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Comunidades de fé e incorporação migrante: venezuelanos no interior do estado de São Paulo

Faith-based communities and migrant incorporation: Venezuelans in the province of São Paulo state, Brazil

Resumo: O presente artigo visa explorar a maneira como as comunidades de fé e a sua ética religiosa moldam vias de incorporação migrante na sociedade de instalação. A análise se debruça sobre o caso de migrantes venezuelanos interiorizados de Roraima pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (conhecida como “mórmon”) para uma cidade média no interior do estado de São Paulo. Por meio de entrevistas semiestruturadas com os membros da Igreja e os migrantes, observação participante em cultos e etnografia em instalações da Operação Acolhida em Boa Vista, o texto apresenta a estrutura organizacional da Igreja e a sua atuação na recepção de venezuelanos na fronteira e no processo de “interiorização” para outros estados do Brasil. Ao investigar a doutrina mórmon da “autossuficiência” e o caráter precário da incorporação laboral dos recém-chegados que ela proporciona, argumenta-se que as igrejas são instituições sociais importantes, porém de alcance limitado, na incorporação inicial de migrantes.

Palavras-chave:
Interiorização; Mórmons; Operação Acolhida; Incorporação; Migrações venezuelanas


Abstract

This paper aims to explore how faith-based communities and its religious ethics determine pathways of migrant incorporation. The analysis focuses on the case of Venezuelan migrants transferred from Roraima by the Church of Jesus Christ of Latter-day Saints (also known as "Mormon") to a medium-sized city in the province of the state of São Paulo. Through semi-structured interviews with Church members and migrants, participant observation in services, and ethnography in facilities of the Operação Acolhida in Boa Vista, the text addresses the organizational structure of the Church and its involvement in the reception of Venezuelans at the border and in the process of "interiorização" to other Brazilian states. By investigating the Mormon doctrine of "self-sufficiency" and the precarious nature of the labour incorporation of newcomers that it promotes, we argue that churches are important social institutions of arrival, although of limited reach.

Keywords:
interiorização; Mormon; Operação Acolhida; incorporation; Venezuelan migrations

Introdução

No Brasil, diversas organizações religiosas têm atuado ativamente no acolhimento de migrantes e refugiados. Para além das comunidades católicas, historicamente presentes nos trabalhos com a população em deslocamento no Brasil, nos últimos anos destaca-se o surgimento de novos atores, entre os quais as igrejas pentecostais, neopentecostais e denominações restauracionistas não católicas, como a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (IJC)1 1 A igreja é popularmente conhecida como “Igreja Mórmon”, em referência ao Livro de Mórmon, uma das quatro escrituras doutrinárias da denominação. Os nossos interlocutores da Igreja apontaram que esse nome é pejorativo e deve ser evitado. Diante disso, optamos por usar no presente texto a sigla IJC (Igreja de Jesus Cristo) ou Igreja JC para nos referir à instituição religiosa. Usamos o adjetivo “mórmon” para caracterizar a cultura e os valores da comunidade de fiéis. (Oliveira 2018OLIVEIRA, George Alberto Garcia de. (2018), “A Utilização do Componente Militar Brasileiro Frente à Crise Migratória da Venezuela”. Military Review [s/n]: 1-15. Disponível em: Disponível em: https://www.armyupress.army.mil/journals/edicao-brasileira/artigos-exclusivamente-on-line/artigos-exclusivamente-on-line-de-2018/a-utilizacao-do-componente-militar-brasileiro-frente-a-crise-migratoria/ . Acesso em: junho de 2022.
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; Ribeiro 2020RIBEIRO, Marcos Leôncio Sousa. (2020), Governança democrática em rede: estudo sobre acolhida imigratória de venezuelanos no Brasil. Dissertação de Mestrado Profissional em Administração, Universidade de Brasília.; Souza & Ruseishvili, 2020SOUZA, André Ricardo de & RUSEISHVILI, Svetlana (2020), “As organizações cristãs de abrangência nacional em face da questão dos refugiados”. Contemporânea, Revista de Sociologia da UFSCar, vol. 10, n. 2: 537-555.; Vasconcelos 2022VASCONCELOS, Iana dos Santos. (2022), “Las iglesias le dan continente al migrante”: igrejas, religiosidades e venezuelanos/as no norte do Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 42, nº 1:177-200. ; Mendes & Fernandes 2021MENDES, Denise F. & FERNANDES, Duval M. (2021), “Interiorização de Venezuelanos para Minas Gerais: instituições que atuam em redes sociais”. Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, nº 22: 222-245. ).

O presente texto explora a maneira como as comunidades de fé e suas éticas religiosas modelam vias de incorporação migrante em contextos urbanos com pouca infraestrutura pública de assistência para migrantes e refugiados recém-chegados. Mais especificamente, a análise se debruça sobre o caso de migrantes venezuelanos interiorizados de Roraima pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para uma cidade média do interior do estado de São Paulo.

Adotamos a seguinte definição de incorporação, proposta por Glick-Schiller, Caglar e Guldbranden (2006GLICK-SCHILLER, Nina, CAGLAR, Ayse & GULDBRANDESN, Thaddeus C. (2006), “Beyond the ethnic lens: Locality, globality, and born-again incorporation”. American ethnologist, vol. 33, nº 4: 612-633. :614): “processo de formação ou manutenção de redes de relações sociais, através das quais o indivíduo ou um grupo organizado de indivíduos se torna ligado a uma instituição reconhecida por um ou vários estados-nação”. De acordo com essa definição, os migrantes circulam por diversas vias de incorporação, proporcionadas por diversos espaços institucionais que oferecem a inclusão simultânea em redes sociais diferentes, que podem variar entre emprego, parentesco, vizinhança, comunidades de fiéis, instituição públicas, e até mesmo os “laços fracos” (Granovetter 1973GRANOVETTER, Mark S. (1973) “The Strength of Weak Ties.” American Journal of Sociology, vol. 78, nº 6: 1360-80, 1973. ), como relações eventuais com funcionários de ONGs ou de instituições públicas.

Há tempo que a crítica do nacionalismo metodológico nos estudos migratórios pôs em xeque a centralidade das formações sociais étnicas na inserção de migrantes nos locais de instalação, assim como a própria ideia de integração como um processo de ressocialização disruptiva (Portes & Zhou 1993PORTES, Alejandro & ZHOU, Min. (1993). “The new second generation: segmented assimilation and its variants”. Annals of the American Academy of Political and Social Sciences, n. 530:74-96.; Glick-Schiller, Basch & Blanc 1995GLICK-SCHILLER, Nina; BASCH, Linda & SZANTON BLANC, Cristina. (1995), “From Immigrant to Transmigrant: Theorizing Transnational Migration”. Anthropological Quarterly, vol. 68, nº 1: 48-63. ; Glick-Schiller & Wimmer 2002GLICK-SCHILLER, Nina & WIMMER, Andreas. (2002), “Methodological nationalism and beyond: nation-state building, migration and the social sciences”. Global Networks, vol. 2, nº 4: 301-335.; Levitt & Khagram 2007LEVITT, Peggy & KHAGRAM, Sanjeev. (2007), The Transnational Studies Reader. Intersections and Innovations. Routledge. ; Faist 2012FAIST, Thomas. (2012), “Toward a Transnational Methodology: Methods to Address Methodological Nationalism, Essentialism, and Positionality”. Revue européenne des migrations internationals, vol. 28, nº 1: 51-70.; Anderson 2019ANDERSON, Bridget. (2019), “New directions in migration studies: towards methodological denationalism”. Comparative Migration Studies, vol. 7, nº 36: 1-13.). Nessa perspectiva, a participação de migrantes em comunidades de fiéis pode ser considerada uma forma de incorporação não-étnica (Glick-Schiller, Basch & Blanc 2006). A religião oferece uma base comum de crenças, valores, identidades e práticas compartilhadas entre os fiéis que transcendem identificações étnicas e sustentam sentimento de fraternidade, muito presente nas retóricas e práticas de diversas religiões (Vasconcelos 2022VASCONCELOS, Iana dos Santos. (2022), “Las iglesias le dan continente al migrante”: igrejas, religiosidades e venezuelanos/as no norte do Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 42, nº 1:177-200. ).

Glick-Schiller, Caglar e Guldbranden (2006) apontam que as comunidades de fiéis oferecem vias de incorporação prioritárias quando se trata de localidades com pouca estrutura de recepção de recém-chegados, como no caso aqui estudado das cidades brasileiras do “interior”. Em comparação com grandes metrópoles que servem como porta de entrada para migrantes internacionais, as cidades médias possuem menor número de instituições especializadas em atender os recém-chegados, não desenvolvem comunidades ou bairros étnicos e nem sempre oferecem vastas oportunidades de emprego nos setores da economia disponíveis aos trabalhadores migrantes.

Antes da massificação da migração venezuelana para o Brasil, em 2015, a dispersão de migrantes nos interiores do Brasil vinha sendo abordada nos estudos focados em mobilidades haitianas, cujas características eram o dinamismo, espontaneidade, vinculação às oportunidades de emprego - sobretudo em alguns setores econômicos específicos - e acionamento de redes étnicas (Cogo 2014COGO, Denise. (2014), “Haitianos no Brasil: Comunicação e interação em redes migratórias transnacionais”. Chasqui - revista Latinoamericana de Comunicación, nº 125: 23-32. ; Joseph 2015JOSEPH, Handerson. (2015), Diáspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ; Dias, Silva & Silva 2020DIAS, Gustavo; SILVA, João Carlos Jarochinski & SILVA, Sidney Antonio da. (2020), “Travellers of the Caribbean: Positioning Brasília in Haitian migration routes through Latin America”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology vol. 17: e17504.; Rosa, Mejía & Périco 2021ROSA, Ivandro Carlos; MEJIA, Margarita Rosa Gavíria & PERICO, Eduardo. (2021), “Políticas públicas e redes de apoio aos migrantes haitianos, em pequeno município do Rio Grande do Sul, Brasil”. Serviço Social & Sociedade. Nº 141: 285-302. ). Diferentemente dessa distribuição autônoma dos migrantes haitianos pelas cidades médias brasileiras, os migrantes venezuelanos são sujeitos a uma lógica de reassentamento dirigido, estabelecida pelo programa de “interiorização” da Operação Acolhida (OA), estrutura logístico-humanitária multi-institucional iniciada em março de 2018 em Roraima para gerenciar a vinda massiva de venezuelanos para o Brasil (Baeninger & Silva 2018BAENINGER, Rosana & SILVA, João Carlos Jarochinski (ed.). (2018b), Migrações venezuelanas . Campinas: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”, NEPO/Unicamp . ; Moulin & Magalhães 2020MOULIN, Carolina & MAGALHÃES, Bruno. (2020), “Operation shelter as humanitarian infrastructure: material and normative renderings of Venezuelan migration in Brazil”. Citizenship Studies, vol. 24, nº 5: 642-662.).

A interiorização é um programa governamental administrado por um conjunto diverso de instituições (Exército, Estado, ONGs, organizações internacionais) que tem por objetivo transferir os migrantes venezuelanos da região de fronteira em Roraima para outros estados do Brasil. Os dados mostram que a maioria (67%) dos migrantes realocados pela Operação Acolhida tiveram como destino cidades não capitais dos respectivos estados brasileiros (R4V 2022R4V. Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela. Disponível em: https://www.r4v.info/pt/brazil. Acesso em: 20 de março de 2022.
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). O presente texto visa analisar o papel exercido nesse processo pela IJC que, segundo nossas estimativas2 2 O relatório do Subcomitê Federal para interiorização dos imigrantes (janeiro de 2020) estima que em 2019 a sociedade civil interiorizou cerca de 2.500 migrantes. Em maio de 2019, os representantes da IJC informaram aos jornalistas do portal de notícias G1 de Roraima (Costa 2019) que interiorizaram cerca de 25% do total de 10 mil pessoas. Esse número corresponde aos dados oficiais no relatório, o que nos faz crer que sejam verídicos. , em dois anos (2018-2020) transferiu de Roraima em média 550 pessoas por mês. A maior parte desses migrantes foi encaminhada para São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados onde a Igreja possui a maior densidade de congregações.3 3 O mapa das capelas e templos pode ser consultado em https://www.churchofjesuschrist.org/maps/meetinghouses/@-17.095576,-54.935005,4≪=-13.11158,-40.209961&z=4&m=google.road. Acesso em: 7 de outubro de 2022. De acordo com o seu site oficial, a Igreja conta atualmente com 1,46 milhões de membros no Brasil e 173 mil na Venezuela.4 4 https://newsroom.churchofjesuschrist.org/facts-and-statistics/country/brazil. Acesso em: 30 de maio de 2022. O número de fiéis anunciado pela Igreja difere drasticamente dos dados do Censo de 2010 que registrou 226.509 pessoas.

A análise resulta da pesquisa de campo realizada em três etapas. Em 2019, foram feitas duas entrevistas exploratórias semiestruturadas com lideranças da Igreja JC em duas cidades médias, de cerca de 250 mil habitantes, no interior do estado de São Paulo. Entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, foram realizadas dez entrevistas com migrantes venezuelanos interiorizados de Roraima pela Igreja para uma dessas cidades médias no interior paulista, assim como duas entrevistas com membros brasileiros da Igreja local e observação participante em culto dominical5 5 Optamos por omitir os nomes dos municípios investigados para não expor os nossos interlocutores de pesquisa, já que se trata de grupos numericamente restritos e que, portanto, poderiam ser identificados nas suas respectivas cidades. Assim, também, todos os nomes de entrevistados são fictícios, exceto o do Carlos Wizard Martins, empresário e missionário da Igreja cujo protagonismo na interiorização de venezuelanos foi amplamente divulgado na mídia. Embora a Igreja JC no Brasil tenha pouca visibilidade no país, a qual se deve inclusive à discrição de seus membros e ao controle do contato com os não membros, exercido pelas estacas locais; em geral, as lideranças relatam com satisfação as ações humanitárias realizadas pela Igreja com os migrantes venezuelanos. Em vários momentos, as pesquisadoras foram recebidas pelos líderes da Igreja nas dependências das capelas, bem como foram convidadas a conhecer os cultos e outras reuniões da comunidade. . Em fevereiro de 2022, foi realizado o trabalho de campo em Boa Vista e Pacaraima (RR), no qual foram etnografados espaços de abrigamento e instalações da Operação Acolhida. Nessa ocasião, realizamos também entrevistas com um membro da Igreja de Boa Vista e com funcionários de diversas instituições que coordenam e administram o fluxo de interiorização na OA.

O texto se estrutura em quatro seções. Na primeira, analisamos a inserção da Igreja de Jesus Cristo na estrutura humanitária e logística da Operação Acolhida, com especial destaque para o seu modus operandi no âmbito da “interiorização”. Destacamos que a capacidade da Igreja em mobilizar recursos humanos e materiais para organizar recepção, abrigamento e transferência de migrantes para outros estados foi fruto de sua estrutura hierárquica, da autonomia nas ações concedida aos missionários, do vasto capital social e econômico disponível na liderança da Igreja, assim como do engajamento ativo da comunidade de fiéis no trabalho voluntário.

A segunda parte do texto discute como a incorporação prévia dos venezuelanos na comunidade transnacional de fiéis mórmons viabilizou os seus projetos migratórios e lhes ofereceu o capital social inicial para se instalar na cidade média investigada. Em seguida, a terceira e quarta seções do texto analisam como o ethos mórmon, principalmente a sua doutrina sobre a “autossuficiência”, influencia, potencializa e limita a incorporação dos migrantes recém-chegados. Argumentamos que o estímulo à autossuficiência não necessariamente estimula a inserção de migrantes nos empregos formais e estáveis, perpetrando a dinâmica de precariedade de trabalho migrante. Por fim, destacamos que as Igrejas e suas comunidades de fiéis podem ser fundamentais na incorporação inicial dos migrantes em cidades sem estrutura de acolhimento, porém, o seu alcance é limitado e temporário e precisa se apoiar na cooperação com políticas públicas.

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na Operação Acolhida em Roraima

Diversas entidades religiosas se empenharam na recepção de migrantes venezuelanos em Roraima ainda antes da criação da OA em 2018 (Sarmento & Rodrigues 2018SARMENTO, Gilmara G. S. & RODRIGUES, Francilene S. (2018) “Entre a acolhida e o rechaço: breves notas sobre a violência e os paradoxos da migração venezuelana para o Brasil”. In: R. Baeninger e J. C. J. Silva. (eds.) Migrações venezuelanas . Campinas: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”, NEPO/Unicamp . ; Silva 2021SILVA, Júlia de Capdeville E. Llegar, (2021), Estar y Salir: da Venezuela ao Brasil. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade de Brasília. ). O protagonismo de organizações religiosas na recepção e na interiorização dos venezuelanos é documentada, mas ainda pouco refletida pela literatura crítica. A estrutura organizacional da Operação Acolhida, ancorada nos princípios da “governança” migratória (Souza & Ruseishvili, 2020SOUZA, André Ricardo de & RUSEISHVILI, Svetlana (2020), “As organizações cristãs de abrangência nacional em face da questão dos refugiados”. Contemporânea, Revista de Sociologia da UFSCar, vol. 10, n. 2: 537-555.), permitiu envolvimento ativo de um conjunto complexo e heterogêneo de entidades estatais (ministérios, exército), não governamentais (organizações internacionais, ONGs estrangeiras) e da sociedade civil (comunidades religiosas, movimentos sociais, associações).

Mendes e Fernandes (2021MENDES, Denise F. & FERNANDES, Duval M. (2021), “Interiorização de Venezuelanos para Minas Gerais: instituições que atuam em redes sociais”. Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, nº 22: 222-245. ) e Vasconcelos (2022VASCONCELOS, Iana dos Santos. (2022), “Las iglesias le dan continente al migrante”: igrejas, religiosidades e venezuelanos/as no norte do Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 42, nº 1:177-200. ) ressaltam que o envolvimento das igrejas na OA pode ser explicado pela doutrina cristã de solidariedade e fraternidade decorrente do sentimento de uma fé compartilhada. Para Iana Vasconcelos (2022), é preciso ainda distinguir ações exercidas pelas Igrejas, como instituições, e as comunidades de fiéis, como associações mais horizontais. Nesse sentido, ao comparar denominações católicas e não católicas, ela chega à conclusão de que as “ações cristãs não católicas são caracterizadas por maior protagonismo dos/as fiéis, enquanto os católicos atuam de forma mais institucionalizada por meio de Pastorais e organizações não governamentais ligadas à Igreja” (Vasconcelos 2022:194). A nossa pesquisa de campo mostrou que, no caso da IJC, o caráter das atividades de recepção de migrantes reflete tanto a estrutura organizacional da Igreja, quanto o engajamento ativo de sua comunidade de fiéis.

A Igreja JC possui uma organização hierárquica multinacional muito bem definida e respeitada que remete aos modelos de gestão de grandes empresas multinacionais. De acordo com o site oficial da Igreja, ela possui congregações em mais de 160 países e territórios, geridos pela Liderança global da Igreja localizada nos Estados Unidos. O centro espiritual e administrativo da Igreja é o profeta (também chamado de “presidente da Igreja”) e que recebe as revelações divinas. Ele é acompanhado por dois conselheiros chamados de “apóstolos”. Outros doze homens compõem o quórum da liderança mundial junto com o profeta e seus conselheiros. Em cada país, a Igreja é gerida pela presidência da área que engloba várias “estacas” (unidades administrativas locais, análogas às dioceses católicas), lideradas por um presidente e seus conselheiros. As estacas agregam várias unidades da Igreja, chamadas de “alas”, cada uma liderada por um bispo (análogo aos párocos católicos) que também possui seus conselheiros.

Todos os homens na liderança da Igreja não são remunerados e recebem a convocação para cargos, funções específicas ou missões por meio de “chamados”, provenientes da sede da igreja dentro da hierarquia organizacional. A aceitação e a boa execução dos chamados são vistas pelos membros da Igreja como manifestação de sua fidelidade aos princípios doutrinais da fé. Aqueles que receberam os chamados possuem grande autonomia na execução de suas funções, o que aumenta a eficiência na realização das tarefas.

As atividades nas congregações, os cultos, os cursos e até mesmo a arquitetura das unidades são praticamente idênticos em todos os países e regiões e estão submetidos ao comando da presidência central. Na análise de Nelson (1993NELSON, Reed E. (1993), “Authority, Organization, and Societal Context in Multinational Churches”. Administrative Science Quarterly, vol. 38, nº 4: 653-682. ), o modelo hierárquico e altamente formalizado de gestão da Igreja se aproxima do tipo weberiano da dominação racional-legal, na qual o corpo de executivos exerce funções bem delimitadas e impessoais. Para Weber (1999WEBER, Max. (1999), Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. ) o tipo ideal da dominação racional-legal era a grande empresa capitalista. Na IJC, a ética e a estética remetem fortemente ao mundo corporativo: os cargos são bem delimitados, os chamados para assumir funções são impessoais, formais e temporários, a própria vestimenta dos missionários e da liderança reproduz o estilo corporativo (terno, camisa e gravata para homens e terno ou vestido para mulheres).

Enquanto uma comunidade de fiéis, a IJC estimula a participação dos membros e cultiva o sentimento de solidariedade e de fraternidade entre os fiéis. Os fiéis se engajam em trabalhos voluntários e na caridade, que é considerada como um trabalho sacro. Como instituição, a IJC tem um longo histórico de trabalho humanitário direcionado à comunidade externa (Ostler & Burns 2016OSTLER, Craig J. & BURNS, Brady. (2016), “Development of LDS Humanitarian Aid”. In: M. A. Goodman & M. Properzi Goodman (eds.). The Worldwide Church: Mormonism as a Global Religion. Salt Lake City: Religious Studies Center/Deseret Book.). Este humanitarismo se sustenta exclusivamente pelos recursos provenientes da comunidade de fiéis e pelo trabalho voluntário empreendido pelos membros. Os recursos da Igreja provêm de dois fundos: o fundo do dízimo, considerado pelos membros como obrigação, e o fundo de jejum, uma contribuição voluntária dos membros que resulta de um jejum de sacrifício. Nas palavras de uma liderança local,

O jejum é uma das coisas que você pode ofertar a Deus como um sacrifício para ele te abençoar de alguma forma, ou para você agradecer uma bênção recebida. E é feito assim: você se abstém de alimento e líquido por 24 horas, por duas refeições, e o dinheiro que você gastaria com essas refeições você doa, contribui para igreja. E esse programa específico do jejum, os recursos desse fundo, são exclusivamente para ajudar os pobres e necessitados. O dízimo é outro fundo e é utilizado para a proclamação do evangelho pelo mundo, que é a manutenção dos missionários, construção de capelas, de templos, como o de São Paulo (entrevista com João, liderança local da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019).

No trabalho de caridade, os recursos são distribuídos desde a sede da Igreja, mas a decisão sobre a sua aplicação parte da liderança local, o que exige constante manutenção de laços entre os membros na congregação. A mesma liderança explica que

Os recursos são arrecadados aqui, depositados numa conta, e são geridos pela sede da igreja. Tem lá uma família que o marido ficou desempregado, dali algum tempo ele passa a encontrar dificuldades, então ele vai chegar no líder da igreja, na ala onde tem o bispo, conversar com o bispo e explicar a situação. Ele vai explicar o que ele está passando, e o bispo aciona a ajuda. Ele vai acionar de que forma? Ele vai comprar alimentos e fornecer para aquela família, e ele manda os papéis para o reembolso, e aí a igreja reembolsa sem nenhum problema. A unidade local não tem acesso ao dinheiro físico, mas não há impedimento nenhum na hora de ajudar, por exemplo (entrevista com João, liderança local da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019Entrevista com João, liderança local da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019.).

Em Roraima, a Igreja JC iniciou os trabalhos com venezuelanos ainda em 2016, conforme o depoimento de um membro que compõe a liderança da estaca da Igreja em Boa Vista:

Nós fomos começando a organizar porque começou a chegar uma família, duas famílias, três, aí já acendeu a luzinha laranja: “Opa! Alguma coisa está errada na Venezuela!”. E nós fomos conversar com os membros da Igreja: “Como está a situação?” “A situação está assim e vai chegar gente aí”. Só que a Igreja não disparou nenhum comunicado dizendo: “Venham para o Brasil!” Porque a Igreja não incentiva ninguém a sair do país para migrar para outro. Eles chegavam e quando chegavam na fronteira em Pacaraima, a gente de lá já contatava com eles para saber quem era membro e quem não era e aí começamos a ajudar. Tínhamos aqui como que cento e cinquenta casas alugadas. Ou seja, cento e cinquenta famílias (entrevista com Matheus, liderança da IJC, Boa Vista, fevereiro de 2022).

Como é possível observar, segundo Matheus, a Igreja JC no Brasil iniciou a ação humanitária estimulada pela demanda, dado que membros da Igreja que chegavam da Venezuela buscavam a congregação local como forma de acolhimento. Nesse momento, as ações eram destinadas exclusivamente aos membros da Igreja. A instituição possui um cadastro unificado planetário dos membros que permite verificar se o indivíduo pertence efetivamente a ela. Mesmo que a Igreja não tenha divulgado suas ações para os fiéis da Venezuela, as notícias sobre o acolhimento em Roraima se espalharam entre as famílias e assim o fluxo foi aumentando. No entanto, o significativo aumento fez com que a estaca de Roraima não conseguisse acolher todos os migrantes por esforços próprios, e foi preciso mobilizar a liderança nacional para que uma ajuda institucional fosse enviada.

O envolvimento da IJC na recepção de venezuelanos ganhou proporções muito maiores após a chegada em Roraima do empresário paulista, missionário de prestígio da Igreja, Carlos Wizard Martins. Ele e a esposa foram designados pela liderança nacional da Igreja, por meio do “chamado”, para coordenar os esforços da estaca local para abrigar, documentar e interiorizar os migrantes. O missionário, por sua vez, gozando da grande autonomia nessa função, ativou suas redes empresariais, também ligadas à Igreja, e seus recursos próprios para organizar o fluxo de atendimento dos migrantes na instituição. Carlos Wizard Martins mobilizou a empresa aérea Azul, cujo proprietário também é membro da IJC, que passou a disponibilizar assentos vagos nos voos para transportar os migrantes de Roraima a outros estados do Brasil.

A chegada do casal Martins coincidiu com a instalação da Operação Acolhida em Roraima, de modo que a Igreja passou a atuar paralelamente com o fluxo estabelecido pela OA. A parceria nunca foi formalizada, mas, de acordo com os nossos interlocutores, havia uma colaboração espontânea entre gestores de diversas entidades6 6 Fatos posteriores corroboram com essa afirmação. O general da reserva Eduardo Pazuello, por exemplo, de coordenador operacional da Operação Acolhida (fevereiro de 2018 a janeiro de 2020) se tornou Ministro da Saúde (2020-2021) e, nas eleições de 2022, se elegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em junho de 2020, como ministro da Saúde, Pazuello convidou Carlos Wizard a assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. O empresário recusou o convite. .

O fluxo de atendimento para os membros da Igreja foi organizado da seguinte forma: Os migrantes, ao atravessar a fronteira em Pacaraima, informavam à liderança da Igreja em Boa Vista, que organizava um translado para a capital com recursos da congregação. Em Boa Vista, a comunidade de fiéis abrigava os venezuelanos em casas de passagem alugadas e auxiliava os migrantes na regularização migratória, usando a estrutura criada pela OA. Paralelamente, os missionários acionavam a rede nacional das estacas da Igreja para mapear locais em outros estados, dispostos a receber os migrantes.

Localmente, os líderes mórmons mobilizavam a comunidade de fiéis para alugar e mobiliar uma casa, disponibilizar a alimentação e o translado do aeroporto para a cidade de destino. Depois de tudo preparado, o núcleo de Boa Vista iniciava o translado da família migrante. De Boa Vista para Manaus o transporte era realizado em ônibus comerciais ou em ônibus do Exército, por meio da parceria com a OA.

No aeroporto de Manaus, a espera podia durar alguns dias, já que os migrantes não possuíam passagens próprias e dependiam da disponibilidade de lugares nos voos da Azul. Os nossos interlocutores afirmaram que os venezuelanos em trânsito eram amparados por membros da Igreja local, mas outros relatos, dos funcionários da OA e dos próprios migrantes, apontam que não havia assistência sistemática.

No aeroporto de destino, os membros da Igreja local recebiam os venezuelanos e os transportavam para o município de instalação, onde uma casa já tinha sido preparada para a sua chegada. Se a organização do trajeto de Roraima para outros estados era feita no nível da liderança da Igreja, o acolhimento local dependia muito do engajamento da comunidade de fiéis, que doavam alimentos, móveis e o tempo para auxiliar os recém-chegados na instalação.

De acordo com os nossos interlocutores em Roraima, a partir de meados de 2018, os missionários da IJC passaram a atender também os venezuelanos não membros. Matheus (liderança da Igreja em Boa Vista) nos relatou que uma pequena equipe de membros da Igreja liderada por Carlos Wizard Martins circulava entre as ocupações espontâneas na cidade e organizava a transferência para os abrigos oficiais da OA e a interiorização. Segundo ele, a Igreja tentou se inserir no fluxo formal da OA, mas no fim preferiu seguir o seu próprio processo logístico:

Sempre a gente estava lá, sempre eu ia lá com eles [na OA com os venezuelanos]. Nós chegamos até ficar uns dias lá para nos encaixar com o sistema deles, mas assim a gente perdia muito tempo. Então em um mês o nosso irmão estava lá dentro da Operação e eu lá fora. Ele mandou trinta e cinco pessoas, eu mandei quinhentas, por causa do jogar no sistema, ficar esperando, aí tem a avaliação de toda a OMS, da questão da OIM, da ONU, aquela coisa toda demora muito. Não estou dizendo que é errado, eu estou dizendo que é lento, que poderia melhorar. A estrutura que eles têm é de quinhentos militares, mais as ONGs, e a gente com seis pessoas batendo ali junto lado a lado com eles, mandando até mais do que eles. É a burocracia. [...] A burocracia é uma cultura no Brasil. Uma cultura que a gente tem que acabar, essa questão de burocracia tem que acabar porque você acaba perdendo muito tempo. E como diz, tempo é dinheiro (entrevista com Matheus, liderança da IJC, Boa Vista, fevereiro de 2022).

A fala de Matheus evidencia desencaixes na organização de acolhimento protagonizado pela Igreja e oferecido pelo Estado, assim como aponta para uma racionalidade específica por trás das ações da liderança mórmon. A eficiência que Matheus reivindica é relacionada ao tempo de processamento das demandas dos migrantes. Para ele, o principal objetivo é tirar o maior número de pessoas da situação de rua, por meio da alocação nos abrigos institucionais e por meio da transferência para outros estados. Ele também reproduz a ideia em Roraima de que o governo estadual não tinha condições de lidar com a migração, de modo que a solução era transferir os migrantes para outros locais, algo que tem levantado críticas (Silva & Sampaio 2018SILVA, João Carlos Jarochinski & SAMPAIO, Cyntia. (2018), “As ações decorrentes da migração de venezuelanos para o Brasil - da acolhida humanitária à interiorização”. In: D. Annoni, (ed.). Direito Internacional dos Refugiados e o Brasil. Curitiba: Gedai/UFPR.).

De forma geral, a retórica empresarial de produtividade, eficiência e compliance não é exclusiva para os mórmons. Ela é dominante nas principais instituições da Operação Acolhida e reflete a “racionalidade logística” na recepção e governança dos migrantes e refugiados que tem sido apontada em outras regiões do mundo (Vianelli 2021VIANELLI, Lorenzo. (2022) “Warehousing asylum seekers: The logistification of reception”. Environment and Planning D: Society and Space, vol. 40, nº. 1: 41-59; Mezzadra & Neilson 2017MEZZADRA, Sandro & NEILSON, Brett. (2017), La frontera como método, o, La multiplicación del trabajo. Madrid: Traficantes de Sueños. ).

A “logistificação” dos requerentes de asilo significa a comoditização das pessoas que são tratadas como mercadorias numa cadeia de abastecimento. Essa racionalidade é orientada pela gestão eficiente de recursos e não pelo bem-estar ou os direitos sociais dos migrantes. O nosso trabalho de campo no Centro de Coordenação de Interiorização no Posto de Interiorização e Triagem (PTRIG) demonstrou que a relação custo-eficiência molda a organização do fluxo dos interiorizados que aguardam o embarque. A regra de ouro da Força-Tarefa Logística Humanitária é alocar o maior número de pessoas nos voos disponibilizados pelo exército e pelos parceiros para reduzir os ônus monetários relacionados ao underbooking dos voos e rotas rodoviárias.

Do ponto de vista da eficiência (melhor rendimento com menores dispêndios), as organizações religiosas costumam apresentar vantagens organizacionais devido à cadeia de comando definida, baseada na hierarquia eclesiástica. Combinada com a rede de colaboradores bem-organizada e altamente engajada em razão da uniformidade de valores, as igrejas se tornam unidades de ação rápidas e eficazes. Por outro lado, elas podem sofrer com a alta rotatividade de voluntários, a falta de critérios técnicos de seleção de equipes, a ausência de padrões mínimos de qualidade e a falta de transparência e de exigência de prestação de contas, o que levanta questões éticas quanto à sua participação na governança das migrações (Benson & Jacquet 2014BENSON, Edward & JAQUET, Carine. (2014), “Faith-based humanitarianism in northern Myanmar”. Forced Migration Review, vol. 48: 48-50.).

Por fim, o proselitismo, ações direcionadas para a conversão religiosa dos atendidos, é uma característica intrínseca das igrejas. Mesmo que a nossa pesquisa, assim como outras (Vasconcelos 2022VASCONCELOS, Iana dos Santos. (2022), “Las iglesias le dan continente al migrante”: igrejas, religiosidades e venezuelanos/as no norte do Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 42, nº 1:177-200. ), não tenha detectado práticas proselitistas no trabalho da IJC com os venezuelanos, a ação humanitária de organizações religiosas dificilmente pode ser isolada da missão do doutrinamento. Ostler e Burns (2016OSTLER, Craig J. & BURNS, Brady. (2016), “Development of LDS Humanitarian Aid”. In: M. A. Goodman & M. Properzi Goodman (eds.). The Worldwide Church: Mormonism as a Global Religion. Salt Lake City: Religious Studies Center/Deseret Book.:418) apontam, por exemplo, que nas regiões afetadas pelas crises humanitárias, a Igreja de Jesus Cristo incentiva os seus missionários de tempo integral7 7 Missionários de tempo integral são membros da Igreja designados pelo “chamado” para se dedicar integralmente ao trabalho de pregar o Evangelho nas ruas, considerado como um dever de sacerdócio. Muitas vezes, os missionários recebem chamados para viajar para outras cidades ou países para realizar o seu serviço missionário. a prestar auxílio humanitário periódico à comunidade onde eles são inseridos, de modo que ações humanitárias e proselitistas se confundem. Ademais, as pessoas acolhidas costumam se engajar nas atividades das igrejas por sentimento de gratidão ou porque a vulnerabilidade social ligada à migração fortalece a religiosidade (Hirschman 2004HIRSCHMAN, Charles. (2004), “The Role of Religion in the Origins and Adaptation of Immigrant Groups in the United States”. International Migration Review, vol. 38, nº 3: 1206-33.; Vasconcelos 2022).

Lucas, um dos líderes da IJC no interior de São Paulo, ilustra a importância da ação humanitária para o crescimento da Igreja com o seguinte caso:

Tinha a família: a esposa e os filhos eram membros, e o marido não era membro da Igreja. E ele foi vendo o que é a Igreja. Ele foi, através dos missionários, receber as promessas, e tomou a decisão de ser membro. A pessoa não pode ser pressionada a se tornar um membro da igreja, ela tem que sentir (entrevista com Lucas, liderança da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019Entrevista com Lucas, liderança da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019.).

De acordo com o relato de Lucas, os parentes dos membros venezuelanos interiorizados pela Igreja frequentemente se aproximam da congregação, que se faz presente em suas vidas por meio das ações humanitárias, e acabam se convertendo formalmente. A ação humanitária, dessa forma, é inseparável da catequização.

Comunidade de fiéis mórmons como uma rede migratória

Os migrantes venezuelanos, nossos interlocutores na pesquisa, eram todos membros da Igreja JC ainda na Venezuela. Portanto, a sua decisão de vir ao Brasil e o fato deles finalizarem a sua jornada no interior do estado de São Paulo decorrem de sua incorporação prévia na comunidade de fiéis da IJC. Foi a ativação da rede social transnacional proporcionada pela Igreja que efetivou o projeto migratório, concebido previamente. A incorporação na comunidade mórmon foi fundamental não apenas para possibilitar o deslocamento e a instalação inicial no destino, mas também foi o propulsor da inserção laboral, ainda que em ocupações instáveis e precárias.

Embora a liderança da Igreja afirmasse que não incentivava a vinda dos membros venezuelanos para o Brasil, a informação sobre o programa de acolhida circulou rapidamente pela comunidade transnacional de fiéis. De acordo com o Carlos, 46 anos, “Foi muito divulgado em toda a Igreja da Venezuela, da região da Venezuela. Aqui no Brasil há pessoas de todas as regiões da Venezuela… muita gente. A gente se espalhou por todo o Brasil” (entrevista com Carlos, interior de São Paulo, dezembro de 2021Entrevista com Carlos, interior de São Paulo, dezembro de 2021.). Todos os nossos interlocutores ficaram sabendo sobre o programa de acolhida da Igreja no Brasil por meio de outros membros em sua congregação. Para alguns, a possibilidade de contar com a rede da Igreja foi decisiva para escolher o Brasil como destino.

Pedro, 25 anos, mencionou que estar acolhido nas instituições da Igreja junto a outros membros trazia conforto e sentimento de segurança:

Na parte onde você faz a documentação, tinha pessoas membros e não membros da igreja que ficavam ali dormindo. Só que aí é um pouco mais perigoso porque não tinha só membro da igreja então você tinha que ter cuidado mais, entendeu? A gente se sente mais em conforto com um membro da Igreja que já meio conhece os costumes. Não vou falar que são perfeitos, mas você fica como que mais tranquilo. Mas é assim em todo mundo, né? Por exemplo, aqui tem ladrão, lá também tem. Então, a gente ficava meio de olho com as coisas (entrevista com Pedro, interior de São Paulo, novembro de 2021Entrevista com Pedro, interior de São Paulo, novembro de 2021.).

Os laços sociais da comunidade religiosa não apenas proporcionam vias para o deslocamento, mas também, na perspectiva dos fiéis, oferecem um sentimento de segurança no contexto de trânsito migratório, caracterizado pela precariedade material, exposição constante aos riscos de exploração, violência e à alteridade (Hirschman 2004HIRSCHMAN, Charles. (2004), “The Role of Religion in the Origins and Adaptation of Immigrant Groups in the United States”. International Migration Review, vol. 38, nº 3: 1206-33.).

Os missionários da Igreja em Boa Vista se encarregavam de abrigar, alimentar e transferir os migrantes para outros municípios no Brasil. Os venezuelanos não podiam escolher o local para o qual poderiam ser interiorizados. Porém, isso não significava que estavam privados de qualquer agência no processo de mobilidade no Brasil. Segue o relato da Helena, 42 anos:

A gente estava tomando a decisão que iria viajar para o Chile, só que Chile recebeu muitos venezuelanos e eles mudaram sua política. Para poder ir precisava arrumar visto, como para os Estados Unidos, e demorava muito e tinha que ter passaporte de todos, só que o de meu filho mais velho não chegava, a gente já tinha tirado passaporte, mas não chegava e não chegou nunca. Então era difícil, não dava para ir para Chile, aí o governo de Brasil fez um programa chamado Acolha. [...] Chegamos em Pacaraima e fizemos a documentação e tudo isto. Quando nós chegamos, nós fomos enviados para Dourados, Mato Grosso do Sul. Quando chegamos lá, o jeito estava um pouco diferente porque estava chegando a segunda família que eles recebiam, né? Nós chegamos na casa de bispo, ele nos acolheu muito bem, nos ajudou, conseguiu casa, roupas e a gente começou a trabalhar, eu e meu marido, e ficamos. Mas várias coisas, primeiro a gente não se acostumou muito com a cidade. O serviço muito puxado para muito pouco. Muito calor. Uma só igreja de nós não pode pegar todo o fardo das famílias, eu falava para Nathália [uma amiga da Venezuela interiorizada no interior de São Paulo] que queria ficar perto de alguém e ela me falou: “Hmm! As coisas por aqui para nós estão bem, estão bem melhores. Por que você não tenta vir para cá?”. Aí então eu pensei, né? Eu queria mudar as coisas, estava muito parado lá na parte econômica. E fizemos assim, e deu certo, né? (entrevista com Helena, interior de São Paulo, dezembro de 2021Entrevista com Helena, interior de São Paulo, dezembro de 2021.).

Ao longo da interação com os nossos interlocutores, pudemos perceber que o auxílio da Igreja foi fundamental no primeiro momento. A missão de interiorização da Igreja abriu um canal possível para que eles se estabelecessem em regiões do Brasil longe da fronteira. Essa mobilidade patrocinada e dirigida, sobre a qual os migrantes tinham pouco controle, foi acompanhada simultaneamente por mobilidade espontânea e planejada, puxada por ativação de redes sociais.

Como bem observou a Helena “Essa é outra parte do processo migratório: as pessoas que chegam aqui querem trazer alguns familiares”. A Helena saiu de Dourados para ficar perto da amiga Nathália no interior de São Paulo e logo trouxe a sua irmã. O Carlos e a Joana foram morar no interior de São Paulo para se reunir com os familiares que haviam se estabelecido no município e ajudaram a trazer a irmã da Joana com seus filhos, que estavam no Chile.

Evidencia-se que a regionalização da migração venezuelana no Brasil se dá por dois processos simultâneos: i) a interiorização como uma canalização de migrantes dirigida pelo Estado e outras instituições, e ii) a dispersão espontânea, movida por estímulos econômicos e pelas redes migratórias. As “migrações em cadeia” envolvem “o deslocamento de indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de destino” (Tilly 1978 TILLY, Charles. (1976), Migration in Modern European History. University of Michigan. apud Truzzi 2011TRUZZI, Oswaldo M. S. (2011), “Redes em processos migratórios”. In: A. L. D. Lanna et al. (eds.). São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda.:20). Portanto, mesmo que haja pouco espaço de agência no deslocamento primário da fronteira para o “interior” do Brasil no processo de interiorização, as cadeias migratórias são manifestações da autonomia das migrações, entendida como uma “força criativa no interior das estruturas sociais, culturais e econômicas” (Papadopoulos, Stephenson & Tsianos 2008PAPADOPOULOS, Dimitris; STEPHENSON, Niamh & TSIANOS, Vassilis. (2008), Escape Routes: Control and Subversion in the Twenty-first Century. London: Pluto Press.:202; ver também Mezzadra, 2013MEZZADRA, Sandro. (2013) “Multidão e Migrações: a autonomia dos migrantes”. Revista Eco-Pos do Programa de Pós-graduação em Comunicação, UFRJ, vol. 15, nº 2: 70-107.). A capacidade de gerenciar suas próprias jornadas migratórias dentro da estrutura de constrangimentos regulatórios, econômicos e culturais (Knowles, 2017KNOWLES, Carolina. (2017), Nas trilhas de um chinelo: uma jornada pelas vias secundárias da globalização. São Paulo: Annablume.) e a habilidade de mobilizar suas redes para efetivar a circulação, o savoir-faire específico do migrante (Tarrius, 2000TARRIUS, Alain. (2000), Les nouveaux cosmopolitismes. Mobilités, identités, territoires. Paris: Editions de l’Aube.), tornam os dados oficiais sobre os destinos de interiorização dos venezuelanos (R4V, 2022) constantemente obsoletos por não contemplar os deslocamentos espontâneos.

Dessa forma, o papel das comunidades de fiéis como articuladoras de redes migratórias é muito importante na medida em que problematiza a concepção da “interiorização” como uma migração dirigida de “cima para baixo” e evidencia os agenciamentos próprios organizados horizontalmente por migrantes. Além disso, a comunidade da Igreja também propicia um capital social que auxilia os recém-chegados na geração de renda própria. Nesse caso, a ética religiosa tende a influenciar as atitudes e os comportamentos dos fiéis em relação ao trabalho, aos empregos e aos modos de inserção laboral (Weber 2004WEBER, Max. (2004), A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras. ; Levitt 2003LEVITT, Peggy. (2003), “‘You Know, Abraham Was Really the First Immigrant’: Religion and Transnational Migration”. International Migration Review , vol. 37: 847-873. ). A próxima seção discute os modos de incorporação laboral que a doutrina mórmon de autossuficiência molda para os fiéis migrantes.

Doutrina da autossuficiência e estímulo à geração de renda

No contexto da política migratória brasileira, que não oferece auxílio social específico para migrantes vulneráveis e solicitantes de asilo, a inserção laboral é uma questão de sobrevivência para os recém-chegados. Nesse sentido, as comunidades mórmons se tornam “instituições de recepção” (Wessendorf 2021WESSENDORF, Susanne. (2021), Accessing Information and Resources via Arrival Infrastructures: Migrant Newcomers in London. Working Paper vol. 57, January.) prioritárias para os seus membros migrantes, podendo agenciar os primeiros empregos emergenciais. Argumentamos que, nesse processo, a dogmática mórmon é importante na medida em que sustenta um ethos econômico próprio para os seus membros, contido na ideia da “autossuficiência”, que, por sua vez, promove modos de incorporação laboral específicos marcado por informalidade.

De acordo com a doutrina mórmon, a autossuficiência é um mandamento divino e consiste na capacidade de prover, por meio de esforços próprios, as necessidades materiais para si mesmo e para seus familiares. A Igreja incentiva a autossuficiência de seus membros por meio de cursos de capacitação com uso de material didático impresso, cujo conteúdo é produzido na sede da Igreja nos Estados Unidos e traduzido para os idiomas dos países nos quais existem unidades. A apostila “Finanças pessoais: autossuficiência” (em inglês Personal Finances for Self-Reliance), usada nos encontros semanais da Igreja, ensina que a autossuficiência é um princípio de salvação, já que “sem autossuficiência, não podemos exercer nosso inato desejo de servir. Como alguém pode dar se não tem nada para dar?” (IGREJA 2017IGREJA de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. (2017), Finanças pessoais: autossuficiência. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: Salt Lake City.:5).

A Igreja, estruturada nos moldes de uma corporação multinacional, transmite a valorização da prosperidade traduzida nas aparências de seus líderes mundiais: homens brancos de meia idade, fiéis ao dress code corporativo, bem-sucedidos em suas carreiras profissionais liberais e com renda suficiente para poder se dedicar às atividades voluntárias da Igreja. O sucesso na vocação profissional parece se traduzir na ascensão hierárquica dentro da estrutura organizacional da Igreja e remete à doutrina da vocação no protestantismo ascético clássico (Weber 2004WEBER, Max. (2004), A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras. ).

A busca pela autossuficiência é incentivada não para aproveitar a riqueza, o status social e os prazeres mundanos, como prega a Teologia da Prosperidade (Mariano 1999MARIANO, Ricardo. (1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo, SP: Edições Loyola. :44), mas para assegurar uma estabilidade financeira que possa garantir o tempo livre para a dedicação à Igreja. A Igreja incentiva a poupança e condena despesas descomedidas e o endividamento. De acordo com os ensinamentos dos líderes mórmon, “a responsabilidade pelo bem-estar social, emocional, espiritual, físico e financeiro de cada pessoa repousa em primeiro lugar sobre ela mesma, em segundo lugar sobre sua família e em terceiro lugar sobre a Igreja” (IJC 2017:23). Ao mesmo tempo, os direitos sociais são vistos como privilégios e os membros são desestimulados a procurá-los. Ensina-se que, “quanto maior a distância entre o doador e o recebedor, mais aquele que recebe desenvolve um senso de direito de posse. O direito é um sentimento de que você merece algo sem fazer todo o necessário para obtê-lo” (IJC 2017:23).

O programa de interiorização dos venezuelanos pela Igreja JC é estruturado em torno do pressuposto da rápida conquista da autossuficiência pelos acolhidos. Uma igreja só pode receber uma nova família depois que outras acolhidas já estiverem com empregos próprios, podendo arcar com os próprios custos. Por isso, na perspectiva da liderança e de membros locais da Igreja, o rebaixamento de status laboral não deveria ser um obstáculo para os migrantes recém-chegados, que deveriam aceitar qualquer oportunidade de emprego para reconquistar a sua independência material. Vejamos os relatos de duas lideranças:

Eles são orientados quando eles chegam aqui, que eles têm que procurar sua própria autossuficiência. Então, a gente ajuda com empregos, pesquisando, orientando, montando currículo, levando e tal. E em pouco tempo, acho que dessas 30 e poucas famílias que nós temos aqui, pelo menos 25 já estão todas empregadas com carteira registrada e tudo. Um ou outro é que está ainda fazendo bico, sabe, mas praticamente todos eles estão empregados. [...] Recebemos semana retrasada mais uma família, que já está chegando na autossuficiência, então, estamos abrindo para mais outras famílias. Então é isso, sabe, é autossuficiência física, material, emocional, que é muito importante, espiritual (entrevista com Lucas, liderança da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019).

Nós temos um líder aqui da Igreja, um chamado, que se chama especialista de autossuficiência e emprego. Ele é responsável por qualificar, quem quiser ser qualificado. Forma-se um grupo de pessoas interessadas no mesmo objetivo, e tem um curso. Encontros, não é exatamente um curso. Encontros tipo coach, que vai instruir "olha, você tá indo para esse curso, mas o seu perfil de repente não dá certo, você precisa mudar", então toda essa orientação. Para o mercado de trabalho é a mesma coisa, então são vários cursos que têm que preparar as pessoas que desejarem. A igreja desenvolveu isso nos últimos anos, de forma gratuita. Se você vai fazer um curso desse aí particular com um coach, paga bem caro, e aqui paga 10 reais pelo manual. Então esse especialista de autossuficiência também direciona as pessoas, de acordo com o perfil, para vagas. Nós temos no WhatsApp um grupo relacionado a emprego, então vem as vagas todos os dias, e ele direciona as pessoas (Matheus, liderança da IJC, Boa Vista, fev. 2022Entrevista com Matheus, liderança da IJC, Boa Vista, fevereiro de 2022.).

A doutrina da autossuficiência reserva comportamentos específicos para os migrantes recebidos pela Igreja. Os membros que resistem aos empregos precarizados e procuram auxílios sociais do Estado são criticados. Várias vezes ouvimos dos nossos interlocutores brasileiros a interpretação de que a tendência dos venezuelanos de procurar auxílios do Estado se deve ao regime socialista em seu país:

Ela chegou, os dois filhos, uma filha, a mãe. A gente a chamou para almoçar em casa e ela começou a reforçar um pouco esse lado do governo lá, na Venezuela. Eu falei “Eu vou ser sincero com você, eu acho que é bom você não falar porque eu sou totalmente contrário ao governo da Venezuela seja qual for que é…esse estilo de governo, né? Que quer dominar as pessoas e fazer assim, eu sou mais para o lado capitalista da coisa”. Eu gosto quando você tem oportunidade, e o céu é o limite onde você vai chegar. Eu disse “Ó, aqui você vai ter muitas oportunidades”, porque ela começou a perguntar se o governo ajudava com alguma coisa, se ajudava com alimentos, com gastos. E eu falei assim: “Olha, tem ajuda, mas eu acho que é errado pensar só em ajuda porque você vai ter a oportunidade de trabalhar e ganhar, você vai ter oportunidade de crescer, pensa nisso, não pensa só na ajuda porque isso vai limitar você” e aí ela ficou até meio chateada (entrevista com Heitor, empresário, interior de São Paulo, fevereiro de 2022Entrevista com Heitor, empresário, interior de São Paulo, fevereiro de 2022.).

A incorporação dos migrantes venezuelanos em comunidade mórmon abre caminhos para inserção laboral por meio do acionamento de redes sociais em torno da igreja. Os membros se engajam em fazer circular a informação sobre os empregos disponíveis ou até mesmo em oferecer empregos para os “irmãos” venezuelanos em suas próprias empresas. Contudo, o desencaixe entre a qualificação profissional inicial e a ocupação e o nível salarial oferecido no Brasil não é problematizado pela Igreja.

A quase totalidade dos nossos interlocutores, no momento da realização da pesquisa de campo, estavam empregados em posições inferiores à sua qualificação profissional. Dos dez entrevistados, sete possuíam ensino superior completo e no seu país eram empregados nos setores de educação, contabilidade e serviços de saúde. No Brasil, apenas quatro possuem empregos fixos: dois com contrato de trabalho formalizado (um numa fábrica e outro no escritório de contabilidade) e dois no regime de trabalho mais instável (no comércio e no setor de alimentação). Todos os outros interlocutores relataram ocupações intermitentes e flexíveis: prestação de serviços esporádicos (por diárias), comércio informal e oficina de costura terceirizada.

Com sessenta e dois anos de idade e cerca de quarenta anos de experiência em sua área de formação, Arthur, assim que chegou à cidade de destino no interior de São Paulo, conseguiu um emprego sem contrato de trabalho que lhe pagava um salário-mínimo. Durante a entrevista, ele reforçou que só havia conseguido o trabalho pelo seu currículo, porém, o contratante havia dito que não poderia lhe pagar um salário compatível com seu grau de experiência na área. Diante de sua situação, Arthur não teve escolha senão aceitar a oferta e começar a trabalhar. Hoje, trabalha em outro escritório em que possui carteira assinada e uma remuneração mais alta, todavia, ainda não compatível com seu histórico profissional.

Outro caso que demonstra a vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes é o de Valentina, 28 anos. Na Venezuela, ela estava no sétimo semestre de Engenharia Industrial e, por isso, trabalhava apenas no período das férias. Quando chegou ao interior de São Paulo, ainda sem terminar o curso superior, conseguiu um emprego como costureira terceirizada numa fábrica de materiais cirúrgicos e trabalhou até o momento em que engravidou e foi dispensada pelos contratantes.

Mesmo em situação de regularidade migratória, os trabalhadores migrantes estão sujeitos à precarização das condições de trabalho, à remuneração abaixo do esperado pela sua qualificação e experiência e à violação de seus direitos trabalhistas (Sayad 1998SAYAD, Abdelmalek. (1998), Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo, Edusp.; De Genova 2002DE GENOVA, Nicholas. (2002), “Migrant ‘illegality’ and deportability in everyday life”. Annual Review of Anthropology, vol. 31: 419-447.; Mezzadra & Neilson 2017MEZZADRA, Sandro & NEILSON, Brett. (2017), La frontera como método, o, La multiplicación del trabajo. Madrid: Traficantes de Sueños. ). Devido aos status migratórios instáveis e ao não reconhecimento de seus diplomas, os migrantes não conseguem reivindicar o valor real de sua força de trabalho e, assim, passam a ocupar posições inferiores em relação ao seu grau de escolaridade, especialização e experiência prévia (Cavalcanti, Oliveira & Tonhati 2015CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antonio Tadeu & TONHATI, Tânia (eds.) (2015), A Inserção dos Imigrantes no Mercado de Trabalho Brasileiro. Brasília: Cadernos OBMigra, Ed. Especial.). O mercado de trabalho nos países de destino se beneficia da força de trabalho qualificada sem ter arcado com os custos de sua reprodução (Canales 2022CANALES, Alejandro I. (2022), “Teorías de las migraciones en América Latina”. In: A. H. Hernández & A. E. C. Delgado (eds.). Mirgración y movilidad en las Américas. Miradas Latinoamericanas. Ciudad de México, Buenos Aires: siglo xxi editores.).

Autossuficiência e precariedade do trabalho migrante

Se para os líderes da Igreja a autossuficiência representa a independência material e espiritual como resultado do esforço e o caminho para a prosperidade, na perspectiva dos migrantes ser autossuficiente significa, acima de tudo, romper a dependência material da Igreja, seja por meio do trabalho próprio ou dos auxílios sociais. Ao longo do trabalho de campo ficou claro que os auxílios sociais disponibilizados pelo governo brasileiro ao longo da pandemia, como no caso do Auxílio Emergencial, não eram vistos pelos migrantes como privilégios não merecidos, como sugere a doutrina mórmon. Os auxílios eram procurados e possibilitavam uma maior independência financeira da família.

De forma geral, como trabalhadores em empregos precários, informais e flexíveis, os migrantes não conseguiam se emancipar por completo da ajuda da Igreja, pelo que sentiam vergonha. Embora fiéis à ideia da autossuficiência, eles não percebiam como algo moralmente condenável recorrer aos auxílios sociais do Estado. O relato da Helena demonstra como os migrantes navegam entre diversas fontes de renda para conseguir aquilo que compreendem como autossuficiência:

É um processo, a gente já está acostumado a, sabe, ser autossuficiente, a gente não fica com a mão estendida pedindo para a igreja. Pelo contrário, a gente sempre consegue um jeito, então eu consegui uma cesta pela prefeitura, às vezes meu marido conhece pessoas que sabem onde podem fazer doações de cestas de comidas e é assim que a gente se ajuda, né? E eu faço algumas coisas, essas almofadas. E vendo. Estamos correndo atrás para conseguir nossos gastos. Não é fácil! A gente perdeu o auxílio [Auxílio emergencial], porque o auxílio acabou, cento e cinquenta reais e agora já não temos mais (entrevista com Helena, 42 anos, interior de São Paulo, dezembro de 2021Entrevista com Helena, 42 anos, interior de São Paulo, dezembro de 2021.).

Dessa maneira, os nossos interlocutores tendiam a aceitar empregos precários e intermitentes por falta de opção e como estratégia de obter a emancipação material da Igreja, mas esperavam poder exercer a sua profissão quando aprimorassem o português e reconhecessem os seus diplomas. Silva e Bento (2021SILVA, Renata F. da & BENTO, Juliane S. (2021), “Política migratória e direito ao trabalho: estudo de caso sobre a acolhida de imigrantes venezuelanos no Sul do Brasil”. Colombia Internacional, nº. 106: 165-198.) observam, para o caso dos venezuelanos no Sul do Brasil, que a barreira linguística e os entraves na revalidação de diplomas são fatores principais que dificultam a correspondência do emprego à qualificação profissional dos migrantes.

A centralidade da autossuficiência para a religiosidade mórmon faz com que a Igreja ofereça um capital social inicial para que os migrantes se insiram no mercado de trabalho local. Não tanto as oficinas de formação e os ensinamentos sobre a independência financeira, mas é a inserção na comunidade religiosa que oferece para os recém-chegados contatos e informações necessários para encontrar fontes de renda. Por um lado, a comunidade é percebida pelos migrantes como uma garantia de segurança e como referência em caso de desconhecimento de seus direitos no Brasil. Isso porque a comunhão da fé e os ensinamentos dogmáticos materializam o sentimento de fraternidade acima das diferenças linguísticas e nacionais.

Por outro lado, a afinidade da doutrina mórmon com a racionalidade neoliberal pode reforçar ainda mais o lugar precário reservado para os trabalhadores migrantes no capitalismo flexível. A flexibilização do trabalho é promovida sob justificativa do empreendedorismo, visto como a liberação do potencial do indivíduo em alcançar a sua prosperidade. “Penso que é uma escolha pessoal e cada um deve decidir, em algum momento, se prefere ter uma vida de comodidade, prosperidade e liberdade financeira ou uma vida de privação”, escreve Carlos Wizard Martins (2021MARTINS, Carlos W. (2021), Despierta el Millionario que hay em ti. São Paulo, Editora Gente.:25) na introdução do seu livro Despierta el millionario que hay em ti .

Quando as famílias venezuelanas começaram a chegar na cidade pelo programa de interiorização da Igreja, os membros brasileiros se mobilizaram para ajudá-los a encontrar emprego. Heitor, proprietário de fábricas de material hospitalar, ofereceu empregos para vários recém-chegados. Ele justificou a oferta pela fraternidade e o sentimento de dever de ajudar os irmãos na necessidade. Ele também afirmou não fazer diferenciação entre seus empregados pela origem e que sempre diz aos venezuelanos que o procuram para saber de seus direitos trabalhistas que “a mão de obra não tem nacionalidade”. “Acho que tem preconceito: às vezes as pessoas querem que trabalhem por menos do que é o justo porque eles vieram de fora. [...] E eu sempre tento ajudar eles nesse sentido, dar as informações corretas, para que eles não sejam enganados por aí”, disse o empresário (entrevista com Heitor, interior de São Paulo, fevereiro de 2022).

Contudo, o emprego que Heitor ofereceu para os venezuelanos em sua empresa era informal e não levava em consideração a qualificação profissional dos migrantes. Ele justifica:

O que que eu falava para eles: “O que eu tenho é essa oportunidade aqui de costurar, eu sei que às vezes não tem nada a ver com o que você fazia lá, mas dá pra ganhar tanto, te interessa?”. E sempre foi assim por produção, é o trabalho autônomo, né? Na casa deles…você ganha, se não produzir nada, eu não tenho nada para pagar. Sempre fui muito transparente, mas sempre deu muito certo, sabe? Com relação a trabalho, assim, um ou outro que deu mais trabalho para se adaptar, que era mais: “Ah! Eu preciso mais de ajuda…ah! vocês precisam mais me ajudar”, mas a maioria não. A maioria pegava e trabalhava, sabe? (entrevista com Heitor, interior de São Paulo, fevereiro de 2022)

O trabalho consistia em costurar material hospitalar descartável, era pago por peça e era realizado na própria moradia do migrante. A primeira máquina de costura era doada pela Igreja ou pelo próprio Heitor, com expectativa de que o migrante pudesse adquirir as próximas com recursos próprios. O empresário vê o trabalho de costura como uma oportunidade para os migrantes e afirma que eles preferiam trabalhar nessas condições por se sentir inseguros com o idioma. Laura, 26 anos, confirmou que não precisar sair de casa para trabalhar a segurava na costura, embora não gostasse dessa ocupação que aprendera no Brasil por necessidade. Ela achava a costura fisicamente cansativa e exigente, já que o pagamento era feito por peça, o que demandava muitas horas de trabalho para conseguir uma renda suficiente para se manter.

Para Heitor, a liberdade do trabalhador incentivava o espírito empreendedor. A fala do empresário é atravessada pela oposição entre o tipo de migrante que tem o “desejo de progredir” e aquele que é “acomodado”. O primeiro recebe incentivos para “prosperar”, o segundo recebe a caridade: “Quem gosta desse tipo de incentivo eu vou dando, sabe? Eu dou corda para eles crescerem, agora quem não gosta eu dou o trabalho, mas não faz muito meu perfil. Eu não gosto de pessoas muito acomodadas, não” (entrevista com Heitor, interior de São Paulo, fevereiro de 2022). O trabalho oferecido não é só uma fonte de renda, mas uma tecnologia de disciplina mórmon.

O ethos empreendedor incentivado pela doutrina da autossuficiência dos fiéis se torna disciplinamento da força de trabalho para o mercado neoliberal sustentado em três pilares: a terceirização, a informalidade e flexibilidade do trabalho (Antunes 2020ANTUNES, Ricardo (ed.). (2020), Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, SP: Boitempo.). A autossuficiência converge com os princípios de “soluções duradouras” do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que compreendem que a integração de refugiados e migrantes se dá por meio de geração de renda e incentivo ao empreendedorismo (Milesi 2009MILESI, Ir Rosita. (2009), “O refúgio no contexto das migrações: a integração dos refugiados e das refugiadas como solução duradoura”. REMHU - Revistas Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 17, nº 33: 316-323.).8 8 Ver, por exemplo, a plataforma “Refugiados empreendedores” do ACNUR. Disponível em: https://www.refugiadosempreendedores.com.br/. Acesso em: 7 de outubro de 2022. Por meio de educação financeira, introdução à legislação tributária e laboral, incentivo ao crédito, essas organizações promovem a inserção dos migrantes no mercado de trabalho como pequenos empreendedores, trabalhadores autônomos e prestadores de serviço (Lopes & Paula 2021LOPES, Cristiane Maria Salqueiro & PAULA, Priscila Moreto De (eds.). (2021), Migrantes e refugiados: uma aproximação baseada na centralidade do trabalho e na justiça social. Brasília: Ministério Público do Trabalho. ). O empreendedorismo certamente ajuda a driblar barreiras linguísticas e culturais, mas, por outro lado, esconde a tendência à uberização do trabalho que se caracteriza pela precarização, instabilidade e fragilidade do ponto de vista dos direitos trabalhistas. Dessa maneira, a doutrina da autossuficiência, compartilhada entre a Igreja JC e as organizações internacionais, visa produzir uma subjetividade específica no migrante que garanta a sua inserção diferencial no mercado de trabalho neoliberal segmentado (ver, entre outros, (Mezzadra & Neilson 2017MEZZADRA, Sandro & NEILSON, Brett. (2017), La frontera como método, o, La multiplicación del trabajo. Madrid: Traficantes de Sueños. ; Mezzadra, Cordero Díaz & Varela Huerta 2019MEZZADRA, Sandro; CORDERO DÍAZ, Blanca Laura & VARELA HUERTA, Amarela (eds.). (2019), América Latina en movimiento: migraciones, límites a la movilidad y sus desbordamentos. Madrid, México, Buenos Aires: Traficantes de Sueños; Universidad Autónoma de la Ciudad de México: Tinta Limón Ediciones. ; Dias, Silva & Silva 2020DIAS, Gustavo; SILVA, João Carlos Jarochinski & SILVA, Sidney Antonio da. (2020), “Travellers of the Caribbean: Positioning Brasília in Haitian migration routes through Latin America”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology vol. 17: e17504.).

Além disso, no âmbito da incorporação laboral mais sustentável, as ocupações atomizadas e isoladas, informais e intermitentes não oferecem para os migrantes a acumulação posterior do capital social, necessário para encontrar empregos mais estáveis e fora do circuito da igreja. A capacitação que a Igreja promove é uma orientação profissional mais do que uma capacitação ou uma profissionalização propriamente dita, e, portanto, não auxilia o migrante a sair do círculo vicioso de precariedade.

Em contraste, aqueles migrantes, como Carlos, 46 anos, que se inseriram em empregos formais, parecem ter criado redes sociais externas à sua comunidade de fé que propiciam novas oportunidades, novos contatos e novas informações. Carlos conseguiu emprego terceirizado na fábrica de uma empresa multinacional por indicação de um irmão da Igreja. Oito meses depois, a empresa o efetivou com contrato formal, que, contudo, foi suspenso logo depois no início da pandemia. Ao longo da pandemia, Carlos fez diárias no setor de comércio, mas no final da pandemia recebeu ligação da fábrica chamando-o de volta e oferecendo um contrato formal. Carlos diz ter feito muitos amigos na fábrica: “Fiz muitos amigos lá, eles sempre ajudaram a gente. Ajudaram com comida, com tudo. “Oh, Carlos, como você está? Está precisando de alguma coisa?”. E sempre…sempre. Não foi fácil, mas, quando voltei para a fábrica, todo mundo ficou feliz: “Carlos! Carlos!” (entrevista com Carlos, interior de São Paulo, dezembro de 2021).

Dessa forma, a doutrina mórmon de autossuficiência, quando aplicada ao contexto social de migrantes recém-chegados, não necessariamente estimula a sua integração laboral no mercado de trabalho formal e estável, mas incentiva uma geração de renda emergencial e precária. O capital social proporcionado pela comunidade de fiéis se torna um ativo central que os migrantes agenciam para encontrar atividades que possam gerar renda que os emancipe do auxílio material da Igreja. Porém, mesmo que esse papel da Igreja seja importante para a inserção inicial de migrantes na economia local, ele não necessariamente leva à incorporação mais duradoura, a qual demanda interferência de outras instituições, sobretudo do Estado.

Considerações finais

É longo o histórico de atuação de diversas Igrejas cristãs no acolhimento de migrantes e refugiados recém-chegados no Brasil. Amparadas nos valores de beneficência caridosa, na alta motivação de fiéis, em conjunto com estrutura de comando bem delineada, as Igrejas possuem capacidade institucional de rápida reação em contextos de crises humanitárias. Assim, as Igrejas eram as primeiras instituições da sociedade civil que vieram à Roraima para assistir a população venezuelana, antes mesmo da instalação da Operação Acolhida.

Desde 2018, a igreja multinacional de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, atua no acolhimento de migrantes e refugiados venezuelanos em Roraima. Primeiro como reação à demanda de acolhimento de seus membros vindos da Venezuela, as suas ações logo foram direcionadas também para os não membros. Com apoio nas congregações espalhadas em todos os estados do Brasil, sobretudo do Sul e Sudeste, a Igreja interiorizou um número significativo de venezuelanos entre 2018 e 2020.

Para os migrantes venezuelanos recém-chegados ao Brasil, a comunidade mórmon ofereceu capital social necessário para a viagem até o local de destino, instalação, regularização migratória e inserção laboral inicial. O trabalho de campo que realizamos com os membros da Igreja JC numa cidade média no interior de São Paulo, bem como com os migrantes acolhidos por ela, demonstram que a ação voluntária e coordenada da comunidade de fiéis foi fundamental no processo de mobilizar recursos (humanos e econômicos) e estabelecer redes para a incorporação primária dos venezuelanos recém-chegados.

A pesquisa de campo demonstrou que a participação na comunidade mórmon ofereceu para os migrantes venezuelanos capital social para inserção inicial no mercado de trabalho. A doutrina da Igreja, por meio do preceito da “autossuficiência”, incentiva nos migrantes adesão à racionalidade neoliberal, que preza pela prosperidade material através da lógica empreendedora que maquia a precarização do trabalho à qual os migrantes são sujeitos em função de limitações linguísticas e de ausência de diplomas reconhecidos. Dessa maneira, sendo fundamental na manutenção material inicial dos recém-chegados (a comunidade da Igreja oferece uma casa mobiliada e alimentação por, pelo menos, três primeiros meses) e na inserção inicial no mercado de trabalho, a comunidade religiosa não se engaja na capacitação profissional ou na defesa do valor do trabalho compatível com a sua qualificação. Na visão da Igreja JC, o indivíduo é o único responsável pelo seu sucesso material e espiritual; sendo assim, o envolvimento da Igreja não deve exceder apoios formais e espirituais para que o membro construa a sua prosperidade com esforço próprio.

A presente pesquisa conclui que a atuação da Igreja e da comunidade de fiéis na recepção de migrantes venezuelanos contribuiu positivamente na incorporação inicial dos recém-chegados no contexto de ausência de política nacional e de infraestrutura pública de recepção de migrantes no Brasil. Porém, essa atuação é exclusiva aos membros da própria Igreja e segue os dogmas religiosos. De forma geral, as igrejas podem ser agentes efetivos da incorporação inicial dos recém-chegados porque proporcionam o capital social necessário à incorporação laboral e geração de renda. No entanto, a sua ação precisa ser coordenada e bem articulada com as políticas públicas mais amplas amparadas nos princípios de universalidade, laicidade, transparência e dignidade das pessoas migrantes.

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  • Entrevista com Carlos, interior de São Paulo, dezembro de 2021.
  • Entrevista com Helena, interior de São Paulo, dezembro de 2021.
  • Entrevista com Heitor, empresário, interior de São Paulo, fevereiro de 2022.
  • Entrevista com Helena, 42 anos, interior de São Paulo, dezembro de 2021.
  • Entrevista com João, liderança local da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019.
  • Entrevista com Lucas, liderança da IJC, interior de São Paulo, novembro de 2019.
  • Entrevista com Matheus, liderança da IJC, Boa Vista, fevereiro de 2022.
  • Entrevista com Pedro, interior de São Paulo, novembro de 2021.
  • 1
    A igreja é popularmente conhecida como “Igreja Mórmon”, em referência ao Livro de Mórmon, uma das quatro escrituras doutrinárias da denominação. Os nossos interlocutores da Igreja apontaram que esse nome é pejorativo e deve ser evitado. Diante disso, optamos por usar no presente texto a sigla IJC (Igreja de Jesus Cristo) ou Igreja JC para nos referir à instituição religiosa. Usamos o adjetivo “mórmon” para caracterizar a cultura e os valores da comunidade de fiéis.
  • 2
    O relatório do Subcomitê Federal para interiorização dos imigrantes (janeiro de 2020) estima que em 2019 a sociedade civil interiorizou cerca de 2.500 migrantes. Em maio de 2019, os representantes da IJC informaram aos jornalistas do portal de notícias G1 de Roraima (Costa 2019COSTA, Emily (2019), “Bilionário se muda para RR e ajuda venezuelanos que chegam ao Brasil: ‘Todo dia é uma lição’”. Portal G1 RR, 22/05/2019. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/05/22/bilionario-se-muda-para-rr-e-ajuda-venezuelanos-que-chegam-ao-brasil-todo-dia-e-uma-licao.ghtml . Acesso em: setembro de 2022.
    https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/...
    ) que interiorizaram cerca de 25% do total de 10 mil pessoas. Esse número corresponde aos dados oficiais no relatório, o que nos faz crer que sejam verídicos.
  • 3
    O mapa das capelas e templos pode ser consultado em https://www.churchofjesuschrist.org/maps/meetinghouses/@-17.095576,-54.935005,4≪=-13.11158,-40.209961&z=4&m=google.road. Acesso em: 7 de outubro de 2022.The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints. Maps. Disponível em https://www.churchofjesuschrist.org/maps/meetinghouses/@-17.095576,-54.935005,4≪=-13.11158,-40.209961&z=4&m=google.road. Acesso em: 7 de outubro de 2022.
    https://www.churchofjesuschrist.org/maps...
  • 4
    https://newsroom.churchofjesuschrist.org/facts-and-statistics/country/brazil. Acesso em: 30 de maio de 2022.The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints. Facts and Statistics. Disponível em: Disponível em: https://newsroom.churchofjesuschrist.org/facts-and-statistics/country/brazil . Acesso em: 7 de outubro de 2022.
    https://newsroom.churchofjesuschrist.org...
    O número de fiéis anunciado pela Igreja difere drasticamente dos dados do Censo de 2010 que registrou 226.509 pessoas.
  • 5
    Optamos por omitir os nomes dos municípios investigados para não expor os nossos interlocutores de pesquisa, já que se trata de grupos numericamente restritos e que, portanto, poderiam ser identificados nas suas respectivas cidades. Assim, também, todos os nomes de entrevistados são fictícios, exceto o do Carlos Wizard Martins, empresário e missionário da Igreja cujo protagonismo na interiorização de venezuelanos foi amplamente divulgado na mídia. Embora a Igreja JC no Brasil tenha pouca visibilidade no país, a qual se deve inclusive à discrição de seus membros e ao controle do contato com os não membros, exercido pelas estacas locais; em geral, as lideranças relatam com satisfação as ações humanitárias realizadas pela Igreja com os migrantes venezuelanos. Em vários momentos, as pesquisadoras foram recebidas pelos líderes da Igreja nas dependências das capelas, bem como foram convidadas a conhecer os cultos e outras reuniões da comunidade.
  • 6
    Fatos posteriores corroboram com essa afirmação. O general da reserva Eduardo Pazuello, por exemplo, de coordenador operacional da Operação Acolhida (fevereiro de 2018 a janeiro de 2020) se tornou Ministro da Saúde (2020-2021) e, nas eleições de 2022, se elegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em junho de 2020, como ministro da Saúde, Pazuello convidou Carlos Wizard a assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. O empresário recusou o convite.
  • 7
    Missionários de tempo integral são membros da Igreja designados pelo “chamado” para se dedicar integralmente ao trabalho de pregar o Evangelho nas ruas, considerado como um dever de sacerdócio. Muitas vezes, os missionários recebem chamados para viajar para outras cidades ou países para realizar o seu serviço missionário.
  • 8
    Ver, por exemplo, a plataforma “Refugiados empreendedores” do ACNUR. Disponível em: https://www.refugiadosempreendedores.com.br/. Acesso em: 7 de outubro de 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jun-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Aceito
    07 Jul 2023
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