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MOCIDADE REDIVIVA: MÁRIO DE ANDRADE, OS JOVENS MINEIROS DE 1920 E O SELF MODERNISTA

RENEWED YOUTH: MÁRIO DE ANDRADE, YOUNG PEOPLE FROM MINAS GERAIS IN THE 1920S, AND THE MODERNIST SELF

Resumo

O artigo analisa a relação entre Mário de Andrade e duas gerações de jovens escritores mineiros nos anos 1920. Tomando como material empírico da pesquisa o periódico A Revista e a correspondência de Mário com Carlos Drummond de Andrade, Francisco Martins de Almeida e Rosário Fusco, dentre outros, procurou-se qualificar a importância da categoria “mocidade” e como nela está implicada uma nova forma de ver a cultura e a as relações sociais. A hipótese do artigo é de que a correspondência de Mário com os rapazes mineiros, apesar de diversa, foi um mecanismo central para a modelagem de um self modernista, este fundamental para a construção do modernismo como movimento cultural, cujos valores e ideias teriam a mocidade como portadora social.

Palavras-chave:
Modernismo; Movimentos Culturais; Mário de Andrade; Pensamento Social Brasileiro; Socialização

Abstract

This article analyses the relation between Mário de Andrade and two generations of young people from Minas Gerais in the 1920s. Taking as its research material both the journal A Revista and Mário de Andrade’s correspondence with Carlos Drummond de Andrade, Francisco Martins de Almeida, and Rosário Fusco, among others, it aims to discuss the importance of the idea of “youth” for modernism and how it entails a new way of seeing culture and social relationships. The study hypothesizes that this correspondence, although diverse, was an essential tool for modelling a modernist self, which, in turn, was crucial to constructing modernism as a cultural movement whose values and ideas have youth as their social bearers.

Keywords:
Modernism; Cultural movements; Mário de Andrade; Brazilian Social Thought; Socialization

Não me canso de dizer: colocai todas as lições dos jovens em ação e não em discurso; nada aprendam pelos livros daquilo que a experiência possa ensinar-lhes.

[…] a verdadeira educação consiste menos em princípios do que em exercícios.

RousseauRousseau, Jean-Jacques. (1995). Emílio; ou Da educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., Emilio ou da educação.

Mais do que apenas uma “vanguarda” voltada para a tomada do Parnaso e o combate ao “passadismo” em nome da renovação artística entre os anos 1920 e 1940, o modernismo constituiu, sociologicamente, um movimento de luta permanente pela mudança cultural da sociedade brasileira, abrindo-se para o futuro e enlaçando diferentes gerações (Botelho & Hoelz, 2022Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2022). O modernismo como movimento cultural: Mário de Andrade, um aprendizado. Petrópolis: Vozes.). Inovações culturais, porém, dependem de portadores sociais para se enraizarem. Alain Touraine (1973Touraine, Alain. (1973). Production de la société. Paris: Éditions du Seuil., 1984Touraine, Alain. (1984). Le retour de l’acteur. Paris: Fayard.) já nos advertia que um movimento social disputa também o controle narrativo dos modelos de conduta e dos modos de reconhecimento e afecção a partir dos quais uma sociedade aprende, se organiza, (re)produz e altera recursivamente suas práticas. O que está em jogo, para dizer como Max Weber, é transformar a inspiração de poucos na convicção de muitos, isto é, fazer com que determinados valores e práticas particulares adquiram legitimidade e durabilidade, sendo compartilhados com o maior número possível de pessoas e grupos sociais.

A mudança que o modernismo pretende operar na sociedade afeta e transforma, igualmente, os próprios atores sociais que participam do movimento cultural, mesmo quando seus objetivos programáticos não são atingidos. Forja-se, assim, de acordo com Botelho e Hoelz (2022Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2022). O modernismo como movimento cultural: Mário de Andrade, um aprendizado. Petrópolis: Vozes.), uma espécie de self modernista, que confere sentido intersubjetivo e aderência aos ideais às vezes tão abstratos de sociedade, cultura e política do movimento, de que a “juventude” seria o avatar. Daí a aposta renovada, algo rousseaniana, no “vir-a-ser”/devir da juventude para realização, no tempo, das promessas modernistas. Esse papel da cultura como força social reflexiva é ressaltado pelo próprio líder do modernismo, Mário de Andrade, em sua famosa conferência de 1942, quando afirma e reitera que “os movimentos espirituais precedem sempre as mudanças de ordem social”, reconhecendo na cultura um fator “preparador” - “criador de um estado de espírito revolucionário e de um sentimento de arrebentação” (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora.: 241-242). A afirmação lembra a formulação de Weber de que as ideias criam visões de mundo que determinam, “como manobreiros, as linhas ao longo das quais a ação [é] impulsionada pela dinâmica dos interesses” (Gerth & Mills, 1974Gerth, Hans & Mills, C. Wright. (1974). Introdução: o homem e sua obra. In: Weber, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.: 83).

A correspondência de Mário de Andrade é um instrumento decisivo para a constituição desse self modernista. O engate geracional em torno de suas propostas acabou se mostrando particularmente efetivo entre os jovens mineiros, em especial os do chamado “Grupo do Estrela” e editores de A Revista. O chão de ferro das Minas Gerais foi fecundado pelas sementes que Mário de Andrade vinha cultivando em diferentes lugares, evidenciando o caráter de aprendizagem estética, moral e intelectual - a paideia - do modernismo. Isso está longe, porém, de significar que o modernismo mineiro seja uma simples realização das ideias de seu artífice paulista. Nada, aliás, é simples nessa relação. Não apenas não existem inovações estéticas e intelectuais que se deem num vazio de relações sociais, como tampouco foram passivas as respostas às exortações do líder modernista. O que surpreendemos aí é um encontro, pleno de contingências e de consequências, algumas destas imprevistas.

Apesar do tom de intimidade das missivas de Mário, a palavra modernista nelas semeada era transmitida para um destinatário coletivo, como sugere a recorrente interpelação do remetente: “Não pensem vocês, aí em Minas […]”. É o que confirmam também depoimentos diversos, como por exemplo o de Pedro Nava, que em sua “Evocação da Rua da Bahia” rememora as tardes passadas no Café Estrela, onde se conversava perdidamente “sobre as cartas de Mário, sobre o manifesto do ‘pau-Brasil’, sobre os rapazes de Cataguases, sobre o aparecimento da Estética, sobre o lançamento de A Revista, sobre a recuperação das amadas e a poesia do mundo” (Nava, 2012Nava, Pedro. (2012). Chão de ferro. São Paulo: Companhia das Letras .: 414-415). Mais do que a presença do remetente, essa presentificação produzida pelas cartas de Mário aos jovens mineiros (e a outros), como uma espécie de comunicação performática, vai afetando o destinatário e, por intermédio dele, o seu círculo mais amplo. A mensagem que assim se propagava ia não apenas modelando a subjetividade daqueles rapazes, que com 20 e poucos anos (ou até menos) iam fazendo escolhas e descobrindo inclinações (Araújo, 2014Araújo, Ricardo Benzaquen de. (2014). Um grão de sal: autenticidade, felicidade e relações de amizade na correspondência de Mário de Andrade com Carlos Drummond. História da historiografia, n. 16, p. 174-185.), mas conformando uma rede descentrada que articulava diferentes gerações em torno de um projeto comum, “nosso” - como indica a insistência de Mário em adotar nessas epístolas a primeira pessoa do plural (Bittencourt, 2019Bittencourt, Andre. (2019). Personalidade e destino: Pedro Nava, Mário de Andrade e a socialização do modernismo. Sociologia & Antropologia, v. 9, n. 1, p. 235-256.).

No caso da juventude modernista socializada no seio da “tradicional família mineira”, a preceptoria implicaria, antes de tudo, uma estratégica deseducação que a talhasse para assumir o papel social que lhe caberia historicamente, “a menos que preferissem morrer exaustos antes de ter brigado” (Andrade, C., 2011Andrade, Carlos Drummond de. (2011). Confissões de Minas. São Paulo: Cosac & Naify.: 72), diz Drummond evocando o título um tanto paradoxal do romance Mocidade morta, de Gonzaga Duque.

Aprofundando investigações coletivas anteriores (Bittencourt, 2019Bittencourt, Andre. (2019). Personalidade e destino: Pedro Nava, Mário de Andrade e a socialização do modernismo. Sociologia & Antropologia, v. 9, n. 1, p. 235-256.; Bittencourt & Hoelz, 2017Bittencourt, Andre & Hoelz, Maurício. (2017). O modernismo como vocação: Mário de Andrade e os mineiros. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 41., 2017, Caxambu. Anais […]. Caxambu: Anpocs.; Botelho & Hoelz, 2022Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2022). O modernismo como movimento cultural: Mário de Andrade, um aprendizado. Petrópolis: Vozes.), neste artigo buscaremos especificar a importância de Mário de Andrade na modelagem de um self modernista para as gerações mineiras de 1920 a partir de duas frentes: o combate ao ceticismo que constrangia estruturalmente a agência da mocidade, tal como formalizado nas páginas de A Revista; e a exigência de uma rotinização do trabalho intergeracional pela mudança cultural, expressa e exercida na correspondência com os jovens, da qual destacamos aqui, sobretudo, a com Rosário Fusco.

CATECISMO ANTI-CETICISMO

Ao enviar para Mário de Andrade o primeiro número de A Revista, principal publicação dos modernistas mineiros da década de 1920, Carlos Drummond de Andrade o faz quase se desculpando. Isso porque talvez não considerasse a revista suficientemente de vanguarda, pelo “inevitável passadismo de alguns colaboradores”, tornando-a uma verdadeira “arca-de-Noé” (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 133). Dirigida por Francisco Martins de Almeida e pelo próprio Drummond, A Revista concentrava em seu núcleo principal o chamado “Grupo do Café Estrela”, que incluía ainda os jovens Pedro Nava, Emílio Moura, Milton Campos, Alberto Campos, Aníbal Machado e Abgar Renault1 1 Para abordagens sistemáticas do movimento modernista em Minas Gerais, remetemos o leitor aos trabalhos de Dias (1971), Bueno (1982), Bomeny (1994), Marques (2011) e Pereira (2021). .

Ao responder ao angustiado Drummond, Mário procura acalmá-lo e percebe, no que parecia um fracasso e uma possível traição ao movimento, uma virtude potencial, uma estratégia interessante de não repetir experiências que, essas sim, mostravam-se frustradas, como o modelo de “igrejinha”, da revista Klaxon:

Botem bem misturado o modernismo bonito de vocês com o passadismo dos outros. Misturem o mais possível. É o único meio da gente fazer do público terra-caída amazonense. E isso é que é preciso. Ele pensa que está firme no passadismo e de supetão vai indo de cambulhada, não sabe e está se acostumando com vocês (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 133).

Recomendação semelhante oferece Manuel Bandeira (apud Doyle, 1976Doyle, Plinio. (1976). História de revistas e jornais literários. Rio de Janeiro: MEC: Fundação Casa de Rui Barbosa. v. 1.: 88), também após leitura do primeiro número, em agosto de 1925: “o Mário diz de vocês que é o grupo de modernistas mais fortes que o Brasil tem. Aconselho diplomacia nas relações com o passadismo mineiro, aproximação e sova por meio da prosa raciocinadora. Porrada só como revide”.

Bueno (1982Bueno, Antônio Sérgio. (1982). O modernismo em Belo Horizonte: década de vinte. Belo Horizonte: Ed. UFMG.) já observou como a copresença de modos de linguagem conflitantes distingue A Revista de outras publicações do gênero no período, mais do que a ligação com setores dos poderes oligárquicos (Dias, 1971Dias, Fernando Correia. (1971). O movimento modernista em Minas, uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa.)2 2 Como uma série de pesquisas já demonstraram, os modernismos dos anos 1920, em quase sua integralidade, ligavam-se de modo velado ou explícito às elites oligárquicas e/ou estatais de suas regiões, o que não torna, ao menos nesse aspecto, o modernismo mineiro uma exceção. Seja em São Paulo (Berriel, 2013; Miceli, 2012), em Pernambuco (Bastos, 2006; Chaguri, 2009) ou no Rio de Janeiro (Botelho, 2005; Prado, 2010), as vanguardas quase sempre se enredaram com os poderes estabelecidos, incapazes de se desvincular completamente de acordos políticos ou das sinecuras. . Reconhecendo o ecletismo bem temperado de estilos e seus significados, bem como certo passadismo recalcitrante, gostaríamos de chamar atenção para a presença recorrente da questão da mocidade ou do “novo” tanto em A Revista, quanto na correspondência de Mário com os rapazes mineiros. Já foi notada por Maria Zilda Ferreira Cury (1998Cury, Maria Zilda Ferreira. (1998). Horizontes modernistas: o jovem Drummond e seu grupo em papel jornal. Belo Horizonte: Autêntica.) a frequência com que os modernistas mineiros mobilizavam o termo “novo” em suas publicações dos anos 1920. Segundo Cury (Cury, 1998Cury, Maria Zilda Ferreira. (1998). Horizontes modernistas: o jovem Drummond e seu grupo em papel jornal. Belo Horizonte: Autêntica.: 86), a palavra não seria tanto sinônimo de renovação, abarcando antes, por um lado

conotação ligada à pouca idade dos jovens escritores. Desse modo, muito do que é chamado novo no interior do periódico tem sentido de “geração”, podendo significar apenas o trabalho de jovens intelectuais. Por outro lado, refere-se também a palavra às linhas de modernização já presentes, surpreendidas nas publicações iniciais de escritores que, mais tarde, se agrupariam explicitamente como modernistas em torno de A Revista.

De fato, como dissemos, em A Revista, não está implicada uma retórica exclusivamente de renovação, no sentido de um rompimento radical e absolutamente iconoclasta com a tradição e muito menos com as formas vigentes de poder. No entanto, como apontado por André Botelho (2015Botelho, André. (2015). Posfácio - Brasil caixa postal: por uma educação estética modernista. In: Andrade, Mário. A lição do amigo. Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Companhia das Letras. p. 414-434.), ao debruçar-se sobre a correspondência entre Carlos Drummond e Mário de Andrade, é possível perceber ainda um outro sentido para o uso do termo, ou mais precisamente para como palavras tais como “juventude” ou “mocidade” são mobilizadas nas cartas entre ambos. Menos do que uma referência restrita à idade - sem dúvida precoce - dos rapazes mineiros, a mocidade seria “uma condição ativa, política e social, a ser conquistada, e bravamente conquistada” (Botelho, 2015Botelho, André. (2015). Posfácio - Brasil caixa postal: por uma educação estética modernista. In: Andrade, Mário. A lição do amigo. Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Companhia das Letras. p. 414-434.: 427).

O primeiro editorial de A Revista é bastante elucidativo e explícito com relação ao discurso da mocidade. O leitor que ultrapassasse as cinco primeiras páginas de propagandas da Casa Aurea, da Água Ingleza Granado, das Casas Carneiro, do Hotel Renascença, da Agência Geral de Loterias, da Casa Oscar Marques, da boutique Ao Trocadero e do Red Star Oil Stove encontraria o editorial não assinado “Para os scepticos”, que hoje sabemos ter sido escrito por Carlos Drummond de Andrade3 3 É o próprio Carlos Drummond que o confirma, como se pode ler nas “Notas ao sumário” da edição fac-similar de A Revista (Notas…, 1978), editada por José Mindlin. . Os “céticos” para quem se direcionavam eram todos aqueles que acreditavam que uma publicação como A Revista não “vingaria”, o mesmo “ceticismo astucioso e estéril que vai comprar a sua Revista do Brasil, que é de S. Paulo e, por isso, deve ser profundamente interessante” (Para…, 1925aPara os scepticos. (1925a). A Revista , ano 1, n. 1, p. 11-13.: 11). A desconfiança e resistência provinciana que os editores de antemão já esperavam, no entanto, era tomada como incentivo para a esperança de vencê-las. Antes de prosseguirmos, talvez valha a pena nos determos no termo “ceticismo”.

Não parece coincidência que ele surja em um momento crucial da primeira carta que Mário de Andrade escreve a Carlos Drummond de Andrade, em 10 de novembro de 1924, portanto sete meses antes do primeiro número de A Revista. Vamos transcrever aqui uma longa, mas importante, passagem. O contexto imediato é um artigo sobre Anatole France que Carlos remetera a Mário logo em sua primeira missiva:

Segundo: li seu artigo. Está muito bom. Mas nele ressalta bem o que falta a você - espírito de mocidade brasileira. Está bom demais pra você. Quero dizer: está muito bem pensante, refletido, sereno, acomodado, justo, principalmente isso, escrito com grande espírito de justiça. Pois eu preferia que você dissesse asneiras, injustiças, maldades moças que nunca fizeram mal a quem sofre delas. Você é uma sólida inteligência e já muito bem mobiliada… à francesa. Com toda a abundância do meu coração eu lhe digo que isso é uma pena. Eu sofro com isso. Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo o ceticismo, apesar de todo o pessimismo e apesar de todo o século 19, seja ingênuo, seja bobo, mas acredite que um sacrifício é lindo. O natural da mocidade é crer e muitos moços não crêem. Que horror! Veja os moços modernos da Alemanha, da Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, de toda a parte: eles crêem, Carlos, e talvez sem que o façam conscientemente, se sacrificam. Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade. Eu me sacrifiquei inteiramente e quando eu penso em mim nas horas de consciência, eu mal posso respirar, quase gemo na pletora da minha felicidade (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 50-51, grifo do autor).

No trecho, ceticismo surge precisamente em oposição a “mocidade”, a outra categoria chave de A Revista, que, por sua vez, é qualificada a partir da ideia de “crença” - “O natural da mocidade é crer e muitos moços não crêem”. O que faltaria a Drummond (e a sua geração como um todo) seria uma atitude “devotada”, menos mediada pelo pessimismo fin-de-siècle bem ponderado. Poucas linhas após o trecho citado, Mário categoricamente afirma: “O importante não é ficar, é viver. Eu vivo. E vocês não vivem porque são uns despaisados e não têm coragem suficiente para serem vocês” (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 51). Dito de outra forma, Mário propunha que a maneira de Drummond se relacionar com o mundo, e especificamente com o seu próprio país e sua gente, fosse a mais “autêntica” possível, como sugerido por Ricardo Benzaquen (Araújo, 2014Araújo, Ricardo Benzaquen de. (2014). Um grão de sal: autenticidade, felicidade e relações de amizade na correspondência de Mário de Andrade com Carlos Drummond. História da historiografia, n. 16, p. 174-185.: 176) de Araújo, não apenas no sentido de descartar as formalidades epistolares, mas sobretudo como uma condição na qual “mantém-se aquela obsessão com a congruência entre o ser e a aparência, entre a sensação íntima e a sua feição mundana”. O ceticismo seria o que impediria a emanação, muitas vezes perturbadora, desse ser pulsante e vital. A “crença”, quando colocada nesses termos, aparece como uma espécie de desapego, uma “desmobilia” das formalidades, convenções e, sobretudo, do próprio ceticismo que lhe rivalizava.

Na resposta de Carlos Drummond de Andrade, de 22 de novembro, descobrimos o mestre do ceticismo: “como todos os rapazes da minha geração, devo imenso a Anatole France, que me ensinou a duvidar, a sorrir e a não ser exigente com a vida” (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 56). Talvez sem se dar conta do tamanho da lição que Mário lhe havia transmitido, Drummond reputa como virtude aquilo que seu interlocutor considerava o mais grave erro, o que não passa despercebido. Fazendo questão de transcrever o trecho, diz Mário na carta seguinte (sem data): “Meu caro Drummond, pois você não vê que é esse todo o mal que aquela peste amaldiçoada fez a você! Anatole ainda ensinou outra coisa de que você se esqueceu: ensinou a gente a ter vergonha das atitudes francas, práticas, vitais”, e elenca uma série de atributos que considera “decadentes” em France, como “perfeição formal”, “pessimismo diletante”, “dúvida passiva”, “literato puro” (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 67). O grande legado de Anatole France seria a quase devastação de toda uma geração de jovens brasileiros:

Escangalhou os pobres moços fazendo deles uns gastos, uns frouxos, sem atitudes, sem coragem, duvidando se vale a pena qualquer coisa, duvidando da felicidade, duvidando do amor, duvidando da fé, duvidando da esperança, sem esperança nenhuma, amargos, inadaptados, horrorosos (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 67-68).

Resumindo, uma geração de céticos. Céticos e envelhecidos, “gastos”.

Tampouco é por acaso que discussões semelhantes aparecessem na correspondência de Mário com Francisco Martins de Almeida, da qual infelizmente só temos acesso às cartas do escritor mineiro4 4 A correspondência manuscrita com Francisco Martins de Almeida e Rosário Fusco foi consultada no Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) e no Museu de Literatura Brasileira da Casa de Rui Barbosa. . Os termos da conversa dão-se em outro patamar, em alguns aspectos mais horizontal e mesmo igualitário, menos reverencial, embora sempre respeitoso. Isso se explica, em primeiro lugar, porque, ao contrário de Drummond ou Pedro Nava, Martins de Almeida não era propriamente um artista, mas mais um tipo de consciência crítica do grupo, que submeterá inclusive o próprio Mário ao seu crivo, “ousando” lê-lo como ele os lia, isto é, efetivamente criticando sua obra, apontando falhas e contradições. Também chega a “descobrir” e recomendar artistas e autores, como é o caso de Ismael Nery e Murilo Mendes.

Não obstante o tom às vezes obsequioso das cartas e as constantes demonstrações de gratidão pelo interesse e espírito de camaradagem de Mário para com eles, jovens mineiros, já em sua primeira carta, de janeiro de 1925, Martins de Almeida explicita sua postura de “pagar na mesma moeda” camaradagem com franqueza. Essa carta, aliás, condensa uma série de questões do nosso interesse, que se abrem a partir de comentários sobre o poema “Noturno de Belo Horizonte”, no qual Mário teria manifestado “aquilo que julgava inexistente entre nós: um pouco de imaginação brasileira”, a qual não se confundia com os “jogos malabares de palavras” da “gritaria nacionalistica dos últimos tempos”. Sobre “Noturno”, discorre:

Senti um pouco as nossas coisas, gosto da terra mineira. Você fez viver a paisagem humana. Eu sempre coloquei como melhor remédio pra nostalgia europeia que nós sofremos, ou antes a moléstia de Nabuco (como diz você), o ambiente histórico. Você até agora tinha fugido ao nosso meio físico. Ainda estava em desacordo com ele, confesse-o. No Noturno você volta-se para a paisagem natural apagando o seu excesso com o fundo humano. Acordo perfeito. Agora já creio que você prefere a qualquer trecho da via-láctea o menor pedaço da nossa natureza. Confesso que eu via em você um pouco de atitude. E havia mesmo. Queria curar-se e fingir-se curado. Somos tão mutáveis que acabamos ser aquele que fingimos ser. A atitude em você transformou-se em estado da sensibilidade. É a atitude mais sincera (Almeida, 1925bAlmeida, Francisco Martins de. (jan. 1925b). [Correspondência]. Destinatário: Mário de Andrade. Belo Horizonte. 1 cartão pessoal.)

Se Mário mostrava-se implacável em alvejar o francesismo de Drummond com seus “torpedos de pontaria infalível”, nas palavras deste jovem missivista, Martins de Almeida assume essa mesma posição (o quase inquisitorial “confesse-o” o expressa) e não hesita em lhe acusar o francesismo disfarçado sob as “externalidades paulistanas” da Pauliceia e afirmar que, com o “Noturno”, a brasilidade epidérmica tornara-se visceral. Além disso, também fica claro como a preocupação com uma forma brasileira já estava no horizonte de Martins de Almeida, ao contrário de Drummond, que fora convertido a ela por Mário. A capacidade de “sentir historicamente a nossa paisagem”, atingida por Mário no “Noturno”, seria ao mesmo tempo a “receita terapêutica pra nossa ‘moléstia de Nabuco’” e a chave dessa forma brasileira. Promete, ainda, na carta escrever um artigo sobre Mário desenvolvendo essas ideias.

Se Martins de Almeida declara a Mário que o “Noturno” é “a maior obra poética dos últimos tempos escrita entre nós” e “a poesia mais brasileira que eu já li”, não lhe poupa de apontar em parte do poema o “resfriamento intelectual” produzido por um excesso de consciência de pensamento e de dizer, levando a ferro e fogo o código de que não há camaradagem sem franqueza, que considera Mário “ainda um pouco francês”: “A sua discrição cromática, a sua visão quase linear das coisas, o coordenamento de suas sensações, seu equilíbrio intelectual e sínteses lógicas, a sobriedade de suas imagens, a precisão algébrica de suas expressões provam que você não é ainda totalmente um brasileiro auriverde”.

Na carta seguinte, não datada, Martins de Almeida revela ter uma consciência da importância e da seriedade do chamado de Mário à causa modernista, o que nem todos do grupo pareciam entender (como Nava, por exemplo). Seria necessário, reconhece o jovem mineiro, longa preparação e disciplina interior a fim de gestar uma disposição da inteligência e da sensibilidade que fosse nacional. Aliás, como literalmente sublinha, na carta original: “ser novo é cousa séria. Não é nem mesmo uma atitude sincera, é uma disposição da inteligência e da sensibilidade”.

Ainda nesta mesma carta, o tema do ceticismo também aparece, e novamente associado a Anatole France. Mas ao contrário de Drummond (teria Martins de Almeida já lido a troca de cartas entre o amigo mineiro e Mário?), agora o escritor francês é repudiado:

Penso e me esforço por convencer-me cada vez mais que arte = verdade. Por isto, quanto a Anatole, admiro e perdoo o artista de Crainquebole mas lamento e detesto o cético de Jardin d’Epicure. O ceticismo qualquer que seja não pode ser compreendido numa época de construção e de afirmação como a nossa. Sobretudo em Anatole em que ele não chega a ser uma disposição da inteligência. É uma atitude teatral do espírito (Almeida, 1925cAlmeida, Francisco Martins de. (1925c). [Correspondência]. Destinatário: Mário de Andrade. Belo Horizonte. 1 cartão pessoal.).

Talvez agora esteja mais clara a centralidade de Mário de Andrade no editorial de A Revista, dedicado aos “céticos”. Interessante notarmos que os “céticos” a que se referia o editorial era a própria geração dos editores e, no limite, eles mesmos, os quais, uma vez aprendida a lição de Mário, procuravam agora passá-la adiante em um programa de “ação”, que, como fazem questão de ressaltar, “quer dizer vibração, luta, esforço construtor, vida” (Para…, 1925aPara os scepticos. (1925a). A Revista , ano 1, n. 1, p. 11-13.: 11)5 5 Apenas dois meses antes, em 24 de maio de 1925, Mário de Andrade publicava um artigo no Jornal do Comércio chamado “Modernismo e ação”, onde dizia: “O que justifica e o que vai honrar o nosso movimento é a sua face atual, evolução de certas tendências obscuras ainda naquele tempo [da Semana de Arte Moderna], porém já existentes nas primeiras obras que criamos. A principal delas é fazer uma arte de ação” (Andrade, M., 2008: 545). . O empreendimento de modo algum seria fácil, e “os moços que estão à frente desta publicação avaliam com segurança a soma de tropeços a vencer no empreendimento que se propuseram” (Para…, 1925aPara os scepticos. (1925a). A Revista , ano 1, n. 1, p. 11-13.: 12, grifo nosso). Destacam, então, a conexão entre ação e mocidade:

Não somos românticos; somos jovens. Um adjetivo vale o outro, dirão. Talvez. Mas, entre todos os romantismos, preferimos o da mocidade e, com ele, o da ação. Ação intensiva em todos os campos: na literatura, na arte, na política. Somos pela renovação intelectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categórico (Para…, 1925aPara os scepticos. (1925a). A Revista , ano 1, n. 1, p. 11-13.: 12).

Temos, assim, uma espécie de trinômio - ação, vida e mocidade - no combate ao ceticismo, entendido aqui como uma espécie de máscara baça, na qual se percebe o brasão do passadismo e que debela os excessos implicados na autenticidade6 6 Sobre a noção de “excesso” em Mário de Andrade, conferir o comentário de Silviano Santiago, inspirado por Georges Bataille, em sua introdução à correspondência entre Mário e Drummond (Santiago, 2002). .

A crítica ao ceticismo e o elogio da mocidade é perceptível nos três números de A Revista. Não seria o caso de detalharmos todas essas aparições, mas destacaremos três casos a título de exemplo. Um artigo em especial se destaca, “À margem de Pascal”, escrito por Francisco Martins de Almeida. Nele, a imagem e personalidade de Blaise Pascal são construídas precisamente, como o embate dilacerador entre ceticismo e crença:

O feitio predominante de seu [de Pascal] espírito era o ceticismo. Procurou combatê-lo em si pela continuidade do pensamento e o esforço da vontade encaminhados no sentido religioso. A história dolorosa de suas ideias provém do estado simultâneo de sua sensibilidade: a impotência e, ao mesmo tempo, a ânsia para crer. Duvidando de tudo, o pensador francês procurou tranquilizar a inquietação dolorosa de seu pensamento. Nele, as manifestações profundas de crença nasciam de resoluções fortes e não de uma disposição de espírito ou de um modo de ser da sensibilidade e da inteligência (Almeida, 1925aAlmeida, Francisco Martins de. (1925a). À margem de Pascal. A Revista, ano 1, n. 1, p. 34-36. Disponível em <Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=396060&pagfis=40 >. Acesso em: 2 ago. 2022.
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: 34).

Em Pascal, a tragédia propriamente dita adviria, apesar de sua vontade, de demonstrar uma verdadeira incapacidade para realmente crer em alguma coisa. Pelo contrário, “a crença é a forma mais alta do seu ceticismo”, diz Martins de Almeida, uma vez que estava, a crença, pautada exclusivamente no uso da razão, como se procedesse racionalizando o sentimento. Sua pretensão de criticar a razão e mesmo “humilhá-la” encontraria no próprio temperamento de Pascal sua impossibilidade, pois “não há natureza menos instintiva, menos sentimental, menos automática do que a do pensador francês […]. Pascal sente mas pensa o que sente. Nele o sentimento se transforma inevitavelmente em pensamento. Sofre, em tudo, a tirania de sua natureza intelectual” (Almeida, 1925aAlmeida, Francisco Martins de. (1925a). À margem de Pascal. A Revista, ano 1, n. 1, p. 34-36. Disponível em <Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=396060&pagfis=40 >. Acesso em: 2 ago. 2022.
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: 35). Faltariam às Pensées justamente uma crença. “Muito francesamente”, argumenta Almeida, Pascal construiu em sua “obra uma atmosfera glacial de intelectualidade”, e “desassociou a ordem da inteligência da do coração” (Almeida, 1925aAlmeida, Francisco Martins de. (1925a). À margem de Pascal. A Revista, ano 1, n. 1, p. 34-36. Disponível em <Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=396060&pagfis=40 >. Acesso em: 2 ago. 2022.
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: 35-36). A tragédia de Pascal simboliza o drama e a tensão interna de toda uma geração, e, em particular, dos rapazes mineiros.

Outra forma de encaminhar o problema é apresentada por Drummond em artigo, hoje famoso, “Sobre a tradição em literatura”, em que propõe que se repense a noção de “tradição” de maneira menos subalterna, sem “excesso de veneração”. Drummond pensa a tradição como uma espécie de “espólio” ao qual se deve “proceder a um grave inventário de suas pretendidas riquezas” (Andrade, C., 1925aAndrade, Carlos Drummond de. (1925a). Sobre a tradição em literatura. A Revista , ano 1, n. 1, p. 32-33. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/view/?45000033265&bbm/7054#page/34/mode/1up >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 32). A imagem poderosa lembra aquela desenvolvida por Hannah Arendt (1992Arendt, Hannah. (1992). Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva.: 31) em seu livro Entre o passado e o futuro, no qual, partindo do enigmático aforismo de René Char - “nossa herança não foi precedida de nenhum testamento” (“notre héritage n’est précéde d’aucun testament”) -, concebe a tradição como um testamento, algo “que selecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde se encontram os tesouros e qual o seu valor”. A época moderna, ainda seguindo Arendt, se veria na delicada posição em que a tradição-testamento estava perdida, possivelmente para sempre, e por isso mesmo ameaçada a continuidade entre passado e futuro.

Drummond e seus colegas, Mário de Andrade incluído, não parecem querer fazer desaparecer com essa cartografia, mas certamente reavaliar seus tesouros e, talvez, sobrepô-la a outros mapas. “Romper com os preconceitos do passado não é o mesmo que repudiá-lo”, escreve (Andrade, C., 1925aAndrade, Carlos Drummond de. (1925a). Sobre a tradição em literatura. A Revista , ano 1, n. 1, p. 32-33. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/view/?45000033265&bbm/7054#page/34/mode/1up >. Acesso em 1 ago. 2022.
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). Era preciso, no entanto, questionar a autoridade do espólio, para ficarmos em outra questão cara a Hannah Arendt, nem que para isso fosse necessário incinerar parte da própria riqueza, ou, em outras palavras, sacrificá-la: “Que cada um de nós faça o íntimo e ignorado sacrifício de suas predileções, e queime silenciosamente os seus ídolos, quando perceber que estes ídolos e essas predileções são um entrave à obra de renovação cultural geral” (Andrade, C., 1925aAndrade, Carlos Drummond de. (1925a). Sobre a tradição em literatura. A Revista , ano 1, n. 1, p. 32-33. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/view/?45000033265&bbm/7054#page/34/mode/1up >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 33). No artigo, o bode expiatório não é outro senão Machado de Assis: “O escritor mais fino do Brasil será o menos representativo de todos. Nossa alma em contínua efervescência não está em comunhão com a sua alma hiper-civilizada. Uma barreira infinita nos separa do criador de Brás Cubas” (Andrade, C., 1925aAndrade, Carlos Drummond de. (1925a). Sobre a tradição em literatura. A Revista , ano 1, n. 1, p. 32-33. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/view/?45000033265&bbm/7054#page/34/mode/1up >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 33). Machado é esse anteparo que serve de máscara, matéria morta que chega a ser comparada com Anatole France. O julgamento parece precipitado? Não importa. A palavra final, a voz que ecoa, não é mais a do passado (a da experiência, talvez dissesse Walter Benjamin): “respeitemos a sua probidade intelectual, mas desdenhemos a sua falsa lição. E é inútil acrescentar que temos razão: a razão está sempre com a mocidade” (Andrade, C., 1925aAndrade, Carlos Drummond de. (1925a). Sobre a tradição em literatura. A Revista , ano 1, n. 1, p. 32-33. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/view/?45000033265&bbm/7054#page/34/mode/1up >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 33)7 7 Destaquemos, contudo, que no final de 1925 Carlos Drummond de Andrade esposa uma posição muito mais radical com relação à (des)importância da tradição no artigo “Ta’i!” publicado no “Mês modernista” de A Noite. Para um público leitor seguramente maior do que o de A Revista e “escoltado”, dentre outros, por Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Sérgio Milliet, Drummond escreve: “Me parece que o modernismo brasileiro precisa abandonar de todo o respeito do papão da tradição […]. Evidentemente não posso negar o passado: um enforcado não pode negar a corda que lhe aperte o pescoço. Mas tenho o direito de declarar que a corda está apertando demais, puxa! E que o milhor é cortá-la de uma vez”. Ao longo do próprio artigo, no entanto, o poeta vai matizando sua posição e, “abandonando a imagem da corda no pescoço”, sugere que se deve “pegar na palavra tradição, virar, revirar, extrair o suco e repudiar o bagaço”, sendo o bagaço o “amor às fórmulas caducas”, num tipo de visão mais próxima à imagem do “inventário” (Andrade, C., 1925b: 1). .

Essa parece ser a tônica de A Revista, que, dirigida aos “outros” (aos céticos, à tradicional família mineira etc.), era principalmente uma luta interna de libertação e de afirmação de determinada maneira de ver o mundo. Se a autoridade da experiência das gerações anteriores e, portanto, da tradição era colocada em questão por levar a um ponto de vista cético, a “retórica modernista” de A Revista parecia articular uma valorização de outro modelo de experiência, mais intensa e imanente, sem a imposição e mediação de categorias e formas que a ordenassem, e que classicamente se associa ao olhar infantil por oposição ao adulto. Essa compreensão aparecerá com clareza na seção “Os livros e as ideias”, onde os jovens modernistas se colocavam de modo mais explicitamente programático, seja para atacar, seja para incensar livros e autores (Bueno, 1982Bueno, Antônio Sérgio. (1982). O modernismo em Belo Horizonte: década de vinte. Belo Horizonte: Ed. UFMG.). Fiquemos com apenas um exemplo, que nos parece particularmente ilustrativo: a resenha escrita por Antonio Chrispim [Carlos Drummond de Andrade] sobre o livro Rosas de sangue, do (desconhecido) poeta Octávio de Oliveira, cuja capa fora desenhada por Pedro Nava.

Após um breve comentário geral sobre a poesia brasileira moderna, o resenhista ironiza as capacidades poéticas de Octávio de Oliveira, dizendo que enquanto “moço realmente talentoso, que rima bem, conta com acerto as suas sílabas, tem uma noção razoável de harmonia”, seria preferível que “rimasse mal, não contasse absolutamente as suas sílabas nem tivesse noção alguma de harmonia” (Chrispim, 1925Chrispim, Antonio. Rosas de sangue. (1925). A Revista , n. 1, p. 50-51. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/7054/2/Anno.1_n.01_45000033265_OUTPUT.o.pdf >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 51). Isso porque a poesia de Rosas de sangue teria ainda laivos do parnasianismo e de sua técnica que tudo domina e submete: “muita gente boa que anda por aí com fumaças de bardo tem apenas a virtude de fazer um alexandrino bem martelado, tão martelado que dentro dele não pode existir matéria viva”. Tudo perdido para Octávio de Oliveira? Chrispim responderia que não, que ele ao menos “é novo, e ainda não se formou totalmente”, o que permite que alcance as orientações do tempo: “acelerar o passo. Não olhar para os lados. Crer. Não tenha medo de errar, nem de ser ridículo, nem de ofender as galerias. E então, há de ver que sua poesia será fluente, viva, forte, verdadeira” (Chrispim, 1925Chrispim, Antonio. Rosas de sangue. (1925). A Revista , n. 1, p. 50-51. Disponível em <Disponível em https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/7054/2/Anno.1_n.01_45000033265_OUTPUT.o.pdf >. Acesso em 1 ago. 2022.
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: 51).

A proposta de Chrispim a Octávio de Oliveira resume perfeitamente tudo aquilo que está implicado na ideia de mocidade: rejeição ao ceticismo, aposta na impulsividade e na autenticidade, desmobiliar a inteligência dos valores previamente aprendidos8 8 Alguns efeitos dessa aposta foram rápidos. Não à toa, em uma das mais fortes censuras a A Revista, Eduardo Frieiro, sob o pseudônimo de João Cotó, criticava em “Brotoeja literária” a “incomensurável petulância dos moços”, chamando a literatura apresentada no periódico de “acnes juvenilia” de “rapazolas” que, “ignorando ainda as aventuras verdadeiramente viris, confundem o vício solitário com o amor” (Frieiro, 2013: 511-512). As críticas individuais, no artigo, recaem justamente em Carlos Drummond, Emílio Moura, Martins de Almeida e Pedro Nava. . Trata-se mesmo de um princípio educacional, pedagógico, ainda que crítico aos modelos então vigentes, que deveriam ser subvertidos. Silviano Santiago (2006Santiago, Silviano. (2006). Ora (direis) puxar conversa! Belo Horizonte: Ed. UFMG .: 109, grifo do autor), em artigo já citado, ressalta esse caráter fundamental ligado à questão da aprendizagem no modernismo dos anos 1920:

[…] processo que tem de se dar fora dos limites empobrecidos da formação educacional em vigor na época e dentro da noção transgressiva de erro. A pedagogia de então, tanto a posta em prática pela família burguesa quanto a exercida na escola, não conduz o jovem à “instrução”, mas antes embota a sensibilidade, a imaginação e a inteligência numa camisa-de-força que impede a autenticidade. O aprendizado começa, então, por um processo de “desinstrução”, ou seja, tem-se de desaprender o que se tinha aprendido.

É, como vimos, a lição principal que aparece em Mário de Andrade e que os editores de A Revista estavam aprendendo enquanto escreviam. Trata-se de um exercício, como ressaltamos, de modelagem de toda uma geração, mas que passa, antes, pela modelagem complexa e intensa da personalidade de alguns de seus próprios membros.

A FARMÁCIA DE DRUMMOND

Martins de Almeida (1927Almeida, Francisco Martins de. (mar. 1927). [Correspondência]. Destinatário: Mário de Andrade. Belo Horizonte. 1 cartão pessoal.) sugere que as cartas de Mário - “coração mais largo e generoso desses Brasis” - foram para ele verdadeiro alimento espiritual. O que também é válido para Drummond, que afirma terem as cartas de Mário constituído “o acontecimento mais formidável de nossa vida intelectual belo-horizontina” (Andrade, C., 2011Andrade, Carlos Drummond de. (2011). Confissões de Minas. São Paulo: Cosac & Naify.: 15). Seria mesmo difícil imaginar a trajetória do talvez maior poeta brasileiro sem Mário de Andrade no meio do caminho. Mas o raio de influência de Mário em Minas se estenderia ainda ao círculo intelectual da revista Verde, de Cataguases, por via direta, mas também indireta, mediada por um Drummond a essa altura já inteiramente “curado” do mal de Nabuco e militante da mesma causa, convertido em agente socializador do movimento9 9 Fusco contará a Drummond, em carta de 12 de outubro de 1927: “O Mario fez muito boas referências de você comigo. E falou que eu pegasse com você de fato. Que você é ele em ponto pequeno. Pois estou aqui bem grudado, pior do que carrapato estrela” (Fusco, 1927b). - uma espécie de apóstolo. Aliás, é notável como a primeira carta de Drummond para Rosário Fusco, datada de 12 de setembro de 1927, tem seu começo praticamente idêntico à primeira carta que Mário de Andrade enviou ao próprio Drummond três anos antes. Vejamos os trechos:

Meu prezado Rosário Fusco,

Você deve estar achando grosseiro o silêncio que separa o seu cartão da minha resposta. Porém agora não achará mais. Porque o meu silêncio foi uma resultante das mil e umas diárias aporrinhações da vida que levo, de fazedor do “Diário de Minas”, não um sinal de pouco caso ou de falta de camaradagem. Isso nunca. Eu posso dizer sem me gabar disso, que sou um homem que vive prá sua família e pra seus amigos (Andrade, C. 1927Andrade, Carlos Drummond de. (12 set. 1927). [Correspondência]. Destinatário: Rosário Fusco. Belo Horizonte. 1 cartão pessoal.)

Meu caro Carlos Drummond

Já começava a desesperar da minha resposta? Meu Deus! Comecei esta carta com pretensão… Em todo caso de mim não desespere nunca. Eu respondo sempre aos amigos. Às vezes demoro um pouco, mas nunca por desleixo ou esquecimento. As solicitações da vida é que são muitas e as da minha agora muitíssimas e… Quer saber quais são? (Andrade, C. & Andrade, M., 2002Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.: 46)

Se Drummond não chega a emular plenamente Mário de Andrade - a carta é muito mais breve e o estilo mais contido -, é flagrante a similaridade dos conselhos e da abordagem. Drummond assinala de forma sincera defeitos e qualidades do jovem poeta (então com 17 anos!), incentiva que continue escrevendo sempre e pede que siga mandando versos. Embora não se estabeleça exatamente uma relação entre mestre e discípulo (Drummond engana-se, ou ao menos finge enganar-se, sobre a idade de Fusco, julgando serem contemporâneos, quando na verdade a idade que separava os dois era praticamente a mesma que separava Drummond de Mário), essa primeira carta termina replicando o grande conselho que vimos até aqui: “Em você o que interessa antes e acima de tudo é a sua capacidade mocidade capaz de produzir. Você está numa fase de procura intensa que é cheia de inquietações, eu sei” (Andrade, C., 1927Andrade, Carlos Drummond de. (12 set. 1927). [Correspondência]. Destinatário: Rosário Fusco. Belo Horizonte. 1 cartão pessoal., tachado no original). Mais do que o resultado da escrita de Fusco, o que chamava a atenção de Drummond era o espaço de busca, a inquietação - o inacabado, talvez possamos dizer. E se não for sobreinterpretar, notemos que Drummond corta o substantivo “capacidade” e o substitui pelo adjetivo “capaz”, propondo um novo substantivo, bem-pensado, para a frase: mocidade. O que interessa a Drummond é, portanto, a mocidade criadora do jovem Rosário Fusco, sua juventude. É ela a portadora social da palavra modernista.

A breve carta, no entanto, traz ainda outro conselho, ou melhor, uma receita, prescrita pelo farmacêutico Drummond: “Vou lhe dar uma receita que é infalível nessas e noutras [apertices?]: use Mario de Andrade. É o melhor remédio do mundo. E não falha nunca”. A observação reforça a importância de Mário e indica claramente que ela não se apagaria naquela geração. Mário seria ao mesmo tempo alimento, a ser comungado, e remédio.

Na resposta, em carta de 14 de setembro, Fusco diz que Drummond adivinhou o remédio de que ele precisava: “Simples e prático. Vou beber aquilo devagarzinho e esperar o resultado que não falha nunca. Conforme v. me garantiu” (Fusco, 1927aFusco, Rosário. (14 set. 1927a). [Correspondência]. Destinatário: Carlos Drummond de Andrade. 1 cartão pessoal., grifo do autor). Esse remédio, assegura Fusco, substituiria o “xarope” que ele vinha utilizando até então, composto por “um pouco de simbolismo do Manuel Bandeira. Um pouco do entusiasmo do Ronald [ilegível]. Um pouco do ritmo-barulho-colorido do Guilherme”. Modernismos em competição.

Em 25 de setembro daquele mesmo ano, o jovem poeta de Cataguases faz seu primeiro contato epistolar com Mário de Andrade, com quem manteria extensa correspondência. Sempre em tom informal e brincalhão, que às vezes beirava a petulância, e escrita que estilizava a fala, desde a primeira carta Fusco despeja naquele que então já era reconhecido como o principal líder do modernismo - a quem ele não demoraria a apelidar de “MALUCO ADORÁVEL” (em caixa alta) - versos para crítica e pedidos: livros, colaboração para Verde, retalhos de jornal, prefácio para seu livro de versos Codaque etc. Trata-se de uma forma de entrar na conversa muito diferente da relação epistolar que se estabeleceu, poucos anos antes, entre Mário e Drummond ou Martins de Almeida, bastante mais contida por parte dos mais jovens.

Em carta de 4 de outubro, Fusco conta a Mário da conversa com Drummond: “Não sei se já te falei a respeito da receita que o Carlos Drummond me mandou. Qué vê / “Use Mário de Andrade / é o milhor remédio e não falta nunca!” (sublinhado no original, itálicos nossos). O lapso é significativo: Mário é o melhor remédio porque não falha e porque não falta. Diz ainda a Mário ter gostado da receita, embora ela pareça irônica: “Esse use aí, a meu ver, parece que quer dizer: copie, decalque etc.” (sublinhado no original), levando-o equivocadamente, segundo Mário e Drummond nessa triangulação epistolar, a forçar a nota do fazer brasileirismo. Sendo assim, em carta de 14 de novembro do mesmo ano, Fusco lança a Mário um pedido: “Seja meu mestre, quase pai espiritual”.

As primeiras cartas de Rosário Fusco abrem espaço para que seus amigos de Cataguases também entrem na trama epistolar com Mário de Andrade. Camilo Soares, Enrique de Resende ou Ascânio Lopes escrevem rapidamente, com a mesma informalidade de Fusco. A primeira carta de Camilo Soares, de outubro de 1927, é bastante emblemática da quebra dos protocolos e se inicia simplesmente da seguinte maneira: “Mário de Andrade batuta como vai você? Bonzinho, bonzinho, não é? Eu sou o tal do ‘Matias Qualquer’10 10 Referência a um conto que Camilo Soares publicou no primeiro número da revista Verde, que Mário de Andrade já havia lido. . Um rapaz moço. Que faz versos e outras besteiras. Acho que você já me conhece. Por isso não precisamos de conversa besta, à toa”. Não somente chama a atenção o estilo jocoso para tratar com uma figura que já ganhava contornos quase míticos entre os mineiros, mas também como a mocidade passava a ser mobilizava como moeda corrente, uma senha para o célebre círculo modernista.

Embora as cartas de parte a parte não sejam tão longas (sobretudo no primeiro ano) quanto as trocadas com os rapazes de Belo Horizonte11 11 Se as cartas, de modo geral, não são tão longas, talvez seja possível dizer que são mais frequentes. Os jovens de Cataguases escrevem tanto para Mário de Andrade que, certas vezes, as respostas de Mário são endereçadas para mais de um destinatário, ou até mesmo para todo o grupo. , e a autoridade de Mário seja mais explícita, apesar das desconcertantes galhofas de Fusco e companhia, o polígrafo paulista segue em seu trabalho minucioso de comentar todos os vários poemas enviados, muitas vezes verso por verso, ou palavra por palavra. E Mário chega mesmo a publicar, ainda em novembro de 1927, ou seja, apenas dois meses após a primeira carta recebida, uma análise de três poemas de Rosário Fusco em carta aberta no Diário Nacional. Apesar de endereçada a Fusco, o fato de ser pública não apenas ajudava a circular o nome do poeta de Cataguases em São Paulo (e assim de uma geração), mas também servia como uma lição mais ampla sobre a poesia e o fazer poético.

A irradiação dos comentários de Mário para uma instância coletiva fazia parte de sua preocupação maior, que atravessava as gerações. Se a mocidade ou a juventude eram um valor, eram também uma conquista, e não somente uma mera questão de idade. Não haveria modernismo, nem mudança cultural, sem trabalho contínuo e esforço ativo de seus participantes. É por isso que as cartas mais graves da correspondência de Mário com Fusco tratam precisamente dos deveres necessários de um poeta que queira de fato dedicar-se às artes. Em 8 de novembro de 1927, Mário escreve longamente sobre os riscos do fracasso individual e coletivo, e sobre como é preciso mais do que talento:

O presente não é nada pelo que você pode fazer no futuro e tenho esperança que fará. Tudo depende de trabalhar agora, e tomar com seriedade essa brincadeira luminosa da arte. O modernismo brasileiro estaria muito além da sua já enorme vitória, não fosse o poder de frouxos que se meteram nele e não aguentaram o tranco. Por que que não aguentaram? É fácil de perceber. Principiar é trabalho leviano que qualquer ombro de piá carrega porém em seguida a gente percebe que não pode ficar nessa promessa de menino-prodígio, que tem mesmo de ir além e sobretudo ir mais profundo e que-dê estudo, que-dê base, que-dê treino e fôlego para isso? Não se tem e não se tem coragem pra começar. Então se faz o que a maioria fez, cai na pândega, não escreve mais, desdenha e caçoa da poesia e da arte, banca o superior, enfim fazem um dilúvio de coisas que não conseguem esconder a realidade: são frouxos, não aguentaram o tranco. Se ausculte bem primeiro, veja sem ilusões se você é mesmo fatalmente artista. Se é, continue. Se não é, vá ser carroceiro, chofer, corrupiê, ladrão, mas seja vitalmente uma realidade, isso é que importa (Andrade, M., 1927Andrade, Mário de. (8 nov. 1927). [Correspondência]. Destinatário: Rosário Fusco. São Paulo. 1 cartão pessoal.).

Poucos meses depois, em 13 de fevereiro de 1928, Mário retorna ao tema e destaca como Fusco produz quase em excesso: “A coisa [o verso livre] é mais difícil do que parece e sobretudo mais complicada do que isso de pegar a pena e zaz! poema saiu. Fusco então só vendo, mija mais poema que mijo, credo, nunca vi! Que que sucede? Quase nenhuma coisa boa de verdade porque quando a ideia é boa a realização é falha ou vice-versa”. O trabalho de renovação e mudança do modernismo, trabalho coletivo que se expressava na produção dos jovens poetas, não era esporte de tiro curto, mas uma olímpica prova de resistência com revezamento.

É interessante notar como, em 1926, Mário de Andrade utilizou praticamente das mesmas imagens em carta a Pedro Nava. O contexto mais geral era o fim de A Revista e a percepção de um desânimo generalizado não só do grupo de Belo Horizonte, mas também de amigos paulistas. Na ocasião, Mário escreveu: “Os daqui [de São Paulo] quase todos desanimaram. Rubens [Borba de Moraes], Carlos Alberto de Araújo, Luís Aranha largaram de escrever e parece que pra sempre. Não aguentaram o repuxo. Foram frouxos como sempre chamo eles pra eles mesmos. Isso acho horrível” (Andrade, M., 1982Andrade, Mário de. (1982). Correspondente contumaz. Cartas a Pedro Nava (1925-1944). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.: 74-75). Alguns meses depois, em 21 de janeiro de 1927, para o mesmo Nava, Mário voltava a insistir:

O que falta para você e em geral para vocês (menos pelo que eu estou vendo no Diário de Minas, pro João Alphonsus, vida bonita) é entusiasmo permanente. […] Falta para vocês organizarem a vida da sensibilidade criadora numa corrente contínua que pode e terá naturalmente seus momentos de excesso de força (os momentos grandes) porém não cessa nunca. Que nem eu, este diabo de bobão que está na frente de você. É uma pena que vocês não sejam assim […]. Que você é poeta outras coisas provam também. Agora o que carece é alimentar a sacra chama, excusez! Porém por causa do muito que estamos matutando e este diabo de temperamento crítico, excessivamentissimamente crítico que a nossa época nos deu ponha reparo no poder de falhados que estão aparecendo no modernismo. De vez em quando uma mijadinha de arte e depois passamos anos e às vezes a vida inteira sem mijar mais. Uma porrada de rimbaudzinhos infelizes e ridículos afinal, si não fosse tão doloroso. Eu não queria que você fosse desses… (Andrade, M., 1982Andrade, Mário de. (1982). Correspondente contumaz. Cartas a Pedro Nava (1925-1944). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.: 79-80).

Os conselhos são semelhantes porque o grande desafio de Mário em sua complexa teia de relações com os escritores mineiros passava pela necessidade de tornar o modernismo um movimento que efetivamente enlaçasse diferentes gerações. Isso significava que não ficasse preso a três ou quatro autores (ele incluído) e muito menos a fórmulas pré-estabelecidas. Em uma das cartas mais longas da correspondência com Rosário Fusco, de 21 de setembro de 1928, Mário medita sobre os excessos de abrasileiramento da linguagem do jovem poeta. Exageros que Mário reconhecia em si mesmo, em vários momentos de sua obra em que estilizava a fala brasileira. Em Fusco, no entanto, isso implicaria em dois defeitos. O primeiro deles, lembrar demais o próprio Mário de Andrade, como se fosse uma simples imitação. O segundo defeito era ainda mais grave. No limite, ao exagerar no abrasileiramento da linguagem, Fusco não fazia jus precisamente à passagem geracional e ao próprio esforço de seu interlocutor. Vejamos um trecho:

[…] Não vejo precisão de você moço já de outra geração mais livre e com caminho mais aberto estar fazendo um sacrifício de si mesmo. Bastou o meu. É que tudo o que falo aqui estava bem consciente em mim desde o começo da formação de nota da minha língua […]. Eu sabia conscientemente que estava sacrificando as minhas obras. Tudo isso pra mim não fazia mal porque vindo na geração em que vim, minha função não era estar aí escrevendo uma obra que ficasse eternamente, porém uma obra que pusesse em campo no meu tempo mesmo uns tantos de problemas estéticos úteis até moralmente pro Brasil. Fiz. (Andrade, M., 1928Andrade, Mário de. (21 set. 1928). [Correspondência]. Destinatário: Rosário Fusco. São Paulo. 1 cartão pessoal.).

Mário recupera aqui a tópica sacrificial tão presente em suas obras (Botelho & Hoelz, 2016Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2016). O mundo é um moinho: sacrifício e cotidiano em Mário de Andrade. Lua Nova, n. 97, p. 251-284.; Fragelli, 2010Fragelli, Pedro Coelho. (2010). A Paixão segundo Mário de Andrade. Dissertação de Mestrado (Literatura Brasileira). PPGLB/Universidade de São Paulo.) para destacar como o seu trabalho, muitas vezes propositalmente exagerado, permitiria que outras gerações não mais precisassem se bater pelos mesmos problemas. Cumprir sacrificialmente o seu destino seria abrir as condições de possibilidade para outros destinos. O movimento geracional do modernismo seria, portanto, um movimento de reiterada abertura - o que não significa menos responsabilidades, como lemos na mesma carta:

E você não é eu, Rosário. Já veio noutra geração que tem de construir muito mais do que o que nós os da minha destruímos, por isso tome tento em criar na calma, sem espírito de sacrifício e de novo com aquele ideal de se eternizar eu não tive porque de fato histórica e individualmente eu não podia ter. Está bem estabelecido que minha obra é uma obra de ação, transitória pois, não é uma obra de arte, coisa digna de ser eterna (Andrade, M., 1928Andrade, Mário de. (21 set. 1928). [Correspondência]. Destinatário: Rosário Fusco. São Paulo. 1 cartão pessoal.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando A Revista, procuramos demonstrar que o enraizamento do ceticismo entre os jovens mineiros era considerado por Mário de Andrade um impedimento, adaptando livremente a ideia marxiana, para a passagem de uma mocidade em si a uma mocidade para si, consciente de suas condições, potencialidades e desafios no contexto sócio-histórico. O apelo para que a mocidade creia se baseia na ideia de que o simbólico prepara e orienta a ação coletiva pela mudança social. Já a análise da correspondência permite perceber que o que se tece nessas redes de sociabilidades com os moços não é somente um ideal normativo que guiará o movimento, mas também a própria identidade de seus participantes enquanto atores sociais e políticos.

Isso é fundamental. Pois, para ganhar persistência ao longo do tempo e se institucionalizar, os ideais modernistas precisariam ser movidos à energia renovável e renovadora da juventude - “o que carece é alimentar a sacra chama” e “organizar a sensibilidade criadora numa corrente contínua” (Andrade, M., 1982Andrade, Mário de. (1982). Correspondente contumaz. Cartas a Pedro Nava (1925-1944). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.: 79-80). O sucesso do modernismo não dependeria da simpatia de diletantes ou de espasmos de gênios - apelidados acidamente de “Rimbaudzinhos” -, incapazes de “aguentar o tranco”, mas de um treinamento e uma atitude regular e metódica (Bittencourt, 2019Bittencourt, Andre. (2019). Personalidade e destino: Pedro Nava, Mário de Andrade e a socialização do modernismo. Sociologia & Antropologia, v. 9, n. 1, p. 235-256.), afinal, a arte - como a religião, a política, a medicina e a eletricidade (os exemplos são dados por Mário à jovem poeta Henriqueta Lisboa) - é uma “realização cotidiana da vida” (Andrade, M., 2010Andrade, Mário de. (2010). Correspondência Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa. Organização Eneida Maria de Souza. São Paulo: Edusp .: 167), e cada uma de suas especialidades deveria ser exercida disciplinadamente como uma vocação. O legado de renovação cultural do modernismo como um “movimento” articulado e relativamente descentrado - que não se esgota no presente, mas enlaça as gerações num processo, sempre em aberto e inacabado - dependeria, portanto, de um trabalho permanente da matéria brasileira: “trabalhe e trabalhe sempre”, “você carece de continuar sempre”, interpela Mário o destinatário coletivo, encarnado no descuidado jovem mineiro Pedro Nava, que assimilaria tardiamente a lição do antigo mentor ao elaborar as memórias do modernismo.

Ocorre que, como portadora social, a ser sempre conquistada, do modernismo como movimento cultural, a juventude de 1940 é diferente daquela de 1920, assim como Mário não é mais o mesmo, porque os tempos, seus limites e desafios, são também já outros. O self modernista torna particularmente aguda a percepção de que as identidades são construções sociais relativas, contrastivas e situacionais, que dão respostas políticas a determinadas demandas e circunstâncias de conflito e agregação social. Há mudanças e pedras no meio do caminho entre essas juventudes, cujas mediações e evidências terão de ser tratadas em trabalho futuro, que completará o movimento deste.

Por ora, porém, vale assinalar que, embora a convivência e dedicação do líder modernista com os moços seja uma constante em sua trajetória - afinal, dela depende a própria realização do projeto -, a relação não é estável e se torna mais tensa, pressionada pelas incertezas e reviravoltas do contexto histórico conflituoso e autoritário. Por exemplo, o veterano da Semana de 1922 atribui certa incompreensão aos artistas da nova geração, que “jamais não poderão suspeitar o a que nos sujeitamos, pra que eles pudessem viver hoje abertamente o drama que os dignifica” (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora.: 251).

Do outro lado, para citar apenas uma polêmica (não isolada naquele momento), em artigo não assinado (mas de autoria de Jorge Amado) de 1939, publicado na revista Dom Casmurro, do Rio de Janeiro, Mário sofreria a dura acusação de ser um “Drácula” - que se alimenta dos jovens (com ele desiludidos) -, e agora ele também um “mestre do passado”, que sobre os moços exerce policiamento, refugiado em sua torre de marfim, incapaz de “acompanhar a marcha do tempo” (Moraes, 1995Moraes, Marcos Antonio de (org.). (1995). Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião. Belo Horizonte: Ed. UFMG .: XXXII). A detratação continua, espezinhando-o como pálida sombra do revolucionário mítico: “Os mais moços, que já vieram após o título conferido, estavam muito dispostos a chamarem o poeta pelo seu título glorioso. Desistiram e estão se rindo dele” (Moraes, 1995Moraes, Marcos Antonio de (org.). (1995). Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião. Belo Horizonte: Ed. UFMG .: XXXII). A passagem das gerações parecia explicitar o significado ambivalente de fármacon intuído, mas não experimentado, por Drummond: “força que revira em seu contrário, o mesmo que se transforma em outro” (Wisnik, 2008Wisnik, José Miguel. (2008). Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras .: 243) - remédio e veneno; droga capaz de causar adicção; e bode expiatório.

O descontentamento de parte dos moços na virada dos anos 1940 com a postura então estetizante de Mário de Andrade, talvez - hipótese a ser ainda testada a partir da sua relação com os cariocas da Revista Acadêmica, os paulistas do grupo “Clima” e os “vintanistas” mineiros, entre outros jovens da época - tenha impulsionado sua guinada em defesa de uma arte social e politicamente engajada, bem como a (auto)crítica de sua própria geração - acusada por ele de “abstencionista” -, que desaguaria na “Elegia de Abril”, de 1941, e no melancólico balanço d’“O movimento modernista”, de 1942 (a primeira feita sob encomenda e publicada no primeiro número da revista Clima e o segundo apresentado na Casa do Estudante do Brasil; ambas, portanto, tendo como público-alvo os jovens). Assim, o enlace geracional que está na base do movimento cultural coloca à prova a abertura do próprio self modernista à mudança, de que dependem a sua resiliência e o aprendizado social. Espécie de “tradição móvel” ele mesmo, o modernismo (como movimento cultural) precisaria, a cada geração, se renovar, modificando a si próprio para mudar a sociedade.

REFERÊNCIAS

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  • Wisnik, José Miguel. (2008). Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras .

NOTAS

  • 1
    Para abordagens sistemáticas do movimento modernista em Minas Gerais, remetemos o leitor aos trabalhos de Dias (1971)Dias, Fernando Correia. (1971). O movimento modernista em Minas, uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa., Bueno (1982)Bueno, Antônio Sérgio. (1982). O modernismo em Belo Horizonte: década de vinte. Belo Horizonte: Ed. UFMG., Bomeny (1994)Bomeny, Helena. (1994). Guardiães da razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ., Marques (2011)Marques, Ivan Francisco. (2011). Cenas de um modernismo de província: Drummond e outros rapazes de Belo Horizonte. São Paulo: Editora 34. e Pereira (2021)Pereira, Maria do Rosário Alves. (2021). Mário de Andrade e os mineiros: a carta como exercício crítico. Belo Horizonte: Ed. UFMG ..
  • 2
    Como uma série de pesquisas já demonstraram, os modernismos dos anos 1920, em quase sua integralidade, ligavam-se de modo velado ou explícito às elites oligárquicas e/ou estatais de suas regiões, o que não torna, ao menos nesse aspecto, o modernismo mineiro uma exceção. Seja em São Paulo (Berriel, 2013Berriel, Carlos Eduardo Ornelas. (2013). Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora da Unicamp.; Miceli, 2012Miceli, Sergio. (2012). Vanguardas em retrocesso: ensaios de história social e intelectual do modernismo latino-americano. São Paulo: Companhia das Letras .), em Pernambuco (Bastos, 2006Bastos, Elide Rugai. (2006). As criaturas de Prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global.; Chaguri, 2009Chaguri, Mariana. (2009). O romancista e o engenho: José Lins do Rego e o regionalismo nordestino dos anos de 1920 e 1930. São Paulo: Hucitec: Anpocs.) ou no Rio de Janeiro (Botelho, 2005Botelho, André. (2005). O Brasil e os dias: estado-nação, modernismo e rotina intelectual. Bauru: Editora Edusc.; Prado, 2010Prado, Antonio Arnoni. (2010). Itinerário de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a Semana de 22 e o Integralismo. São Paulo: Editora 34 .), as vanguardas quase sempre se enredaram com os poderes estabelecidos, incapazes de se desvincular completamente de acordos políticos ou das sinecuras.
  • 3
    É o próprio Carlos Drummond que o confirma, como se pode ler nas “Notas ao sumário” da edição fac-similar de A Revista (Notas…, 1978Notas ao sumário. (1978). A Revista , ano 1, n. 1-3. Edição fac-similar.), editada por José Mindlin.
  • 4
    A correspondência manuscrita com Francisco Martins de Almeida e Rosário Fusco foi consultada no Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) e no Museu de Literatura Brasileira da Casa de Rui Barbosa.
  • 5
    Apenas dois meses antes, em 24 de maio de 1925, Mário de Andrade publicava um artigo no Jornal do Comércio chamado “Modernismo e ação”, onde dizia: “O que justifica e o que vai honrar o nosso movimento é a sua face atual, evolução de certas tendências obscuras ainda naquele tempo [da Semana de Arte Moderna], porém já existentes nas primeiras obras que criamos. A principal delas é fazer uma arte de ação” (Andrade, M., 2008Andrade, Mário de. (2008). Modernismo e ação. In: Schwartz, Jorge. Vanguardas latino-americanas: polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo: Edusp.: 545).
  • 6
    Sobre a noção de “excesso” em Mário de Andrade, conferir o comentário de Silviano Santiago, inspirado por Georges Bataille, em sua introdução à correspondência entre Mário e Drummond (Santiago, 2002Santiago, Silviano. (2002). Prefácio e notas. In: Andrade, Carlos Drummond de & Andrade, Mário de. Carlos e Mário: correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização Lélia Coelho Frota . Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi .).
  • 7
    Destaquemos, contudo, que no final de 1925 Carlos Drummond de Andrade esposa uma posição muito mais radical com relação à (des)importância da tradição no artigo “Ta’i!” publicado no “Mês modernista” de A Noite. Para um público leitor seguramente maior do que o de A Revista e “escoltado”, dentre outros, por Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Sérgio Milliet, Drummond escreve: “Me parece que o modernismo brasileiro precisa abandonar de todo o respeito do papão da tradição […]. Evidentemente não posso negar o passado: um enforcado não pode negar a corda que lhe aperte o pescoço. Mas tenho o direito de declarar que a corda está apertando demais, puxa! E que o milhor é cortá-la de uma vez”. Ao longo do próprio artigo, no entanto, o poeta vai matizando sua posição e, “abandonando a imagem da corda no pescoço”, sugere que se deve “pegar na palavra tradição, virar, revirar, extrair o suco e repudiar o bagaço”, sendo o bagaço o “amor às fórmulas caducas”, num tipo de visão mais próxima à imagem do “inventário” (Andrade, C., 1925bAndrade, Carlos Drummond de. (1925b). Ta’i! A Noite, Rio de Janeiro, 25 dez., p. 1.: 1).
  • 8
    Alguns efeitos dessa aposta foram rápidos. Não à toa, em uma das mais fortes censuras a A Revista, Eduardo Frieiro, sob o pseudônimo de João Cotó, criticava em “Brotoeja literária” a “incomensurável petulância dos moços”, chamando a literatura apresentada no periódico de “acnes juvenilia” de “rapazolas” que, “ignorando ainda as aventuras verdadeiramente viris, confundem o vício solitário com o amor” (Frieiro, 2013Frieiro, Eduardo. (2013). Brotoeja literária. In: Nava, Pedro. Beira-mar. São Paulo: Companhia das Letras .: 511-512). As críticas individuais, no artigo, recaem justamente em Carlos Drummond, Emílio Moura, Martins de Almeida e Pedro Nava.
  • 9
    Fusco contará a Drummond, em carta de 12 de outubro de 1927: “O Mario fez muito boas referências de você comigo. E falou que eu pegasse com você de fato. Que você é ele em ponto pequeno. Pois estou aqui bem grudado, pior do que carrapato estrela” (Fusco, 1927bFusco, Rosário. (12 out. 1927b). [Correspondência]. Destinatário: Carlos Drummond de Andrade . 1 cartão pessoal.).
  • 10
    Referência a um conto que Camilo Soares publicou no primeiro número da revista Verde, que Mário de Andrade já havia lido.
  • 11
    Se as cartas, de modo geral, não são tão longas, talvez seja possível dizer que são mais frequentes. Os jovens de Cataguases escrevem tanto para Mário de Andrade que, certas vezes, as respostas de Mário são endereçadas para mais de um destinatário, ou até mesmo para todo o grupo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2022
  • Aceito
    04 Jul 2022
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