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Seicho-No-Ie, Deep ecology e as particularidades da globalização nipônica: a comida sob a ótica da ética religiosa ambiental

Seicho-No-Ie, Deep ecology and the particularities of nippon globalization: food from the perspective of environmental religious ethics

Resumos

Resumo: O objetivo principal deste artigo é estabelecer uma relação entre Seicho-No-Ie, Deep Ecology e comida. A hipótese gira em torno da seguinte premissa: a relação entre esses três elementos envolve uma discussão centrada na ética religiosa ambiental, que se preocupa com o bem-estar do meio ambiente como um todo. Com base nessa ética, Masanobu Taniguchi, atual liderança máxima da Seicho-No-Ie, procura resgatar elementos tradicionais da cultura japonesa - via Deep Ecology - para trazer à tona a importância de pensarmos nas mudanças dos hábitos alimentares no mundo globalizado. Como método de abordagem, optou-se pela Pesquisa bibliográfica sugerida por Lakatos e Marconi (2003) e pela Análise do Discurso Religioso proposta por Orlandi (1987).

Palavras-chave:
Seicho-No-Ie; Deep Ecology ; ética; Masanobu; japonesa


Summary: The main objective of this article is to establish a relationship between Seicho-No-Ie, Deep Ecology and food. The hypothesis revolves around the following premise: the relationship between these three elements involves a discussion centered on environmental religious ethics, which is concerned with the well-being of the environment as a whole. Based on this ethic, Masanobu Taniguchi, current top leadership of Seicho-No-Ie, seeks to rescue traditional elements of Japanese culture - via Deep Ecology - to bring to light the importance of thinking about changes in food habits in the globalized world. As a method of approach, we chose the Bibliographic Research suggested by Lakatos and Marconi (2003) and the Religious Discourse Analysis proposed by Orlandi (1987).

Keywords:
Seicho-No-Ie; Deep Ecology; Ethic; Masanobu; Japanese


Introdução

A relação entre religião e comida pode ser percebida pelo crescente interesse em torno dos estudos interdisciplinares1 1 Podemos incluir nessa gama de estudos as perspectivas da Antropologia, Sociologia, Nutrição, Psicologia, História e Economia centradas nos chamados foodways (Dallam 2014; Che-Being & Cheung 2007). envolvendo a alimentação nas últimas décadas (Counihan & Esterik 2013COUNIHAN, Caroline; ESTERIK, Penny Van. (2013), “Why Food? Why Culture? Why Now? Introduction to the Third Edition”. In: C. Counihan; P. V. Esterik (ed.). Food and Culture: a Reader. New York and London: Routledge , 3º ed.). De modo geral, esses trabalhos procuram compreender, mediante nossos hábitos e crenças, como cultivamos, preparamos, consumimos e evitamos certos alimentos (Che-Being & Cheung 2007).

Nas Ciências Sociais, podemos dizer que a relação entre comida e religião teve seu germe no trabalho de Mary Douglas (1921-2007), conhecido como Pureza e Perigo (1966). Nessa obra, a autora procurou compreender as proibições alimentares - a chamada lei dietética judaica - por meio da concepção religiosa de plenitude (Counihan & Esterik 2013COUNIHAN, Caroline; ESTERIK, Penny Van. (2013), “Why Food? Why Culture? Why Now? Introduction to the Third Edition”. In: C. Counihan; P. V. Esterik (ed.). Food and Culture: a Reader. New York and London: Routledge , 3º ed.). Desde então, no campo das Ciências Sociais, a comida passou a ser compreendida, ao mesmo tempo, como uma substância material, social e sagrada (Dallam 2014DALLAM, Marie W. (2014), “Introduction: religion, food and eating”. In: M. W. Dallam et al. (ed.). Religion, food and eating in North America. New York: Columbia University Press.).

Pensando em trabalhos posteriores, podemos perceber um descolamento para a dinâmica global, isto é, a comida passou a ser analisada por meio de questões contemporâneas como a mudança das práticas dietéticas alimentares, migração, gênero, identidade étnico-racial, vegetarianismo e agricultura orgânica. Tal panorama abriu caminho para um presente e futuro incertos, favorecendo, por exemplo, a sensação de medo, insegurança e angústia (Counihan & Esterik 2013COUNIHAN, Caroline; ESTERIK, Penny Van. (2013), “Why Food? Why Culture? Why Now? Introduction to the Third Edition”. In: C. Counihan; P. V. Esterik (ed.). Food and Culture: a Reader. New York and London: Routledge , 3º ed.). Assim, a relação entre religião e comida adquiriu maior proeminência em torno de assuntos complexos, envolvendo aspectos éticos da produção, manejo e consumo de alimentos (Che-Being & Cheung 2007).

Esse novo panorama está relacionado com o contexto de aproximação entre religião e meio ambiente presenciado a partir da segunda metade do século XX (Taylor 2008TAYLOR, Bron. (2008), “Introduction: Introducing Religion and Nature”. In: B. Taylor (ed). The Encyclopedia of Religion and Nature. London and New York: Thoemmes Continuum.). Na medida em que o alerta ambiental se intensificava, também se evidenciava um interesse no papel ético da religião em questões ecológicas capitais. “Grande parte dessa preocupação previa a religião promovendo um comportamento ambientalista responsável” (Taylor 2008:7, tradução nossa).

Em virtude desse contexto é que a relação entre religião e Ecologia Profunda (Deep Ecology) ficou evidente. A Deep Ecology - movimento filosófico surgido na Noruega, mas que tem, por exemplo, influências orientais e indígenas - na medida em que se desenvolvia, passava a enfatizar, cada vez mais, o chamado “valor ético intrínseco do mundo natural”. Tal guinada abriu caminho para um discurso voltado à necessidade de experiência imanente do sagrado no planeta, possibilitando, dessa forma, expor os problemas ambientais e nossa relação com eles (Gottlieb 2001GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Spiritual Deep Ecology and World Religions: A Shared Fate, a Shared Task”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .).

Nas Ciências Sociais, ainda são incipientes os trabalhos envolvendo Deep Ecology, religião e comida. Podemos citar alguns estudos que procuram estabelecer esse tipo de conexão. Grim (2001GRIM, John A. (2001), “Indigenous Traditions and Deep Ecology”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .) argumenta que o conhecimento ambiental tradicional indígena e Deep Ecology compartilham algo em comum: o respeito pela vida animal e vegetal. Alves (2015ALVES, José Eustáquio Diniz. (2015), “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”. Horizonte, nº 39: 1315-1344.) procura estabelecer um paralelo entre a encíclica Laudato Si, lançada pelo Papa Francisco em 2015, e a crítica ao consumismo, pautado em uma visão antropocêntrica contrária aos princípios da Ecologia Profunda. Já Kara e Saroğlu (2021KARA, Yunus; SAROĞLU; Hace. (2021), “Reflections of Deep Ecology Approach in the Ahimsa Doctrine”. Gaziantep University Journal of Social Sciences, nº 20: 362-371.) apontam que o Jainismo tem semelhanças com a Deep Ecology, ao defender, dentre outras coisas, o princípio de não agressão a qualquer criatura viva.

Pensando na expansão de novas abordagens, é preciso dar uma atenção mais acentuada ao contexto do Leste e Sudeste Asiático, pois, na contemporaneidade, a comida é um dos importantes “marcadores culturais de identidade dos países destas regiões” (Che-Being & Cheung 2007). A discussão envolvendo a relação entre ética alimentar e religião não está ganhando notoriedade somente no Ocidente (Kaza 2006KAZA, Stephanie. (2006), “The Greening of Buddhism: Promise and Perils”. In: R. S. Gottlieb (ed.). The Oxford Handbook of Religion and Ecology. New York: Oxford University Press.). Como exemplo, a necessidade de enfatizar o crescimento dos estudos em torno da ética ambiental, tendo como base, a importância dada aos animais pela tradição budista do Leste Asiático (Dalal 2014DALAL, Neil. (2014), “Introduction”. In: N. Dalal; C. Taylor. (2014), Asian Perspectives on Animal Ethics: Rethinking the nonhuman. London and New York: Routledge.).

Dessa forma, podemos enxergar na Seicho-No-Ie um Novo Movimento Religioso japonês,2 2 Não entramos neste artigo na discussão e conceituação dos Novos Movimentos Religiosos. Os Novos Movimentos Religiosos são tratados, neste trabalho, para se referir às religiões surgidas a partir do século XIX (Aweeck 2007). Optamos por discutir o conceito de religião - que será abordado na primeira seção. um caminho viável para estabelecer a conexão entre religião, Deep Ecology e comida. Masanobu Taniguchi, além de ter influências da própria Deep Ecology em sua doutrina religiosa (Silveira 2016SILVEIRA, João Paulo de Paula. (2016), Identidades religiosas na modernidade tardia: um estudo a partir da Seicho-No-Ie do Brasil em Goiânia. Goiânia: Tese de Doutorado em Sociologia, UFG.), procura incentivar campanhas de refeições comunitárias evitando o consumo de carne, bem como promover slogans do tipo “sem carne” (no-mito em japonês), a fim de promover a redução de problemas ambientais enfrentados na contemporaneidade (Dessi 2013DESSI, Ugo. (2013), Japanese Religious and Globalization. New York andLondon: Routledge .; Staemmler 2018STAEMMLER, Birgit. (2018), “Seichō no Ie”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements. Boston: Brill.).

Pensando nesse cenário, o objetivo principal deste artigo foi estabelecer uma relação entre Seicho-No-Ie, Deep Ecology e comida. A hipótese foi que essa conexão envolve uma postura ética em torno do meio ambiente, partindo do Japão para o globo, isto é, do “local” para o global. “Nesta narrativa, o declínio ecológico anda de mãos dadas com o declínio moral, e a solução para a crise ambiental global é encontrada em um retorno à 'cultura tradicional japonesa”' (Rots 2021ROTS, Aike. P. (2021), “Environmentalism”. In: E. Baffelli; A. Castiglioni; F. Rambelli. The Bloomsbury Handbook of Japanese Religions. London, New York, Oxford, New Delhi and Sidney: Bloomsbury Academic.:68, tradução nossa, grifos do autor). Por isso, atualmente, há uma tendência em reforçar uma sólida similitude entre Ecologia Profunda e os ensinamentos provenientes da tradição nipônica sobre a natureza (Yamamoto 2018YAMAMOTO, Yoko. (2018), “The Introduction of ‘Experiences of Identification with Familiar Nature’ to the Field of Ecology in High School Biology in Japan”. International Journal of Curriculum Development and Practice, nº 1: 35-48.).

As fontes utilizadas foram artigos, uma tese, uma dissertação, livros (acadêmicos e doutrinários), e a página oficial da Seicho-No-Ie do BrasilSEICHO-NO-IE DO BRASIL. O que é a Seicho-No-Ie? Disponível em: Disponível em: https://sni.org.br/seicho-no-ie/institucional/o-que-e-a-seicho-no-ie/ . Acesso em: 20/08/2021.
https://sni.org.br/seicho-no-ie/instituc...
. Em relação ao método, foram seguidos dois caminhos de abordagem. O primeiro se debruçou na Pesquisa Bibliográfica sugerida por Lakatos e Markoni (2003LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. (2003), Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 5º ed.). Ela se constitui no contato direito com todo o material escrito sobre determinado assunto a ser analisado e, não sendo simplesmente uma repetição ou reprodução daquilo que já foi abordado, possibilita uma nova abordagem a respeito dessa temática. O segundo se concentrou na Análise de Discurso de cinco livros. Dois de autoria de Masaharu Taniguchi, o fundador da Seicho-No-Ie, e três de autoria de Masanobu Taniguchi. Optou-se pela Análise do Discurso Religioso proposta por Orlandi (1987ORLANDI, Eni Pulcinelli. (1987), “Apresentação”. In: E. P. Orlandi (ed.). Palavra, fé e poder. Campinas: Pontes.). Tal abordagem não se interessa pelas nossas crenças ou descrenças, mas, sim, no objeto de conhecimento: o discurso religioso e sua relação com a dinâmica histórica, social, teórica e política.

Na primeira seção, serão apresentadas as definições de religião e globalização utilizadas neste trabalho. Em seguida, levando-se em conta o florescimento do movimento ambientalista na segunda metade do século XX, bem como sua conexão com as características da globalização desse período, serão discutidos o desenvolvimento da Deep Ecology, sua inserção na esfera religiosa e sua relação com a comida. Considerando as fases históricas da globalização, será resgatada a singularidade da formação do cenário religioso japonês que contribuiu para o surgimento da Seicho-No-Ie. Depois, serão apresentadas a formação, as principais características e as particularidades do discurso da Seicho-No-Ie. Na penúltima seção, será analisado como a Seicho-No-Ie, na figura de Masanobu Taniguchi, passou a assumir um discurso ético ambiental influenciado pela Deep Ecology. Por fim, será abordado como este mesmo discurso tem ganhado proeminência por meio da discussão envolvendo a comida no atual cenário global.

Religião e globalização enquanto conceitos flexíveis

Religião é aqui compreendida como uma instituição humana. “Em suma, as religiões são instituições humanas que tipicamente têm dimensões teóricas, práticas, experienciais e sociais” (Byrne & Clarke 1993:13, tradução nossa). As quatro dimensões tipicamente3 3 Significa que não há necessidade de que todas as dimensões da religião estejam presentes em todas as práticas religiosas que conhecemos (Byrne & Clarke 1993). orientadas são as teóricas: crenças, mitos e doutrinas; as práticas: ritos e códigos morais; as sociais: igrejas, monges e sacerdotes e as experienciais: emoções, visões e atitudes. Todas elas incluem os objetos, objetivos e funções da religião (Byrne & Clarke 1993). Nesse sentido, a religião não está circunscrita somente na doutrina e crença, mas também na participação, costume, ritual, prática mundana, pertencimento e padrão comportamental. De onde a ideia de religião também implica certos dinamismos sociais e, consequentemente, a possibilidade da reorganização das religiões tradicionais e o surgimento dos Novos Movimentos Religiosos (Byrne & Clarke 1993).

Em relação à globalização, este artigo trabalha com três pilares que dialogam com a concepção de religião destacada anteriormente. O primeiro deles engloba o entendimento geral de globalização, voltado a uma noção heterogênea e relacional, que envolve as dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas. “A religião está centrada na dimensão cultural, mas, sem dúvida, possui aspectos sociais, políticos e econômicos” (Robertson 2011ROBERTSON, Roland. (2011), “Globalization, Theocratization, and Politicized Civil Religion”. In: P. B. Clarke (ed.). The Oxford Handbook of the Sociology of Religion. Oxford: Oxford University Press.:11, tradução nossa).

O segundo se refere à historicidade da globalização. Isso envolve o reconhecimento de que o fluxo global tem fases históricas, perpassadas do Oriente ao Ocidente, presentes desde os primórdios da humanidade. Decorrendo a crítica a uma visão que considera a globalização um fenômeno essencialmente originário da formação do Estado-Nação, pois possibilita pensarmos na própria função da religião no percurso do processo global (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .).4 4 Para Campbell (2007), a noção de conectividade com o mundo já existia desde os tempos remotos - através dos cristãos e muçulmanos.

Já o terceiro diz respeito à interdependência do global e local (Dessi 2013DESSI, Ugo. (2013), Japanese Religious and Globalization. New York andLondon: Routledge .), donde a ideia de glocalização.5 5 Robertson (2014) cunhou o termo “glocalização” inspirado em uma prática cultural japonesa conhecida como dochakuka (que, literalmente, significa indigenizar). “Glocalização refere-se ao processo pelo qual os fenômenos que se espalham [...] ou são difundidos de um lugar para outro [...] são adaptados à nova localidade em que chegam” (Robertson 2014ROBERTSON, Roland. (2014), “Europeanization as Glocalization”. In: R. Robertson. European Glocalization in Global Context. London: Palgrave Macmillan .:21, tradução nossa). Essa visão possibilita percebermos que a globalização produz uma variedade de interpretações em diferentes regiões, pois a noção de “local” não diz respeito simplesmente a um espaço geográfico físico, mas também a um ambiente construtivista (Dessi 2013; Robertson 2014). É nesse emaranhado que as religiões respondem aos fluxos culturais, políticos, econômicos e sociais em diferentes contextos e de diferentes maneiras (Dessi 2013).

A heterogeneidade do surgimento da Deep Ecology e sua relação com alimento por meio da ética religiosa ambiental

A partir da segunda metade do século XX, o movimento ambientalista ganhou proeminência por meio de um discurso centrado na interconectividade entre os ecossistemas. Essa noção teve como pano de fundo: a compreensão da consciência da conexão do mundo como um local e um planeta, bem como a consciência global e local dos acontecimentos envolvendo o meio ambiente (Kearns 2007KEARNS, Laurel. (2007), “Religion and Ecology in the Context of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .). Embora essa visão já existisse desde o final do século XVIII,6 6 Podemos citar, como exemplo histórico, o movimento romântico (Pádua 2005). a novidade esteve relacionada ao alcance dessa visão, pois passou a atingir diferentes setores da esfera pública - inspirando, por exemplo, a florescimento de movimentos sociais, organizações não governamentais, ações coletivas e novas correntes de pensamento (Pádua 2005PÁDUA, José Augusto. (2005), “Herança romântica e ecologismo contemporâneo: existe um vínculo histórico?”. Varia Historia, vol. 21, nº 33: 58-75.; 2010PÁDUA, José Augusto. (2010), “As bases teóricas da história ambiental”. Estudos Avançados, nº 68: 81-101. ).

Esse cenário tem conexão com a chamada sexta fase do período histórico da globalização - que se estendeu de 1968 até o final do século XX (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .). O que se assistiu nesse contexto foi, dentre outros aspectos, o surgimento de uma consciência ambiental global - em virtude das preocupações com as degradações no meio ambiente. Tal contexto acabou estimulando o desenvolvimento do ambientalismo religioso (Campbell 2007). Esse tipo de ambientalismo emergiu levando-se em consideração a necessidade de adotar um comportamento socialmente adequado sob uma ética religiosa7 7 No caso de uma ética orientada do ponto de vista religioso, podemos indicar duas premissas: 1) Deontológica: um “dever” proveniente de algo anterior, como a vontade divina; e 2) Teleológica: determinadas com base nas consequências de uma ação (Alles & Ellwood 2007). , regida por uma visão holística do mundo (Alles & Ellwood 2007ALLES, Gregory D.; ELLWOOD, Robert S. (2007), The Encyclopedia of World Religions. New York: Facts On File.; Kearns 2007KEARNS, Laurel. (2007), “Religion and Ecology in the Context of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .).

Foi nesse contexto que surgiu a Deep Ecology. Embora tenha nascido no Ocidente, tal movimento trouxe críticas à tradição dualista do paradigma ocidental cartesiano. “Este paradigma consiste em uma série de ideias e valores, dentre eles [...] a visão do corpo humano como uma máquina, bem como a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência” (Capra 1995CAPRA, Fritjof. (1985), “Deep Ecology: A New Paradigm”. In: G. Sessions (ed.). Deep Ecology for the Twenty-First Century. Boston and London: Shambhala.:19-20, tradução nossa). A Deep Ecology tem suas raízes nos escritos do filósofo norueguês Arne Naess (1912-2009). Em 1973,8 8 O termo foi cunhado primeiramente em um artigo, escrito por Naess no ano de 1973, chamado “The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movements” (Devall 1985). Naess desenvolveu o termo Ecologia Profunda pautado em dois pilares fundamentais. O primeiro relacionado à visão crítica ao chamado “ambientalismo antropocêntrico superficial” - uma visão ambiental centrada apenas nos indivíduos. Já o segundo voltado à necessidade de enfatizar o valor intrínseco da natureza - um valor que ultrapassa as necessidades utilitaristas dos sujeitos (Taylor & Zimmerman 2008TAYLOR, Bron; ZIMMERMAN, Michael. (2008), “Deep Ecology”. In: B. Taylor (ed). The Encyclopedia of Religion and Nature . London and New York: Thoemmes Continuum .).9 9 Cabe destacar que a Deep Ecology foi construída visando abarcar múltiplas perspectivas como a Filosofia Perene de Aldous Huxley (1894-1963), a tradição literária do naturalismo e pastorismo europeu e norte-americano, a visão cristã de São Francisco de Assis (1881-1226), o feminismo de autoras, como Mary Austin (1868-1934), a religião de certos povos nativos do continente americano e algumas tradições orientais, como as budistas e hinduístas (Devall 1985; Taylor & Zimmerman 2005).

Posteriormente, a Deep Ecology passou a atuar dentro do espaço discursivo, emotivo, cognitivo e institucional da religião, procurando assumir um discurso ético religioso pautado na visão da natureza como algo sagrado e espiritualmente vital (Barnhill & Gottlieb 2001BARNHLL, David Landis; GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Introduction”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .; Gottlieb 2001GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Spiritual Deep Ecology and World Religions: A Shared Fate, a Shared Task”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .).10 10 Em 1984 foi criada, por exemplo, a Deep Ecology Platform (DEP), formulada, em 1984, por Arne Naess e Georg Sessions, na Califórnia. Tal plataforma foi elaborada buscando agregar múltiplas perspectivas de causas ambientais - dentre elas as religiosas. Ademais, ela teve aceitação de grande parte dos ambientalistas ao redor do mundo (Taylor & Zimmerman 2008). Nesse sentido:

[...] muitos ecologistas profundos acreditam que somente ressacralizando nossas percepções do mundo natural podemos colocar o ecossistema acima dos nossos interesses, o que implica no nosso aprendizado em conviver harmoniosamente com o mundo natural, evitando assim uma catástrofe ecológica. (Taylor & Zimmerman 2008TAYLOR, Bron; ZIMMERMAN, Michael. (2008), “Deep Ecology”. In: B. Taylor (ed). The Encyclopedia of Religion and Nature . London and New York: Thoemmes Continuum .:456, tradução nossa)

Em virtude desse cenário, a Deep Ecology iniciou uma aproximação com tradições religiosas que estariam interessadas em “[...] estabelecer nossas semelhanças, conexões e inter-relações com a terra, o céu, as flores e peixes” (Gottlieb 2001GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Spiritual Deep Ecology and World Religions: A Shared Fate, a Shared Task”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .:19, tradução nossa), por exemplo, a busca, entre os ecologistas profundos, por um viver ético, não antropocêntrico, voltado para o bem-estar dos animais - que seriam mortos e torturados em prol de um consumismo sem precedentes (Capra 1995). Tal aproximação, na visão da Deep Ecology, seria possível por meio do contato com as tradições indígenas, pagãs e as originárias da Ásia, especialmente Budismo, Hinduísmo e Taoismo, pois elas formariam bases superiores para a ética religiosa e forneceriam um maior discernimento ecológico (Taylor & Zimmerman 2008TAYLOR, Bron; ZIMMERMAN, Michael. (2008), “Deep Ecology”. In: B. Taylor (ed). The Encyclopedia of Religion and Nature . London and New York: Thoemmes Continuum .).

No caso, por exemplo, do Budismo iniciou-se uma tentativa em estabelecer uma relação entre ética, presente, sobretudo, no holismo relacional11 11 Esta tradição budista rejeita a dicotomia e privilegia a interconexão de todos os fenômenos do mundo (Barnhll 2001; Dalal 2014). A discussão em torno do Budismo Mahayana será retomada mais adiante. do Budismo Mayahana do Leste Asiático e Deep Ecology (Barnhill 2001BARNHLL, David Landis. (2001), “Relational Holism: Huayan Buddhism and Deep Ecology”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press.). A experiência meditativa dessa tradição budista proporcionaria uma visão não dualista entre natureza e ser humano (Brinkerhoff & Jacob 1999BRINKERHOFF, Merlin B.; Jacob, Jeffrey C. (1999), “Mindfulness and Quasi-Religious Meaning Systems: An Empirical Exploration within the Context of Ecological Sustainability and Deep Ecology”. Journal for the Scientific Study of Religion, nº 4: 524-542.). Tal experiência levaria à compreensão do princípio de compaixão do Budismo - já que este proibiria a execução de animais dotados de consciência (Loy 1997LOY, David R. (1997), “Loving the Word as Our Own Body: The Nondualist Ethics of Taoism, Buddism and Deep Ecology”. Worldviews: Global Religions, Culture, and Ecology, nº 1: 249-273.). Por isso, a ideia de se evitar o consumo de carne.12 12 O consumo de carne não é totalmente proibido nas práticas budistas, pois esse entendimento varia de país para outro (Fieldhouse 2017).

Ademais, muitos seguidores do Budismo Mayahana acreditam na reencarnação - incluindo, por exemplo, a possibilidade de os indivíduos renascerem na figura de outros animais. Por isso, a relação com a adesão ao vegetarianismo, pois o carma envolveria uma concepção regida por princípios éticos: as boas e as más ações teriam consequências para a próxima vida (Fieldhouse 2017). De acordo com os ecologistas profundos, as restrições éticas budistas nos direcionariam de volta para o mundo social (Gottlieb 2001GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Spiritual Deep Ecology and World Religions: A Shared Fate, a Shared Task”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .).

As fases da globalização e o particularismo da formação do cenário religioso japonês

A formação do cenário religioso japonês está relacionada com as cinco primeiras fases da globalização. A primeira, que se estendeu até 1400, foi caracterizada pela propagação de diversas religiões pelo mundo, nascimento de concepções universalistas religiosas, fluxo migratório e expansão militar e política (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .).

No contexto japonês, essa fase correspondeu, primeiramente, ao desenvolvimento do Xintoísmo - religião nativa nipônica. Ela apresenta, dentre outros aspectos, uma dimensão étnica centrada na relação entre o território japonês e os deuses: Kamis (Clarke 2006CLARKE, Peter. (2006), New Religions in Global Perspective: Religious Change in the Modern World. London: Routledge .; Nakano 2007NAKANO, Tsuyoshi. (2007), “Shintoism”. In: G. Rizer (ed.). The Blackwell Encyclopedia of Sociology. Nova Jersey: Wiley-Blackwell.). No século VI, o Budismo chegou ao Japão via Península Coreana. Cabe destacar que o Budismo desenvolvido no Leste Asiático foi importado da Índia, por meio do Império Chinês. Nesse sentido, a tradição budista que adentrou nos domínios nipônicos foi a Mahayana, ou “Grande Veículo”, que procura promover a salvação de todos os seres vivos (Clarke 2006). Ainda do século VI, o Budismo Mahayana atingiu as esferas sociais do Japão. Por esse motivo, o início do processo de sincretismo entre Xintoísmo e Budismo, conhecido através da expressão “a entidade principal e suas manifestações” - Honji Suijaku (Clarke 2006).13 13 Nos primórdios desse sincretismo, Buda era considerado uma manifestação secundária dos Kamis. Na medida em que as práticas budistas se disseminaram no campo político, os Kamis tornaram-se manifestações secundárias do Buda (Clarke 2006).

A segunda fase da globalização, que vigorou entre 1400-1815, foi caracterizada pelas grandes navegações, exploração entre nações e expansão dos valores cristãos ocidentais (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .). Foi nesse cenário que o Cristianismo - no caso o Catolicismo Romano - adentrou na cultura japonesa no século XVI, por meio de missionários portugueses e espanhóis. Em meados do século XVII, o governo pertencente à chamada Era Tokugawa (1603-1867), época em que o país vivenciava um sistema feudal, em que o Budismo era a religião oficial, proibiu o Cristianismo (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.).

A terceira fase da globalização, que abrangeu o período entre 1815-1870, foi caracterizada pela consolidação do Estado-Nação, crescimento das relações internacionais e florescimento dos Novos Movimentos Religiosos (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .). Em 1838 surgiu o primeiro Novo Movimento Religioso japonês, conhecido como Tenrikyo. Em 1854 houve a reabertura dos portos no Japão: propiciando o retorno dos missionários jesuítas, bem como a chegada dos primeiros missionários protestantes. Em 1868 ocorreu a Restauração Meiji (1868-1912), que abriu caminho para a formação do Estado-Nação do Japão, ao decretar o fim da Era Tokugawa (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.).

A quarta fase da globalização, que abrangeu o período entre 1870-1914, foi caracterizada pela intensificação da urbanização, surgimento de redes de comunicação mais avançadas, aumento da cultura de consumo, crescimento dos Novos Movimentos Religiosos e tendência ao estabelecimento de uma consciência global religiosa, por meio do ecumenismo (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .).

Essa fase trouxe à tona o processo singular do desenvolvimento do Estado-Nação japonês. O maior contato com o Ocidente propiciou um fluxo mais acentuado de trocas comerciais, favorecendo a industrialização e urbanização (Winter 2018WINTER, Franz. (2018). “Japanese New Religious Movements: An Introduction”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements . Boston: Brill .). Ao mesmo tempo, tal fato propiciou um incômodo ao processo de ocidentalização do país (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.). Por essa razão, o estabelecimento do Xintoísmo de Estado: a religião nativa tornou-se parte da política nacionalista de governo. Através de mecanismos presentes na própria constituição, o imperador passou a ser considerado descendente da Deusa do Sol - Amateratsu (Nakano 2007NAKANO, Tsuyoshi. (2007), “Shintoism”. In: G. Rizer (ed.). The Blackwell Encyclopedia of Sociology. Nova Jersey: Wiley-Blackwell.).14 14 Diante disso, ele acabou se tornando uma espécie de divindade manifesta, Akitsu Kami (Nakano 2007). Nesse contexto, o sincretismo com o Cristianismo também começou a ficar mais evidente - através das influências monoteístas. A Oomoto, uma das novas religiosidades japonesas fundadas em 1892, transformou a figura de Jesus Cristo em Kami (Reader 1991READER, Ian. (1991), Religion in Contemporany Japan. London: Palgrave Macmillan.).

A quinta fase da globalização, que abrangeu o período entre 1914-1968, teve como características a intensificação dos conflitos mundiais, presença de entidades governamentais e religiosas no intuito de proporcionar uma mediação de tais conflitos e continuidade da perpetuação de novas religiosidades pelo mundo (Campbell 2007CAMPBELL, George Van Pelt. (2007), “Religion and Phases of Globalization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .).

No cenário japonês, essa fase foi marcada por dois momentos. O primeiro diz respeito à intensificação do caráter totalitário do governo - tendo em vista sua política expansionista militar e seu alinhamento com os países do Eixo, na Segunda Guerra Mundial (Mullins 1998MULLINS, Mark. R. (1998), Christianity Made in Japan: A Study of Indigenous Movements. Honolulu: University of Hawaii Press.).15 15 Em 1939, por exemplo, foi criada a Lei das Organizações Religiosas (Shukyo Dantai Ho). Ela deu poderes ao estado para dissolver qualquer organização religiosa cujos ensinamentos estivessem em conflito com o Caminho Imperial (Kodo) (Mullins 1998). Foi nesse contexto que surgiram alguns Novos Movimentos Religiosos, tais como a Seicho-No-Ie em 1930. Já o segundo refere-se aos desdobramentos do término da Segunda Guerra Mundial. Tal fato, como ocasionou a derrota dos países do Eixo, propiciou a dissolução do Xintoísmo de Estado e a promulgação da Constituição de 1947 - que decretou, por exemplo, a liberdade religiosa no país (Winter 2018WINTER, Franz. (2018). “Japanese New Religious Movements: An Introduction”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements . Boston: Brill .).

Seicho-No-Ie: universalismo e harmonia à luz do Jissô

A Seicho-No-Ie (Lar do Progredir Infinito) foi fundada por Masaharu Taniguchi (1893-1985) no dia primeiro de março de 1930. Além do Budismo Mahayana e Xintoísmo, ela teve influências cristãs em seu processo de consolidação. Tal fato está relacionado ao contato com o pensamento ocidental mantido por Taniguchi desde seu ingresso (em 1912) no curso de Literatura da Universidade de Waseda (Albuquerque 1999ALBUQUERQUE, Leila M. B. (1999), Seicho-no-Ie do Brasil: agradecimento, obediência e salvação. São Paulo: Annablume.). A influência cristã de Taniguchi foi proveniente do “Novo Pensamento” (New Thought), surgido nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX (Cabanas & Sánchez 2020CABANAS, Edgar; SÁNCHEZ, José Carlos. (2020), “Spirituality and Happiness from New Thought to Positive Psychology”. In: E. Cabanas et al. (ed.). The Routledge International Handbook of Global Therapeutic Cultures. London: Routledge.).16 16 O “Novo Pensamento” engloba um conjunto de religiões que acreditam na unidade entre Deus e mente, na espiritualidade dos indivíduos e na substancialidade presente no pensamento (Hutehinson 2014).

Em 1929, residindo na cidade de Hyogo, Taniguchi alegou ter recebido uma espécie de revelação divina. Tal evento teria ocorrido no Santuário Sumiyoshi - santuário xintoísta no qual ele tinha o hábito de orar pela prosperidade do Japão (Diniz 2006DINIZ, Ediléia Mota. (2006), Carisma e poder no discurso religioso: um estudo do legado de Masaharu Tanigushi - a Seicho-No-Ie no Brasil. São Bernardo do Campo: Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo.; Staemmler 2018STAEMMLER, Birgit. (2018), “Seichō no Ie”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements. Boston: Brill.). A suposta revelação envolvia uma espécie de chamado para Taniguchi divulgar o Aspecto Real (Jissô) da vida. Em outras palavras, Jissô seria a “perfeição da criação divina” (Taniguchi, Masaharu 1978).

As bases do aspecto doutrinário da Seicho-No-Ie foram desenvolvidas sob o prisma do Jissô. “No Aspecto Verdadeiro (Jissô) da Realidade todas as coisas são um só corpo, por isso devem estar unidos entre si, numa relação harmônica (isto é, no amor), originalmente não deve existir ódio, rancor ou ciúme” (Taniguchi, Masaharu 1978TANIGUCHI, Masaharu. (1978), Seimei no Jisso (A verdade da vida). São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:171). A essência do Jissô estaria na mente, pois é nela que residiria a natureza espiritual da vida, ou seja, o mundo absoluto de Deus e o mundo da serenidade (Jakkodo) de Buda (Taniguchi, Masaharu 2001). Reconhecer o Jissô não implicaria na negação da matéria, mas no entendimento que ela por si só não existiria:

Na Seicho-No-Ie [...] fazemos afirmações como [...] “A matéria não existe”. Algumas pessoas, interpretando erroneamente essa afirmação, passam a pensar: “Já que a matéria não existe, não é preciso tratar bem as coisas materiais”. Esta é uma atitude mental que tende para o nilismo [...] Afirmamos que não existe a matéria, e sim a Imagem Verdadeira. (Taniguchi, Masaharu 2011TANIGUCHI, Masaharu. (2011), O que é a Seicho-No-Ie. Votos e aprimoramentos espiritual dos adeptos da Seicho-No-Ie. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil , 13º ed.:24, grifos do autor)

Taniguchi se valeu da própria construção do emblema oficial da Seicho-No-Ie (elaborada a partir da noção do Jissô) para representar a ideia de harmonia entre todas as religiões. “A essência de todas as religiões se identifica com a Verdade pregada na filosofia do Jissô” (Taniguchi, Masaharu 1978:12-13).

Figura 1
Emblema Oficial da Seicho-No-Ie

Os três astros representados no emblema são o sol: presente na parte externa em forma de círculo; a lua: que se encontra na parte interna em cor branca e a estrela: localizada no centro. A reunião harmônica desses astros simboliza o universo. Ademais, o sol representa o Xintoísmo. Na tradição xintoísta, Amaterasu é a Deusa do Sol; a lua, o Budismo - Buda se refere a esse astro para passar seus ensinamentos - e a estrela, o Cristianismo, que nas escrituras bíblicas, os três sábios foram guiados por uma estrela milagrosa para presenciarem o nascimento de Jesus Cristo (Davis 1997DAVIS, Roy Eugene. (1997), O homem-milagre do Japão. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil.).

Entre o global e o local: o encontro da Seicho-No-Ie com a Deep Ecology

Com o término da Segunda Guerra Mundial, Taniguchi começou a realizar uma série de viagens pelo mundo no intuito de divulgar e expandir a Seicho-No-Ie (Davis 1997DAVIS, Roy Eugene. (1997), O homem-milagre do Japão. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil.). Foi a partir desse contexto que a noção de Jissô passou ser direcionada para a paz mundial, através da expressão Movimento para Iluminação da Humanidade - jinrui kōmyō undō (Albuquerque 1999ALBUQUERQUE, Leila M. B. (1999), Seicho-no-Ie do Brasil: agradecimento, obediência e salvação. São Paulo: Annablume.; Staemmler 2018STAEMMLER, Birgit. (2018), “Seichō no Ie”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements. Boston: Brill.).

Esse movimento indica uma tendência das religiões japonesas: elas tentam se reposicionar dentro da sociedade global e, para encontrar legitimidade, abordam problemas globais (Dessi 2013DESSI, Ugo. (2013), Japanese Religious and Globalization. New York andLondon: Routledge .). O Movimento para Iluminação da Humanidade trazia como modelo o “local”, ou seja, o Japão. Tal fato refere-se ao caráter étnico que as religiões japonesas assumem no nível global, enquanto marcadores de identidade (Dessi 2013). Por isso as influências do Xintoísmo de Estado para se pensar na paz mundial. O desfecho Segunda Guerra Mundial significou um fluxo de retomada da identidade nacional. “Num pedaço de terra abençoado pela deusa Amateratsu, teria surgido uma sociedade harmônica e equilibrada, isenta de conflitos e de contradições” (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.:31). Tal retomada propiciou o resgate da ideia de interdependência do Xintoísmo de Estado por parte de Taniguchi, ou seja, da unicidade do povo japonês enquanto uma só família (Albuquerque 1999ALBUQUERQUE, Leila M. B. (1999), Seicho-no-Ie do Brasil: agradecimento, obediência e salvação. São Paulo: Annablume.).

Com o falecimento de Masaharu Taniguchi, em 1985, quem assumiu a liderança máxima da Seicho-No-Ie foi seu genro Seicho Taniguchi (1919-2008). Nesse contexto, o Japão já tinha um protagonismo internacional. Tal fato não envolvia somente a dimensão econômica, pois os “[...] elementos internos seriam agora lançados na órbita de outros ‘mundos’. Comida japonesa, revistas em quadrinhos, programas de televisão, moda, televisores [...] atestam este fato” (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.:66, grifos do autor) de que a dimensão da imagem nipônica ganhou ares globais. É nesse panorama que a preocupação em torno das questões ambientais, um dos aspectos característicos da sexta fase da globalização, ganhou proeminência no Japão. “[...] a ecologia tornou-se pela primeira um tema popular no Japão por volta da década de 1970” (Dessi 2017DESSI, Ugo. (2017), Japanese Buddhism, Relativization, and Glocalization. Religions, nº 12: 1-14.:04, tradução nossa).

Conforme atesta Silveira (2016SILVEIRA, João Paulo de Paula. (2016), Identidades religiosas na modernidade tardia: um estudo a partir da Seicho-No-Ie do Brasil em Goiânia. Goiânia: Tese de Doutorado em Sociologia, UFG.), Seicho prosseguiu a cartilha de Taniguchi - centrada na ideia de levar a mensagem da paz mundial. Todavia, a partir da década de 1990, a ecologia também passou a adquirir um destaque na Seicho-No-Ie. De acordo com Dessi (2017DESSI, Ugo. (2017), Japanese Buddhism, Relativization, and Glocalization. Religions, nº 12: 1-14.), foi nesse período que as religiões japonesas começaram a abordar, em nível institucional, as questões ambientais.

Embora Seicho tivesse o posto de liderança máxima, foi o vice-presidente da Seicho-No-Ie, chamado Masanobu Taniguchi, filho de Seicho e presidente, desde 2009, dessa religião, que atua com maior veemência para englobar a questão ambiental no discurso da Seicho-No-Ie (Silveira 2016SILVEIRA, João Paulo de Paula. (2016), Identidades religiosas na modernidade tardia: um estudo a partir da Seicho-No-Ie do Brasil em Goiânia. Goiânia: Tese de Doutorado em Sociologia, UFG.). Masanobu compreende que a guinada ecológica estabelece relação com a retomada da identidade nacional nipônica. “Masanobu torna mais complexa a relação entre local e global ao se valer de meios de negociação que considerem a realidade cultural onde seu movimento religioso se desenvolve” (Silveira 2016:102). Ele percebe que essa retomada está relacionada à interdependência entre Japão e os demais países no mundo: “Interdependência. Esta seria a palavra adequada para descrevermos o mundo contemporâneo (o termo é muito utilizado nos documentos oficiais das autoridades japonesas). Cada país teria seu lugar apropriado no concerto das nações” (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.:65).

No contexto nipônico posterior à Segunda Guerra Mundial, os problemas ambientais globais passaram a ser vistos através de uma dimensão “local”, trazendo à tona a relação de interdependência entre homem e natureza no Japão (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.). Então, a noção de:

Amor ecológico que se associa à ideia de ordem social. Essa visão implausível se trata, no fundo, de uma ideologia, decorre sobretudo da leitura dos textos antigos, poesia, literatura, escritos zen, pressupondo a existência de um vínculo ontológico religando o homem e a natureza. (Ortiz 2000ORTIZ, Renato. (2000), O próximo e o distante: Japão e modernidade mundo. São Paulo: Brasiliense.:31)

De acordo com Dessi (2017DESSI, Ugo. (2017), Japanese Buddhism, Relativization, and Glocalization. Religions, nº 12: 1-14.), ocorreu uma espécie de leitura seletiva de textos antigos, levando, por exemplo, a associar o Budismo Mayahana como uma religião inerentemente ecológica.

Masanobu, que inclusive concluiu seu mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, em 1978, parece que enxergou no seu contato com a literatura desenvolvida no Ocidente - nesse caso, com a visão heterogênea da Deep Ecology - essa guinada ambiental centrada na tradição nipônica de interdependência entre homem e natureza:

A ecologia que surgiu após a década de 1980 passou a reconsiderar com maior profundidade a relação homem versus natureza, considerando o homem parte da Natureza, descobrindo as causas dos problemas ambientais nas próprias atitudes dele, nascendo, assim, um movimento para recuperar o relacionamento harmonioso com a Natureza mudando o modo de viver do próprio homem. Comparando à ecologia de até então, este conceito aproxima-se mais da essência dessa questão, e, portanto, é chamado deep ecology no sentido de ser um pensamento “profundo de proteção ambiental”. (Taniguchi, Masanobu 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:218, grifos do autor)

Nesse sentido, com base nessa influência com a Deep Ecology Masanobu se volta ao “local”. Ele sugere que os princípios da Ecologia Profunda já existiam no Japão:

A sensibilidade religiosa que o Japão veio conservando desde os tempos antigos, considerando todos os fenômenos da Natureza “Sermões de Kanzeon Bosatsu” e procurando aprender através disso, está de acordo com o pensamento da deep ecology [...] Como vivemos avançando cegamente rumo ao nosso próprio desenvolvimento, seguindo a corrente da modernidade, sacrificamos deste os tempos antigos a sensibilidade religiosa, e devastamos a Natureza, perturbando o meio ambiente global, e, finalmente, surgiu a necessidade de retomar o pensamento como a deep ecology. Analisando nesse sentido, a questão do planeta Terra faz parte dos ensinamentos de Kanzeon Bosatsu, que se encontra na retaguarda da Natureza. Transformando seu corpo em “Terra que se aquece”, em “pessoas que sofrem com a fome”, em “espécies em extinção”, em “mudanças climáticas que se intensificam”, está demonstrando a nós humanos um importante ensinamento. É impossível que aprender a praticar esses ensinamentos não sejam atividades religiosas. (Taniguchi, Masanobo 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:228-229, grifos do autor)

A figura de Kanzeon Bosatsu expressa este retorno. Masanobu resgata o Budismo Mahayana e demonstra o papel do Japão para lidar com as questões ambientais globais. Na tradição Mahayana, Kanzeon Bosatsu seria um Bodhisattva - uma pessoa que, ao praticar o bem ao próximo, deixaria a esfera humana e poderia atingir a esfera de Buda (Taniguchi, Masanobu 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .). Disto que a relação entre Deep Ecology e Budismo Mahayana abre caminho para a questão ética ambiental. Masanobu Taniguchi reforça a presença da cultura japonesa no cenário global, por meio do caráter não dual do Budismo Mahayana e sua inclinação para promover valores pluralistas (Dessi 2013DESSI, Ugo. (2013), Japanese Religious and Globalization. New York andLondon: Routledge .).

Kanzeon Bosatsu expressa justamente uma das premissas fundamentais da tradição Mahayana: a ética não se limita à ordem monástica, pois envolve o altruísmo (Dalal 2014DALAL, Neil. (2014), “Introduction”. In: N. Dalal; C. Taylor. (2014), Asian Perspectives on Animal Ethics: Rethinking the nonhuman. London and New York: Routledge.). Dessa forma “[...] não há outra solução senão fazer atuar esse 'poder ético' na mente das pessoas que compõe a sociedade. E o que constitui a sua força motriz é a crença religiosa, a fé” (Taniguchi, Masanobu, 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:234, grifos do autor). Por isso o papel da Seicho-No-Ie em despertar exatamente o Jissô, promovendo uma ligação entre ser humano e natureza:

Gostaria que os senhores não só se conscientizassem de que o homem é Filho de Deus através da minha palestra. Gostaria que procurassem levar uma vida harmoniosa com a Natureza e não prejudicar o ambiente do planeta. Essa é a nossa missão: manifestar a Imagem Verdadeira no mundo fenomênico. Deus criou a Grande Natureza, e não somente os humanos. (Taniguchi, Masanobu 2013TANIGUCHI, Masanobu. (2013), Decisão em Prol das Futuras Gerações - Porque um religioso defende o abandono da energia nuclear. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:287, grifos do autor)

A mudança da mente das gerações atuais abriria caminho para a transformação da vida cotidiana, e consequentemente, da relação com o meio ambiente. No intuito de atingir a ética na mente das gerações atuais a Seicho-No-Ie, a partir deste século, tem procurado se inserir cada vez mais nas discussões ambientais através de ações práticas. “Desde 2000, as políticas da Seichō no Ie voltaram seu foco para a proteção ambiental e o uso econômico dos recursos naturais” (Staemmler 2018STAEMMLER, Birgit. (2018), “Seichō no Ie”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements. Boston: Brill.:104, tradução nossa). Por esse motivo que as religiões japonesas não apenas falam de globalização, como também atuam nesse processo (Dessi 2013DESSI, Ugo. (2013), Japanese Religious and Globalization. New York andLondon: Routledge .).

O ano de 2013 marcou a transferência da Sede Internacional da Seicho-No-Ie, localizada em Tóquio, para a cidade de Hokuto. A nova sede recebe o nome de Escritório na Floresta (mori no naka no ofisu ) (Staemmler 2018STAEMMLER, Birgit. (2018), “Seichō no Ie”. In: L. Pokorny; F. Winter (ed.). Handbook of East Asian New Religious Movements. Boston: Brill.). É “[...] um complexo feito de madeira, ladeado por uma paisagem exuberante e que se mantém através de painéis de energia solar [...]” (Silveira 2016SILVEIRA, João Paulo de Paula. (2016), Identidades religiosas na modernidade tardia: um estudo a partir da Seicho-No-Ie do Brasil em Goiânia. Goiânia: Tese de Doutorado em Sociologia, UFG.:105).

Figura 2
Escritório na FlorestaSEICHO-NO-IE DO BRASIL. Escritório na Floresta comemora sete anos de existência. Disponível em: Disponível em: https://sni.org.br/seicho-no-ie/organizacional/meio-ambiente/escritorio-na-floresta-comemora-sete-anos-de-existencia/ . Acesso em: 19/09/2021.
https://sni.org.br/seicho-no-ie/organiza...

A mudança de localização da Sede Internacional serviu também para tentar reestabelecer19 19 Segundo Masanobu (2013), o ser humano, por viver muito tempo longe da floresta, esqueceu-se dessa interdependência. uma relação de interdependência entre o ser humano e a floresta - o que envolveria, por exemplo, a questão alimentar. “Além disso, o ser humano não consegue viver sem alimentação, e a base da sua produção também é a floresta. A relação entre a nossa alimentação e a floresta é representada às vezes com o termo ‘cadeia alimentar’” (Taniguchi, Masanobu 2013TANIGUCHI, Masanobu. (2013), Decisão em Prol das Futuras Gerações - Porque um religioso defende o abandono da energia nuclear. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:124, grifos do autor).

A ética alimentar: a Seicho-No-Ie sob a ótica das mudanças dos hábitos alimentares

Em meio a esse resgate do Budismo Mahayana - sob a influência da Deep Ecology - é que Masanobu Taniguchi procura inserir a questão alimentar como uma das formas de modificar a ética na mente das gerações atuais. Conforme sugere Rots (2021ROTS, Aike. P. (2021), “Environmentalism”. In: E. Baffelli; A. Castiglioni; F. Rambelli. The Bloomsbury Handbook of Japanese Religions. London, New York, Oxford, New Delhi and Sidney: Bloomsbury Academic.), a discussão em envolvendo Budismo Mahayana e comida também ganhou proeminência no Japão nas últimas décadas.

Segundo Masanobu, o valor atribuído a um produto, como o alimento, diz respeito a uma espécie de:

[...] participação da questão mental-espiritual do homem, que é incumbência da religião. O valor anexado a um produto é algo criado pela mente humana, que falando claramente, depende da mentalidade do homem [...] Isso não diz respeito apenas à compra de automóveis, mas também à aquisição de praticamente todas as mercadorias e serviços, como roupas e cosméticos, livros e filmes, alimentos e viagens [...] Explicando melhor, nós adquirimos aquilo que acreditamos. (Taniguchi, Masanobu 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:210, grifos do autor)

Em outras palavras, a religião exerceria influência nas compras e consumos cotidianos dos indivíduos. Assim, o papel de Masanobu, enquanto liderança máxima da Seicho-No-Ie, em apresentar esta importância:

Por exemplo, ao adquirir produtos alimentícios, escolhemos frutas com pouco ou nenhum agrotóxico, colhidas na época certa na região onde moramos, mesmo que sejam um pouco mais caras e de aparência menos atraente, em vez de escolhermos frutas produzidas por uma empresa multinacional que derruba florestas tropicais em grande escala [...] Falando isso ao inverso, devemos evitar ao máximo produtos e serviços que estão relacionados com a degradação do meio ambiente global. (Taniguchi, Masanobu 2004TANIGUCHI, Masanobu. (2004), Caminho da paz pela fé: a fé na atualidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:213-214)

Partindo dessa visão é que entra em cena a questão da mudança do hábito alimentar cotidiano para a solução dos problemas ambientais - principalmente a redução do consumo de carne e a adesão ao vegetarianismo. “[...] devemos ponderar com seriedade acerca da alimentação vegetariana não apenas para um objetivo individual específico, mas por um objetivo amplo e humanitário” (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:174).

Figura 3
Vegetarianismo: Transformação de Dentro para Fora.SEICHO-NO-IE DO BRASIL. Vegetarianismo: transformação de dentro para fora. Disponível em: Disponível em: https://sni.org.br/pra-voce/jovens/clubes-e-meio-ambiente/alimentacao/vegetarianismo-transformacao-de-dentro-para-fora/ . Acesso em: 21/10/2021.
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Mais uma vez, Masanobu resgata no Budismo Mahayana a noção de interconectividade entre homem e natureza presente na Deep Ecology:

No Japão, desde a Antiguidade, havia a tradição budista de não matar os seres vivos a esmo, segundo seu mandamento. Entretanto, hoje, especialmente na sociedade pós-guerra, penetrou o pensamento “carne animal é deliciosa e muito nutritiva” e observa-se um apego a essa alimentação. (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:174, grifos do autor)

Esse retorno evidencia não somente o princípio de ética alimentar centrada na ideia de harmonização dos seres vivos que já estaria presente no Budismo Mahayana (Kaza 2006KAZA, Stephanie. (2006), “The Greening of Buddhism: Promise and Perils”. In: R. S. Gottlieb (ed.). The Oxford Handbook of Religion and Ecology. New York: Oxford University Press.), mas também a própria aceitação que essa tradição budista teve na cultura japonesa. Segundo Dalal (2014DALAL, Neil. (2014), “Introduction”. In: N. Dalal; C. Taylor. (2014), Asian Perspectives on Animal Ethics: Rethinking the nonhuman. London and New York: Routledge.), o Xintoísmo, antes do processo de sincretismo com o Budismo Mahayana, já assumia uma fronteira fluída entre animais e deuses - Kamis. Na tradição xintoísta, os espíritos dos animais atuam como guardiães dos santuários. A chegada da tradição Mahayana e, consequentemente, o processo de sincretismo com o Xintoísmo, potencializou um cenário que já estava presente no Japão:

A chegada do Budismo ao Japão, no século VI, trouxe uma ênfase em relação ao sofrimento de animais não humanos e à libertação, isso levou, em parte, a decretos contra a morte de animais não humanos, especialmente os domésticos de maior porte. (Dalal 2004:22, tradução nossa)

Na tradição Mahayana há a ideia de compaixão derivada da mente búdica. Tirar a vida de forma deliberada interromperia a totalidade inerente presente entre todos os seres vivos (Kaza 2006KAZA, Stephanie. (2006), “The Greening of Buddhism: Promise and Perils”. In: R. S. Gottlieb (ed.). The Oxford Handbook of Religion and Ecology. New York: Oxford University Press.). Masanobu resgata esse ponto ao referir-se à noção de misericórdia do budismo (Jihi em japonês) (Taniguchi, Masanobu 2013TANIGUCHI, Masanobu. (2013), Decisão em Prol das Futuras Gerações - Porque um religioso defende o abandono da energia nuclear. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .).

Masanobu não advoga por uma mudança drástica dos hábitos alimentares. “Como primeiro passo, devemos mudar aos poucos o nosso estilo de vida atual, começando por aquilo que é possível” (Taniguchi, Masanobu 2013TANIGUCHI, Masanobu. (2013), Decisão em Prol das Futuras Gerações - Porque um religioso defende o abandono da energia nuclear. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:208). A adesão ao vegetarianismo seria algo gradual. “Não estou dizendo para que vocês não comam carne nunca [...] se alguém come toda semana sukiyaki e bife [...] deve reduzir a frequência. Se houver alguém que faz isso, creio que reduzirá o volume de consumo de carne [...]” (Taniguchi, Masanobu 2006:177, grifos do autor). Para esclarecer esse ponto, ele apresenta a seguinte imagem.

Figura 4
Produtividade da Ração dos Animais

Segundo ele, os animais bovinos e suínos “[...] possuem cérebro desenvolvido e são dotados de mente. Quando eles se defrontam com a morte são tomados pelo temor e sofrimento de modo semelhante a nós” (Taniguchi, Masanabou 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:179). Evitar comer esses animais seria um “[...] modo correto de viver tanto no âmbito moral como religioso” (Taniguchi, Masanobu 2006:179). Logo, a posição da Seicho-No-Ie centrada na recuperação do equilíbrio entre indivíduo e natureza, que foi perdido pelo valor excessivo dado à lógica da vida urbana (Taniguchi, Masanobu 2013). Dessa forma, Masanobu sugere recomendações e não imposições. “A Seicho-No-Ie ensina a 'comer de tudo o que é posto na mesa, com gratidão', mas, se for escolher, recomendo que evitem as carnes dos animais que estão na parte superior desta figura e prefiram as da parte de baixo” (Taniguchi, Masanobu 2006:179, grifos do autor).

Essa postura mais moderada quanto ao consumo de carne, indica uma das influências da própria relação entre Deep Ecology, Budismo e vegetarianismo. Segundo Keller (1997KELLER, David. (1997), “Gleaning Lessons from Deep Ecology”. Ethics and the Environment, nº 2: 139-148.),21 21 Esse argumento é desenvolvido por Warwick Fox. Ele argumenta que, como todos os organismos têm o mesmo valor intrínseco, é possível se alimentar tanto de vegetais quanto de animas (Keller 1997). não há um abandono total do consumo da carne na perspectiva da Ecologia Profunda. Do que Masanobu pode ter resgatado e reinterpretado essa ideia, já que em algumas práticas budistas os peixes, por exemplo, são geralmente permitidos, pois, ao serem removidos da água, não “seriam mortos” (Fildhouse 2017FILDHOUSE, Paul. (2017), “Food, Feasts, and Faith: An Encyclopedia of Food Culture in Word Religions”. Santa Barbara: ABC-CLIO.).

A imagem apresentada anteriormente também simboliza uma preocupação de Masanobu com o consumo global de carne e a relação entre os animais e o volume de cereais consumidos por eles:

Atualmente, entre as pessoas que estão pensando em mudar sua alimentação para o vegetarianismo, muitos estão vendo esse problema em escala mundial. Por isso, o vegetarianismo está sendo considerado ético. Ao adotar o vegetarianismo, os cereais que alimentam os bois e os porcos passam a surgir na mesa dos seres humanos. Apesar de o globo terrestre possuir a capacidade de produzir muitos cereais, é imenso o número de flagelados. Diz-se que esse número corresponde a 14 milhões de pessoas [...] se mudarmos um pouco o nosso cardápio e procurarmos comer mais vegetais, evitaremos que esse grande número de pessoas passe fome. (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:177, grifo do autor)

Ao trazer a discussão para uma abordagem mais ampla, Masanobu coloca em questão o problema da fome no mundo globalizado. “[...] o milho e o trigo, que são essencialmente o alimento dos homens, também são destinados ao gado” (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:106). Ele apresenta a seguinte imagem para demonstrar este ponto de vista.

Figura 5
Volume da Produção Mundial de Cereais e Trigo em 2000

A produção mundial de cereais no ano de 2000 teria sido na faixa de 1 bilhão e 860 milhões de toneladas. Desse total, 1 bilhão e 200 milhões teriam sido consumidas pelos indivíduos. Os 660 milhões restantes teriam sido consumidas pelos animais. Assim, o problema da fome envolveria a ganância pelos desejos individuais dos países desenvolvidos, incluindo o Japão (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .). Assim:

Em porcentagem, equivalem a 35,5%, e esse é o volume destinado à alimentação do gado, das aves e de peixes. As aves são os frangos, gansos e patos criados por seres humanos. As aves que vivem na Natureza consomem, muitas vezes, cereais, mas nem boi nem olhete têm necessidade básica de se alimentar de cereais. Não obstante, o gado, as aves e os peixes comem esses 35,5% que é um volume enorme de cereais. É o ser humano que está fazendo com que eles comam [...] porque precisam fazer com que o gado, as aves e os peixes engordem rapidamente comendo cereais ricos em nutrientes, para depois, os homens se alimentares deles [...] São as pessoas que têm condição financeira para comprar a carne desses animais, ou seja, as pessoas dos países de alto rendimento médio anual [...] Em suma, para que as pessoas dos países desenvolvidos, em que nós, japoneses, incluímos, possam se alimentar das carnes de gado, aves e peixes criados em viveiros, 35.5% dos cereais produzidos no mundo vão para a boca de animais. Se esse volume de cereais fosse destinado à alimentação humana, certamente o problema da fome na superfície terrestre se resolveria quase que totalmente. (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:175-176)

Nesse sentido, sua visão se aproxima da dimensão ética da Deep Ecology - voltada aos questionamentos e reflexões críticas das visões de mundo que fundamentam as atitudes e causas dos problemas ambientais. São esses fatores que demonstram a atenção da Ecologia Profunda com a religião (Barnhill & Gottlieb 2001BARNHLL, David Landis; GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Introduction”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .). Masanobu, tomando novamente o Japão como ponto de partida, traz a noção de misericórdia do Budismo Mahayana para demonstrar sua preocupação com o meio ambiente como um todo. É nesse sentido que a ideia de misericórdia envolveria quatro “virtudes infinitas” - caridade, piedade, alegria e abnegação - que deveriam ser praticadas tanto em relação às pessoas como também no mundo natural (Taniguchi, Masanobu 2013TANIGUCHI, Masanobu. (2013), Decisão em Prol das Futuras Gerações - Porque um religioso defende o abandono da energia nuclear. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .). O exemplo do consumo de cereais entre os indivíduos e animais, como forma de apresentar o problema mundial da fome, expressaria justamente essas virtudes infinitas, pois despertaria um “ardor altruísta” - desaparecendo, assim, a fronteira entre o eu e o outro (Taniguchi, Masanobu 2006). É partindo dessa conduta de natureza religiosa, que Masanobu clama para uma mudança em seu país:

Naturalmente, não estamos fazendo isso de modo consciente. Ou seja, não estamos nos alimentando de carne para que a população dos países pobres morra de fome, mas, como consequência, as pessoas dos países desenvolvidos, como nós, estão usurpando os cereais da população dos países pobres. (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:176)

Mudar os hábitos alimentares envolveria - do ponto de vista da vida cotidiana - uma responsabilidade social e política:

O Japão é, naturalmente, um país democrático. Isso significa que nós, cidadãos deste país, temos responsabilidade quanto à sua política e às suas relações diplomáticas. Por mais que haja partes inúteis nas deliberações da dieta, por mais dispendiosos que sejam os negócios de Estado, por mais numerosos que sejam os políticos de duvidosas ideias e moralidade, não significa que a população esteja isenta de qualquer responsabilidade nisso. Isso porque fomos nós que reconhecemos esses hábitos e sistema de governo, efetuamos contribuições políticas e elegemos esses políticos. (Taniguchi, Masanobu, 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:09)

Partindo do Japão é que Masanobu, por meio da discussão envolvendo a comida, consegue reforçar mais claramente sua procura em relacionar meio ambiente, recursos naturais e paz mundial. Tais questões estariam interligadas:

Desse modo, as questões do meio ambiente, dos recursos naturais e da paz estão interligadas, de forma complexa e íntima. Cientes disso, costumamos pensar: “Questões tão complexas são impossíveis de serem solucionadas pelas pessoas em geral”. Entretanto, se nós decidirmos - se cada um dos senhores tomar a decisão e agir - poderemos contribuir grandemente para a solução. Isso porque essa questão está intimamente ligada ao fato de nós irmos todos os dias ao supermercado ou ao restaurante e pensarmos no que comer e no que comprar [...]. (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:107, grifos do autor)

Diante disso, seria possível compreender que a responsabilidade social e política envolveria um viver ético, voltado ao equilíbrio do meio ambiente como um todo. “Pensando desse modo, compreende-se que a concretização da paz no século XXI tem grande relação com a questão: não agredir o meio ambiente terrestre, respeitando a Natureza” (Taniguchi, Masanobu 2006TANIGUCHI, Masanobu. (2006), Primeiro passo para a paz. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil .:241). Masanobu se interessa pelo futuro do planeta. “Isso porque, se não fizermos isso, o meio ambiente da Terra continuará piorando cada vez mais no século XXI” (Taniguchi, Masanobu 2004:219). Por isso a relação com as características da atual fase da globalização centrada no pós-milenarismo, ou seja, na crença de que o mundo precisa mudar drasticamente (Robertson 2007ROBERTSON, Roland. (2007), “Global Millennialism: A Postmortem on Secularization”. In: L. Beaman; P. Beyer (ed.). Religion, Globalization and Culture . Leiden and Boston: Brill .). Neste sentido “[...] a humanidade do século XXI está aproximando-se do divisor de águas: despertar para o valor religioso universal, ou cair numa grande desordem [...]” (Taniguchi, Masanabu 2004:234-235). Assim, a relação com a Deep Ecology, pois ela também é uma espécie de plataforma política (unificadora e pluralista) composta por valores religiosos, que possuem similitudes com uma gama de questões levantadas pelos ativistas ambientais (Barnhill & Gottlieb 2001BARNHLL, David Landis; GOTTLIEB, Roger S. (2001), “Introduction”. In: D. L. Barnhill; R. S. Gottlieb (ed.). Deep ecology and world religions: new essays on sacred ground. New York: State University of New York Press .).

Considerações finais

Este artigo seguiu um caminho complexo, mas necessário. Compreender a relação entre Deep Ecology, Seicho-No-Ie e comida não envolve somente um ou dois fatores. A conexão entre esses três elementos perpassa uma abordagem ampla e flexível, voltada para interpretações que extrapolam uma literatura mais convencional de conceitos já estabelecidos.

Os passos que aqui foram seguidos serviram para demonstrar como a relação entre Deep Ecology, Seicho-No-Ie e comida pode ser pensada através de uma ética religiosa ambiental. Com base nessa ética é que podemos compreender a discussão de Masanobu em torno da necessidade da mudança dos hábitos alimentares, pois ela envolve a preocupação com o meio ambiente como um todo: a sua preocupação com a redução do consumo de carne e, ao mesmo tempo, com a fome no mundo.

Os conceitos de religião e globalização aqui estabelecidos contribuíram para pensarmos nos particularismos da formação histórica da religião japonesa. Foi desse processo que a Seicho-No-Ie se estabeleceu. O sincretismo entre Xintoísmo, Budismo e Cristianismo criaram as bases dos ensinamentos de Masaharu Taniguchi centrados na ideia de harmonia presente no Jissô - tomando, sempre como ponto de partida, o Japão.

Curiosamente, a partir da noção de globalização aqui pensada, o próprio desenvolvimento da Deep Ecology tem raízes tanto ocidentais como orientais. Daí também que esse movimento nasceu sob a influência de uma globalização que visa a interconectividade entre local e global. A dimensão da comida presente na Deep Ecology envolve um viver ético que tem raízes das tradições religiosas indígenas, orientais e pagãs.

Masanobu, imbuído pela perspectiva do Jissô inaugurada pelo avô, encontrou, na dimensão ecológica, essa continuidade. Sua influência com a Deep Ecology para resgatar o aspecto ético presente no Budismo Mahayana desenvolvido em solo japonês. É dali que saíram as bases para sua discussão envolvendo a importância de modificarmos as práticas alimentares em um mundo cada vez mais globalizado.

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  • 1
    Podemos incluir nessa gama de estudos as perspectivas da Antropologia, Sociologia, Nutrição, Psicologia, História e Economia centradas nos chamados foodways (Dallam 2014; Che-Being & Cheung 2007CHEE-BENG, Tan; CHEUNG. Sidney C.H. (2007), “Introduction: food and foodways in Asia”. In: T. Chee-Beng; S. C. H. Cheung (ed.). Food and Foodways in Asia. London: Routledge .).
  • 2
    Não entramos neste artigo na discussão e conceituação dos Novos Movimentos Religiosos. Os Novos Movimentos Religiosos são tratados, neste trabalho, para se referir às religiões surgidas a partir do século XIX (Aweeck 2007). Optamos por discutir o conceito de religião - que será abordado na primeira seção.
  • 3
    Significa que não há necessidade de que todas as dimensões da religião estejam presentes em todas as práticas religiosas que conhecemos (Byrne & Clarke 1993BYRNE, Peter; CLARKE, Peter B. (1983), Religion Defined and Explained. New York: St. Martin’s Press.).
  • 4
    Para Campbell (2007), a noção de conectividade com o mundo já existia desde os tempos remotos - através dos cristãos e muçulmanos.
  • 5
    Robertson (2014) cunhou o termo “glocalização” inspirado em uma prática cultural japonesa conhecida como dochakuka (que, literalmente, significa indigenizar).
  • 6
    Podemos citar, como exemplo histórico, o movimento romântico (Pádua 2005).
  • 7
    No caso de uma ética orientada do ponto de vista religioso, podemos indicar duas premissas: 1) Deontológica: um “dever” proveniente de algo anterior, como a vontade divina; e 2) Teleológica: determinadas com base nas consequências de uma ação (Alles & Ellwood 2007).
  • 8
    O termo foi cunhado primeiramente em um artigo, escrito por Naess no ano de 1973, chamado “The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movements” (Devall 1985DEVALL, Bill. (1985), Deep Ecology. Utah: Gibbs Smith.).
  • 9
    Cabe destacar que a Deep Ecology foi construída visando abarcar múltiplas perspectivas como a Filosofia Perene de Aldous Huxley (1894-1963), a tradição literária do naturalismo e pastorismo europeu e norte-americano, a visão cristã de São Francisco de Assis (1881-1226), o feminismo de autoras, como Mary Austin (1868-1934), a religião de certos povos nativos do continente americano e algumas tradições orientais, como as budistas e hinduístas (Devall 1985; Taylor & Zimmerman 2005).
  • 10
    Em 1984 foi criada, por exemplo, a Deep Ecology Platform (DEP), formulada, em 1984, por Arne Naess e Georg Sessions, na Califórnia. Tal plataforma foi elaborada buscando agregar múltiplas perspectivas de causas ambientais - dentre elas as religiosas. Ademais, ela teve aceitação de grande parte dos ambientalistas ao redor do mundo (Taylor & Zimmerman 2008).
  • 11
    Esta tradição budista rejeita a dicotomia e privilegia a interconexão de todos os fenômenos do mundo (Barnhll 2001; Dalal 2014). A discussão em torno do Budismo Mahayana será retomada mais adiante.
  • 12
    O consumo de carne não é totalmente proibido nas práticas budistas, pois esse entendimento varia de país para outro (Fieldhouse 2017).
  • 13
    Nos primórdios desse sincretismo, Buda era considerado uma manifestação secundária dos Kamis. Na medida em que as práticas budistas se disseminaram no campo político, os Kamis tornaram-se manifestações secundárias do Buda (Clarke 2006).
  • 14
    Diante disso, ele acabou se tornando uma espécie de divindade manifesta, Akitsu Kami (Nakano 2007).
  • 15
    Em 1939, por exemplo, foi criada a Lei das Organizações Religiosas (Shukyo Dantai Ho). Ela deu poderes ao estado para dissolver qualquer organização religiosa cujos ensinamentos estivessem em conflito com o Caminho Imperial (Kodo) (Mullins 1998).
  • 16
    O “Novo Pensamento” engloba um conjunto de religiões que acreditam na unidade entre Deus e mente, na espiritualidade dos indivíduos e na substancialidade presente no pensamento (Hutehinson 2014HUTCHINSON, David. L. (2014), “New Thought’s Prosperity Theology and Its Influence on American Ideas of Success”. Nova Religio, nº 18: 28-44.).
  • 17
    Disponível em: https://sni.org.br/seicho-no-ie/institucional/o-que-e-a-seicho-no-ie/.
  • 18
    Disponível em: https://sni.org.br/seicho-no-ie/organizacional/meio-ambiente/escritorio-na-floresta-comemora-sete-anos-de-existencia/.
  • 19
    Segundo Masanobu (2013), o ser humano, por viver muito tempo longe da floresta, esqueceu-se dessa interdependência.
  • 20
    Disponível em: https://sni.org.br/pra-voce/jovens/clubes-e-meio-ambiente/alimentacao/vegetarianismo-transformacao-de-dentro-para-fora/.
  • 21
    Esse argumento é desenvolvido por Warwick Fox. Ele argumenta que, como todos os organismos têm o mesmo valor intrínseco, é possível se alimentar tanto de vegetais quanto de animas (Keller 1997).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2021
  • Aceito
    04 Jul 2022
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