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ESCREVER É COMO UMA CONVERSA COM OS ESPÍRITOS: ENTREVISTA COM MICHAEL TAUSSIG

WRITING IS LIKE A CONVERSATION WITH THE SPIRITS: INTERVIEW WITH MICHAEL TAUSSIG

Resumo

Michael Taussig, antropólogo de origem australiana e professor aposentado da Universidade de Columbia, é um autor incontornável da antropologia contemporânea. Suas pesquisas, baseadas sobretudo em trabalhos de campo feitos na Colômbia, contribuem para aproximar subáreas de difícil convergência como a etnologia, a antropologia da religião, reflexões sobre política, Estado e arte. Longe de serem obras disciplinarmente localizáveis, suas produções indisciplinadas têm, ainda, contribuído para o amadurecimento de questões transversais à antropologia: etnografia, diários de campo e alteridade. Nesta entrevista abordamos alguns desses temas, sem deixar de discutir aqueles que emergiram espontaneamente na conversa.

Palavras-chave:
Michael Taussig; Alteridade; Diários de campo; Antropologia; Desenho

Abstract

Michael Taussig, an Australian anthropologist, and retired professor at Columbia University, is an essential author in contemporary anthropology. His research, based on fieldwork in Colombia, contributed to bringing together subareas that face difficulties meeting each other, such as ethnology, the anthropology of religion, reflections on politics, the state, and art. Far from being studies that fall into a single discipline, his undisciplined productions have also contributed to the maturation of issues that cross-cut anthropology: ethnography, fieldwork notebooks, and alterity. In this interview, we address some of these topics without neglecting others as they spontaneously emerged in our conversation.

Keywords:
Michael Taussig; Alterity; Fieldwork notebooks; Anthropology; Drawing

Michael Taussig, antropólogo australiano e professor aposentado da Universidade de Columbia, é um autor incontornável da antropologia contemporânea. Suas pesquisas, baseadas sobretudo em trabalhos de campo feitos na Colômbia, contribuem para aproximar subáreas de difícil convergência, como a etnologia, a antropologia da religião, reflexões sobre política, Estado e arte. Longe de serem obras disciplinarmente localizáveis, suas produções indisciplinadas contribuem para o amadurecimento de questões transversais à antropologia: etnografia, diários de campo e alteridade.

No primeiro semestre de 2023, Taussig conversou com Rodrigo Toniol e Els Lagrou sobre algumas de suas produções, conectando suas obras mais recentes com aquelas publicadas ainda na década de 1980. De modo geral, procuramos manter latentes, naquela conversa, os temas também abordados nos artigos publicados neste dossiê, dedicado ao antropólogo australiano. No entanto, em nossa entrevista, como não poderia deixar de ser, Taussig foi fiel ao seu estilo de pensamento, e percorreu tópicos muito mais abrangentes do que aqueles que havíamos planejado inicialmente. Na transcrição da entrevista, procuramos manter o registro do tom da conversa, tal como ela ocorreu.

Els Lagrou Você participou recentemente da Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, em uma conferência que está on-line. Além de alguns artigos, há dois livros seus publicados em português. Rodrigo faz parte de um grupo que começou a traduzir outras obras suas, como Mimese e alteridade [Mimesis and Alterity (1992Taussig, Michael. (1992). Mimesis and Alterity: A Particular History of the Senses. New York: Routledge.)], mas o processo foi interrompido pela pandemia. Seria importante que as pessoas tivessem mais acesso à sua obra em português.

Michael Taussig Parece que eu deveria ir para o Brasil. Há muitas coisas ligadas de modos complexos, e seria bom ter um bom tempo para discuti-los. Isso é algo a pensar para o futuro.

E.L. Com certeza!

M.T. E quais são os dois livros em português?

E.L.Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and HealingTaussig, Michael. (1987). Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: The University of Chicago Press. [Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem: um estudo sobre terror e cura], de 1992, e The Devil and the Commodity Fetishism in South AmericaTaussig, Michael. (1980). The Devil and the Commodity Fetishism in South America. Chapel Hill: University of North Carolina Press. [O Diabo e o fetichismo da mercadoria na América do Sul], de 1980.

M.T. Isso não é muito. Tenho uma segunda pergunta: O que vocês pensam que seja o interesse pelo meu trabalho? O que interessaria os estudantes de pós-graduação, por exemplo?

E.L. Penso que há diferentes níveis de interesse. Como você sabe, a etnologia é uma minoria na antropologia brasileira. Então, na etnologia, com gente trabalhando com populações indígenas, a abordagem simétrica e a ideia da reciprocidade no processo de construção de conhecimento se tornaram temas centrais. Mas, fora dos estudos ameríndios, há um campo muito maior de antropologia, que engloba também reflexões em torno das estratégias da escrita, a antropologia da arte, da performance. Nesses campos, seu trabalho tem sido muito importante, assim como para a antropologia da religião: suas ideias sobre a relação entre o sagrado, a violência e a transgressão têm recebido muita atenção.

Rodrigo Toniol Sim, penso que há esses interesses dos campos específicos, mas existe também um grande interesse por sua abordagem metodológica. Acho esse aspecto muito importante porque, como disse Els, é importante que nossos alunos de graduação possam ter acesso a seu trabalho em português.

M.T. Então ouço da boca de Els que a etnografia é uma parte pequena da antropologia, somente uma parte pequena. Mas o mundo lá fora, América do Norte, Europa, imagino, acha o oposto, pensa que os estudos indígenas são a maior parte. Quero dizer, pelo que você está dizendo, é como se fosse invisível?

E.L. Penso que a etnologia tem uma longa tradição de diálogo internacional, de colaboração com a tradição francesa, com a Inglaterra e os Estados Unidos. Mas, em termos de números, é um mundo pequeno. Mas a outra grande tradição da antropologia brasileira dialoga com os brasilianistas no exterior - apesar de isso estar mudando também -, há um aspecto mais localizado nesses estudos. Muitos antropólogos brasileiros estudam o Brasil. É também por isso que penso que sua pesquisa, sobre todos os aspectos que você acompanhou na Colômbia, esses temas também podem ser pensados no Brasil, e que você propõe uma abordagem diferente. O agronegócio, o tráfico ilegal, Beauty and the Beast (Taussig, 2012Taussig, Michael. (2012). Beauty and the Beast. Chicago: The University of Chicago Press.), da cirurgia plástica, o glamour da violência, o fenômeno Trump-Bolsonaro, fake news, religião. Há muitos temas, além das estratégias de produção de conhecimento, do processo de escrita que você traz nos seus trabalhos.

M.T. Você estaria de acordo se eu dissesse que a Amazônia adquiriu, no começo, nos olhos dos europeus, um poder lendário, quase mágico? Escutando você agora, lembro de como o Brasil tem também esse tipo de apelo mágico no exterior. O Brasil é, a meu ver, e comparado com qualquer outro país latino-americano, um lugar extraespecial. É de fato um significante muito forte, e, escutando vocês, muita coisa passa pela minha mente, pensando o que é esse objeto que chamamos de Brasil.

Em todo caso, acho algumas dessas questões e tópicos difíceis de responder porque - pode soar pretensioso - não planejo essas coisas, elas simplesmente vêm. E acredito que isso talvez possa ser o resultado curioso da minha presença em três partes diferentes da Colômbia por um longo tempo, ficando cada vez mais interessado na antropologia enquanto estórias de viajantes, poderia-se dizer.

Trabalhei em três áreas. Comecei como alguém fortemente influenciado pela teoria revolucionária marxista, em 1968. Essa é, obviamente, uma data-chave para muita gente, e eu tinha essa ideia pitoresca. Olhando para trás, uma ideia facilmente criticável de revolucionário dos cafés do Norte Global, completamente inspirado pelo maoismo. Sei que soa ridículo agora, sabendo o que a China representa, mas, nos anos 1960, acredito que, principalmente na França, em Paris, mas também em muitas outras partes do mundo, a noção maoista do campo englobando a cidade, o “Terceiro Mundo”, como o chamávamos, era amplamente difundida.

Estávamos em plena Guerra do Vietnã, havia movimentos fantasticamente fortes nos Estados Unidos, que, acredito, não foram suficientemente apreciados, mas agora certamente o são, construídos sobre direitos civis, sobre antirracismo. Mas nosso foco estava na Guerra do Vietnã, em Martin Luther King etc. A legislação do início dos anos 1960 nos Estados Unidos, e o presidente [Lyndon] Johnson, o Ato para o Direito ao Voto, tudo isso estava fervilhando. E, por cima de tudo isso, essa incrível guerra colonial, e ambos juntos formam esse movimento ideológico massivo. Penso que no mundo todo, não apenas no Norte Global.

Assim, eu saí desse meio, e, influenciado por Eric Hobsbawm, encontrei Orlando Fals Borda, que me sugeriu que produzisse, para ele, uma descrição bem sucinta, seca e simplista do que eu queria fazer, que seria (é tão sociológico!): eu queria ir para um lugar onde estava acontecendo uma enorme mudança social. Pensava que isso era interessante e importante. Agora, penso que era um pouco estúpido. Quero dizer, não está errado, mas eu era uma pessoa jovem. Ele sugeriu um lugar que ele conhecia nas plantações de cana-de-açúcar, em plena expansão na Colômbia Ocidental. E foi para lá que fui e encontrei meu rumo. E é de lá que vem a ideia do Diabo, como um afterthought, que veio depois. Foi somente uma ligeira ondulação na superfície, e não me dei conta, na época, da importância que poderia vir a ter. E, quando estava trabalhando na ideia, foi como uma moeda que caiu do céu, e, dentro de meia hora, todas essas ideias sobre a lógica da mercadoria simplesmente caíram no meu colo. A escrita faz isso. Escrever é como uma conversa com os espíritos, ou algo assim. E, combinado com algo que sempre julguei importante, às vezes penso que é original, às vezes penso que é óbvio e bobo, mas é isso: durante suas viagens, a pessoa cruza com fenômenos, encontra histórias, que refletem de volta no narrador, que refletem de volta sobre a cultura a partir da qual se está escrevendo. E eu pensei que o Diabo fez isso: em vez de transformá-lo em algo exótico, me serviu como um meio para deslocar, minar, de modo criativo, ideias sobre dinheiro e mercados na minha própria sociedade, a sociedade capitalista.

E.L. Essa ideia de usar o Diabo de modo a produzir um tipo de antropologia reversa, do modo como os camponeses estavam lidando com esse novo fenômeno do extrativismo capitalista, foi muito original na época. Porque, em vez de procurar a visão de mundo original, autêntica, você já estava preocupado com a escrita e com uma antropologia relacional, na qual o tema de como outros produzem conhecimento sobre nós é central, assim como o de saber como isso reflete em nós.

M.T. Esse interesse na escrita veio realmente na segunda pesquisa de campo, e no segundo livro, chamado Shamanism, Colonialism, and the Wild ManTaussig, Michael. (1987). Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: The University of Chicago Press.. A partir de então mudei completamente meu estilo. Sentia que eu era demasiadamente o produto de um estilo clássico, vitoriano, inglês, o que era ótimo. É um estilo muito claro e necessário. Edward Said escreve assim e é admirável, mas eu não queria mais seguir aquele caminho. Queria seguir o caminho, na medida do possível, dos discursos que escutei no Alto Amazonas, na região do Putumayo. Os rios descem dos Andes, deságuam no rio Putumayo, que é um afluente do rio Amazonas. Gostava muito desse tipo de narrativa, cortada, fragmentada, e nunca pensei nelas como histórias. Para mim, uma história era composta de um modo muito mais clássico, com um começo, um meio e um fim, não simplesmente pedaços de histórias. Mas, assim como o humor está no meio de uma tragédia, seria possível contar uma história entretecendo violência e doçura. Todas essas coisas são muito mais complicadas, muito mais sofisticadas, e muito menos discursivas. Penso que o livro sobre xamanismo é realmente um divisor de águas, uma mudança tremenda, e tive dificuldades para dar palestras depois daquela experiência. Foi passando gradualmente, mas tive dificuldade para lecionar por causa desse tipo diferente de estilo. E notei um amigo meu, que vive muito no Alto Amazonas, perto de Iquitos. Ele dá aula mastigando coca, e muitos dos seus estudantes são indígenas. Achei suas aulas realmente difíceis de seguir. Era impossível porque ele agia realmente como um Huitoto. Eu não fui tão longe, mas posso entender por que ele adotou esse modo de ensinar e como ele foi capturado por aquele estilo.

Então, a coisa sobre a escrita: há, na academia americana, essa tremenda pressão para escrever, e provavelmente na academia brasileira também. E sei que, na Colômbia, agora é como uma tortura, é como uma máquina kafkiana. Tenho uma estudante que não obteve seu posto permanente em Los Angeles porque ela não havia escrito nada, e ela é uma pessoa muito sensível e extremamente conhecedora das pessoas com as quais trabalha, mas ela se sentiu paralisada, creio que por causa dessa demanda. Não sei das outras, mas a Universidade dos Andes se tornou uma universidade americana de segunda classe. “De segunda classe” no sentido de que ela se tornou realmente crua e vulgar no modo como usa a lógica do publish or perish [publique ou morra]. Mas, onde ensinei, nunca senti isso realmente. Talvez em outros lugares da Ivy League, sim, mas, graças a Deus, teve espaço, e tenho certeza de que é a mesma coisa em Oxford e Cambridge, ou era, até recentemente. Você não tem essa pressão terrível, que deve realmente destruir as pessoas em seus cérebros ou corações. Isso é outra coisa para falar: você sabe que eu vim de um período em que não havia tantos medos, e é importante criar ambientes, ou talvez revistas, por exemplo, e grupos de estudo, grupos de discussão, que permitam mais descontração, mais liberdade para correr riscos. Então, eu acho que isso é um princípio. Hoje em dia é preciso criar esse tipo de espaço.

Quero dizer uma coisa que começa com uma outra história. Quando fui para os Estados Unidos pela primeira vez, no caminho de volta para a Inglaterra - onde me matriculei na London School of Economics -, lecionei por um ou dois anos em Ann Arbor, Michigan, e acabaria ficando por lá por muito tempo. E, no segundo ano, em 1971 ou 1972, vi um filme de Glauber Rocha chamado Antonio das Mortes, e aquilo me impactou muito. Mais ou menos na metade do filme, fiquei completamente capturado. Nele, coisas que pareciam “magicamente reais” não pareciam mais mágicas, mas reais. Isso coincidia com o meu sentimento: a ação revolucionária, os pensamentos revolucionários, podiam aprender muito com a “religião popular”. Deixe-me colocar dessa forma, é um pouco simples. E foi o que me pegou realmente. Foi um pouco como ir para o Alto Amazonas mais tarde, como ocorreu em 1972, mas o trabalho continuou nos anos 1970 e 1980 e Glauber Rocha foi um trampolim, uma droga, uma mudança radical no meu ser. E você sabia que revejo esse filme com frequência, a cada dois anos, e continua tendo esse impacto? Pensei que vocês, especialmente por estarem no Brasil, gostariam de saber o quanto esse foi um momento decisivo para mim.

E.L. Como o inconsciente ótico de Walter Benjamin em ação?

M.T. Muito bem colocado, com certeza... Agora, Rodrigo, você tem falado dessa forma, que tem alguma coisa na minha metodologia, mas eu não usaria a palavra “metodologia”, eu pensaria na palavra metodologia de modo minimalista. Nunca penso que tenho uma metodologia. Talvez eu tenha uma voz particular, um som, da mesma forma que, em inglês, dizemos que um texto escrito has a voice. Isso significa algo único, especial e íntimo. E eu me pergunto mais sobre isso do que sobre metodologia, e estou um pouco assustado com essa palavra. Houve um filósofo da ciência na Universidade da Califórnia, em Berkeley, chamado Paul Feyerabend, que escreveu um livro sobre a filosofia da ciência, e a sua ideia básica era que ele se via como um anarquista, que não podia ter um método.

E.L. Against Method [: Outline of an Anarchistic Theory of Knowledge (1975)].

R.T. Sim! Against Method. A filosofia contra o método.

M.T. Sim. Eu subscreveria fortemente essa afirmativa. E, há cerca de um ano, quando fui visitar uma reserva indígena no Alto Amazonas da Colômbia, perto do rio Caquetá, que fica na fronteira com o Peru, fiquei surpreso ao ver como os professores dessa escola - alguns dos quais eram indígenas, e essa escola era supostamente indígena - ficavam usando a palavra “metodologia” o tempo todo. E era como uma palavra nova, era como uma palavra xamânica, uma palavra mágica. E foi imposto pelo Ministério da Educação que eles tinham que ter uma metodologia, talvez para conseguir dinheiro para pagar os professores, e, assim, metodologia. Havia muitos indígenas que vinham. Esses jovens professores tinham turmas enormes, e pregavam para os indígenas camponeses, homens, mulheres e crianças, sobre a importância de ter uma metodologia. Eu fiz quase um jejum dessa palavra, e eu estava com medo dela, e é obviamente algo que a burocracia usa como medida. Foi assim que surgiu a ideia de Feyerabend contra o método.

E.L. Rodrigo certamente queria dizer um estilo, em vez de um método... um estilo artístico contra... a estética como arma política, penso. E você poderia chamar isso de um modo de produzir conhecimento.

M.T. Essa é uma maneira tão boa de colocar as coisas! Sim, a estética como arma política!

R.T. Acabei de ler seu livro, What Color Is the Sacred?, e realmente gostei. Posso ver Georges Bataille e Michel Leiris como peças importantes desse texto-mosaico que você produziu, e posso ver que sua maneira de abordar as coisas é mais parecida com a de Marcel Proust, a forma com que você juntou memórias, literatura, poesia e dados etnográficos. Então também é uma forma de escrever, posso ver o que você pensa através da sua maneira de escrever sobre as coisas. É muito interessante. Eu ainda não li seu livro sobre os desenhos e as notas de trabalho de campo.

M.T. Os desenhos. Quero falar sobre isso em algum momento!

R.T. Sim! Só para resumir o que eu disse sobre metodologia: eu estava pensando nessa maneira sensível de abordar as coisas, nesse estilo. E posso reconhecer esses autores que mencionei como inspirações para a sua maneira de pensar sobre o sagrado. Eu realmente gosto muito do seu jeito de reunir poesias, desenhos, filmes e referências. Fale um pouco sobre os desenhos nessa composição de pensamentos e nos seus textos.

M.T. Sim. Eu falei sobre desenhos naquele livro chamado I Swear I Saw This (2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.), e falei sobre como, no Ocidente, talvez em todos os lugares, nos tempos modernos, as crianças são ensinadas a ler e escrever com enorme ênfase e investimento, mas os desenhos que fizeram antes desse período são deixados de lado, isso quando não são reprimidos. E eu estava muito interessado nesse movimento do desenho para a leitura e escrita, e no porquê algo que era favorecido de repente fica desfavorecido, e em seu lugar fica a leitura e escrita. Acho que tenho o mesmo complexo, o mesmo trauma, porque nunca me lembro do fato de ter colocado muitos desenhos nos meus livros. Muito antes daquele livro, chamado I Swear I Saw This, há estranhos pequenos desenhos no livro sobre o xamanismo, que é de 1987. Fico surpreso quando encontro esses desenhos, pois acho que eles são interessantes de alguma forma. Não quero entrar em discussões sobre desenhos bons ou ruins, mas me divirto com o fato desses pequenos desenhos terem me acompanhado desde o começo do meu trabalho, um aspecto que continuo reprimindo. E penso que, como todos nós, sou produto desse trauma, de que só “verdadeiros artistas” podem desenhar, e desenhar é inferior à fala. E esse é um fenômeno curioso que notei naquele livro. Acho que é um livro interessante porque fala sobre a forma como, e isso pode facilmente tornar-se pretensioso, mas penso na forma como texto e imagem podem ser entrelaçados e responderem a diferentes níveis de epistemologia, digamos assim. O desenho não é simplesmente uma ilustração de um parágrafo específico ou de um evento, parece-me que capta coisas que o escritor não consegue expressar, pelo menos naquele momento. É um outro ângulo de compreensão que me interessa muito. E assim o desenho faria parte de uma metodologia: é chegar com uma noção diferente do que é uma explicação, do que é conhecimento, de como você está se comunicando com o leitor ou com o ouvinte. E isso é extremamente importante para mim. Acabei de terminar um livro sobre cartões postais. Durante minhas viagens, eu pintava esses cartões postais para minha neta, que tinha quatro, cinco ou seis anos, e os enviava de volta pelo correio. Não tenho nenhum aqui. Vou te mostrar uma coisa, mas esses são os cartões, e, no verso, estão o carimbo e o endereço, e você escreve uma mensagem. Eu sempre levo comigo esses cadernos, esses livrinhos, e você tira [mostra os cartões postais trocados com a neta].

Eu costumava usar o papel para fazer pequenas pinturas quando estava entediado, ou algo do gênero. Isso na Colômbia, onde você não pode realmente postar coisas. Isso é outra coisa, é inacreditável como nos países do Sul Global que eu conheço o sistema postal é muito fraco, e enviar algo assim para os Estados Unidos custaria uma fortuna. Você teria que fazer isso através de um serviço privado, DHL Express, ou algo parecido. E então eu enviava estes cartões postais, e eles foram feitos para serem engraçados e apenas uma forma de manter contato. Eu gosto da noção de que eles vão exatamente como são: não são colocados em um envelope, eles simplesmente vão assim, você os coloca na caixa de correio. Então, espero que esse novo livro seja publicado no próximo mês. Quando eu estava falando sobre esses cartões, recentemente, em Londres, mostrei este cartão. E este aqui foi enviado pela minha neta para mim. É como se o círculo se fechasse [mostra outra série de cartões postais].

E.L. Lindo!

M.T. [Neste cartão] ela parece que é maior do que eu, e o cartão diz: “Mick, 83 Fairview Avenue, High Falls, New York”. Você sabe, encontrei nestes cartões e em torno deles uma maneira interessante de fazer uma espécie de etnografia através de cartões postais. Essa é minha contribuição mais nova. Agora estou trabalhando em algo diferente. Estou tentando responder às suas perguntas e aos interesses que vocês expressaram. Estou trabalhando em algo que chamo de corpse magic [mágica do cadáver]. Trata-se de um manuscrito sério, de quatrocentas páginas, com 45 desenhos. Estou procurando os desenhos, mas eles estão em outro lugar. É uma tentativa de combinar e conectar assassinatos policiais de povos minoritários através do Black Lives Matter [Vidas Negras Importam], e assim por diante, com histórias que aprendo no oeste da Colômbia sobre os cadáveres. O cadáver de alguém morto por uma gangue, a família usando o cadáver para matar o assassino, e então os assassinos usam magia preventiva para parar, para bloquear isso, e é como uma corrida armamentista: todo mundo tem algum tipo de magia apotropaica ou preventiva como prevenção.

Fiquei tão intrigado com essa história do oeste da Colômbia. O assassino, quando vitimado pela magia do cadáver, não consegue dormir à noite, e vê o rosto da pessoa que matou até ele morrer de loucura. De fadiga e loucura. Essa é uma história que você ouve. Não é tão comum, mas penso que é significativo. E então a pergunta era: “Por que isso não acontece com a polícia nos Estados Unidos?”. E, em algum nível, respostas óbvias apareceriam. Mas, juntando os dois, os assassinatos cometidos pelos policiais americanos e os assassinatos de gangues no oeste da Colômbia, juntando os dois...

Para mim, esse foi um exercício extremamente importante no que chamo de “montagem” e que, na antropologia, parece-me sempre fundado na comparação de duas realidades diferentes, na junção de duas realidades e na observação do que acontece. Penso que isso é, ao mesmo tempo, óbvio e misterioso. Compare a polícia americana, que não parece ter medo de matar três pessoas por dia nos Estados Unidos - três pessoas por dia são mortas pela polícia americana -, que não parece sofrer de vingança mágica, com a da Colômbia. Fiquei muito, muito fascinado com a questão da magia dos cadáveres, e com o apelo à justiça em que ela se baseia, e todo tipo de questões surgem assim sobre os Estados Unidos. O que aconteceu com a vingança? Porque, na Colômbia, a vingança é para 80% da população, senão mais... É muito. Eu chamo isso de a rule of law [Estado de direito]. Você sabe como, nos Estados Unidos e na Europa, o Estado de direito é defendido e falado. E a Rússia não tem um Estado de direito, e o Brasil provavelmente não tem um Estado de direito, e, na Colômbia, o Estado de direito é uma vingança fora da lei. A lei não dá esperança, os policiais não dão esperança, os tribunais são desesperadores. Então o que as pessoas fazem é trabalhar através da vingança, e a magia dos cadáveres é apenas um exemplo disso. Portanto, para essas comparações entre o Sul Global e o Norte Global, o exercício de montagem se torna muito importante para mim. Eu já havia mencionado a montagem muito antes, no livro Shamanism, Colonialism, and the Wild ManTaussig, Michael. (1987). Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: The University of Chicago Press., quando falava sobre imagens alucinógenas, como yagé (ayahuasca). Isso foi em 1987. Agora é 2023, e percorri um longo caminho desde então através da montagem. Quero dizer que a forma é a mesma, mas o conteúdo e a política são muito diferentes. E lembre-se dos quarenta desenhos também ali presentes. Se isso se constitui em uma metodologia ou não, não é uma metodologia muito rigorosa, parece-me mais uma abordagem. E, provavelmente, muito disso muda com o tempo, mas algo permanece, algo permanece o mesmo.

E.L. Eu queria retomar a discussão sobre desenho. No livro I Swear I Saw This, você diferencia desenhar de tirar fotos. O desenho com o qual você abre o livro é uma imagem que não poderia ter sido capturada por uma câmera fotográfica. Como você disse, para você, o desenho funciona como um testemunho, algo que você ainda não consegue expressar em palavras e, de certa forma, quer dizer para si mesmo: “Eu vi isso”. Então, a parte testemunhal do desenho é importante, e gostaria de perguntar sobre o seu novo livro sobre cadáveres, que é todo um fenômeno, difícil de ser captado em fotografias. Qual seria a relação existente entre esse tema, o texto e os desenhos? Suponho que se trate de desenhos de sua autoria?

M.T. Sim. Estou muito feliz que você tenha mencionado os cadernos, porque tanta coisa vem deles. E tenho notado atualmente que os mais jovens não têm cadernos, eles têm seu laptop, e seu laptop é seu caderno. Eu não sou tão ágil com um laptop, então prefiro o caderno, e provavelmente o romantizo. Considero uma aventura metodológica ter escrita e desenhos na mesma página, e os chamo de “tapeçarias”. Você sente que às vezes é mais fácil transmitir o que você está vendo através de um desenho no qual adiciona pequenas notas, que descreve certas partes de não importa o que você está colocando no desenho, e essas podem adquirir muitos tipos de formas. Algumas serão circulares, algumas terão legendas, e assim por diante. E os cadernos me intrigavam muito, e provavelmente exagerei, mas disse: “Por que não olhar para os cadernos, esse tipo de caderno, os cadernos etnográficos, da mesma forma que olhamos para a literatura moderna? E, em vez de vê-los como um meio para um fim, por que não os vemos apenas como um fim em si mesmos?”. E é isso que está por trás do livro I Swear I Saw This, e de todo o método contido nele. É um tipo diferente de literatura que passei a apreciar. Tem um artigo maravilhoso, de Jean Jackson, que trabalhou em algum lugar da Amazônia, intitulado “I Am a Fieldnote: Fieldnotes as a Symbol of Professional Identity” (1990Jackson, Jean. (1990). I Am a Fieldnote: Fieldnotes as a Symbol of Professional Identity. In: Sanjek, Roger (ed.). Fieldnotes: The Makings of Anthropology. Ithaca: Cornell University Press, p. 3-33.), no qual ela entrevistou sessenta, setenta antropólogos sobre seus cadernos de campo. E é realmente um artigo hilário, em que certas coisas se destacam, como a de que há pessoas que dizem que não suportam olhar seus cadernos, que eles são realmente entediantes, e todo esse tipo de coisa. Uma mulher disse que encaderna seus cadernos com um tecido precioso em batik e nunca mais olha para eles. Outro diz: “Se a casa estivesse pegando fogo, a primeira coisa que eu resgataria seriam meus cadernos de campo”. E assim os antropólogos têm ideias e fantasias muito íntimas sobre seus cadernos, que, é claro, sem ser pedante, são como fetiches. Eles são como objetos fetichistas, sim.

E isso é importante porque, neste livro, Law in a Lawless Land (2005Taussig, Michael. (2005). Law in a Lawless Land: Diary of a Limpieza in Colombia. Chicago: The University of Chicago Press.), há um desenho que veio dos meus cadernos de campo. Estou olhando o desenho e aqui está sua metodologia. Mas porque encontrei essa temos uma série de estatísticas sobre homicídios e queria compará-la. Foi em 2001 e queria compará-la com a magia dos cadáveres que estou terminando. Agora, em 2022, ou seja, mais de vinte anos depois, descubro de repente essa estatística, que é difícil de obter. Tem que conhecer alguém na polícia ou algo do gênero. Não é um livro muito grande. Mas é possível entender a ideia: temos de novo o tédio mais do que qualquer outra coisa ou porque algo chama sua atenção. Aqui nas páginas do livro, tem um desenho de um poste no qual é fixado um pequeno moinho para moer milho. E perto dele tinha uma “guanabana”, um fruto exótico - acho que o Brasil colonial adorava esses frutos e os chamava de goiaba. Só para te dar uma ideia da inserção de imagens e suas potencialidades e potenciais. Bom, isso basta para mostrar a ideia. Uma das coisas que eu faço é colocar um índice no final do caderno. Como se fosse um lembrete de tudo aquilo que há nele.

E.L. Você já escreveu coisas em seu diário de campo que nunca deveria ser lido por outros? Também há sigilo em torno de suas notas de campo?

M.T. Sim, estou com medo do que acontecerá quando eu morrer e alguém tiver acesso aos meus diários. Acho que, quando escrevo, mantenho certas coisas de fora, como uma autocensura, que considero meio patético. Mas, sim, eu faço isso. Eu descrevi os desenhos como tapeçarias não porque são grandes, completos, como se fossem uma pintura, mas porque eles misturam e se conectam com o texto do diário.

E.L. Temos ainda outra linha de pensamento no livro I Swear I Saw This, no qual você atualiza o significado dos desenhos para os surrealistas e outros artistas. Você também cita os desenhos de sonhos, ou os desenhos de experiências alucinógenas com haxixe e yagé (ayahuasca). Então o desenho também pode fazer uma ligação entre o visível e o invisível. Também gostaria de saber se você acha que há uma ligação entre sua escrita sobre o sussurrar, a relação entre som e letra, e sua escrita sobre desenho como uma forma de tecer laços entre fenômenos que normalmente não estariam juntos, produzindo uma colagem, que é uma prática tipicamente surrealista.

M.T. Às vezes você escreve algo que flui, simplesmente porque é muito emocionante para você. O sussurro era um desses exemplos, e acho que você o percebe quando lê o que eu escrevi sobre isso. É emocionante porque, de repente, traz à tona todos os tipos de pensamentos que você tinha pela metade, e o prazer surge em colocá-los na página. E esse deve ser o tipo de método envolvido: um tema que te prende por dentro, por assim dizer, e a escrita então aperfeiçoa ou expõe, é como revelar um filme, talvez, em um banho químico.

E.L. Li uma entrevista sua com Peter Wilson sobre o papel de suas experiências com yagé no estilo de escrita que desenvolveu, e também para a sua perspectiva teórica, e isso me interessa, porque, como você sabe, também trabalhei com pessoas que usam ayahuasca para produzir conhecimento sobre aquilo que não pode ser conhecido. O yagé também é usado, um pouco, na forma como você usa o desenho, como testemunho, como uma forma de tentar descobrir e desfazer a bruxaria descoberta ao mesmo tempo. Ou seja, como essa possibilidade de produzir uma imagem e desfazer o que a imagem te mostra é uma maneira de lidar com a bruxaria, com a cura.

M.T. Sim, isso está me fazendo pensar e lembrar que, quando fui para o Putumayo, minha intenção era estudar as pessoas que vão ao xamã, principalmente a população de não indígenas, como brancos, negros e mestiços - para usar esses termos estatísticos. E, enquanto todos os outros antropólogos que conheço se concentravam em estudar os povos indígenas - e, claro, isso é uma coisa maravilhosa de se fazer -, pensei em aliviar um pouco a pressão sobre isso e virar a lente para estudar pessoas como eu, por assim dizer. E é nesse momento que você aprende esse fantástico mundo de inveja e ansiedade devido à bruxaria, ou a inveja que causa bruxaria. Não se trata de estudar os povos indígenas, mas sim as pessoas que vão aos povos indígenas para serem curadas. Sempre fui fascinado pela incrível ironia disso, porque, as pessoas que procuram a cura, as pessoas das classes mais baixas, os camponeses, estavam, na verdade, usando as etiologias da conquista europeia, com suas figuras do indígena como mágico. Para se curarem, usavam a imaginação colonial. Colocando a questão em preto e branco, eles usam a imaginação colonial para se curarem das suas doenças, da sua economia nociva, e assim por diante. Em uma palavra, bruxaria é o resultado da inveja. Esse é um ponto extremamente importante.

Esse ponto é parecido com o que eu tentei dizer no início, quando falávamos sobre o livro The Devil and the Commodity Fetishism in South AmericaTaussig, Michael. (1980). The Devil and the Commodity Fetishism in South America. Chapel Hill: University of North Carolina Press., e o tipo de lição que esses relatos podem nos dar. Então, obviamente, há um problema no livro. Eu acho o livro Shamanism, Colonialism, and the Wild ManTaussig, Michael. (1987). Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: The University of Chicago Press. encantador e importante porque ele realmente dá uma visão da vida indígena, ou pelo menos da vida da cura. E, de certa forma, acabei fazendo o que me propus a não fazer. Mas, apesar disso, penso que a mensagem geral é clara: que o colonizado cura o colonizador. É a coisa mais estranha, mas, quando você coloca isso em termos de uma história real, de pessoas reais, parece perfeitamente óbvio. Portanto, há uma lição nisso para todos nós, especialmente nesta época em que as pessoas são tão sensíveis à colonização, e assim por diante.

Uma das coisas de que não falamos muito é bruxaria, ou feitiçaria, brujerias, em espanhol, e a forma como ela está ligada à inveja. Esses dois tópicos são enormes e fascinantes. E ainda nem tocamos na inveja. Percebi que existem alguns livros alemães enormes sobre a inveja, e nunca os li. Estou um pouco surpreso ao ver como esse não é um tema importante na antropologia e na sociologia: a história da inveja, a história moderna da inveja na Europa e, até certo ponto, no Terceiro Mundo e nas classes médias. Para onde foi a inveja? Ainda está presente? Que tipo de formas ela assume? E como ela está relacionada a matar alguém automaticamente, ou através do pagamento de uma bruxa, pagar um brujo para destruir um inimigo? Eu acho que na minha universidade a inveja é muito importante, mas não temos linguagem para falar sobre isso. Mas esse é um tema para uma próxima conversa. Talvez a gente possa falar sobre inveja e bruxaria no nosso próximo encontro.

R.T. Combinado! Michael, você quer dizer mais alguma coisa?

M.T. Que eu quero fazer alguma coisa sobre esse tema com vocês enquanto eu ainda estiver vivo e são. Quem sabe combinamos algo para o próximo outono.

E.L. Sim, trabalharemos com essa ideia, com certeza, Michael. Gostaria apenas de perguntar uma última coisa. Você não é obrigado a responder, mas queria ainda lhe perguntar algo sobre Mimesis and Alterity (1992Taussig, Michael. (1992). Mimesis and Alterity: A Particular History of the Senses. New York: Routledge.). Algo que me impressionou fortemente é que esse parece ser realmente o primeiro livro em que você escreve sobre como, ao escrever a partir de e ao conhecer outro lugar, outra maneira de pensar, você busca um “devir outro”, antecipando de uma maneira a virada ontológica e a antropologia reserva e simétrica. Você se inspirou fortemente em Walter Benjamin e no pensamento surrealista de Benjamin para tratar esse “devir outro” através da faculdade mimética. E, assim, escrever também não é um empreendimento no qual você separa sujeito e objeto, mas é um envolvimento com o Outro, de tal forma que você se contamina pelo Outro. Isso me parece um projeto de estética como “arte versus arte”. Não reafirmar a alteridade e também não utilizar a mimese como forma de observar o Outro e produzir mesmice. Então você joga com a tensão entre o respeito pela alteridade e o conhecimento como forma de realmente desejá-la. Eu tenho a impressão de que Mimesis and Alterity é uma espécie de manifesto, e que, nos demais livros, sua postura fica cada vez mais lúdica, menos explícita. Você acha que esse livro foi um divisor de águas em sua maneira de se tornar consciente da forma como você faz antropologia?

M.T. Sim, você está certa. Agradeço por essa leitura. Um dos pontos que você menciona, essa “arte versus arte”, que vem depois, foi minha tentativa de apontar para a estética da política. Poderíamos dizer que o que chamamos - ou costumávamos chamar - de ideologia é, na verdade, uma forma artística. Tendemos a pensar nela como uma série de proposições, ignorando que é uma forma de poesia, como um texto sagrado, que contém todo o tipo de associações e de imagens nela. E era nisso que eu estava pensando. Na verdade, isso chegaria perto de responder às suas primeiras perguntas sobre metodologia. Se existe uma metodologia no meu trabalho é a de tentar trazer à tona esses elementos estéticos e emocionais das “meras ideias”, que realmente afetam os seres humanos e as coletividades, através dessas associações imagéticas e emocionais. E então minha tarefa é pensar, sentir isso, e é como pegar uma bola e depois responder o que você vai fazer com ela. É o que chamo de “arte versus arte”. Esse aspecto também entra na minha noção de explicação. Quando pensamos sobre o que fazemos nas ciências sociais e na universidade de modo geral, logo imaginamos que seja “fornecer explicações”. Mas somos realmente conscientes do que é uma explicação e por que ela é importante? Esse me parece ser nosso “elefante na sala”. Estou apontando para algo que deveria ser totalmente óbvio, mas que ninguém vê. E me parece que a noção, a palavra “explicação”, ou a implicação de que o que estamos fazendo é explicar algo, é como um elefante na sala. Então existe uma cultura da explicação, acho que é isso que estou dizendo, mas a gente pode mudar isso.

REFERÊNCIAS

  • Jackson, Jean. (1990). I Am a Fieldnote: Fieldnotes as a Symbol of Professional Identity. In: Sanjek, Roger (ed.). Fieldnotes: The Makings of Anthropology. Ithaca: Cornell University Press, p. 3-33.
  • Kopenawa, Davi & Albert, Bruce. (2013). The Falling Sky: Words of a Yanomami Shaman. Cambridge: Belknap.
  • Taussig, Michael. (1980). The Devil and the Commodity Fetishism in South America. Chapel Hill: University of North Carolina Press.
  • Taussig, Michael. (1987). Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Taussig, Michael. (1992). Mimesis and Alterity: A Particular History of the Senses. New York: Routledge.
  • Taussig, Michael. (2005). Law in a Lawless Land: Diary of a Limpieza in Colombia. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Taussig, Michael. (2012). Beauty and the Beast. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Taussig, Michael & Wilson, Pedro. (2002). Ayahuasca and Shamanism: Michael Taussig Interviewed by Peter Lamborn Wilson. New York: Autonomedia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2023
  • Aceito
    11 Set 2023
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