cidade singular, cheia de vazios e cores contrastantes, de silêncios e ausência de pessoas nas ruas. Essas impressões ainda se perpetuam até os dias de hoje, afinal, o espaço planejado, de inspiração modernista, exibe vários traços que o tornam único.

Lucio Costa (1991COSTA, Lucio. Brasília, cidade que inventei: relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília: Codeplan, 1991 [1956].) - criador do projeto urbanístico da capital, afirma que seus zoneamentos, com as respectivas funções de habitação, trabalho, saúde, educação, cultura, recreação, circulação e administração - propunha não só definir uma nova morfologia da cidade, mas ainda reestruturar a organização da sociedade. A integração de elementos urbanos distintos, como jardins, parques, vias sinuosas à vida cotidiana, tornaria a cidade viva, congregando seus moradores com comodidade, eficiência e intimismo.

Por toda a sua excentricidade, Brasília tem sido motivo de curiosidade e objeto de pesquisa nas mais diversas áreas do conhecimento, em nível nacional e internacional. Brasilmar Nunes (2014NUNES, Brasilmar Ferreira. Brasília na rede das cidades globais: apontando uma tendência. Sociedade e Estado, v. 29, n. 3, p. 941-961, 2014.) aponta que no processo de consolidação da capital federal, dois distintos grupos de migrantes e de funcionários públicos fortaleceram e polarizaram seu espaço social, político e econômico. Isso repercute em desigualdades e diferenciações entre a área central, de um lado, constituída pela Região Administrativa I - Plano Piloto, que se caracteriza por seu desenho modernista e que abriga uma grande concentração de renda; e, de outro, a periferia, formada pelas demais Regiões Administrativas do Distrito Federal e Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF), com outras características urbanas e socioeconômicas (Paviani, 1988PAVIANI, Aldo. Brasília, a metrópole em crise: ensaios sobre urbanização. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.).

Para além das pesquisas que contestam a utopia de Brasília e tratam de seu crescimento econômico e populacional, um conjunto de estudos dedica especial atenção às relações dialéticas entre seu espaço e os atores sociais que nele vivem (Holston, 1989HOLSTON, James. The modernist city: an anthropological critique of Brasilia. Chicago, Il: The University of Chicago Press, 1989.; Branco, 2006BRANCO, Maria Cecília Campos Castello. Brasília narrativas urbanas. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.). No entanto, o eixo analítico dessas investigações ainda se concentra em uma perspectiva do adulto (Duarte, 2012DUARTE, Claudio Quapper. Sociedades adultocéntricas: sobre sus orígenes y reproducción. Ultima Décad, v. 20, n. 36, p. 99-125, 2012.). O olhar de outros grupos geracionais sobre Brasília, especialmente as crianças, não aparece com frequência na literatura disponível sobre o tema, apesar de algumas exceções serem encontradas (Müller & Farias, 2016MÜLLER, Fernanda; FARIAS, Rhaisa Naiade Pael. Geographies of contemporary childhoods in Brasilia/Brazil. Infancia Contemporánea, v. 15, p. 1-15, 2016. Disponível em: <encurtador.com.br/kPT27>. Acesso em: 07 Nov. 2020.; Farias & Müller, 2017; Lopes, Fernandes & Barbosa, 2019LOPES, Jader Janer Moreira; FERNANDES, Maria Lidia Bueno; BARBOSA, Maria Andreza Costa. Crianças cidadeiras: vivências nos espaços tempos brasilienses. Cadernos de Pesquisa em Educação, v. 49, p. 38-59, 2019.; Marques, Kanegae, Müller & Salgado, 2019), o que indica uma lacuna nessa área.

Desse modo, perguntamo-nos: quais as práticas sociais desenvolvidas por crianças em espaços públicos de Brasília? Motivado por essa e outras questões, o presente artigo tem como objetivo principal analisar formas de sociabilidade de crianças nos espaços públicos de Brasília. O texto compreende mais quatro seções, que se articulam a partir dessa Introdução. A primeira discute os conceitos teóricos que balizaram a investigação, colocando em foco a criança como agente social no meio urbano. Na segunda seção apresenta-se a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico desenvolvida com crianças residentes no Plano Piloto, região central da capital, tombada pela Unesco e formada pelas asas Norte e Sul. A terceira seção, por sua vez, destaca os resultados e as análises empreendidas a partir dos dados obtidos; e, em conclusão, são tecidas algumas considerações finais.

Cidade, sociabilidade e infância: breve contextualização

O conceito de cidade é polissêmico e complexo, contudo, na Modernidade, podemos defini-la como sendo essencialmente a consequência das interações humanas em um espaço. Segundo Barbara Freitag (2002FREITAG, Barbara. A cidade dos homens. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.) a cidade é (re)criada e (re)vivida nos cruzamentos de suas vias e na materialidade de suas construções por aqueles que nela transitam e vivem. Dessa maneira, a todo instante, compartilham significados pluralmente e criam para si sentidos singulares. Nessa perspectiva, não negamos a relevância do aspecto morfológico da cidade, ao contrário, salientamos essa relação entre a organização do espaço e a sociedade, entre o coletivo e o individual, entre a agência e a estrutura.

Após o século XIX, a sociedade ocidental passou a ocupar cada vez mais o meio urbano, aglomerando-se em determinados núcleos em busca de trabalho e melhores condições de vida. Devido à alta densidade e a heterogeneidade cultural dos habitantes das cidades na Modernidade, Robert Ezra Park (1979PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, O. (Org.). O fenômeno urbano, p. 26-67. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.) afirma que a vida social nos centros urbanos tende a ser impessoal, as relações face a face e diretas são substituídas por relações indiretas e superficiais, tornando-as breves e instáveis. Georg Simmel (1979______. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano, p. 11-25. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.) argumenta ainda que o distanciamento entre os indivíduos na metrópole leva à impessoalidade e confere o caráter de anonimato às pessoas. De acordo com Park (1979), é exatamente o anonimato e a possibilidade de estar em meio à multidão que propicia a sensação de liberdade ao indivíduo que pode, assim, expressar e viver seus desejos mais íntimos, longe de julgamentos de pessoas conhecidas e tradições familiares. Nesse espaço de tensão do meio urbano, entre o individualismo e a vida em comunidade, ocorrem processos de socialização conforme afirma Nunes (2003______. Sociedade e infância no Brasil. Brasília: Editora UnB, 2003.).

Em uma perspectiva tradicional da socialização, Durkheim (1973) acredita que a ordem social seria mantida a partir da transmissão pelos adultos de valores e normas vigentes na sociedade para os mais jovens. Desde este ponto de vista, as crianças são tratadas como seres passivos que receberiam ensinamentos e caberia às instituições sociais - família, escola e comunidade - dar a forma que desejassem a elas. Nessa corrente teórica, as crianças são tomadas como seres incapazes e incompletos. No âmbito dos estudos sociológicos da infância, Manuel Sarmento e Manuel Pinto (1997SARMENTO, Manuel Jacinto; PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo conceitos delimitando o campo. In: PINTO, M.; SARMENTO, M. J. (Coords.). As crianças: contextos e identidades, p. 33-73. Braga, PT: Centro de Estudos da Criança, 1997.) afirmam que a perspectiva da incompletude posiciona a criança em detrimento do adulto, tomando por base suas características físicas e biológicas, como a baixa estatura, a falta de características sexuais secundárias, a capacidade de raciocínio ainda em desenvolvimento, a pouca idade e a não maturidade de suas habilidades cognitivas. A visão tradicional também foi questionada pelo “novo paradigma da infância”, introduzido por Alan Prout e Allison James (1990PROUT, Alan; JAMES, Allison. A new paradigm for the sociology of childhood? Provenance, promise and problems. In: JAMES, A.; PROUT, A. Constructing and reconstructing childhood, p. 7-33. London: Falmer Press, 1990.), que reconhecem as crianças como “atores sociais”, ou seja, agentes que possuem agência. Desse modo, a noção de que somente os adultos atuariam como sujeitos plenos e, por isso, seriam os únicos responsáveis pelo processo de socialização das crianças, tornou-se objeto de crítica.

Em consonância a essa compreensão, Patrícia Prado (2012PRADO, Patrícia Dias. Os três porquinhos e as temporalidades da infância. Cadernos Cedes, v. 32, n. 86, p. 81-96, 2012.) desenvolveu uma análise sobre as múltiplas relações que a temporalidade da infância provoca. Ela tomou como base a noção de sociabilidade elaborada por Simmel (2006SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.: 65), que a destaca como “a forma lúdica de sociação, e - mutatis mutandis - algo cuja concretude determinada se comporta da mesma maneira como a obra de arte se relaciona com a realidade”. Essa noção, por sua vez, se apresenta como heurística no contexto da vida moderna, onde a diferenciação social não se caracteriza pelas hierarquias, situando os seres humanos na interseção das esferas sociais. Em outras palavras, a capacidade de sociabilidade das crianças repercute numa elaboração e transformação constantes da realidade da vida, especialmente na produção das culturas infantis.

Assim, as crianças são assumidas como membros ativos, agentes sociais e construtoras de seus mundos sociais (Corsaro, 1997CORSARO, Willian. The sociology of childhood. California: Pine Forge Press, 1997.; Danby & Farrell, 2004DANBY, Susan; FARRELL, Ann. Accounting for young children’s competence in educational research: new perspectives in research ethics. Australian Educational Researcher, v. 31, n. 3, p. 35-49, 2004.). A agência das crianças refere-se a suas capacidades de construir e criar significados além de tomar decisões sobre o que lhe diz respeito. Essa perspectiva supera a ideia de que elas seriam apenas passivas em processos de socialização, ou integrantes incompetentes da sociedade. Com efeito, elas são capazes de negociar com outros indivíduos, sejam seus pares ou adultos (Mayall, 2002MAYALL, Berry. Towards a sociology for childhood: thinking from children’s lives. Maidenhead (UK): Open University Press, 2002.). As crianças dinamizam a estrutura social à qual pertencem e, a partir de suas interações, escolhem o que fazer de modo autêntico e atribuem sentidos às suas ações. Por isso, as crianças não imitam simplesmente modelos adultos, elas os elaboram e os enriquecem continuamente para atender a seus próprios interesses, desafiando, criando e reconfigurando as situações das quais participam em seu cotidiano (Corsaro, 1997). As crianças se apropriam dos conceitos do mundo adulto para produzirem suas próprias culturas de forma criativa e coletiva (Corsaro, 1990).

Assim, o conceito de infância também foi reelaborado no paradigma de Prout e James (1990PROUT, Alan; JAMES, Allison. A new paradigm for the sociology of childhood? Provenance, promise and problems. In: JAMES, A.; PROUT, A. Constructing and reconstructing childhood, p. 7-33. London: Falmer Press, 1990.), passando a ser considerado como construção social que fornece uma estrutura interpretativa para a compreensão da vida e das experiências das crianças. Por conseguinte, varia entre culturas, ou seja, diferentes práticas socioculturais produzem distintas infâncias, cada uma delas real em seu próprio ambiente sociocultural. Em razão de seu caráter sociocultural, não haverá uma vivência única da infância; essa variável social não pode ser totalmente separada de outras, como gênero, classe, raça e etnia (Prout & James, 1990). Enfim, as construções sociais das crianças nas experiências da infância não são homogêneas.

A adoção da sociologia da infância como referencial teórico para tratar da temática das crianças na cidade demanda, como afirmam Fernanda Müller e Brasilmar Nunes:

[...] retomar o que está na base do pensamento sociológico, que é a relação indivíduo versus sociedade, mas também a tocar em outra variável, igualmente complexa, agência versus estrutura. Tentando escapar dos binarismos, que sempre são reducionistas, preferimos lidar com a relação entre um e outro. O emergente paradigma defendido por James e Prout ajuda-nos a superar ideias binárias e, principalmente naquilo que nos interessa mais de perto, favorece conexões com os principais argumentos dos estudos urbanos (Müller & Nunes, 2014NUNES, Brasilmar Ferreira. Brasília na rede das cidades globais: apontando uma tendência. Sociedade e Estado, v. 29, n. 3, p. 941-961, 2014.: 665).

Diante da alta densidade populacional, do isolamento, do distanciamento das relações sociais com os vizinhos e do individualismo em meios urbanos, a violência também cresceu e a cidade tornou-se hostil e passou a ser percebida como perigosa para as crianças (Ward, 1978WARD, Colin. The child in the city. London: Bedford Square Press, 1978.; Rissotto & Tonucci, 2002RISSOTTO, Antonella; TONUCCI, Francesco. Freedom of movement and environmental knowledge in elementary school children. Journal of Environmental Psychology, n. 22, p. 65-77, 2002.; Tonucci, 2005). Em decorrência da percepção da cidade como espaço de anonimato e da fragilidade das relações entre vizinhos e suas comunidades houve um progressivo cerceamento da liberdade infantil no acesso aos espaços públicos. Como afirma Colin Ward (1978) e, em trabalhos mais recentes, como a participação de Kim Rasmussen e Søren Smidt (2003RASMUSSEN, Kim; SMIDT, Søren. Children in the neighbourhood: the neighbourhood in the city. In: CHRISTENSEN, Pia; O’BRIEN, Margaret (Orgs.). Children in the city: home, neighbourhood and community, p. 82-100. London: Falmer Press, 2003.) na coletânea Children in the city, além de artigo de Trine Fotel e Uth Thomsen (2004FOTEL, Trine; THOMSEN, Uth. The surveillance of children’s mobility. Surveillance & Society, v. 1, n. 4, p. 535-554, 2004.), parece que cada vez mais as crianças não têm tido a oportunidade de vivenciar espaços públicos de sua cidade, permanecendo segregadas em lugares privados como a casa familiar e a instituição educativa. Dessa forma, as atividades infantis tendem a ser reguladas em espaços especializados, os quais acabam sendo mercantilizados, como as escolinhas de futebol, as escolinhas de natação, os play centers e os clubes. Esse aspecto foi observado, igualmente, em uma pesquisa realizada com crianças na Região Administrativa IX - Ceilândia, onde as escolas foram apontadas pelas crianças como espaços onde têm acesso às brincadeiras, uma vez que em casa passam muito tempo sozinhas, ao passo que as ruas e praças não são consideradas seguras para o convívio entre elas, diante da crescente violência urbana (Machado & Wiggers, 2012MACHADO, Sheila da Silva; WIGGERS, Ingrid Dittrich. Imagens da infância: mídias e suas representações em práticas corporais infantis. Pensar a Prática, v. 15, n. 4, p. 821-1113, 2012.).

Jane Jacobs (1961JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. New York: Random House, 1961.) destaca o quão importante é a vida em comunidade e a utilização dos espaços públicos pelos habitantes da cidade. Contudo, a autora, condena o uso de playgrounds e defende que as crianças devam ocupar as ruas e calçadas, onde há grande circulação de pedestres e um sentimento de vizinhança. Nesses espaços públicos, as crianças teriam mais liberdade para brincar e aprender, suas atividades não teriam um fim específico e elas poderiam movimentar-se, explorar a cidade, escolher por elas mesmas o quê, como e em quanto tempo querem realizar tais atividades.

Contudo, estar nas ruas e calçadas não é a única maneira de experimentar a cidade. De acordo com Marina Saraiva (2009SARAIVA, Marina Rebeca de Oliveira. A fábula da metrópole: a cidade do ponto de vista de crianças moradoras de condomínios fechados de luxo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2009.), mesmo que as crianças passem muito tempo em espaços privados, elas continuam tendo uma experiência “com” e “no” espaço urbano. Suas relações com a cidade se dão por meio de seus deslocamentos, quando conversam sobre assuntos a ela relacionados, assistem televisão ou participam de outras atividades. Assim, podemos apontar a capacidade criativa e social das crianças, razão pela qual o presente artigo lança luz sobre a ação das crianças em Brasília, buscando evidenciar seus modos de viver a cidade modernista, planejada, mediante a utopia do convívio harmônico em suas famosas superquadras.

A cidade modernista: Brasília e sua organização

O plano urbanístico de Brasília pode ser entendido por meio de escalas, não só no sentido das dimensões representativas de métricas e proporções, mas também da funcionalidade e simbologia que apresenta. É importante fazermos aqui uma digressão para refletirmos a respeito do que significa a escala em Brasília:

Numa acepção básica, escala poderia ser definida como a relação entre as dimensões de um desenho e o objeto por ele representado [...]. No entanto, quando nos apropriamos desse conceito em termos arquitetônicos e urbanísticos - notadamente quanto às escalas urbanísticas de Brasília - o entendimento se amplia. Desse modo, não se trata apenas da relação geométrica entre as dimensões de objetos relacionados, nem se confunde com a noção pura e simples de proporção. As escalas urbanísticas passam a ser entendidas como referência para a relação entre a forma de determinado espaço e sua função e mesmo sua simbologia (Iphan, 2015: 27-28).

Nesse sentido, a escala assume outra significação dentro do território estudado. Ela não é mais a métrica proporcional das dimensões de um espaço, mas a relação que as pessoas estabelecem entre a forma do espaço, sua funcionalidade e representação. Produzir escalas significa, assim, atribuir ao espaço uma referência que articula aspectos do plano físico ao simbólico. Portanto, não são somente arquitetos e urbanistas que definem as escalas, pois elas podem ser criadas por qualquer pessoa. De acordo com essa acepção, podemos aceitar a produção de escalas até mesmo pelas próprias crianças.

Conforme o plano urbanístico de Brasília, a cidade é composta pela escala monumental, que abrange o eixo vertical de Brasília, de leste a oeste, desde a Praça dos Três Poderes à Praça do Buriti, que tem sua simbologia diretamente relacionada à função política de capital do Brasil. A escala gregária, que se refere aos setores Comercial, Bancário, de Diversões, Cultural, Hoteleiro, Médico-Hospitalar, de Autarquias, bem como de Rádio e TV, com a função de reunir, aproximar o povo, para seu convívio e circulação. A escala bucólica, que não pode ser definida em uma região específica, uma vez que permeia todas as outras escalas, refere-se às áreas verdes de valor paisagístico (árvores, gramados, jardins etc.), destinando-se ao lazer das pessoas. Por fim, a escala residencial, que está disposta ao longo do eixo rodoviário, no sentido norte e sul, abarca as chamadas superquadras residenciais e suas entrequadras, de uso cotidiano, que dispõem de espaços livres para a circulação das pessoas. “É assim que sendo monumental, é também cômoda, eficiente e íntima. É ao mesmo tempo derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional” (Costa, 1991COSTA, Lucio. Brasília, cidade que inventei: relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília: Codeplan, 1991 [1956].: 34).

As escalas representam uma peculiaridade marcante de Brasília. A monumental é a mais conhecida e pode ser considerada o “cartão de visita” da cidade, por reunir o conjunto mais significativo da arquitetura moderna brasileira, cujos principais edifícios foram projetados por Oscar Niemeyer. Contudo, neste trabalho, vamos nos deter a apresentar alguns elementos urbanísticos e arquitetônicos no planejamento da escala residencial, que foi inspirada na Unidade de Vizinhança (UV), uma vez que foi nela que pudemos observar e registrar a ação das crianças participantes em seu cotidiano (Farias, 2019FARIAS, Rhaisa Naiade Pael. Crianças na cidade: mobilidade e sociabilidade nas superquadras de Brasília. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.).

Cada um dos conjuntos de quatro superquadras forma uma UV, que compreende, além das edificações residenciais, as áreas comerciais, o cinturão verde, os equipamentos culturais e institucionais, um templo religioso, os jardins de infância, bem como as escolas primárias e secundárias. O conceito de UV foi formulado originalmente por Clarence Arthur Perry, em 1929PERRY, Clarence Arthur. Neighborhood unit: a scheme of arrangement for the family-life community. In: Comittee on Regional Plan of New York and its Environds: neiborhood and community planning. Regional Survey VII. New York: Regional Plan of New York and its Environs, 1929., no contexto do planejamento urbano da cidade de Nova York (Barcellos, 1993BARCELLOS, Vicente Quintella. A clientela escolar no conceito de unidade de vizinhança. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de Brasília, Brasília, 1993.; Ferreira & Gorovitz, 2009FERREIRA, Marcílio Mendes; GOROVITZ, Matheus. A invenção da superquadra. Brasília: Iphan, 2009.). A UV foi por ele definida como área residencial que deve garantir habitação com autossuficiência para a população de uma cidade. Como extensão do lar, a UV seria uma área de abrangência da habitação que oferece instalações de interesse geral, bem como condições necessárias à família média para o seu conforto e desenvolvimento (Perry, 1929). Interessante ressaltar que a escola primária foi tratada como equipamento central e delimitador espacial de uma UV, ou seja, esta se estenderia até o limite de um grupo populacional que não ultrapasse a capacidade de uma escola primária.

As superquadras, também chamadas de quadras, contém prédios residenciais, denominados de blocos que se distribuem no terreno em meio à vegetação de grandes árvores e espaços vazios de chão gramado. Além das escolas, elas contam ainda, em seu interior, com equipamentos comunitários, como parques infantis e bancas de jornal, e suas vias sinuosas que regulam a velocidade do trânsito dos automóveis. Os blocos residenciais são construídos sobre pilotis e têm o gabarito máximo de seis andares. Os pilotis, outra peculiaridade da paisagem urbana de Brasília, são um conjunto de pilares que suspendem os blocos residenciais, criando um espaço de livre circulação dos pedestres. Esse vão no térreo dos blocos alinhado ao espaçamento interno entre os edifícios de cada superquadra produz uma ambiência climática agradável, uma vez que propicia a circulação de ar e a entrada de luz (Correia, 2017CORREIA, Luciana de Araújo. Barreiras e permeabilidades nas superquadras de Brasília. Anais XVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, São Paulo Enanpur, 2017, p. 1-16. Disponível em: <http://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/download/1688/1667/>. Acesso em: 18 Ago. 2019.
http://anais.anpur.org.br/index.php/anai...
). Também torna possível uma ampla visão do ambiente e agrega a possibilidade de convivência social aos moradores do bloco residencial e da superquadra (Iphan, 2015). Os pilotis em Brasília extrapolam sua função na arquitetura de colunas, assumindo caráter de “área total”, ou seja, toda a parte térrea dos prédios residenciais é denominada pilotis. Nessa perspectiva, utilizaremos a expressão “nos pilotis”, na análise dos dados.

É de se ressaltar, portanto, no contexto do modelo urbanístico e arquitetônico, a sua relação com a organização da vida familiar, mas sobretudo com o espaço destinado à infância. A escola é representada como equipamento central das UV, onde as crianças têm o conforto de percorrer curtas distâncias para seu acesso. Suas vias internas favorecem a mobilidade infantil, uma vez que o tráfego de veículos é baixo e com velocidade reduzida. Por fim, se destacam os pilotis e as áreas de convívio coletivo, como parques infantis e generosos espaços arborizados, que se oferecem para as interações entre pares, especialmente as brincadeiras. Nesse sentido, observa-se que o desenho urbanístico da região administrativa do Plano Piloto favorece a sociabilidade das crianças nos espaços públicos, conforme observado na pesquisa empírica que será apresentada a seguir.

O campo da pesquisa e a pesquisa de campo

Esta é uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico com referência nos estudos sociológicos da infância (Prout & James, 1990PROUT, Alan; JAMES, Allison. A new paradigm for the sociology of childhood? Provenance, promise and problems. In: JAMES, A.; PROUT, A. Constructing and reconstructing childhood, p. 7-33. London: Falmer Press, 1990.; Corsaro, 1997CORSARO, Willian. The sociology of childhood. California: Pine Forge Press, 1997.; Danby & Farrell, 2004DANBY, Susan; FARRELL, Ann. Accounting for young children’s competence in educational research: new perspectives in research ethics. Australian Educational Researcher, v. 31, n. 3, p. 35-49, 2004.). Segundo Bernadete Gatti e Marli André (2013GATTI, Bernadete; ANDRÉ, Marli. A relevância dos métodos de pesquisa qualitativa em educação no Brasil. In: WELLER, W.; PFAFF, N. (Orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática, p.29-38. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.: 30), as pesquisas qualitativas se estabeleceram como modalidade investigativa “[...] para responder ao desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e construções culturais, em suas dimensões grupais, comunitárias ou pessoais”, e exigem, como apontam Wivian Weller e Nicolle Pfaff (2013WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle. Pesquisa qualitativa em educação: origens e desenvolvimentos. In: ______ (Orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática, p. 12-28. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.), o constante aperfeiçoamento e padrões de qualidade que a legitimem.

O método etnográfico, por sua vez, tem como características principais as técnicas de observação participante, entrevistas, filmagens, entre outras (Pfaff, 2013PFAFF, Nicolle. Etnografia em contextos escolares: pressupostos gerais e experiências interculturais no Brasil e Alemanha. In: WELLER, W.; PFAFF, N. (orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática, p. 254-270. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.). Como explica José Guilherme Magnani (2002MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.), a etnografia proporciona uma aproximação com o campo de pesquisa que possibilita um olhar “de perto e de dentro”, ou seja, direciona seu foco à ação dos indivíduos enquanto atores. Nesse sentido, é possível aproximar-se do “ponto de vista dos nativos” (Geertz,1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.), e ao pesquisador cabe a tarefa de articular aquilo que o outro sabe/vive (experiência distante) e o que ele próprio sabe/vive (experiência próxima).

Conforme anteriormente assinalado, neste estudo, as crianças são consideradas agentes ativos e reconhecidas como participantes centrais do processo investigativo (Prout & James, 1990PROUT, Alan; JAMES, Allison. A new paradigm for the sociology of childhood? Provenance, promise and problems. In: JAMES, A.; PROUT, A. Constructing and reconstructing childhood, p. 7-33. London: Falmer Press, 1990.; Danby & Farrell, 2004DANBY, Susan; FARRELL, Ann. Accounting for young children’s competence in educational research: new perspectives in research ethics. Australian Educational Researcher, v. 31, n. 3, p. 35-49, 2004.). Isso significa que suas práticas, opiniões e representações foram respeitadas, a partir das quais buscamos adotar métodos e procedimentos pertinentes. Ao mesmo tempo em que foi aprovada pelo Comitê de Ética (processo CAAE n. 68978117.3.0000.5540), observamos e respeitamos princípios éticos mais específicos que envolvem a pesquisa com crianças, como indicam Virginia Morrow e Martin Richards (1996MORROW, Virginia; RICHARDS, Martin. The ethics of social research with children: an over-view. Children and Society, v. 10, p. 90-105, 1996.), Gill Valentine (1999VALENTINE, Gill. Being seen and heard? The ethical complexities of working with children and young people at home and at school. Ethics, Place and Environment, v. 2, n. 2, p. 141-155, 1999.) e Priscilla Alderson e Virginia Morrow (1995ALDERSON, Priscilla; MORROW, Virginia. Ethics, social research and consulting with children and young people. London: Barnardo’s, 1995.), e o marco legal brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Brasil, 1990). Dentre esses princípios, destacamos: a realização da consulta pessoal a todos os participantes sobre o interesse em participar da investigação; a abertura para que os participantes pudessem desistir a qualquer momento se assim o desejassem; o desenvolvimento de um tratamento adequado e honesto junto às crianças e a suas famílias durante todo o processo da pesquisa e sua divulgação; a adoção de cuidados específicos com o armazenamento dos dados gerados e sua divulgação; a preservação da imagem, da autonomia e das ideias. Nesse sentido, destacamos que a ética na pesquisa com crianças deve ser vivenciada a partir do respeito à experiência do outro como um compromisso em todos os momentos, em campo e fora dele, com todos os seus participantes diretos e indiretos.

A pesquisa empírica com crianças é distinta daquela realizada com adultos, uma vez que estamos lidando com um grupo geracional específico (Punch, 2002PUNCH, Samantha. Research with children: the same or different from research with adults? Childhood, v. 9, n. 3, p. 321-341, 2002.). Tal afirmativa implica em estabelecer três pontos que balizam a escolha dos procedimentos de pesquisa. O primeiro se refere a minimizar a relação de poder entre adultos e crianças, ou seja, entre pesquisador e interlocutores; o segundo, a reconhecer as capacidades infantis de participar e expressar-se; e o terceiro, a lançar mão de mais de uma técnica para gerar dados.

Esse conjunto de pressupostos levou-nos a um desenho da pesquisa de campo, estabelecida em duas etapas. Na primeira etapa, foi realizada a observação direta dos deslocamentos cotidianos das crianças em Brasília ao longo de uma semana, de segunda-feira a domingo, sobre cada participante. O registro desse período ocorreu por meio de notas de campo e do aplicativo Google Maps, que funcionou como um Global Positioning System (GPS). Nesse período, às sextas-feiras, as crianças foram convidadas a gravar com uma câmera GoPro um vídeo de um dos trajetos realizados naquele dia. O período de sete dias de acompanhamento presencial das crianças possibilitou o registro e a compreensão das variações e constâncias das rotinas infantis. Na segunda etapa da pesquisa, cada criança foi convidada a desenvolver um exercício de photo-elicitation e construir um on-line participatory mapping da cidade de Brasília no aplicativo Google Earth. Esse momento foi audiogravado e o resultado do on-line participatory mapping foi salvo, sendo, posteriormente, convertido em arquivo em formato de imagem.

Notas sobre o campo e a pesquisa com as crianças

Por se tratar de um estudo qualitativo e de cunho etnográfico, buscamos alcançar densidade e detalhamento das vivências cotidianas das crianças participantes por meio de uma observação ativa e participativa de suas rotinas e, assim, obter, como aponta Daniel Bin (2018BIN, Daniel. O global e o local na pesquisa sociológica. Sociedade e Estado, v. 33, n. 2, p. 541-564, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0102-699220183302013>. Acesso em: 16 Jan. 2021.
https://doi.org/10.1590/s0102-6992201833...
), a vantagem de um tipo de experiência de pertencimento, mesmo que não duradoura. A pesquisa de campo aconteceu ao longo de 2017 e decidimos acompanhar de modo intensivo quatro crianças residentes na Região Administrativa I - Plano Piloto, em suas interações com outras crianças e, em alguma medida, as interações com suas próprias famílias. Embora o quantitativo de crianças pareça pequeno, destacamos que, de forma indireta, o estudo abrangeu um número maior de crianças, tendo em vista que cada interlocutor interagiu ao longo da semana em que realizamos as observações com pelo menos dez crianças que fazem parte de seu convívio diário nos espaços públicos e com as quais também tivemos contato na condição de observadores. Por conseguinte, ainda que um estudo de cunho etnográfico não tenha como propósito o estabelecimento de uma representatividade estatística, nossa pesquisa abrangeu um quantitativo de cerca de 40 crianças que compõem a amostra maior da pesquisa. Ressaltamos ainda que, no escopo deste artigo e em função da metodologia adotada na análise dos dados que será apresentada na sequência, selecionamos dados referentes à sociabilidade em espaços públicos de duas crianças. A faixa etária dos participantes do estudo se situa entre nove e dez anos, por entendermos que nessa idade poderiam ter mais liberdade de mobilidade do que as de idade inferior. Preliminarmente, o contato estabelecido com as famílias ocorreu a partir de indicações de pais e de profissionais de escolas. Acrescente-se que a participação de cada uma das crianças na pesquisa aconteceu na época de maior conveniência para elas e suas famílias. Importa ainda destacar que os nomes inscritos neste trabalho são fictícios, tanto das crianças como dos familiares, e foram escolhidos por elas mesmas. A seguir, apresentamos os interlocutores diretos da pesquisa que receberam os nomes Jolie e Bil.

Jolie tem 9 anos de idade, mora no Distrito Federal há pouco menos de um ano, estuda em uma escola pública que não pertence à sua UV e que fica a 2,4km de distância de sua residência; seu pai e sua mãe se revezam na tarefa de levá-la e buscá-la de automóvel à escola. O pai de Jolie, Pedro, e sua mãe, Karen, são do Rio de Janeiro e, ao longo dos anos, moraram em diferentes estados. Pedro trabalha no Exército Brasileiro e Karen atua como estagiária na Educação Infantil de uma instituição privada de ensino. A irmã mais velha de Jolie, de 14 anos, Paula, frequenta uma instituição pública de ensino e a irmã mais nova, de 5 anos, Luiza, frequenta uma pré-escola da rede pública.

Bil tem dez anos de idade, mora na mesma residência desde que nasceu e frequenta a escola pública pertencente à sua UV, a 500 m de distância de sua residência. O trajeto de ida e volta à escola, Bil o realiza caminhando. Seus pais, Maria e Francisco, são do Piauí e, há mais de 15 anos, moram no Distrito Federal. O irmão de Bil, Rodrigo, 13 anos, frequenta uma escola pública próxima de sua casa. A família mora em um apartamento funcional no prédio onde Francisco trabalha na portaria. A ocupação de Maria é de diarista em diferentes apartamentos do Plano Piloto.

A teoria fundamentada como método de análise dos dados

A análise dos dados foi realizada de forma indutiva, em um processo de constante comparação inspirado na teoria fundamentada, tendo como principais referências Kathy Charmaz (2009CHARMAZ, Kathy. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.) e Antony Bryant e Kathy Charmaz (2007BRYANT, Antony; CHARMAZ, Kathy. The Sage handbook of grounded theory. London: Sage Publications, 2007.). Para Charmaz (2009: 68) “codificar significa nomear segmentos de dados com uma classificação que, simultaneamente, categoriza, resume e representa cada parte dos dados”.

Na perspectiva construtivista de Charmaz (2009CHARMAZ, Kathy. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.), a teoria fundamentada conta com duas etapas principais, a codificação inicial e a codificação focalizada. Na etapa da codificação inicial, os dados podem ser analisados a partir das palavras, linha por linha, ou por segmento de dados com a intenção de conceituar as ideias presentes nos dados transformando-as em códigos. Nesse momento, os códigos devem estar no gerúndio, indicando e chamando atenção para as ações e processos em curso. É nesse primeiro estágio que começamos a elaborar interpretações analíticas a partir dos enunciados existentes nos dados empíricos. Na fase focalizada, por sua vez, o pesquisador deve utilizar os códigos iniciais mais relevantes para classificar, reduzir e organizar os dados e desenvolver as categorias que mais se destacam para, então, prosseguir com a etapa analítica. Em ambas as fases, é pela codificação que observamos o que acontece com os dados e começamos a nos questionar sobre o que significam.

O que fazem as crianças na cidade modernista?

Ao atender ao desenho da pesquisa na etapa inicial, Rhaisa Pael, coautora deste artigo, acompanhou os trajetos percorridos por Jolie, de ida e volta à escola, bem como os passeios com seu cachorro pela superquadra. No sábado, foram realizadas observações do período em que Jolie brincava com sua irmã nos pilotis e jardins de seu prédio e, no domingo, a família permitiu o acompanhamento dos percursos de ida e volta à Igreja. O cronograma da pesquisa foi realizado conforme indicado no Quadro 1:

Quadro 1
Informações sobre as etapas da pesquisa com Jolie

Em relação à primeira etapa da pesquisa com Bil, os trajetos percorridos envolveram a ida e volta da escola, a ida e a volta para a quadra esportiva, bem como passeios de bicicleta pela Asa Norte. No sábado, a pesquisadora acompanhou a ida de Bil à catequese e, no domingo, foi com ele e sua família para a casa que possuem na Região Administrativa XXVIII - Itapoã. O Quadro 2 indica o cronograma da etapa inicial, bem como das demais atividades realizadas com Bil.

Quadro 2
Informações sobre as etapas da pesquisa com Bil

Processo de codificação

Ao observar as orientações da teoria fundamentada, de posse de todos os dados gerados em ambas as etapas da pesquisa, elaboramos a “codificação inicial” dos mesmos. Utilizamos a codificação aberta do tipo linha por linha, tanto para os registros realizados em formato de notas de campo, quanto para a transcrição das entrevistas com as crianças. O processo de codificação inicial se encontra representado no Quadro 3, que ilustra o mesmo por meio de quatro excertos, que se caracterizam como os mais relevantes para as análises elaboradas neste artigo. Ressalvamos que há outros, contudo, em razão de sua grande extensão e de sua menor significância, não serão aqui apresentados.

Quadro 3
Exemplificação da codificação linha por linha

Na fase de codificação inicial, como vimos acima, geramos uma enorme quantidade de códigos. Embora tenham sido considerados provisórios, estes nos indicaram os primeiros apontamentos para o desenvolvimento e aprofundamento da análise dos dados. Além disso, esta fase inicial de codificação já nos instigou a questionar os significados dos mesmos, conforme previsto.

No processo de continuidade da análise, elaboramos a “codificação focalizada”, que permitiu separar, classificar e reorganizar os códigos obtidos, formando subcategorias, como representado no Quadro 4.

Quadro 4
Códigos iniciais e subcategorias emergentes dos excertos do quadro 3

Após a identificação das subcategorias, foi possível associá-las às categorias centrais que fundamentam nossa análise, quais sejam: “uso do espaço” e “ação das crianças”. A categoria “uso do espaço” está relacionada a duas subcategorias: “converter espaços em lugares” e “estar com pares sem seu responsável”. A categoria “ação das crianças”, por sua vez, está associada a mais três subcategorias: “brincar”, “fazer amizade” e “criar as próprias regras”.

Destaca-se que as categorias e subcategorias foram identificadas tanto no material empírico relativo à Jolie quanto àquele específico de Bil, o que gera uma desejável coesão das informações e análises produzidas. Nesse processo, construímos a configuração de nosso objeto de estudo, isto é, a “sociabilidade de crianças na superquadra”, ilustrado no diagrama abaixo (Figura 1):

Figura 1
Categorias e subcategorias da pesquisa

A sociabilidade das crianças na superquadra

Conforme anteriormente mencionado, o presente artigo tem como objetivo principal investigar formas de sociabilidade de crianças nos espaços públicos de Brasília, em especial na superquadra. Esta análise, por sua vez, foi articulada por meio de duas categorias: uso do espaço e ação das crianças, que são evidenciadas a seguir.

O uso do espaço

O “uso do espaço” diz respeito à apropriação do mesmo pelas crianças, que, por sua vez, é desdobrado em duas subcategorias, ou seja, “converter os espaços em lugares” e “estar com pares sem seu responsável”. A subcategoria “converter os espaços em lugares” manifesta-se na capacidade de as crianças ressignificarem os espaços. Para esta compreensão, faz-se mister apontar a diferença entre os conceitos de “espaço” e “lugar”. Tim Cresswell (2004CRESSWELL, Tim. Place: a short introduction. Oxford (UK): Blackwell, 2004.) afirma que o espaço é um conceito mais abstrato do que o de lugar. O “espaço” se relaciona a uma superfície e seu volume, ou seja, não há nada pessoal sobre ele, sendo amplo e abstrato. Em contrapartida, o lugar sugere posse ou algum tipo de conexão entre a pessoa e aquela localização em particular. O “lugar” sugere uma noção de privacidade e pertencimento (Cresswell, 2004). Existe um lugar para todas as coisas e esse lugar está no espaço.

A esse respeito, registramos que para Jolie e suas amigas - notas de campo (26 Ago. 2017) no Quadro 3 -, a árvore do jardim de seu bloco é onde elas se reúnem para falar sobre “coisas importantes”, em “segredo”, pois nem os pais dela sabiam disso. As meninas disseram, também, que escondem objetos entre as folhas e os galhos das árvores. Esses eram encontrados no chão nas proximidades do prédio, como bonecas quebradas, pequenos brinquedos e pedaços de papel.

Podemos afirmar ainda que, juntas, Jolie e suas amigas compartilham um significado sobre o espaço da árvore, o que é reforçado pela atribuição de um nome a ele, o “Clubinho da Árvore”. Nele, o grupo de amigas se organiza de um modo próprio para brincar, expressando o sentido que tinha para estarem neste “clube”. Jolie, em sua entrevista, ainda acrescenta que, quando estava sozinha, a árvore é apenas uma árvore onde ela senta e espera suas amigas chegarem. Percebemos, desse modo, como o espaço da árvore foi ressignificado, tornando-se o lugar do “clube”, dando àquele espaço um sentido de lugar.

Bil, igualmente, faz do espaço vazio dos pilotis o lugar para jogar futebol com o irmão - notas de campo (15 Ago. 2017) no Quadro 3. Ele ressignifica, assim, o espaço planejado no desenho urbanístico, a priori como passagem de pessoas, dando-lhe um novo sentido, o de “lugar” da brincadeira. Esta ação de jogar futebol no pilotis, expressa a maneira como Bil usa o espaço a partir de suas escolhas e com o propósito que atribui ao mesmo.

Como vimos, as crianças de nossa pesquisa demonstram que fazem uso dos espaços públicos de diferentes formas. Elas valorizam suas experiências coletivas nos espaços e os utilizam de maneira distinta dos adultos. Além disso, imaginam e apropriam-se deles de forma peculiar, escolhendo seus lugares favoritos e dando a eles um nome próprio. As crianças são, portanto, competentes para atribuir sentido aos espaços, para que eles se tornem lugares dentro de sua própria lógica de pensamento e sua capacidade de concatenar o mundo. A partir de suas vivências e imaginação, elas atribuem aos espaços públicos um significado particular.

Nos excertos do Quadro 3 percebemos ainda o caráter de convivência e a presença de grupos geracionais distintos nas superquadras em atividades não dirigidas e de lazer; esta permanência no espaço público estimula as relações sociais e fortalece vínculos afetivos. É nesse contexto que a subcategoria “estar com pares sem seu responsável” foi estabelecida. Por exemplo, Jolie “desce” sozinha para caminhar com seu cachorro todos os dias e aos finais de semana brincar “embaixo” do bloco, ou seja, no pilotis. Bil, por sua vez, caminha diariamente para a escola com seu irmão e, duas vezes por semana, volta acompanhado de um amigo. Ele também vai para o futebol sozinho. Desse modo, as crianças têm autorização e liberdade para realizar deslocamentos curtos no terreno da superquadra, brincando ou caminhando livremente, sem a vigilância de um adulto. Estar com pares no espaço público sem a presença direta de seu responsável foi algo que observamos em vários momentos da pesquisa de campo, tanto com Jolie quanto com Bil.

Nas observações registradas nas notas de campo do Quadro 3, as pessoas presentes na superquadra parecem formar uma rede de apoio e de segurança, o que permite a Jolie descer com sua irmã mais nova, assim como permite a Bil deslocar-se para a escola em companhia de seu irmão e brincar no pilotis. Contudo, percebemos que o ambiente físico da superquadra é apenas uma das condições necessárias para que essa liberdade das crianças seja por elas vivida. Tão importante quanto o espaço é a companhia de pares, dos irmãos, das irmãs, bem como das demais crianças e adultos que se encontram no pilotis. É a partir da presença das pessoas da vizinhança que Jolie e a irmã ganham mais liberdade em suas brincadeiras e Bil tem maior mobilidade. A superquadra apresenta-se, com isso, como espaço de coexistência. Tal como uma comunidade, a superquadra conjuga inúmeros indivíduos com histórias, costumes e modos de existir peculiares, mas que são capazes de partilhar o espaço público em harmonia.

Observamos, portanto, que as crianças significam os espaços de maneira peculiar, convertendo-os em lugares singulares. O uso do espaço acontece entre pares, sem, necessariamente, o acompanhamento direto de adultos responsáveis. Nessas vivências cotidianas, as crianças evidenciam que fazem parte do contexto urbano, revelando o quanto este é importante para seu desenvolvimento e sua aprendizagem.

A ação das crianças

A “ação das crianças” relaciona-se, especificamente neste trabalho, ao que elas fazem quando estão convivendo na superquadra, fazendo valer sua autonomia e capacidade de decisão sobre suas atividades, bem como a importância do grupo de pares nesse processo. Conforme assinalado anteriormente, este aspecto é constituído por três subcategorias: brincar, fazer amizade e criar as próprias regras.

Ao “brincar” com seus pares, observamos que Jolie tem a oportunidade de desempenhar um papel ativo e central na tomada de decisão, na condução de suas ações, na administração, manutenção e permanência de suas brincadeiras. Como registrado nas notas de campo (26 Ago. 2017) no Quadro 3, ela brinca de diferentes formas nos jardins e também nos pilotis. Ao brincar sem uma constante vigilância, assim como das regras e das determinações impostas por pais, responsáveis e professores, as meninas experimentam uma atividade prazerosa e livre, com um fim em si mesmo. Como vimos nas notas de campo (15 Ago. 2017), no Quadro 3, Bil, igualmente, brinca no pilotis com seu irmão, adaptando o espaço para que tenha o tamanho “ideal” para um jogo de futebol e colocando chinelos como balizas do gol.

É assim que Jolie, Bil e as demais crianças subvertem a ordem adulta, transformando o pilotis - para os adultos um espaço de passagem e para as crianças um lugar de brincadeira -, bem como o jardim - para os adultos um espaço ornamental e para as crianças um “Clubinho da Árvore”. Desse modo, as crianças reconfiguram os usos e significados da superquadra, por meio de suas brincadeiras, de suas regras e de seu jeito próprio de nela estar.

Um mesmo ambiente pode ser o cenário para as mais diversas brincadeiras, como observado na pesquisa de campo. O modo como as crianças adaptam suas brincadeiras, conforme os espaços, sugere que estão exigindo sua parte da cidade e pedindo sua aceitação no mundo. As brincadeiras infantis observadas são de grande engenhosidade, e não exigem o uso de muitos equipamentos ou instrumentos, e duram enquanto as crianças tiverem disposição para tal. As características da paisagem urbana são exploradas ao máximo, conforme descritas nas notas de campo do Quadro 3.

Como desdobramento do “brincar”, observamos entre as crianças a ação de “criar as próprias regras”. No excerto de Jolie, quando ela e sua vizinha chamam outra menina para dar a autorização de publicação sobre o “Clubinho da Árvore”, isso demonstra a capacidade de organização entre pares, reinterpretando a cultura adulta das regras de como associações devem ser organizadas por uma hierarquia que determina quem é responsável pelo quê. Elas decidem e estabelecem papéis e ordem dentro do clube, uma vez que este era um lugar secreto, pois os adultos não sabiam dele, conforme informação revelada por Jolie durante a entrevista.

Esta atitude de criar regras foi percebida, igualmente, no jogo de futebol, regras estabelecidas entre Bil e o irmão. Como observado nas notas de campo no Quadro 3, eles decidiram onde seriam localizados os gols, representados por chinelos, bem como qual seria o sistema válido para que a brincadeira acontecesse.

Nesse movimento que parte das crianças, percebemos suas ações sem necessariamente estarem relacionadas às instruções dos adultos. Na brincadeira, ao estabelecerem suas próprias regras, fica claro que as crianças são autônomas e criativas, capazes de construir, reconstruir e criar significados, de decidir, organizar e ordenar sobre aquilo que lhes pertence.

Por fim, a sociabilidade das crianças na superquadra é marcada por “fazer amizade”, evidenciando de forma clara a agência das crianças no espaço público.

Jolie, em outro momento da entrevista (09 Set. 2017), conta-nos que:

Pesquisadora: E como é que você conheceu essas pessoas?

Jolie: Primeiro, é por que eu desci com o Floquinho, sabe? Pra ele fazer xixi. Aí, a Celina apareceu, aí depois ela... a gente nunca mais tinha se visto assim, eu nunca sabia o nome dela. Aí, eu perguntei o nome dela, aí às vezes ela descia com uma amiga, aí com ela, ela mostrou outro amigo e ele me mostrou outro amigo e foi indo.

Ao conhecer as pessoas que moram em sua vizinhança, Jolie inicia novas amizades. Notamos que há uma independência dela neste momento, pois quando desce com seu cachorro, chamado Floquinho, está sem o responsável adulto. A partir da amizade estabelecida com uma criança do prédio, outras crianças lhe são apresentadas e Jolie é capaz de ampliar sua rede de amizade.

Da mesma forma, quando Bil conta como conheceu seus vizinhos do bloco E, sabemos que esse encontro aconteceu de forma espontânea e não planejada. Isso foi possível justamente pelas características físicas da superquadra. Como dito anteriormente, não há muros entre os prédios e os vãos dos pilotis propiciam uma ampla visão do espaço. Pelo fato de Bil poder circular de bicicleta pelas vias internas de sua superquadra, ele viu outros meninos jogando bola no vão livre dos pilotis e, movido por seu interesse pessoal, decidiu ir ao encontro dessas crianças, que até aquele momento eram desconhecidas, mas que estavam próximas de sua residência. O episódio narrado por Bil, descrito nas notas de campo (15 Ago. 2017) no Quadro 3, evidencia o espaço de sua superquadra como facilitador no seu engajamento com pares e no desenvolvimento de sua autonomia em decidir brincar e falar com desconhecidos que se tornaram amigos.

Vale ressaltar que Jolie destacou sua amizade entre um grupo de meninas e Bil entre um grupo de meninos. Contudo, salientamos que o vão livre dos pilotis garante não só a permeabilidade de circulação dos pedestres como também a ampliação da visão do ambiente, o que favorece encontros e oportunidades de novas amizades, vínculos relacionais importantes para o ser humano que se desenvolve e aprende com o outro. Enfim, o espaço público da superquadra pode ser entendido como espaço de possibilidades e de relevância para o desenvolvimento infantil.

Reflexões sobre a sociabilidade das crianças, considerando a literatura

A teoria fundamentada permitiu-nos realizar a análise dos dados em um nível micro e criar nossa própria teoria a respeito do observado. Contudo, sentimos a necessidade de atrelar os achados a outras pesquisas desenvolvidas na área, assim, observamos nexos e semelhanças, ao mesmo tempo que identificamos peculiaridades e diferenças.

O “uso do espaço” pelas crianças é destaque em diferentes trabalhos sobre infâncias urbanas. Como afirma Ward (1978WARD, Colin. The child in the city. London: Bedford Square Press, 1978.), a apropriação da cidade pelas crianças dá-se por meio de seus sentidos, à medida que percorrem e experimentam lugares, elas constroem, percebem e conectam-se a eles emocional, física e socialmente. No livro clássico de Mayumi Lima (1989LIMA, Mayumi. A criança e a cidade. São Paulo: Nobel, 1989.), a autora aponta que as crianças mesclam sentimentos, imaginação e experiências empíricas para imprimirem sentidos aos espaços vividos. Contudo, o uso do espaço urbano pelas crianças varia de acordo com sua localidade e classe social. Ana Tereza Penteado (2012PENTEADO, Ana Tereza Coutinho. Urbanização e usos do território: as crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Campinas/SP. Dissertação (Mestrado em Geociências) - Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2012.), ao pesquisar crianças em situação de rua, observou que as movimentações realizadas por elas faziam parte de estratégias para atender suas necessidades de sobrevivência. Nessa lógica, as crianças estabeleciam territorialidades e redes de relacionamento com diferentes atores, o que lhes permitia realizar pequenos furtos, mendigar, passar a noite em segurança, além de outras ações.

Sarah Holloway e Gill Valentine (2000HOLLOWAY, Sarah Lynn; VALENTINE, Gill. Children’s geographies and the new social studies of childhood. In: ______ (Orgs.). Children’s geographies: playing, living, learning, p. 1-26. London: Routledge, 2000.) chamam nossa atenção para o quanto os espaços cotidianos, nos quais as crianças vivem e se inserem, fazem parte da construção de sua identidade, onde suas vidas são feitas e refeitas. Roger Hart (1979HART, Roger. Children’s experience of place. New York: Irvington, 1979.) mostra em sua pesquisa o quanto as crianças valorizam suas experiências nos espaços coletivos e como os entendem de maneira diferente dos adultos. O autor notou que existem modos particulares pelos quais as crianças se apropriam dos espaços públicos, fazendo deles seus lugares favoritos, até mesmo nominando-os.

Tão importante quanto se ter um espaço ao ar livre para brincar, segundo Lia Karsten e Willem Van Vliet (2006KARSTEN, Lia; VAN VLIET, Willem. Increasing children’s freedom of movement introduction. Journal of Children, Youth and Environments, v. 16, n. 1, p. 69-73, 2006. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.7721/chilyouten-vi.16.1.0069>. Acesso em: 03 Fev. 2013.
http://www.jstor.org/stable/10.7721/chil...
), é preciso que a criança tenha companhia de pares, isso porque a brincadeira ao ar livre é essencialmente social e deve contar com a presença de outras crianças. Assim, os pais tornam-se mais propensos a deixar seus filhos brincarem em espaços públicos. Karsten e Van Vliet (2006), a partir do sábio provérbio africano “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, discutem o quão importante é as famílias urbanas se apoiarem umas às outras para a educação de seus filhos. Francesco Tonucci (2005TONUCCI, Francesco. Citizen child: play as welfare parameter for urban life. Topoi, n. 24, p. 183-195, 2005.) argumenta que esse apoio é fundamental e materializa o sentimento de concidadãos entre os habitantes da cidade que, ao verem crianças nas calçadas e ruas, sentem-se responsáveis em olhá-las e delas cuidarem.

Conforme assinalado anteriormente, a categoria “ação das crianças” relaciona-se diretamente à sua capacidade de atuar como agentes sociais. Ao entender que meninos e meninas se afetam e são afetados por seus contextos, em um processo de contínua construção de sua vida social, Christensen e O’brien (2003CHRISTENSEN, Pia; O’BRIEN, Margaret. Children in the city: introducing new perspectives. In: ______ (Orgs.). Children in the city: home, neighbourhood and community, p. 1-12. London: Falmer Press, 2003.) corroboram a ideia de que a sociabilidade da criança acontece nos espaços em que circulam, habitam, visitam e descobrem. Portanto, a ação das crianças não se limita àqueles espaços e tempos institucionalizados.

O encontro infantil no espaço público é apontado por Hugh Matthews, Melanie Limb e Mark Taylor (1999MATTHEWS, Hugh, LIMB, Melanie; TAYLOR, Mark. Young people’s participation and representation in society. Geoforum, v. 30, n. 2, p. 135-144, 1999.) como importante instrumento para ocupação da cidade. Esse encontro promove a convivência das crianças com as diferenças, possibilitando que as competências sociais se ampliem para além do âmbito familiar. A cidade tem, portanto, a capacidade de tornar-se um mundo de possibilidades para as crianças. Segundo Allison James e Adrian James (2012JAMES, Allison; JAMES, Adrian. Key concepts in childhood studies. London: Sage, 2012.: 91, tradução livre) brincar “oferece conjunturas favoráveis para a resolução de problemas cognitivos, desempenha um papel importante no desenvolvimento de habilidades motoras e, por meio de exercícios, melhora a saúde”.

Outra característica do brincar destacada por Corsaro (1997CORSARO, Willian. The sociology of childhood. California: Pine Forge Press, 1997.) é a de que no ato de brincar as crianças aprendem sobre seu mundo social, reinterpretam a cultura adulta e produzem a sua própria. Florestan Fernandes (1979FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1979.) analisa a estrutura, a composição e a sistematização de grupos infantis na cidade de São Paulo e destaca como a brincadeira entre pares, desenvolvida no espaço público da rua, contribui para que as crianças aprendam, socializem, desenvolvam sua autonomia e criem uma cultura infantil. As crianças em Brasília usam o espaço público, que contribui para que participem e promovam ações lúdicas e autônomas.

Por fim, como apontam Agnaldo Garcia e Paula Pereira (2008GARCIA, Agnaldo; PEREIRA, Paula Coimbra da Costa. Amizade na infância: um estudo empírico. Psicologia, v. 9, n. 1, p. 25-34, 2008. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-73142008000100004&lng =pt&nrm=iso>. Acesso em: 17 Nov. 2020.
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), a amizade infantil é uma relação com características próprias e compõe um vasto campo de investigação, que se debruça frente a diferentes aspectos, por exemplo, sociais, emocionais, cognitivos etc. Os autores apontam que a atividade mais relevante desenvolvida pelas crianças com seus amigos é o brincar, e a comunicação entre pares dá-se especialmente em função desta atividade. Percebemos a ação das crianças em conhecer outras crianças e, a partir de então, estabelecer vínculos que se desdobram em brincadeiras no espaço público.

Considerações finais

Se para Clarice Lispector (2009LISPECTOR, Clarice. Nos começos de Brasília. Jornal do Brasil, 2009 [1962]. Disponível em: <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/mais_info.php?idVerbete=1257&idMaisInfo=140>. Acesso em: 10 Set. 2019.
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), em sua crônica, os prédios, o design e a organização de Brasília causa espanto, admiração e estranhamento, descobrir os segredos das crianças nos jardins das superquadras, como se relacionam, agem e usam o espaço também nos surpreende e causa fascínio. Ao mesmo tempo, a imagem da artificialidade exposta pela autora é desconstruída ao observarmos “de perto e de dentro” o continuum da vida infantil, suas brincadeiras, suas conversas, seus relacionamentos e deslocamentos.

Ao retornarmos à nossa questão inicial sobre as práticas sociais desenvolvidas pelas crianças nos espaços públicos de Brasília - especialmente na Região Administrativa I - Plano Piloto -, percebemos que sua sociabilidade está intrinsecamente relacionada aos distintos usos que fazem dos espaços, significando-os como lugares onde podem conviver entre pares, sem a necessidade da presença de seu responsável direto. Essa sociabilidade está relacionada às suas ações na superquadra, como brincar, fazer amizades e criar regras próprias de convívio. Os pilotis e os jardins são tomados criativamente pelas crianças, que neles se fazem presentes constantemente. É no cotidiano de sua superquadra e nas relações de vizinhança com aqueles que por ali transitam que elas produzem a cidade e criam suas escalas. Há aqui uma importante consideração, a escala infantil proposta é o resultado da articulação das dimensões do plano físico e simbólico, portanto apresenta questões individuais da maneira autoral como cada criança usa e dá sentido ao espaço. Ela transcende as dimensões geográfica e urbanística da métrica e da proporcionalidade do monumental ou residencial.

Como sabemos, Lucio Costa, projetou que na escala residencial do Plano Piloto as crianças poderiam caminhar um percurso curto entre a residência e a escola, sem interferência de tráfego intenso de automóveis, gerando segurança e, por conseguinte, conforto aos responsáveis em relação ao dia a dia dos filhos. Nas palavras de Lucio Costa, “as mães, distantes seis mil milhas de Harlow, poderão ver os filhos correr sem risco para a escola” (Costa, 1962: 306). Embora esta conjuntura urbana tenha sofrido modificações, em nossa pesquisa evidenciamos que as crianças de hoje nem sempre frequentam a escola pertencente a sua UV ou caminham nesse trajeto.

Apontamos ainda que as crianças criam escalas para além das quatro estabelecidas por Lucio Costa. Elas produzem outro sentido entre as formas que os espaços da superquadra têm e sua função. Na escala residencial e bucólica de Lucio Costa, os pilotis são um vão livre, os jardins servem para o embelezamento; na escala infantil, esses são espaços de brincar e fazer amizades. Essa é uma análise significativa e original na interpretação de Brasília e da dimensão da infância vivida na cidade que completou, em 2020, 60 anos de existência.

É possível ainda considerar que as escalas definidas por Lucio Costa são constantemente reinventadas pelos habitantes da cidade: crianças, jovens, adultos e anciãos. Nesse sentido, identificamos no planejamento urbanístico de Brasília uma nova categoria para análise das relações entre espaço e convívio social, a da sensibilidade urbana geracional, que torna a cidade acessível e próxima das pessoas de um modo peculiar.

Sobretudo ao evidenciarmos as ações das crianças no meio urbano, fortalecemos o reconhecimento das mesmas como cidadãs, que têm direito à vida em comunidade e, ao mesmo tempo, reivindicamos cidades e comunidades sustentáveis e acolhedoras para atender, em seu planejamento urbano, às necessidades e demandas dos modos de vida de diferentes grupos geracionais que habitam esse espaço. Sugerimos, assim, a elaboração de outros estudos com esta perspectiva.

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  • i
    . Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo financiamento da pesquisa que deu origem a este artigo, bem como o financiamento destinado ao período do estágio de doutorado sanduíche no exterior na Queensland University of Technology (QUT).
  • 1
    Em 1956, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, decidiu efetuar a transferência da capital do país. Para tanto, foi publicado, o edital para o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital. Desde então, tornou-se usual nominar a capital de “Plano Piloto”, termo técnico utilizado a princípio para a referência do projeto urbanístico. No entanto, Brasília foi o nome oficial desse projeto de cidade. Com o passar dos anos, a nomenclatura oficial sofreu algumas mudanças e, desde a Lei Distrital nº 1.648 de 1997, a capital que os brasileiros chamam de Brasília, é reconhecida legalmente como Região Administrativa I (RA I) Plano Piloto. Assim, utilizamos ao longo deste artigo diferentes termos para nos referirmos à localidade da RA I Plano Piloto, tais como: Brasília, Plano Piloto, Cidade Modernista e cidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2021
  • Aceito
    19 Out 2021
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