Acessibilidade / Reportar erro

INVEJA E CORPO FECHADO NO MARACATU DE BAQUE SOLTO PERNAMBUCANO* * Este artigo se enquadra no projeto “The Healing and Emotional Power of Music and Dance”, (HELP-MD), financiado pela Fundação da Ciência e Tecnologia de Portugal (PTDC/ART-PER/29641/2017). A pesquisa de campo em Pernambuco foi possível graças a uma bolsa Capes de professor convidado (PVE 0337-14-5) e ao programa “Investigador FCT” da Fundação da Ciência e Tecnologia de Portugal (IF/01233/2014/CP1221/CT0002). Agradeço a Carlos Sandroni, Aguinaldo e todos os membros do Maracatu Leão de Ouro, de Condado, a hospitalidade e amizade que me ofereceram ao longo de minha pesquisa de campo. Meus agradecimentos também a Leon Bucaretchi, Fatima Barahona, Jean-Pierre Estival, Alan Monteiro Jr., aos revisores anônimos e à equipe editorial de Sociologia & Antropologia pelos conselhos e correções deste texto, escrito originalmente em português.

ENVY AND THE CLOSED BODY IN MARACATU DE BAQUE SOLTO (PERNAMBUCO, BRAZIL)

Resumo

Os membros dos grupos de maracatu de baque solto da Zona da Mata norte pernambucana sentem-se particularmente expostos na época do carnaval a vários tipos de doenças causadas pelo “olho grande” dos invejosos. Daí a necessidade de práticas defensivas nos planos simbólico e estético. Para brincar o carnaval sem se arriscar é necessário fechar o próprio corpo, o que, nesse contexto significa torná-lo protegido, poderoso, saudável, invencível, não vulnerável ou susceptível aos ataques das entidades negativas despertadas pelo olho grande de rivais e inimigos. Nesse artigo argumento que a vivência emocional dos brincantes de maracatu é profundamente ligada a essa maneira de conceber o corpo durante o carnaval. Um corpo diferente do ordinário, suscetível, permeável a presenças e ataques de entidades invisíveis.

Palavras-chave
Etnomusicologia; música; antropologia das emoções; ritual; carnaval

Abstract

During Carnival, the members of maracatu de baque solto groups, a performance occurring in Pernambuco (Northeast Brazil) feel exposed to various type of illnesses, caused by the “envious eye” (olho grande) of their rivals. This motivates them to accomplish a number of defensive practices, both on a symbolical and on an aesthetical dimension. In order to perform safely, they need to “close the body” (fechar o corpo), physiologically, symbolically, and aesthetically. In this context, the expression “closed body,” is synonymous of a protected, powerful, healthy, invincible body, while the expression “open body” refers to a vulnerable one, susceptible to the attacks of negative entities, aroused by the enemies’ envious eye. In this article, I suggest that that the emotional experience of the Maracatu performers is driven by this particular way of perceiving the body during the carnival period.

Keywords
Ethnomusicology; music; anthropology of emotions; ritual; carnival

MÚSICA E “CHOQUE EMOCIONAL”

Quais as emoções que são geralmente mobilizadas numa performance musical? Algumas experiências afetivas seriam mais frequentes do que outras? Podemos comparar as “emoções musicais” entre diferentes culturas e eventualmente encontrar semelhanças? Tentando responder a essas perguntas, Judith Becker (2001Becker, Judith O. (2001). Anthropological perspectives on music and emotion. In: Juslin, Patrick N. & Sloboda, John A. (eds.). Music and emotion: Theory and research. New York: Oxford University Press, p.135-160.: 145) sugeriu que a alegria (happiness), além das variações culturais dessa noção, “é a emoção mais frequentemente associada à escuta musical e poderia constituir um dos ‘universais’ dos estudos transculturais sobre a emoção musical”.1 1 Nessa e nas demais citações em idiomas estrangeiros a tradução é nossa. No original: “Happiness is the emotion most frequently associated to musical listening and may constitute one of the ‘universals’ of cross-cultural studies of music and emotion.” A hipótese da etnomusicóloga americana é bastante intuitiva: o ser humano teria tendência a se sentir melhor quando é “musicalmente estimulado e excitado” (Becker, 2001Becker, Judith O. (2001). Anthropological perspectives on music and emotion. In: Juslin, Patrick N. & Sloboda, John A. (eds.). Music and emotion: Theory and research. New York: Oxford University Press, p.135-160.: 145).2 2 No original: “musically aroused and excited”.

Nas comunidades ciganas (rom) da Transilvânia (Romênia), onde realizei pesquisas de campo ao longo de uma década (Bonini Baraldi, 2021Bonini Baraldi, Filippo. (2021). Roma music and emotion (Revised translation of the book Tsiganes, musique et empathie, foreword by Steven Feld, translation by Margaret Rigaud). New York: Oxford University Press.), essa hipótese se encontra plenamente confirmada: seja em contextos rituais ou não, a música excita, estimula ou simplesmente acompanha emoções que podemos efetivamente associar à alegria (bucurie) e à felicidade (fericire). Ao longo de minha estada no bairro rom de Ceuaş, pequena aldeia da Transilvânia central, focalizei minha atenção, entretanto, em situações caracterizadas por um registro emocional diferente, que se exprime pelos choros e que não se limita à tristeza ou à nostalgia. Em artigo publicado nesta mesma revista (Bonini Baraldi, 2016Bonini Baraldi, Filippo. (2016). Como estudar a emoção musical? Propostas metódologicas a partir de pesquisa junto aos ciganos da Transylvânia (Romênia). Sociologia & Antropologia, 6/3, p. 699-734.), descrevi em detalhe os contextos nos quais choro e música estão associados. Sugeri que esses “prantos musicais” revelam algo fundamental da vida dos Roms, como, por exemplo, a noção de fraternidade (phralimos) ou a importância dos defuntos (mule) na constituição da identidade familiar.

Outras pesquisas na área da etnomusicologia sugerem que chorar no meio de uma performance musical é comportamento comum a diferentes culturas (Feld, 1982Feld, Steven. (1982). Sound and sentiment. Birds, weeping, poetics, and song in kaluli expression. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.; Rouget, 1990Rouget, Gilbert. (1990) [1980]. La musique et la transe. Esquisse d’une théorie générale des relations de la musique et de la possession. Paris: Gallimard.; Seeger, 2004Seeger, Anthony. (2004) [1987]. Why Suyà Sing. A musical anthropology of an Amazonian people. Cambridge: Cambridge University Press.; Williams, 1998Williams, Patrick. (1998). Django. Marseille: Parenthèses.). Propus o conceito de “choque emocional” para referir-me a situações nas quais uma pessoa tem uma reação emocional imprevista, curta e de grande intensidade ouvindo ou tocando música. Como podemos explicar essas reações emocionais intensas? Como é que a música contribui para as produzir? O que “acontece” na pessoa que vivencia na música um choque emocional seja ouvindo ou tocando? Que tipo de práticas sociais são construídas em torno dessas experiências? O tema das “respostas emocionais intensas” é alvo de importantes pesquisas no âmbito da psicologia da música (Gabrielsson, 2011Gabrielsson, Alf. (2011). Strong experiences with music. New York: Oxford University Press.). Em contraste, poucas tentativas nessa direção foram feitas em âmbito antropológico (Becker, 2001Becker, Judith O. (2001). Anthropological perspectives on music and emotion. In: Juslin, Patrick N. & Sloboda, John A. (eds.). Music and emotion: Theory and research. New York: Oxford University Press, p.135-160.; Bonini Baraldi, 2021Bonini Baraldi, Filippo. (2021). Roma music and emotion (Revised translation of the book Tsiganes, musique et empathie, foreword by Steven Feld, translation by Margaret Rigaud). New York: Oxford University Press.; Feld, 1982Feld, Steven. (1982). Sound and sentiment. Birds, weeping, poetics, and song in kaluli expression. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.; Rouget, 1990Rouget, Gilbert. (1990) [1980]. La musique et la transe. Esquisse d’une théorie générale des relations de la musique et de la possession. Paris: Gallimard.). Em minha opinião, o estudo dos choques emocionais em diferentes sociedades do mundo nos permitiria aprofundar as teorias da emoção musical, geralmente fundamentadas só na música clássica ocidental (Sloboda & Juslin, 2010Sloboda, John A. & Juslin, Patrick N. (2010). Handbook of music and emotion: theory, research, applications. New York: Oxford University Press.).

DOS ROMS ROMENOS AO NORDESTE BRASILEIRO

Graças a uma bolsa Capes de professor convidado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), parti para o Nordeste brasileiro em setembro de 2014, levando na mala as questões que destaquei no tópico anterior. Interessando-me as manifestações musicais dessa região, encontrei um novo caso de choque emocional, muito semelhante aos observados na Romênia. No documentário Maracatu, ritmos sagrados, de Eugênia de Freitas Maakaroun (2005)Maakaroun, Eugênia de Freitas (dir.). (2005). Maracatu - ritmos sagrados. 25 min., vê-se uma mulher, num desfile de maracatu de baque virado, dançando como dama do paço;3 3 O documentário explora a dimensão religiosa e sagrada dos grupos de maracatu de baque virado e de baque solto. A dama do paço, figura fundamental de todos os maracatus, dança tendo na mão uma pequena boneca preta, a calunga, que supostamente guia e protege o grupo, ligando o maracatu com os orixás (divindades de origem africana). subitamente ela interrompe sua dança, muda de ritmo e põe a mão no rosto para cobrir os olhos. E chora, aberta e intensamente (figura 1). Trata-se de um choque emocional que dura cerca de 30 segundos, após os quais a jovem mulher retoma progressivamente a própria dança, e o sorriso volta a seu rosto ainda molhado de lágrimas.

1
Dama do paço chorando num desfile de maracatu de baque virado extrato do vídeo: https://vimeo.com/92865169

Essas imagens suscitaram interesse igual ao que me tomou quando observei os músicos rom chorarem durante suas festas (figura 2). Nos dois casos o choque emocional acontece em meio a um evento caracterizado sobretudo pela euforia e a excitação, o carnaval no primeiro e uma festa de batismo entre amigos no segundo. A dinâmica emocional parece semelhante: numa situação de grupo acontece um clique, um estalo numa pessoa específica, como uma corda que de repente se estica antes de voltar à normalidade e ao repouso. Ao redor, tudo se mantém inalterado. Ninguém parece dar atenção ao fato de que uma pessoa chora intensamente. Nas duas situações, a música parece fomentar esse choque emocional, mesmo estando a pessoa que chora dançando, como no primeiro caso, ou tocando um instrumento, como no segundo.

2
Músico Rom da Transilvânia chorando numa festa de batismo Ceuaş, 2005

Encontrar uma situação de choque emocional semelhante as que tinha observado na Romênia motivou-me a começar uma nova pesquisa de campo na Zona da Mata norte de Pernambuco. Escolhi como base para minha pesquisa a cidade de Condado, onde várias pessoas, na maioria trabalhadores rurais, estão envolvidas em duas brincadeiras (ou folguedos): o cavalo marinho (ou cavalo marim) e o maracatu de baque solto, também conhecido como maracatu rural ou maracatu de orquestra.4 4 O cavalo marinho é um teatro de rua, praticado principalmente durante a época do Natal, no qual vários personagens mascarados narram comicamente a vida dos trabalhadores rurais (Murphy, 2008; Acselrad, 2013). Para uma descrição do maracatu rural, ver Real (1967), Chaves (2008), Garrabé (2010), Teixeira (2016), Morais e Silva (2018).

Apesar das profundas diferenças estéticas, os maracatus de baque solto e de baque virado têm muitas semelhanças do ponto de vista sociológico: em ambos os casos os brincantes (ou folgazões) são pessoas com rendimentos modestos, que moram nos bairros periféricos da cidade e se reúnem num lugar de trabalho denominado sede, no qual, ao longo do ano, confeccionam as fantasias para o carnaval. Ambos têm um componente místico-religioso bastante acentuado. Geralmente, membros dos grupos de maracatu de baque virado veneram os orixás do xangô, enquanto os de maracatu rural são ligados ao culto da jurema ou umbanda-jurema.5 5 Trata-se, grosso modo, de religião de origem afro-indígena misturada com elementos da corrente esotérica europeia conhecida como kardecismo (Assunção, 2006; Guimarães de Salles, 2010). Nela são venerados os orixás, como no xangô (assim é chamado o candomblé em Recife), mas também outro conjunto de entidades ligadas a um imaginário nativo, especialmente os caboclos da mata, espíritos de guerreiros índios. A dama do paço, porém, é figura presente num e no outro.

Com base nas semelhanças entre os dois tipos de maracatu, nas primeiras semanas de minha estada em Condado, pensei mostrar as imagens do choque emocional da dama do paço a alguns brincantes que tinha conhecido. Meu objetivo era estimular discussões sobre a relação entre a música e as emoções, valendo-me de um exemplo concreto. À minha pergunta banal “Por que você acha que essa mulher chora?”, Aguinaldo, um dos principais caboclos de lança do Maracatu Leão de Ouro de Condado, respondeu:

Então, o carnaval, ele traz uma energia muito forte para quem dança, brinca […] O Carnaval faz a pessoa sorrir e chorar, tanto de alegria como de tristeza. Ou seja, pode chorar porque está feliz, chora porque o brinquedo ganhou, é campeão, seja lá em que estágio [categoria] for ele, pode até [ser] um brinquedo fraco, fraquinho, e entrar como aspirante, e ser campeão ou vice-campeão, então o cara vai chorar pelo brinquedo dele, pelo trabalho dele, pela fantasia dele, chorar... de alegria; ficou emocionado, e essas coisas, seja qualquer chave [categoria] que for, do aspirante ao especial. E faz chorar... porque [alguém] está doente e não pode brincar, ou uma pessoa da família, ela não pode brincar... [...] chora pela pessoa que faleceu, e chora pelo carnaval que não vai poder brincar, chora por isso aí. E chora de tristeza [...] porque o brinquedo não ganhou... Então o carnaval tem de tudo que você imaginar, de tudo que você pensar... e muito mais!

Aguinaldo explica o choque emocional da dama do paço enfatizando duas dimensões fundamentais do carnaval: o esforço e a memória, em particular a memória autobiográfica.

De um lado, para muitos brincantes participar do carnaval constitui um grande esforço, que pode chegar até o sacrifício. Tudo parece ser feito para perder dinheiro, tempo, e até mesmo a saúde, especialmente a visão, devido ao minucioso trabalho de costura das golas - os mantos dos caboclos de lança -, compostas por um grande número de pequenas lantejoulas coloridas (figura 3). Esforço no Maracatu é sinônimo de resistência, e essa qualidade é necessária para suportar, durante o carnaval, o peso das fantasias, o calor, o cansaço, a fome e a sede. O comentário de Aguinaldo “Chora pelo trabalho dele” sugere que há uma relação profunda entre o esforço e a intensidade emocional da brincadeira: o choque emocional da dama do paço é percebido como resultado de um processo de acumulação de sacrifícios, tanto simbólicos como materiais.

3
Aguinaldo costurando a própria gola, elemento essencial da fantasia do caboclo de lança do maracatu rural Condado, fev. 2017

Por outro lado, meu interlocutor aponta que essa mulher chora porque, provavelmente, se lembra de uma pessoa da família, doente ou falecida, que já não pode brincar. Na Romênia, quando perguntava aos Roms por que os músicos choravam em meio a uma festa, ouvi esse mesmo comentário muitas vezes. A música pode trazer à memória pessoas específicas e, em muitos casos, a emoção sentida é atribuída a essas lembranças (Baumgartner, 1992Baumgartner, Hans. (1992). Remembrance of things past: music, autobiographical memory, and emotion. In: Sherry, John F. Jr. & Sternthal, Brian (eds.). Advances in consumer research, 19, Provo, UT: Association for Consumer Research, p. 613-620.). De forma mais geral, uma performance ou um ritual ativa a memória de eventos do mesmo tipo, e esse processo de repetição intensifica a experiência emocional vivida no presente (Lüddeckens, 2006Lüddeckens, Dorothea. (2006). Emotion. In: Kreinath, Jens; Snoek, Jan & Stausberg, Michael ed. Theorizing rituals. Classical topics. Theoretical approaches. Analytical concepts. Annotated bibliography. Leyden: Brill, p. 545-570.).

Além das dimensões do esforço e da memória, a última frase de Aguinaldo - “O carnaval tem de tudo que você imaginar, de tudo que você pensar... e muito mais!” - sugere que é possível encontrar outras causas do choque emocional, provavelmente menos explícitas. Certamente, o carnaval é muito mais que uma simples diversão (Cavalcanti, 2015Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (2015). Carnaval, ritual e arte. Rio de Janeiro: 7Letras.), mas o que seria “mais do que tudo”? Visualizando o mesmo vídeo, outro morador de Condado, o rabequeiro Luís Paixão, sugeriu-me uma possível resposta:

L.P. Isso aí, isso aí tem... [...] uma relação, sabe de quê? Com candomblé velha, entendeu? Tem relação com isso, é! As marchas que ele fala [canta] aqui, tem muito em conta com os caboclos, as coisas, caboclo da mata, essas coisas... Aí [...] tem é [...] muita relação com... com... com candomblé, é... Entendeu? [risada]

F.B.B. E aquela emoção chega de...

L.P. É... tem uma hora que chega nas pessoas aquela emoção de... de chorar... tem muitos que embola, cai, essas coisas...

F.B.B. Embola? Cai?

L.P. É... fica embolando no chão, fazendo... Que as vezes nem se lembra que passa aquilo. Tem muita gente que tem corpo de médium... [...] Dessas coisas, no candomblé [...]

F.B.B. Médium quer dizer o quê?

L.P. Médium é a pessoa que trabalha na espiritual, que tem aquelas danças, que brinca com... com… quando está cantando aqueles hinos aí, ele canta, dança [...] [tem] muitos, que... que é ligado, muitos. É como se esse povo aí... brinca, mas tem essa ligação com essas coisas. E muita gente gosta disso aí!

Luís faz uma relação direta entre a emoção intensa da dama do paço, durante um desfile de carnaval, e o culto do candomblé.6 6 Em Condado, essa palavra é utilizada de forma bastante genérica para indicar vários tipos de culto. Luís refere-se aqui ao da umbanda-jurema, ao qual parte dos habitantes de Condado adere. “Tem muita gente que tem corpo de médium”, afirma, indicando de maneira explícita que algumas pessoas podem receber espíritos ou entidades sobrenaturais. Será essa dimensão místico-religiosa que Aguinaldo indica quando alega que “o Carnaval tem de tudo... e muito mais”? Em que medida essa dimensão entra em jogo nas brincadeiras do carnaval pernambucano, em particular no maracatu de baque solto? Como se relaciona com a estética visual, musical e coreográfica das performances do maracatu? São perguntas bastante complexas, uma vez que o culto da umbanda-jurema é pouco estudado, e ainda menos estudada é a relação dessa religião com as brincadeiras da Zona da Mata norte pernambucana. A essa complexidade acrescenta-se o fato de que “o maracatu tem muitos segredos”, como dizem seus membros, estreitamente relacionados a sua dimensão místico-religiosa. Na sequência deste artigo, meu objetivo não será tratar de aspectos teóricos de antropologia religiosa, nem revelar “os segredos do maracatu” (que, de qualquer forma, me são desconhecidos), mas sim aprofundar uma intuição que as conversas sobre o choque emocional da dama do paço me têm despertado: a vivência emocional dos brincantes de maracatu é profundamente ligada à uma maneira particular de conceber o corpo durante a época do carnaval. Um corpo diferente do ordinário, suscetível, permeável a presenças e ataques de entidades invisíveis.

O CORPO ATINGIDO

A antropologia das religiões afro-brasileiras, desde as pesquisas de Roger Bastide (2001)Bastide, Roger. (2001) [1958]. O candomblé da Bahia: rito nagô. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia da Letras., aponta que o corpo é lugar privilegiado em que as entidades sobrenaturais se manifestam. Tanto os pesquisadores quanto os adeptos dessas religiões utilizam a palavra “incorporação” para dar conta dessas manifestações, que podem resultar em estados de transe, geralmente em lugares predestinados, como as casas de culto, onde vários rituais são promovidos para as estimular e também controlar.7 7 Como é sabido, as pesquisas atuais sobre as religiões afrobrasileiras são muito numerosas e não é meu proposito citá-las todas neste artigo. Para o contexto pernambucano, ver Motta (1999, 2009).

No contexto do maracatu rural, é raro ouvir falar em incorporações durante as apresentações e desfiles de carnaval. Deparei-me frequentemente, no entanto, com a ideia de que o corpo pode ser atingido involuntariamente, atacado subitamente por entidades negativas. Os ataques podem causar todo tipo de problemas durante os desfiles, como impedir o mestre (poeta) de tocar seu apito, interromper de repente o som dos instrumentos ou ainda furar os pneus dos ônibus que transportam o grupo, mas o efeito mais recorrente nos relatos é a provocação de doenças imprevistas nos brincantes. Isso parece bastante lógico, pois o corpo é o lugar principal em que as entidades invisíveis se manifestam, e, portanto, quando elas são consideradas negativas, podem prejudicar seu funcionamento. Por que, porém, é dada tanta relevância à preocupação de o corpo ser atingido, atacado, fragilizado por entidades negativas durante o carnaval? Por que ter tão grande preocupação durante a festa?

O maracatu de baque solto está associado, no imaginário coletivo dos moradores da Zona da Mata norte de Pernambuco, a uma ética de conflito, luta, guerra e morte. Todos os brincantes têm um discurso muito explícito sobre esse aspecto, sendo comum ouvir frases do gênero: “Antigamente, o maracatu era pra furar o inimigo” ou “Maracatu era só porrada”. Confrontações físicas podiam acontecer entre dois indivíduos ou entre dois grupos rivais. As pessoas mais velhas contam que quando os caboclos saíam para o carnaval, a pé, nos canaviais, era possível que se deparassem com “inimigos”, ou seja, algum caboclo com quem tivessem desavença ou conflito, fosse por dinheiro, família, relação amorosa, entre outras causas. Armados de uma lança afiada na mão, denominada guiada, elemento indispensável na fantasia do caboclo, e provavelmente de uma faca escondida na cintura, os homens confrontavam em verdadeiros duelos com o objetivo de “furar” e até mesmo matar o adversário. Ouvi dizer que um caboclo podia receber dinheiro de uma pessoa, geralmente um fazendeiro da região, para atacar outro caboclo durante o carnaval.

Há histórias também de lutas entre grupos inteiros de maracatu. Quando dois grupos oriundos de cidades diferentes se encontravam em meio aos canaviais, um chegando de um lado e outro chegando de outro, era “obrigatório cruzar as bandeiras”, ou seja, enfrentar frontalmente o grupo rival sem mudar o próprio percurso e sem retroceder. Brincar de caboclo era sinônimo de mostrar sua coragem, força, masculinidade. Ainda não havia mulheres no maracatu, e os homens “saíam para os três dias de carnaval sem saber se iam voltar para casa”.

É difícil saber até que ponto esses relatos são fundados em acontecimentos ou se se trata de mitos transmitidos de pai para filho exaltando e reforçando a imagem valiosa dos maracatuzeiros. Um dia, levantando essa dúvida numa conversa com Aguinaldo, recebi uma resposta assertiva: “Tudo isso é verdade, e existe também um cemitério dos caboclos, perto de Nazaré da Mata. Se você quiser, podemos ir lá!” Poucos dias depois para lá fomos de carro em companhia de seu amigo Majó. Quando chegamos ao cemitério, meio abandonado e cheio de ervas daninhas, nada havia que me permitisse determinar se os caboclos “vítimas” dos combates estariam de fato ali enterrados. Isso, entretanto, interessava muito menos do que as histórias que Aguinaldo e Majó me contavam: “Veja esse cruzamento. Aqui passavam os maracatus de Nazaré, de Tracunhaém, de Aliança... Quando se encontravam, tinham a obrigação de cruzar a bandeira, de se enfrentar. Muitos caboclos morreram (per)furados, e eram enterrados aqui mesmo, com a gola, o chapéu, e a fantasia todinha...” (figura 4, na página seguinte).

4
Aguinaldo indicando o “cemitério dos caboclos”, perto de Nazaré da Mata, 2016

Hoje em dia, as saídas e atuações dos grupos de maracatu se inscrevem num contexto muito mais controlado - o da competição do carnaval de Recife, com seus desfiles, juris e prêmios. O combate se deslocou para dimensão mais estética do que física. Com relação aos brincantes, todavia, especialmente para os caboclos de lança, os perigos não acabaram com o fim dos enfrentamentos diretos e o carnaval continua a ser percebido como um momento inseguro, prejudicial à saúde. De fato, no maracatu rural as categorias “festa” e “guerra” se sobrepõem como “gêmeos desiguais e indissociáveis” (Perrone-Moisés, 2015Perrone-Moisés, Beatriz. (2015). Festa e guerra. São Paulo: Universidade de São Paulo.: 68).

Assim, no caminho de volta para Condado, em meio a outras histórias de brigas entre caboclos e grupos de maracatu, ouvi Aguinaldo perguntar a Majó: “Onde você vai buscar a sua defesa para brincar no carnaval esse ano?” Com a palavra “defesa”, Aguinaldo se referia ao calço, um ritual feito nas casas de umbanda-jurema e que tem como objetivo proteger o caboclo nos três dias de carnaval. Sem hesitar, perguntei a Majó se poderia acompanhá-lo para assistir a esse ritual, ao que ele respondeu afirmativamente.

Quando faltavam poucos dias para o primeiro dia de carnaval, as respostas de Majó sobre um eventual compromisso comigo eram sempre muito evasivas. Perecebi que ele não se sentia muito confortável com a ideia de ser acompanhado nesse ritual e, obviamente, não insisti. Aguinaldo propôs-me então acompanhar seu amigo Bel, que nesse ano estava ocupando a posição de mestre caboclo (líder dos caboclos de lança) pela primeira vez. Após ter conversado com Bel, para ter a certeza de que minha eventual presença não o iria incomodar, na manhã do domingo de Carnaval consegui assistir a seu calço feito no terreiro de umbanda-jurema do seu Biu.

Por volta do meio-dia, sob sol escaldante, Bel estava pronto diante da sede do maracatu para liderar a chegada dos caboclos, momento no qual os membros do grupo se reúnem progressivamente, um a um, dançando. Já era início da tarde quando o maracatu começou a desfilar no bairro do Condado Novo, antes de partir para se apresentar nas cidades vizinhas. Logo depois das primeiras manobras (evoluções, danças coletivas), porém, Bel caiu subitamente no chão, atingido por forte dor nas pernas. Quando cheguei perto dele, estava sentado na sombra, chorando. Sua esposa o levou para casa, e Bel teve que abandonar o maracatu que iria liderar naquele ano. Um pouco mais tarde, saíram de Condado os ônibus levando os brincantes para se apresentar na região, e a cidade ficou meio deserta.

Eu também não consegui acompanhar o maracatu. Já havia alguns dias que uma forte infeção nos ouvidos me prendia na cama. Comecei a pensar que era bastante curioso o fato de estarmos ambos com problemas no lugar do corpo de que mais precisávamos naquele momento: os ouvidos de um etnomusicólogo e as pernas de um dançarino. Isso me fazia sorrir, mas também me preocupava um pouco: estaria Bel pensando que sua dor tinha a ver com a presença de uma pessoa estrangeira, ainda por cima doente, no ritual do calço? No final da tarde, fui até a casa dele para ver como estava, mas também para tirar minhas dúvidas e meus receios, atento às explicações que Bel poderia ter a respeito desses acontecimentos.

Felizmente, Bel acolheu-me calorosamente, até muito mais do que antes, como se um mesmo destino desafortunado tivesse, naquele momento, nos aproximado. Perguntei-lhe o que tinha acontecido. Respondeu que alguém lhe tinha “colocado alguma coisa” nas pernas para o impedir de brincar. Contou-me que logo depois do acidente tinha voltado à casa do pai de santo Biu, que lhe fizera o ritual do calço naquela manhã e que então “olhou” no seu corpo, “sem encontrar nada”. Bel foi então consultar uma mulher conhecida por seus “trabalhos”, que finalmente conseguiu “tirar aquela coisa” das pernas, eliminando imediatamente a dor.

No dia seguinte, Bel conseguiu voltar a liderar o maracatu, e o Leão de Ouro tornou-se campeão do Carnaval de 2016. Quanto a mim, tive que sair de Condado para tratar a infecção no hospital de Recife e não me foi possível voltar lá antes de viajar para a Europa. Aquele ano, meu trabalho de campo acabou com uma grande curiosidade de saber como os outros maracatuzeiros iriam interpretar esses acontecimentos.

INVEJA E OLHO GRANDE

Voltei a Condado no mês de fevereiro do ano seguinte, quando minha curiosidade já se havia transformado num verdadeiro problema de pesquisa. Meu objetivo era tentar compreender como as pessoas explicam essas doenças repentinas que, durante o carnaval, podem atingir o corpo dos brincantes. Comecei a perguntar a várias pessoas de Condado o que pensavam desse episódio de dupla doença (minha e de Bel) ocorrido no ano anterior. Eliane, uma jovem muito envolvida com o Leão de Ouro, assim me respondeu:

F.B.B. Muitas pessoas me falaram que na época do carnaval é sempre maior a possibilidade de ficar com algum problema...

E. É... acontece alguma coisa …

F.B.B. Isso é só nos três dias de carnaval mesmo, ou também antes?

E. Antes também, e quanto mais perto, que vai chegando o dia, mais... misterioso vão ficando as coisas. De repente acontece assim uma coisa, de nada, de repente, você nem imagina! […]

F.B.B. Mas tudo isso só acontece no carnaval ou em outros períodos do ano também tem esse tipo de...

E. É como se fosse assim... inveja. Assim, inveja sabe? Tem durante todo o ano, mas nessa época é mais forte. Entende?

F.B.B. Inveja... quer dizer o que exatamente?

E. Inveja é quando você.... tipo assim, você tem estes óculos... Aí eu acho os óculos lindos. Mas eu acho tão lindo, tão lindo, a ponto que eu vou lá e compro um só porque você tem um deste. Aí eu vou lá e compro porque eu quero ter um igual a você. Está entendendo? Ou quando é ainda mais sério ainda, quando... assim, você tem uns óculos daqueles... “Mas como é que ele tem? Por que é que ele tem?” E aí já vai dar para o lado da... do olho grande... assim... entendeu? Ele tem... [então] eu quero ter. E se eu não consigo ter, eu faço de tudo para que ele não tenha. Está entendendo?

F.B.B. Então essa expressão olho grande, o que quer dizer?

E. Olho grande é assim... é... é... ficar de olho em tudo que você tem, eu quero ter. Entendeu? [...] Quando o olho grande, a inveja, é forte mesmo, a pessoa fica doente, fica doente mesmo, assim, de cama mesmo! A gente fica [dizendo] “Porque é que fulano ficou doente assim de repente?” Sabe? Dá uma dor de barriga, uma dor de cabeça, do nada, assim, você está ótimo, e de repente vem aquela dor de cabeça infernal que não se sabe de onde.

Entre os brincantes do maracatu comentários desse tipo são muito frequentes. Na época do carnaval, a inveja parece ocupar um lugar de primeiro plano nas relações interpessoais, seja entre maracatuzeiros de grupos diferentes ou membros do mesmo grupo. Mas o que é a inveja? Por que seria mais forte na época do carnaval? Como é que esse sentimento entra em jogo no contexto das brincadeiras dessa região, em particular no maracatu de baque solto? Qual é o significado das expressões olho grande ou olho gordo?

A inveja pode ser definida como um sentimento de angústia, de raiva, de tristeza ou pesar perante o que uma pessoa tem - seja um objeto material ou uma qualidade moral que a pessoa invejosa não possui. Sem aprofundar as explicações históricas, psicológicas e filosóficas desse sentimento considerado pelo catolicismo um dos sete pecados capitais, é interessante observar que o termo inveja vem do verbo latino invidere: olhar em negativo, olhar mal ou olhar com malícia. Os termos “mau-olhado” em português, “malocchio” em italiano ou “mauvais-œil” em francês têm exatamente a mesma etimologia da palavra inveja, ou seja, “olhar mal”, olhar alguém “em negativo”. De fato, em muitas sociedades invejar alguém é associado a lançar o mau-olhado contra alguém (Evans-Pritchard, 1937Evans-Pritchard, Edward E. (1937). Witchcraft, oracles and magic among the Azande. New York: Oxford University Press.; Schoeck, 1969Schoeck, Helmut. (1969) [1966]. Envy: a theory of social behavior. Trad. Michael Glenny and Betty Ross. New York: Harcourt, Brace & World.), e Dante Alighieri (1981)Alighieri, Dante. (1981) [1472]. A divina comédia. São Paulo: Abril., na Divina comédia, situa os invejosos no purgatório com os olhos costurados.

Como os comentários de Eliane indicam, em Condado a situação é semelhante, e ter inveja é sinônimo de ter olho grande, olho gordo, um atributo perigoso, que pode ter o efeito de atingir o corpo das pessoas, adoecê-las e até matá-las. Seguindo esse caminho interpretativo, fiquei interessado em saber se o meu problema de saúde era de algum modo comparável ao do mestre caboclo Bel. Felizmente, ninguém associou minha infecção ao olho grande dos invejosos, mas todos explicaram a doença de Bel nesses termos, como, aliás, ele também me explicara. Por que essa diferença? “Invejamos as pessoas que são próximas de nós em termos de espaço, tempo, idade, reputação (e nascimento). As pessoas, portanto, que têm mais ou menos os mesmos desejos e as mesmas possibilidades. O menino inveja o irmão que recebeu um presente que ele não recebeu. A menina inveja a amiga que foi a um baile ao qual ela não foi convidada. Ambos desejam aquilo que podiam razoavelmente imaginar poder obter”, nos explica o sociólogo Francesco Alberoni (2000)Alberoni, Francesco. (2000 [1991]). Gli invidiosi. Milano: Garzanti. a partir das intuições de Aristóteles.8 8 No original : “Invidiamo cioè le persone che ci sono vicine per tempo, per spazio, per età, per reputazione (e per nascita). (Aristotele, Retorica). Le persone, cioé, che hanno più o meno gli stessi desideri e le stesse possibilità. Il ragazzo invidia il fratello che ha ricevuto un regalo che a lui non é stato dato. La ragazza invidia l’amica che è andata ad una festa da ballo a cui non è stata invitata Entrambi desiderano quelle cose che non potevano ragionevolmente presumere di poter ottenere.” (Alberoni, 2000, p. 51). Sendo eu estrangeiro às relações de proximidade locais, não podia despertar a inveja das pessoas e não estava exposto aos perigos causados pelo olho grande.

Bel encontrava-se em posição oposta à minha. Naquele ano, ele brincava como mestre caboclo do Maracatu Leão de Ouro: ele era o chefe, o dançarino com a responsabilidade de conduzir, liderar e guiar as manobras do grupo inteiro. Bel era, portanto, o brincante que estava mais à vista, mais exposto ao olhar - e, portanto, ao olho grande também - dos outros, dos rivais, dos inimigos, dos invejosos. O responsável pelos “ataques” ao corpo de Bel foi apontado de maneira unânime: tratava-se do antigo mestre caboclo, que tinha liderado o grupo até o ano precedente, antes de se mudar para o maracatu da cidade vizinha. O culpado pela doença imprevista de Bel foi portanto detectado na pessoa que, do ponto de vista da atividade performativa, era o mais próximo, o mais igual a Bel: um dançarino que executava o mesmo papel, que brincava na mesma posição.

PROTEÇÃO DA INVEJA

Nas conversas intermináveis que acompanham o carnaval, Bel foi considerado vítima da inveja, do olho grande de um rival, embora também fosse acusado de não se ter defendido de maneira apropriada. Na opinião dos maracatuzeiros, quanto mais uma pessoa está exposta à inveja, mais deve recorrer a práticas de defesa e proteção. Como, afinal, proteger-se da inveja?

Em meio à grande quantidade de talismãs, amuletos e objetos de proteção contra o mau-olhado, em vários países europeus encontramos precisamente... o símbolo do olho. É o caso dos barcos de pesca no Mediterrâneo, pintados com dois olhos na frente, ou das árvores votivas da Capadócia (Turquia), decoradas com centenas de nazar boncuk, amuletos em vidro branco e azul, que representam o olho e são considerados eficazes na proteção do mau-olhado. Esse emblema existe também no Brasil, onde é chamado de olho grego. Pode parecer curioso utilizar o símbolo do olho para defender-se do olho grande dos invejosos, mas esse tipo de defesa - que poderíamos chamar de analógica, porque se serve da mesma “arma” que causa o prejuízo - é prática muito antiga. Pensamos na máxima “olho por olho, dente por dente”, que exprime a ideia segundo a qual a punição deve ser igual ao crime, um princípio que deu origem à lei registrada de forma escrita mais antiga da história da humanidade: a lei de talião.9 9 Do latim lex talionis (lex: lei; e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião ou retaliação, baseada no princípio do “castigo-espelho”.

Voltando ao maracatu rural e observando de perto (e de bom olho...) a fantasia da sua personagem mais emblemática, o caboclo de lança, seria mesmo possível ver uma correspondência entre o símbolo do olho grego e as lantejoulas que compõem o manto decorado que cobre o corpo dos brincantes (figura 5 abaixo e a figura 6 na página seguinte).

5
“Olho grego”, amuleto de proteção contra mau-olhado

6
Detalhe da gola do caboclo de lança Condado, fev. 2017

Se essa semelhança pode ser mera coincidência, outras propriedades estéticas da fantasia do caboclo de lança podem ser interpretadas como medidas protetoras contra a inveja e o olho grande.

Em primeiro lugar, os desenhos decorativos da gola podem ser compreendidos como barreiras simbólicas a entidades invisíveis que podem atingir o corpo dos caboclos de lança. Sem entrar em análise detalhada, é suficiente observar como a maioria desses desenhos é não figurativa, com predominância de padrões geométricos simétricos semelhantes a formas labirínticas. Ora, o antropólogo britânico Alfred Gell (1998)Gell, Alfred. (1998). Art and agency. An anthropological theory. Oxford: Clarendon Press. introduziu duas ideias interessantes relacionadas à questão do ornamento decorativo: a da armadilha mental (mind trap) e a de apego (attachment). De acordo com Gell, os motivos decorados não figurativos, “envolvidos numa dança labiríntica”, fazem o sujeito perder-se no objeto, o pegam, o retêm. Mais precisamente, os padrões decorativos agem como armadilhas perceptivas quando carregam dentro deles uma certa indecifrabilidade cognitiva (cognitive indecipherability), quando aparecem como negócio inacabado (unfinished business). É o caso dos padrões labirínticos encontráveis em artefatos de inúmeros lugares do mundo, incluídas as golas dos caboclos do maracatu rural. Além disso, Gell sugeriu que esse tipo de padrões decorativos tem geralmente uma função apotropaica, ou seja, de proteção das entidades negativas, exatamente a título dessa propriedade de indecifrabilidade, que age como tela defensiva (defensive screen):

Um momento de reflexão é suficiente para realizar que, em primeiro lugar, as relações de conflito e disputa são tão ‘sociais’ quanto as relações de solidariedade, e em segundo lugar, que onde encontramos conflitos encontramos também um grande desenvolvimento de todo tipo de arte decorativa. Muita dessa arte é de um tipo que podemos chamar de “apotropaico”. A arte apotropaica, que protege um agente [...] do recipiente (geralmente o inimigo na sua forma demoníaca mais do que humana) é um dos principais exemplos de agentividade artística, e portanto, um assunto de grande importância pela antropologia da arte.

A utilização apotropaica dos padrões é [feita] enquanto dispositivos de proteção, de telas defensivas, ou obstáculos que impedem a passagem. Esse uso “apotropaico” dos padrões pode parecer paradoxal, porque a colocação de padrões para manter os demônios à distância parece contraria à utilização dos padrões, em outros contextos, como maneira de provocar apego entre as pessoas e os artefatos. Se os padrões [decorativos] cativam, não deveriam atrair os demónios em vez de os repelir? Mas esse paradoxo é aparente mais do que real, porque a função apotropaica dos padrões depende da própria adesividade/aderência, assim como dessa mesma propriedade depende a capacidade deles a atrair as pessoas aos objetos. De fato, os padrões apotropaicos são como armadilhas, mata-moscas para os demónios, nos quais os demónios ficam presos irremediavelmente, tornando-se assim inofensivos (Gell. 1998: 83-84, minha ênfase).10 10 No original: “A moment’s reflection is sufficient to realize, first of all, that relations of conflict and struggle are just as ‘social’ as relations of solidarity, and secondly, that wherever one finds conflict there one finds abundant deployment of all kinds of decorative art. Much of this art is of the variety known as ‘apotropaic.’ Apotropaic art, which protects an agent [...] against the recipient (usually the enemy in demonic rather than human form), is a prime instance of artistic agency, and hence a topic of central concern in the anthropology of art. The apotropaic use of patterns is as protective devices, defensive screens or obstacle impeding passage. This ‘apotropaic’ use of patterns seems paradoxical in that the placing of patterns to keep demons at bay seems contrary to the use of patterns in other contexts as a means of bringing about attachment between people and artefacts. If pattern attract, wouldn’t they also attract, rather than repel demons? But the paradox is apparent rather than real in that the apotropaic uses of patterns depends on adhesiveness just as the use of patterns to attract people to things. Apotropaic patterns are demon-traps, in effect, demonic fly-paper, in which demons become hopelessly stuck, and thus rendered harmless (Gell, 1998: 83-84, my emphasis)”

As intuições de Gell aplicam-se perfeitamente ao caso do maracatu rural, uma performance baseada num éthos de rivalidade e conflito e na qual, com razão, a “arte decorativa” ocupa um papel de primeiro plano. É essa arte decorativa que permite ao caboclo de lança agir como um “corpo-armadilha”, impedindo que entidades negativas atinjam seu corpo e, por conseguinte, sua saúde. Ainda mais pertinente, nesse contexto, é o paradoxo aparente entre a necessidade de atrair, cativar, captar e, ao mesmo tempo, afastar, rejeitar, repelir as entidades negativas que, inevitavelmente, circulam de forma mais intensa na época do carnaval. Essa função paradoxal pode ser atribuída não só aos padrões decorativos da gola, demon-traps que defendem o caboclo de lança dos perigos invisíveis provenientes do olho grande dos invejosos, mas também à propriedade estética mais saliente da fantasia do caboclo: o brilho.

O BRILHO

O caboclo de lança, símbolo do carnaval de Recife, cuja imagem colorida é utilizada para publicidade dessa manifestação, é por definição uma figura brilhante (figura 7). Esse adjetivo é válido num plano simbólico, como sinônimo de pessoa valiosa, com qualidades positivas como a coragem, a resistência, a beleza, a habilidade na dança. Brilhante significa também “caráter ou condição daquilo que esbanja luxo, opulência, esplendor, magnificência” (Houaiss & Villar, 2001Houaiss, Antonio & Villar, Mauro Salles. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.); de fato, não é difícil observar essa abundância e essa magnificência na fantasia do caboclo. Os materiais utilizados não são, em si, preciosos, mas são utilizados em grandíssima quantidade. Assim, o custo para realizar a fantasia pode ser muito alto: a dimensão do chapéu, o número de fitas colocadas na lança, a gola mostram publicamente quanto tempo e quanto dinheiro foram investidos para brincar no carnaval.

7
O brilho dos caboclos de lança Condado, fev. 2017

O brilho do caboclo de lança aplica-se também num plano literal: “algo que emite luz forte, viva; fulguroso, luminoso” (Houaiss & Villar, 2001Houaiss, Antonio & Villar, Mauro Salles. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.). Os passos de dança do caboclo e os movimentos da cabeça (agitar para baixo e para cima, para os lados) espalham o brilho do chapéu e da gola em todas as direções, com efeito caleidoscópico. Seja de dia com o sol intenso ou de noite quando as luzes artificiais da cidade se acendem, ninguém pode ficar indiferente ao brilho do caboclo de lança passando na rua.

Ora, a característica principal do brilho é a atração que ele provoca. Um material brilhante atrai o olhar dos outros, e uma pessoa brilhante, também. A partir da fase de preparação do carnaval, quando os maracatuzeiros passam o dia inteiro elaborando os chapéus e bordando (costurando) as golas, até o momento de clímax, quando diante da sede mostram sua fantasia à cidade toda, o olho dos outros é hipersolicitado, hiperestimulado. Junto aos comentários de admiração pela beleza de um caboclo e pela sua maestria nos passos de dança, a exposição pública da própria fantasia, da própria magnificência, da própria habilidade, pode gerar críticas e dúvidas do tipo: “De onde ele tirou todo aquele dinheiro para poder comprar um material tão caro?” Quando essa atividade do olhar se torna intensa demais, provocando pensamentos ou comentários desse tipo, já não pressupõe um olho normal, mas um olho “grande”, “gordo”, invejoso. Isso explica por que o risco de esse olho ficar “grande” é maior nesse período do ano: o carnaval é o momento em que as pessoas mostram publicamente, dentro e fora da comunidade, a própria beleza, riqueza, habilidade, poder - numa palavra, o próprio brilho.

O brilho atrai, mas também reflete, recusa, rejeita. As lantejoulas da gola, as fitas do chapéu, os óculos de sol do caboclo, são materiais altamente refletores que, por definição, em vez de absorver a luz, não a deixam entrar. Da mesma forma, esses materiais recusam o olhar dos outros: não é possível olhar algo brilhante por muito tempo sem fechar os olhos, porque eles são “atacados” pela luz refletida. Eis o paradoxo: a fantasia tem a dupla propriedade de cativar, atrair o olhar dos outros, e simultaneamente providenciar defesa desse olho que pode tornar-se demasiado “grande”, perigoso. “Olha o meu brilho, mas cuidado para não olhar demasiado senão vai ficar cego” parece ser uma tradução do efeito visual da fantasia do caboclo de lança.

O mesmo tipo de efeito paradoxal - atrair e afastar - é obtido acusticamente: “Ouve-me, mas cuidado para não me ouvir em demasia senão vai ficar surdo”, poderia ser uma metáfora do caboclo que dança na rua batendo o surrão. Nessa estrutura em madeira que o caboclo carrega nos ombros, sob a gola, são colocados grandes chocalhos em metal, que emitem um som seco, forte e regular a cada passo. O som dos chocalhos, além de ser forte, é também “brilhante”. Esse adjetivo, no domínio sonoro, indica som com muitos harmônicos superiores realçados e frequentemente associado ao timbre dos metais (Shimoda, 2013Shimoda, Lucas Takeo. (2013). O vocabulário descritivo do timbre sob o prisma da semiótica tensiva. In: Encontro internacional de teoria e análise músical, 3. São Paulo: ECA-USP.). Um som brilhante, do ponto de vista perceptivo, é um som “claro”, ou seja, capaz de ativar instantaneamente o ouvido, de “abrir as orelhas”. Ao mesmo tempo, especialmente quando à caraterística do brilho do som vem juntar-se uma intensidade elevada e um ataque abrupto, como é caso nas percussões metálicas, o efeito incomoda, perturba o ouvido. Os maracatuzeiros têm um gosto particular em ouvir os chocalhos dos caboclos e afirmam reconhecer a pessoa a partir do som do seu surrão. Para quem não brinca ou não gosta do carnaval, esse som pode ser bastante desconfortável, convidando a tapar as orelhas.

É útil lembrar que o som dos chocalhos e dos sinos em geral, em muitas sociedades diferentes, tem uma função apotropaica (Schaeffner, 1978Schaeffner, André. (1978) [1936]. Origine degli strumenti músicali. Palermo: Sellerio.; Ricci, 2012Ricci, Antonello. (2012). Il paese dei suoni. Antropologia dell’ascolto a Mesoraca (1991-2011). Roma: Squilibri.). Nas regiões rurais da sul da Europa ainda é possível encontrar, durante a época do carnaval ou das festividades invernais, personagens mascarados e fantasiados semelhantes aos caboclos de lança do maracatu rural, andando nas ruas das aldeias com chocalhos pendurados à cintura.11 11 Trata-se geralmente dos mesmos chocalhos utilizados pelos animais, dado que nessas sociedades a economia pastoril era (e em alguns casos ainda é) predominante. Sobre os caretos de Portugal, ver Raposo (2010); sobre os carnavais da Grécia, ver Panopoulos (2003). Entre as variedades de interpretações locais desse costume, a mais frequente é a função mágica e propiciatória atribuída ao som dos chocalhos, um som capaz de afastar as entidades invisíveis consideradas perigosas para o indivíduo e para a coletividade inteira e que, nesse período do ano, estão supostamente mais ativas, mais próximas dos homens.

Outra prova desta dupla função do som dos chocalhos - atrair e recusar -, sempre no contexto rural europeu, vem dos significados atribuídos frequentemente ao som dos grandes sinos das igrejas. A forte intensidade e ampla propagação do som no espaço, audível desde longe, sempre teve a função de indicar as horas, de atrair os fiéis à missa ou informar algum evento específico. Antigamente, porém, o som dos sinos das igrejas também era usado para afastar as tempestades e o granizo, e por consequência proteger as colheitas. “O espírito das tempestades se afaste” (Recedat spiritus procellarum), dizem as inscrições latinas gravadas nos antigos sinos. O impacto procurado não era certamente baseado em princípios meteorológicos, mas antes metafísicos, dado que as tempestades eram percebidas como um espírito, e não como um fenômeno natural.

Com base nessas considerações, não me parece exagerado interpretar o som dos chocalhos do caboclo segundo o mesmo paradoxo existente no domínio visual: o caboclo de lança, com seus movimentos e suas danças, chama a atenção das pessoas, ativa-lhes os sentidos acima do normal, mas, ao mesmo tempo, rejeita, reflete, recusa os efeitos negativos que podem surgir dessa hiperativação sensorial, sobretudo o sentimento de inveja que daí pode decorrer.

FECHAR O CORPO

A melhor estratégia para prevenir os perigos é evitar que o olho dos inimigos se “abra” demasiado, fora de um alcance razoável, até ficar grande ou gordo. A fantasia do caboclo de lança pode ser interpretada como um escudo que, por meio dos padrões labirínticos e do brilho refletido, “captura” as entidades negativas e fecha o olho dos invejosos. “Fechar”, porém, não é apenas uma prática de ataque (ou contra-ataque); é simultaneamente estratégia defensiva fundamental, que interessa também ao próprio corpo do caboclo.

Nos comentários dos maracatuzeiros da Zona da Mata norte, emerge uma oposição explícita entre corpo aberto, sinônimo de corpo susceptível, vulnerável, e corpo fechado, sinônimo de corpo protegido (ver também Garrabé, 2010Garrabé, Laure. (2010). Les rythmes d’une culture populaire: les politiques du sensible dans le maracatu de baque solto, Pernambuco, Brésil. Thèse de Doctorat. Université de Paris-8.; Teixeira, 2016Teixeira, Raquel Dias. (2016). Cuidado e proteção em brinquedos de cavalo-marinho e maracatu da Zona da Mata Pernambucana. Anuário Antropológico, 41/2, p. 77-94.). Assim, quando perguntei a um velho brincante do Maracatu Leão de Ouro o que ele pensava a respeito da dor repentina que atingiu a perna do mestre caboclo Bel, ele olhou para mim, fez o gesto de abrir a boca, e comentou: “Não se pode sair no carnaval de boca aberta!” Outro dia, olhando com Aguinaldo os vídeos que eu tinha gravado durante um ensaio de maracatu, reparei um caboclo que dançava sorrindo. Comentei, de maneira bastante ingênua, que me parecia bonita essa maneira de brincar, e Aguinaldo reagiu firmemente: “Caboclo não deve sorrir!”. O sorriso é pouco compatível com a ética guerreira associada ao caboclo de lança, mas também com a ética do corpo fechado.

Em Condado, todos concordam em dizer que para brincar o carnaval em segurança, sem riscos de sofrer os ataques lançados pelos inimigos - e principalmente pelos invejosos - é preciso fechar o corpo. O que significa essa expressão? A resposta é bastante intuitiva: como se fecha a porta com cadeado ao sair de casa, para impedir a entrada de desconhecidos, fecha-se o corpo ao sair no carnaval para impedir a entrada de entidades invisíveis consideradas perigosas para a saúde e a integridade física do brincante. Os procedimentos utilizados para esse fim variam de pessoa para pessoa e podem atuar em pelo menos três dimensões: física/fisiológica, estética e espiritual.

A fechadura fisiológica se exprime na interdição de relações sexuais antes do carnaval (resguardo), ao longo de um período variável de quinze dias a uma semana, e durante os três dias das festividades. Ao contrário do que acontece em outras regiões, incluindo as cidades vizinhas de Olinda e Recife, em que o carnaval é associado a uma grande promiscuidade, no maracatu rural máxima atenção é dada à separação entre homens e mulheres, que evitam contatos prolongados. Quando o maracatu se desloca de cidade em cidade para se apresentar, homens e mulheres viajam em ônibus diferentes. Um corpo que deixa sair fluidos é um corpo aberto, desprotegido, e mulheres que estiverem no período menstrual também não podem brincar.

A fechadura estética é explícita na maneira de vestir do caboclo de lança. Camisas de mangas longas, sapatos fechados, calças compridas e meias até o joelho garantem que nenhuma parte do corpo fique descoberta. Os olhos são fechados com óculos de sol, a boca com um cravo branco preso aos dentes (impedindo que o caboclo sorria). Até os poros são fechados com tinta vermelha. A estética da gola também ilustra esse esforço em fechar o máximo possível: os padrões geométricos e as sequências coloridas ocupam todo o espaço do manto, sem deixar nenhuma superfície vazia, branca, sem deixar buracos, interrupções, permeabilidades.

A fechadura espiritual é assegurada por meio de vários tipos de rituais, dentre os quais se destaca o calço do caboclo. Feito imediatamente antes do início do carnaval em terreiros de umbanda-jurema, catimbó ou xangô, o calço é ritual dito de mesa que tem o objetivo de assegurar ao caboclo de lança uma proteção, uma defesa espiritual. No fim do carnaval, o calço é “tirado” (removido) no mesmo terreiro. Não há apenas um modo de calçar o caboclo de lança. Ao contrário, essas práticas são processos singulares utilizados de forma diferente em cada casa de culto, que podem atingir uma multiplicidade de conhecimentos e modos de ação.12 12 Ao longo de minha estada em Condado, pude assistir três vezes a esse ritual, na mesma casa de culto e com caboclos de lança diferentes. Vou dedicar outro artigo à analise detalhada do ritual do calço. No ritual que pude observar, o médium utilizou a palavra “fechar” de forma explícita e recorrente, em frases do gênero: “Pelo sinal da Santa cruz valemi [valei-me] Deus de todos os teus inimigos fechar o teu corpo por dentro e por fora assim como a barca de Noé foi fechada”. O pai de santo Biu explicou-me que, para conferir eficácia a essas fórmulas verbais, ele “incorpora” várias entidades, entre as quais antigos mestres de maracatu. Do outro lado, o caboclo de lança que vai “buscar a defesa” na casa de culto, no caso específico que pude observar, não incorpora nenhuma entidade. Em outras palavras, as entidades convocadas durante o ritual do calço - especialmente os caboclos da umbanda-jurema - não “entram” no corpo do caboclo de lança, não tomam conta de seu corpo, como acontece em outros rituais da umbanda-jurema ou do candomblé, mas apenas nele se “encostam”, o “revestem” para o proteger ao longo dos três dias de carnaval. O corpo carnavalesco é portanto um corpo revestido, e não simplesmente travestido. Esse revestimento, que a palavra calço exprime de maneira bem explícita, é o que fecha o corpo, protegendo-o das “balas perdidas”, das “facadas” e dos “malefícios” (termos utilizados pelo pai de santo) que poderiam chegar em consequência do olho grande dos invejosos.

CONCLUSÃO

Resumindo, os membros dos grupos de maracatu rural da Zona da Mata norte pernambucana sentem-se particularmente expostos, na época do carnaval, a vários tipos de doenças. Repentina dor nas pernas dos caboclos dançarinos ou dor de barriga nas damas do passo podem até os impedir de brincar.

Em Condado, pequena cidade do “Nordeste místico” (Bastide, 1978Bastide, Roger. (1978) [1945]. Imagens do nordeste místico em branco e preto. Rio de Janeiro: O Cruzeiro.), as pessoas atribuem uma explicação unânime a esses acontecimentos. As doenças que afetam o corpo têm origem no sentimento de inveja das pessoas que “querem ter e não têm”. Esse sentimento intersubjetivo é exacerbado na época do carnaval, um contexto competitivo no qual a confrontação e a rivalidade, dimensões fundamentais do éthos guerreiro do maracatu rural, assumem proporções consideráveis. A necessidade e o desejo de expor publicamente habilidade e magnificência correspondem ao perigo de tornar o olho dos invejosos demasiado grande. Daí a necessidade de práticas defensivas, tanto no plano ritual quanto no plano estético.

É possível interpretar algumas características do maracatu rural e de sua personagem principal, o caboclo de lança, a partir de um aparente paradoxo: atrair atenções, olhares e ouvidos e ao mesmo tempo recusar, refletir, rebater as entidades negativas que o olho grande pode despertar. Os padrões decorativos labirínticos da gola, aos quais pode ser atribuída uma função apotropaica (Gell, 1998Gell, Alfred. (1998). Art and agency. An anthropological theory. Oxford: Clarendon Press.), os materiais brilhantes e refletores utilizados na fantasia e a atenção minuciosa em revestir todo o corpo, incluindo os olhos, convidam a pensar o caboclo de lança como um “corpo-armadilha”. Essa estética exprime um tipo de defesa que pode ser chamada de analógica: o brilho é uma propriedade óptica capaz de atingir o mesmo órgão do qual vem o perigo. Quanto mais cresce o olho dos invejosos mais o brilho da luz pode atacá-lo de volta. Fechando-o, o torna inofensivo.

Para brincar o carnaval sem arriscar a própria saúde é necessário fechar os olhos dos invejosos, mas também é preciso fechar o próprio corpo, fisiológica, simbólica e esteticamente. A expressão corpo fechado, nesse contexto, é sinônimo de corpo protegido, poderoso, saudável, invencível, enquanto corpo aberto o é de corpo vulnerável, susceptível aos ataques das entidades negativas despertadas pelo olho grande de rivais e inimigos.

Na primeira parte deste artigo, declarei meu interesse principal de perceber quais experiências emocionais são mobilizadas pela música e pela dança, e revelar o significado dessas experiências num contexto cultural particular. Nessa direção explorei a dimensão social do sentimento de inveja, o que certamente não é suficiente para determinar com precisão as vivências emocionais dos maracatuzeiros e a relação delas com a música e a dança. No entanto, é útil lembrar que, de acordo com Spinoza (1954Spinoza, Baruch. (1954) [1677]. L’éthique. Paris: Gallimard., apud Solomon, 2003Solomon, Robert C. (2003). What is an emotion? New York/Oxford: Oxford University Press.: 33), as emoções são “afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, bem como, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções”. Damasio (1995)Damasio, Antonio. (1995). L’erreur de Descartes. La raison des émotions. Paris: Odile Jacob., em seus importantes trabalhos sobre as emoções, inspira-se nessa mesma definição, abrindo o caminho para um novo paradigma, no qual o corpo é o centro da atenção. Hoje em dia, os cientistas cognitivos dão muito mais importância à pesquisa sobre “incorporação” (embodiment) dos estados afetivos (De Gelder, 2016De Gelder, Beatrice. (2016). Emotions and the Body. New York: Oxford University Press.). Os antropólogos também se interessam pelo corpo enquanto lugar privilegiado de expressão, percepção das emoções (Héritier & Xanthhakou, 2004Héritier, Françoise & Xanthakou, Margarita (éd.). (2004). Corps et affects. Paris: Odile Jacob.) e o paradigma do embodiment também é relevante para a pesquisa em música (Leman, 2007Leman, Marc. (2007). Embodied music cognition and mediation technology. Cambridge: The MIT Press.; Desroches, Stévance & Lacasse, 2014Desroches, Monique; Stévance, Sophie & Lacasse, Serge (dir). (2014). Quand la musique prend corps. Montréal: Les Presses de l’Université de Montréal.).

Dessa forma, um primeiro passo para perceber a vivência emocional dos maracatuzeiros foi olhar de perto como, na época do carnaval, o corpo dos brincantes é concebido. Trata-se nesse caso de uma verdadeira transformação espiritual e estética, que por sua vez é ligada a um universo místico bem particular. O maracatu, porém, é uma atividade coletiva na qual vários corpos individuais devem cooperar. É evidente que as vivências emocionais dos protagonistas - e especialmente a alegria procurada no carnaval - dependem desses sistemas de interações e movimentos coletivos (manobras). O próximo passo será, portanto, perceber como esse corpo individual transformado se relaciona com outros corpos ao longo de uma performance de maracatu. Mas essa é outra história, à qual vou dedicar outro artigo.

Notas

  • *
    Este artigo se enquadra no projeto “The Healing and Emotional Power of Music and Dance”, (HELP-MD), financiado pela Fundação da Ciência e Tecnologia de Portugal (PTDC/ART-PER/29641/2017). A pesquisa de campo em Pernambuco foi possível graças a uma bolsa Capes de professor convidado (PVE 0337-14-5) e ao programa “Investigador FCT” da Fundação da Ciência e Tecnologia de Portugal (IF/01233/2014/CP1221/CT0002). Agradeço a Carlos Sandroni, Aguinaldo e todos os membros do Maracatu Leão de Ouro, de Condado, a hospitalidade e amizade que me ofereceram ao longo de minha pesquisa de campo. Meus agradecimentos também a Leon Bucaretchi, Fatima Barahona, Jean-Pierre Estival, Alan Monteiro Jr., aos revisores anônimos e à equipe editorial de Sociologia & Antropologia pelos conselhos e correções deste texto, escrito originalmente em português.
  • 1
    Nessa e nas demais citações em idiomas estrangeiros a tradução é nossa. No original: “Happiness is the emotion most frequently associated to musical listening and may constitute one of the ‘universals’ of cross-cultural studies of music and emotion.”
  • 2
    No original: “musically aroused and excited”.
  • 3
    O documentário explora a dimensão religiosa e sagrada dos grupos de maracatu de baque virado e de baque solto. A dama do paço, figura fundamental de todos os maracatus, dança tendo na mão uma pequena boneca preta, a calunga, que supostamente guia e protege o grupo, ligando o maracatu com os orixás (divindades de origem africana).
  • 4
    O cavalo marinho é um teatro de rua, praticado principalmente durante a época do Natal, no qual vários personagens mascarados narram comicamente a vida dos trabalhadores rurais (Murphy, 2008Murphy, John Patrick. (2008). Cavalo-marinho pernambucano. Trad. André Curiati. Belo Horizonte: Editora UFMG.; Acselrad, 2013Acselrad, Maria. (2013). Viva Pareia! Corpo, dança e brincadeira no cavalo-marinho de Pernambuco. Recife: Editora Universitária UFPE.). Para uma descrição do maracatu rural, ver Real (1967)Real, Katarina. (1967). O folclore no carnaval do Recife. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro., Chaves (2008)Chaves, Suiá Omim Arruda C. (2008). Carnaval em terras de caboclo: uma etnografia sobre maracatus de baque solto. Dissertação de Mestrado. PPGAS/Universidade Federal do Rio de Janeiro., Garrabé (2010)Garrabé, Laure. (2010). Les rythmes d’une culture populaire: les politiques du sensible dans le maracatu de baque solto, Pernambuco, Brésil. Thèse de Doctorat. Université de Paris-8., Teixeira (2016)Teixeira, Raquel Dias. (2016). Cuidado e proteção em brinquedos de cavalo-marinho e maracatu da Zona da Mata Pernambucana. Anuário Antropológico, 41/2, p. 77-94., Morais e Silva (2018)Morais e Silva, Noshua Amoras de (2018). Composição e metamorfose no maracatu da Zona da Mata de Pernambuco. Dissertação de Mestrado. PPGAS/Universidade Federal do Rio de Janeiro..
  • 5
    Trata-se, grosso modo, de religião de origem afro-indígena misturada com elementos da corrente esotérica europeia conhecida como kardecismo (Assunção, 2006Assunção, Luiz. (2006). O reino dos mestres: a tradição da jurema na umbanda nordestina. Rio de Janeiro: Pallas.; Guimarães de Salles, 2010Guimarães de Salles, Sandro. (2010). À sombra da jurema encantada: mestres juremeiros na umbanda de Alhandra. Recife: Editora Universitária UFPE.). Nela são venerados os orixás, como no xangô (assim é chamado o candomblé em Recife), mas também outro conjunto de entidades ligadas a um imaginário nativo, especialmente os caboclos da mata, espíritos de guerreiros índios.
  • 6
    Em Condado, essa palavra é utilizada de forma bastante genérica para indicar vários tipos de culto. Luís refere-se aqui ao da umbanda-jurema, ao qual parte dos habitantes de Condado adere.
  • 7
    Como é sabido, as pesquisas atuais sobre as religiões afrobrasileiras são muito numerosas e não é meu proposito citá-las todas neste artigo. Para o contexto pernambucano, ver Motta (1999Motta, Roberto. (1999). Religiões afro-recifenses: ensaio de classificação. In: Caroso, Carlos & Bacelar, Jeferson (orgs.). Faces da tradição afro-brasileira. Rio de Janeiro/Salvador: Pallas/CEAQ/CNPq, p. 17-35., 2009Motta, Roberto. (2009). O corpo e a religião no xangô e na umbanda. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, 8, p. 101-115.).
  • 8
    No original : “Invidiamo cioè le persone che ci sono vicine per tempo, per spazio, per età, per reputazione (e per nascita). (Aristotele, Retorica). Le persone, cioé, che hanno più o meno gli stessi desideri e le stesse possibilità. Il ragazzo invidia il fratello che ha ricevuto un regalo che a lui non é stato dato. La ragazza invidia l’amica che è andata ad una festa da ballo a cui non è stata invitata Entrambi desiderano quelle cose che non potevano ragionevolmente presumere di poter ottenere.” (Alberoni, 2000Alberoni, Francesco. (2000 [1991]). Gli invidiosi. Milano: Garzanti., p. 51).
  • 9
    Do latim lex talionis (lex: lei; e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião ou retaliação, baseada no princípio do “castigo-espelho”.
  • 10
    No original: “A moment’s reflection is sufficient to realize, first of all, that relations of conflict and struggle are just as ‘social’ as relations of solidarity, and secondly, that wherever one finds conflict there one finds abundant deployment of all kinds of decorative art. Much of this art is of the variety known as ‘apotropaic.’ Apotropaic art, which protects an agent [...] against the recipient (usually the enemy in demonic rather than human form), is a prime instance of artistic agency, and hence a topic of central concern in the anthropology of art. The apotropaic use of patterns is as protective devices, defensive screens or obstacle impeding passage. This ‘apotropaic’ use of patterns seems paradoxical in that the placing of patterns to keep demons at bay seems contrary to the use of patterns in other contexts as a means of bringing about attachment between people and artefacts. If pattern attract, wouldn’t they also attract, rather than repel demons? But the paradox is apparent rather than real in that the apotropaic uses of patterns depends on adhesiveness just as the use of patterns to attract people to things. Apotropaic patterns are demon-traps, in effect, demonic fly-paper, in which demons become hopelessly stuck, and thus rendered harmless (Gell, 1998Gell, Alfred. (1998). Art and agency. An anthropological theory. Oxford: Clarendon Press.: 83-84, my emphasis)”
  • 11
    Trata-se geralmente dos mesmos chocalhos utilizados pelos animais, dado que nessas sociedades a economia pastoril era (e em alguns casos ainda é) predominante. Sobre os caretos de Portugal, ver Raposo (2010)Raposo, Paulo. (2010). Diálogos antropológicos: da teatralidade à performance. In: Ferreira, Francirosy C. B. & Müller, Regina P. Performance, arte e antropologia. São Paulo: Hucitec, p. 19-49.; sobre os carnavais da Grécia, ver Panopoulos (2003)Panopoulos, Panayotis. (2003). Animal bells as symbols: sound and hearing in a Greek island village. Journal of the Royal Anthropological Institute, 9/4, p. 639-656..
  • 12
    Ao longo de minha estada em Condado, pude assistir três vezes a esse ritual, na mesma casa de culto e com caboclos de lança diferentes. Vou dedicar outro artigo à analise detalhada do ritual do calço.

REFERÊNCIAS

  • Acselrad, Maria. (2013). Viva Pareia! Corpo, dança e brincadeira no cavalo-marinho de Pernambuco Recife: Editora Universitária UFPE.
  • Alberoni, Francesco. (2000 [1991]). Gli invidiosi. Milano: Garzanti.
  • Alighieri, Dante. (1981) [1472]. A divina comédia. São Paulo: Abril.
  • Assunção, Luiz. (2006). O reino dos mestres: a tradição da jurema na umbanda nordestina. Rio de Janeiro: Pallas.
  • Bastide, Roger. (2001) [1958]. O candomblé da Bahia: rito nagô. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia da Letras.
  • Bastide, Roger. (1978) [1945]. Imagens do nordeste místico em branco e preto Rio de Janeiro: O Cruzeiro.
  • Baumgartner, Hans. (1992). Remembrance of things past: music, autobiographical memory, and emotion. In: Sherry, John F. Jr. & Sternthal, Brian (eds.). Advances in consumer research, 19, Provo, UT: Association for Consumer Research, p. 613-620.
  • Becker, Judith O. (2001). Anthropological perspectives on music and emotion. In: Juslin, Patrick N. & Sloboda, John A. (eds.). Music and emotion: Theory and research New York: Oxford University Press, p.135-160.
  • Bonini Baraldi, Filippo. (2016). Como estudar a emoção musical? Propostas metódologicas a partir de pesquisa junto aos ciganos da Transylvânia (Romênia). Sociologia & Antropologia, 6/3, p. 699-734.
  • Bonini Baraldi, Filippo. (2021). Roma music and emotion (Revised translation of the book Tsiganes, musique et empathie, foreword by Steven Feld, translation by Margaret Rigaud). New York: Oxford University Press.
  • Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (2015). Carnaval, ritual e arte Rio de Janeiro: 7Letras.
  • Chaves, Suiá Omim Arruda C. (2008). Carnaval em terras de caboclo: uma etnografia sobre maracatus de baque solto Dissertação de Mestrado. PPGAS/Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Damasio, Antonio. (1995). L’erreur de Descartes. La raison des émotions Paris: Odile Jacob.
  • De Gelder, Beatrice. (2016). Emotions and the Body. New York: Oxford University Press.
  • Desroches, Monique; Stévance, Sophie & Lacasse, Serge (dir). (2014). Quand la musique prend corps Montréal: Les Presses de l’Université de Montréal.
  • Evans-Pritchard, Edward E. (1937). Witchcraft, oracles and magic among the Azande New York: Oxford University Press.
  • Feld, Steven. (1982). Sound and sentiment. Birds, weeping, poetics, and song in kaluli expression Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
  • Gabrielsson, Alf. (2011). Strong experiences with music. New York: Oxford University Press.
  • Garrabé, Laure. (2010). Les rythmes d’une culture populaire: les politiques du sensible dans le maracatu de baque solto, Pernambuco, Brésil. Thèse de Doctorat. Université de Paris-8.
  • Gell, Alfred. (1998). Art and agency. An anthropological theory Oxford: Clarendon Press.
  • Guimarães de Salles, Sandro. (2010). À sombra da jurema encantada: mestres juremeiros na umbanda de Alhandra. Recife: Editora Universitária UFPE.
  • Héritier, Françoise & Xanthakou, Margarita (éd.). (2004). Corps et affects Paris: Odile Jacob.
  • Houaiss, Antonio & Villar, Mauro Salles. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
  • Leman, Marc. (2007). Embodied music cognition and mediation technology Cambridge: The MIT Press.
  • Lüddeckens, Dorothea. (2006). Emotion. In: Kreinath, Jens; Snoek, Jan & Stausberg, Michael ed. Theorizing rituals. Classical topics. Theoretical approaches. Analytical concepts. Annotated bibliography Leyden: Brill, p. 545-570.
  • Maakaroun, Eugênia de Freitas (dir.). (2005). Maracatu - ritmos sagrados. 25 min.
  • Morais e Silva, Noshua Amoras de (2018). Composição e metamorfose no maracatu da Zona da Mata de Pernambuco. Dissertação de Mestrado. PPGAS/Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Motta, Roberto. (2009). O corpo e a religião no xangô e na umbanda. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, 8, p. 101-115.
  • Motta, Roberto. (1999). Religiões afro-recifenses: ensaio de classificação. In: Caroso, Carlos & Bacelar, Jeferson (orgs.). Faces da tradição afro-brasileira. Rio de Janeiro/Salvador: Pallas/CEAQ/CNPq, p. 17-35.
  • Murphy, John Patrick. (2008). Cavalo-marinho pernambucano Trad. André Curiati. Belo Horizonte: Editora UFMG.
  • Panopoulos, Panayotis. (2003). Animal bells as symbols: sound and hearing in a Greek island village. Journal of the Royal Anthropological Institute, 9/4, p. 639-656.
  • Perrone-Moisés, Beatriz. (2015). Festa e guerra São Paulo: Universidade de São Paulo.
  • Raposo, Paulo. (2010). Diálogos antropológicos: da teatralidade à performance In: Ferreira, Francirosy C. B. & Müller, Regina P. Performance, arte e antropologia São Paulo: Hucitec, p. 19-49.
  • Real, Katarina. (1967). O folclore no carnaval do Recife Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.
  • Ricci, Antonello. (2012). Il paese dei suoni. Antropologia dell’ascolto a Mesoraca (1991-2011) Roma: Squilibri.
  • Rouget, Gilbert. (1990) [1980]. La musique et la transe. Esquisse d’une théorie générale des relations de la musique et de la possession. Paris: Gallimard.
  • Schaeffner, André. (1978) [1936]. Origine degli strumenti músicali. Palermo: Sellerio.
  • Schoeck, Helmut. (1969) [1966]. Envy: a theory of social behavior Trad. Michael Glenny and Betty Ross. New York: Harcourt, Brace & World.
  • Seeger, Anthony. (2004) [1987]. Why Suyà Sing. A musical anthropology of an Amazonian people Cambridge: Cambridge University Press.
  • Shimoda, Lucas Takeo. (2013). O vocabulário descritivo do timbre sob o prisma da semiótica tensiva. In: Encontro internacional de teoria e análise músical, 3. São Paulo: ECA-USP.
  • Sloboda, John A. & Juslin, Patrick N. (2010). Handbook of music and emotion: theory, research, applications. New York: Oxford University Press.
  • Solomon, Robert C. (2003). What is an emotion? New York/Oxford: Oxford University Press.
  • Spinoza, Baruch. (1954) [1677]. L’éthique Paris: Gallimard.
  • Teixeira, Raquel Dias. (2016). Cuidado e proteção em brinquedos de cavalo-marinho e maracatu da Zona da Mata Pernambucana. Anuário Antropológico, 41/2, p. 77-94.
  • Williams, Patrick. (1998). Django Marseille: Parenthèses.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2020
  • Revisado
    28 Out 2020
  • Aceito
    23 Maio 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo do São Francisco de Paula, 1, sala 420, cep: 20051-070 - 2224-8965 ramal 215 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistappgsa@gmail.com