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“Hoje eu orei, Ele é negro”: a gêneses do movimento negro evangélico no Brasil1 1 Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2012/12372-7.

“Today I prayed, He is black”: the genesis of the Evangelical Black Movement in Brazil

Resumos

Resumo: Neste texto procuro descrever, de modo sintético, o processo de configuração do Movimento Negro Evangélico (MNE) no contexto brasileiro e o modo como os símbolos da herança africana no Brasil são acionados nas ações desses grupos. Com base em análise documental, entrevistas e pesquisa de campo, argumenta-se que a) é possível traçar algumas linhas gerais que balizam as ações do MNE - dentre elas o combate ao racismo; b) há uma rejeição das religiões afro-brasileiras como sendo o único lócus da “cultura negra no Brasil” sem, no entanto, difundir práticas discriminatórias; c) opera-se uma radicalização do movimento de “africanização” iniciado por alguns pais e mães de santo, a ponto de também o cristianismo ser considerado uma “religião de matriz africana”.

Palavras-chaves:
movimento negro evangélico; racismo; identidade


Abstract: In this text I try to describe, in a synthetic way, the process of configuration of the Evangelical Black Movement (MNE) in the Brazilian context and the way the symbols of African heritage in Brazil are triggered in the actions of these groups. Based on documental analysis, interviews and field work, it is argued that a) it is possible to draw some general lines that guide the actions of the MNE - among them the fight against racism; b) there is a rejection of Afro-Brazilian religions as being the only locus of "black culture in Brazil" without, however, spreading discriminatory practices; c) there is a radicalization of the movement of "Africanization" initiated by some fathers and mothers of saint, to the point that Christianity is also considered a "religion of African matrix".

Keywords:
evangelical black movement; racism; identity


Introdução

Reconstruir a história do Movimento Negro Evangélico Brasileiro (MNE) é uma tarefa complexa, sobretudo porque esse é um processo ainda em andamento, com suas fronteiras borradas. Essa dificuldade parece ser maximizada na medida em que olhamos com maior vagar para o interior do próprio campo religioso cristão não católico, nomeado genericamente neste texto como “evangélicos”.2 2 Devido à dificuldade em classificar os cristãos não católicos, decorrente da pluralidade e amplitude desse grupo religioso, tomaremos a categoria “evangélicos” utilizada pelo IBGE como termo genérico para identificar as várias igrejas. Nos casos específicos, apontaremos os subgrupos, cruzando as categorias do IBGE com a classificação proposto por Mariano (1999): “evangélicas de missão ou históricas” (as igrejas frutos da Reforma); “pentecostais” (pentecostalismo clássico, implementadas no Brasil no início do século XX), “neopentecostais” (sobretudo as igrejas fundadas a partir da década de 1970) ou o nome próprio das denominações religiosas). As aspas ficam subentendidas. Entretanto, é possível observar uma espécie de fio de Ariadne3 3 De acordo com a mitologia grega, Ariadne era a princesa de Creta, que, com um fio de ouro, auxiliou o herói Teseu a sair do labirinto do Minotauro. Conf. Pilar Corredoira, 2007. que conduz seus agentes no desenvolvimento de suas ações.

Pode-se falar em Movimento Negro Evangélico (MNE), por um lado, na medida em que se tem como referencial um conjunto de ações produzidas por grupos consolidados ou em construção, cujos agentes são pessoas que se autoclassificam como “evangélicas” e negras (pretas ou pardas, de acordo com a nomenclatura adotada pelo IBGE). Por outro, deve-se considerar que, em geral, os destinatários dessas atividades são também pessoas negras que participam de alguma igreja classificada como “evangélica”.

O combate ao racismo no interior das igrejas, em particular, e na sociedade, em geral, pode ser tomado como o elemento central a partir do qual se organizam as diversas iniciativas com temática racial empreendidas por esses grupos. Tais iniciativas têm em comum o fato de serem organizadas com base em certa orientação teológica-pastoral de inspiração protestante. Isso significa que, mais do que tratar de um grupo específico, para compreender o MNE, é preciso, antes de tudo, mapear as diversas atividades presentes nas várias igrejas para, em seguida, proceder a análise de suas estruturas.

Neste texto será apresentado de maneira panorâmica uma historiografia do MNE, a partir da atuação de alguns de seus agentes paradigmáticos. Discute-se também o modo como os símbolos da herança africana no Brasil são acionados nas ações desses grupos. Os dados que seguem foram recolhidos durante a pesquisa de campo,4 4 A observação empírica foi realizada durante a pesquisa de doutorado (entre 2012-2016), alguns dados foram atualizados em 2018. que privilegiou a produção escrita dos agentes evangélicos, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negras e negros evangélicos) além de conversas informais.

É importante ressaltar que, embora a participação das mulheres seja fundamental para a consecução do MNE, pastores e lideranças masculinas ganham proeminência na narrativa pública sobre a gênese do movimento. Em parte, esse fenômeno é justificado por alguns interlocutores5 5 Durante a pesquisa de campo, a minha interlocução formal deu-se apenas com homens. O acesso à produção escrita também era majoritariamente feito por eles. Essa limitação pode estar associada também aos lugares que são facultados ao antropólogo em campo. Por outro lado, as mulheres têm forte atuação na produção acadêmica (artigos, dissertações e teses). pelo fato de que o sacerdócio no âmbito das igrejas cristãs (católicas e aquelas originárias da Reforma) é exercido quase que exclusivamente por homens, posição controversa entre os agentes. Atém mesmo entre as lideranças, o lugar que o sujeito ocupa na hierarquia religiosa impacta na atuação, como se verá mais adiante.

Partindo do princípio de que os discursos não constituem um campo separado das práticas sociais que produzem as identidades com base em sinais diacríticos da identificação étnica-racial seletivamente construídos, os grupos étnicos são “vistos como formas de organização de novas e adaptadas identidades ao “aqui e agora’” (Cunha 2009aCUNHA, Manuela Carneiro da. (2009a), “Religião, comércio e etnicidade: uma interpretação preliminar do catolicismo brasileiro em Lagos no século XIX”. In: M. Carneiro da Cunha. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify.:226). Entende-se que o campo religioso brasileiro, nas últimas décadas, tem sido um poderoso “aqui e agora” a impelir as religiões a também se posicionarem frente à diversidade étnico-cultural de seus fiéis.

Ao descrever os processos discursivos (Asad 2003ASAD, Talal. (2003), Formations of the Secular: Christianity, Islam, modernity. Standford: Standford University Press.) que orientam as práticas desses sujeitos, pretende-se verificar como são produzidos os conceitos em disputa (“identidade negra”, “cultura negra”, “negritude”, “herança africana”, “pan-africanismo”, “afrocentrismo” etc.), os quais põem segmentos religiosos distintos em diálogo na esfera pública. Com isso, não se imputa às categorias investigadas significados a priori - pelo contrário, queremos compreender seu processo de elaboração.

O conjunto de categorias operacionalizada pelos agentes é tomada como “nativo”, cujo significado não está apartado dos contextos e dos sujeitos que o empregam. Desse modo, importa saber como os consensos são estabelecidos por meio de discursos e como práticas ganham significados na esfera pública, põe atores em relação e promovem a efetivação de direitos. O recurso das aspas nos ajudará a colocar em suspeição esses termos, tal como fez a Manuela Carneiro da Cunha (2009bCUNHA, Manuela Carneiro da. (2009b), “‘Cultura’ e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos intelectuais”. In: M. Carneiro da Cunha. Cultura com aspas e outros ensaios . São Paulo: Cosac Naify .:373) ao tratar da noção de cultura e “cultura”.

Ganha relevo, neste debate, os deslocamentos de sentidos que são operados pelos agentes nas categorias de classificação “etnia” e “raça”, com base em certa noção de “cultura”. Isto é, como se verá mais adiante, a noção de raça acionada por alguns agentes em certos momentos parece apontar para o sentido de grupo étnico tal como fora definido por Fredrik Barth (1969BARTH, Fredrek. (1969), Ethnic groups and boundaires: the social organisation of culture difference. Gergen/Oslo: Universitetsforlaget; London: Geroge Allen & Unwin.).

Entre os anos 1970 e 1980, observa-se a gênese de duas posturas distintas frente às heranças culturais africanas no Brasil: combate e certa indiferença. Ou seja, por um lado, igrejas evangélicas neopentecostais assumem como elemento central da sua ação proselitistas a demonização das divindades, elementos e valores das religiões afro-brasileiras, inclusive daqueles presentes nos ícones da “identidade nacional”, como a capoeira, o carnaval, o samba etc. (Mariano 1999MARIANO, Ricardo. (1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola.; Silva 2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Entre a gira de fé e Jesus de Nazaré: relações socioestruturais entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileira”. In.: V. G. Silva (org.). Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EdUSP.). Por outro lado, no âmbito das igrejas protestantes históricas emergem alguns coletivos de evangélicos negros que assumem um discurso de salvação que leva em consideração o pertencimento étnico-racial de seus fiéis sem, no entanto, ressaltar o que fora tradicionalmente evidenciado como “símbolos da cultura negra” (Burdick 2004BURDICK, John. (2004), “The Catholic Afro Mass and the Dance of Eurocentrism in Brazil”. In: H. Goldschmidt; E. Mcalister (ed.). Race, Nation and Religion in the Americas. Oxford: Oxford University Press, : 111-130.).

Esse quadro desenhado no campo “evangélico” opõe-se ao contexto católico, pois, desde os anos de 1970, lideranças (formadas por leigas e leigos, padres e bispos) empreendem uma série de ações pastorais dentro e fora da igreja, em prol da população negra assumindo e ressignificando elementos culturais de origem africana. Tais atividades voltam-se para dentro da igreja, como a proposição de “liturgias inculturadas” (Oliveira 2016OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. (2016), Orixás: a manifestação cultural de deus - um estudo das liturgias católicas inculturadas. Rio de Janeiro: Mar de Ideias.), e para fora, associando-se a outros coletivos do movimento negro (Oliveira 2017).

Neste texto, parte-se do pressuposto de que, atualmente, há um descentramento da identidade, isto é, o indivíduo não pode mais ser identificado com base em dados apriorísticos ou essencializantes. É por força da globalização que as identidades centradas e “fechadas” são deslocadas e pluralizadas. Dessa forma, a construção da identidade via interação com o grupo de origem não resulta em apenas uma definição, mas “produz uma variedade de possibilidades e novas posições de identidades... [tornando] as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixa, unificadas ou trans-históricas” (Hall 2003HALL, Stuart. (2003), “Que negro é esse na cultura negras?”. In: S. Hall. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG.:87).

Nesse contexto, considerando que no jogo das identidades os sujeitos estão “constantemente em negociação, não com um único conjunto de oposições que nos situe sempre na mesma relação com os outros, mas com uma série de posições diferentes” (Hall 2009HALL, Stuart. (2009), A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.:328), a constituição do Movimento Negro Evangélico participa dessa disputa pela autoridade em legitimar a “identidade negra” com base em seus pressupostos doutrinários. Dessa forma, os agentes religiosos buscam autoridade para enunciar um discurso tanto na esfera pública, acerca das políticas étnico-raciais, quanto no exercício do proselitismo, uma vez que seriam as religiões também articuladoras na construção da “negritude”.

O método de coleta de dados adotado abrangeu três níveis complementares: documental, observação participante (em campo) e entrevista e/ou coleta de depoimentos dos agentes observados. A pesquisa de campo privilegiou a produção escrita de lideranças religiosas, a participação em curso de formação sobre a presença do negro na igreja, entrevistas e depoimentos colhidos por meio de sites de relacionamento (especificamente o Afrokut, que reúne exclusivamente negros e negros evangélicos) e o acesso aos registros (entrevistas, reportagens etc.) das atividades feitas pelos próprios religiosos e divulgadas na mídia.

Este texto está dividido em duas partes: na primeira, apresenta-se o processo de configuração do MNE e, na segunda, discute-se como os símbolos da “herança africana no Brasil” são acionados por esses agentes, na conformação de suas ações pastorais.

Negros evangélicos em movimento

Reconstituir a trajetória do Movimento Negro Evangélico (MNE) implica, em alguma medida, retraçar a trajetória de seus agentes paradigmáticos e de algumas instituições, uma vez que o MNE funciona como uma rede que interconecta os atores, instituições e ações. Assim, partindo aleatoriamente de um de seus elementos, tentaremos evidenciar os nós de significado que a compõe.

Hernani Francisco da Silva, paraibano de família católica, converteu-se à Igreja Congregacional6 6 A maioria absoluta dos agentes do MNE encontram do escopo das igrejas Evangélicas de Missão (de acordo com a classificação utilizada pelo IBGE). Hernani Silva destaca-se como o único pentecostal a ter uma participação paradigmática nesse processo. aos 15 anos. Dois anos mais tarde, tornou-se membro da Igreja Evangélica O Brasil para Cristo (de vertente pentecostal).

Segundo entrevista concedida ao programa Análise Direta, da rede RIT - Rede Internacional de Televisão, no dia 9 de dezembro de 2009, sua “segunda conversão” foi “despertar sua negritude”, a qual ocorreu durante a marcha nacional em comemoração ao centenário da abolição legal da escravidão no Brasil, realizada no dia 13 de maio de 1988. Embora tenha se deparado com ela de maneira ocasional, foi a partir desse momento que se sentiu impelido a desenvolver um trabalho voltado ao combate ao racismo no interior do campo religioso evangélico. A sua experiência como fellow na Ashoka,7 7 “A Ashoka é uma organização mundial, sem fins lucrativos, pioneira no campo da inovação social, trabalho e apoio aos Empreendedores Sociais - pessoas com ideias criativas e inovadoras capazes de provocar transformações com amplo impacto social. Criada em 1980 pelo norte-americano Bill Drayton, a Ashoka cunhou o termo Empreendedorismo Social e o caracterizou como campo de trabalho. Seus primeiros focos de atuação foram Índia e Brasil e hoje está presente em mais de 85 países. Todos os Empreendedores Sociais da Ashoka são eleitos por um processo de busca e seleção com etapas nacionais e internacionais. As lideranças agraciadas com bolsas de formação são nomeadas como fellow.” Disponível em: http://brasil.ashoka.org/quem-somos. Acesso em: 18/01/2022. o capacita para atuar como empreendedor social sobretudo no campo dos direitos humanos, tendo como público preferencial os negros.

Em 23 de janeiro de 1991, com o auxílio de outras pessoas, fundou a Sociedade Cultural Missões Quilombo, cujo objetivo principal é “modificar a visão que as igrejas evangélicas têm da cultura negra” (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:45). Embora esteja localizada no âmbito de uma igreja pentecostal (O Brasil para Cristo), tem integrantes de outras denominações e tem desenvolvido ações que extrapolam por vezes o campo evangélico; por exemplo, em parceria com o antropólogo norte-americano John Burdick, Hernani tem realizado um mapeamento das iniciativas desenvolvidas por evangélicos no combate ao racismo e discriminação.

Uma marca importante no MNE, assim como da Pastoral Afro-brasileira, entre os católicos (Oliveira 2017OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. (2017), A cor da fé: “identidade negra” e religião. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo; Paris: Ecole de Hautes Etudes En Sciences Sociales. ) é a sua proximidade com os estudos teológicos e das ciências humanas. Isto é, a organização da atuação política é mediada pela investigação científica. Assim, não é raro notar a articulação de integrantes dos grupos do MNU com instituições de pesquisa, sobretudo as confessionais.

A aproximação de Hernani Silva com John Burdick é paradigmática nesse sentido. Uma vez que o antropólogo realizou um conjunto de pesquisas no Brasil interseccionalizando religião e raça, e, ao comparar as “missas inculturadas” católicas com a liturgia das igrejas negras estadunidenses, defende a possibilidade da elevação da autoestima da pessoa negra por meio das práticas religiosas de origem pentecostal sem, no entanto, acionar os símbolos culturais africanos (Burdick 2004).

De fato, a militância desenvolvida por Hernani Silva revela uma tentativa de regaste da presença negra nas raízes do cristianismo, ao mesmo tempo em que denuncia o que considera uma “teologia evangélica racista”,8 8 Entrevista concedida em 9 de dezembro de 2009. nesse sentido, várias são as ações que remetem à história do negro no Brasil de maneira geral, e especificamente, no protestantismo, tendo destaque a criação da rede de relacionamentos virtual Afrokut.

Conforme fora apresentado anteriormente, a pluralidade denominacional do campo protestante dificulta o estabelecimento de organismos que concentrem todas as ações e agentes do Movimento Negro Evangélico, por um lado, e permite a atuação em vários contextos a partir das demandas locais, por outro. Assim, há várias iniciativas para reunir os militantes negros sem, no entanto, a perspectiva de formar um único coletivo que congregue todas as pessoas.

Uma dessas ações foi a realização do Fórum de Afrodescendentes Evangélicos criada na plataforma digital MSN (em 2002). Devido às limitações operacionais desse dispositivo de mensagens e com a popularização da rede social Orkut, algumas comunidades virtuais forma criadas. Destacam-se: a Negros Cristãos (que chegou a contar com mais de 5 mil membros, o Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos - CNNC, Negros Evangélicos, Negros sim! Somos cristãos, Movimento Negro Evangélico e Teologia Negra (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:15).

Têm em comum essas “comunidades virtuais” o fato de reunirem evangélicos de várias denominações, na tentativa de estabelecer um canal de comunicação entre os vários grupos, possibilitando a troca de informações em si e a articulação de ações em conjunto, ao mesmo tempo em que preserva a independência de cada um deles.

Segundo Hernani Silva, a marca principal do Movimento Negro Evangélico é a descentralização de suas ações, que segue a lógica de configuração do campo protestante que se apresenta de maneira fragmentária e plural, e dá também as especificidades de cada contexto eclesial. Pode-se ainda argumentar que um dos fatores que impedem a generalização das ações do MNE está atrelado às limitações financeiras e à forma desigual de como o poder é distribuído no interior das igrejas. Os dados etnográficos permitem afirmar que esses dois fatores são correlatos, mas não suficientes para explicar a forma de atuação desses agentes.

Em pesquisa publicada em 1985, Regina Novaes e Maria da Graça FlorianoNOVAES, Regina; FLORIANAO, Maria da Graça (1985), “O negro evangélico”. Comunicações do ISER, ano 4, ed. Especial, outubro. : 3-86. Disponível em: Disponível em: https://www.iser.org.br/wp-content/uploads/2020/07/o_negro_evangelico_compressed.pdf . Acesso em: 18/01/ 2022.
https://www.iser.org.br/wp-content/uploa...
apresentam um importante quadro de como o tema das relações raciais estava sendo incorporado em algumas igrejas protestantes de origem missionária9 9 Batista, Congregacional, Episcopal, Presbiteriana e Metodistas. localizadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Cabe destacar que, para além das características próprias do campo evangélico, que presam pela independência radical de suas igrejas, e os aspectos econômicos, não há consenso teológico e político sobre como incorporar o debate racial no interior das igrejas de modo que se estabeleça uma nova atuação pastoral.

Diferente da noção de classe (traduzida na teologia cristã como a relação entre “ricos” e “pobres”), que tem um lugar no debate eclesial, sobretudo a partir da década de 1970 com o desenvolvimento da Teologia da Missão Integral10 10 Assim como a Teologia da Libertação foi um marco na Igreja católica latino-americana, ao incorporar a luta de classes na atuação missionária, a Teologia da Missão Integral (TMI) é um movimento teológico e pastoral que teve origem em 1974 com o Pacto de Lausanne (Suíça) e propõe a inclusão do debate social na atuação missionária das igrejas protestantes. Conf. René Padilla (2014). em algumas igrejas protestantes, a distinção dos fiéis por meio da noção de “raça” encontra resistências.

Com a descontinuidade do Orkut, muitos grupos migraram para outras plataformas virtuais como o Facebook, YouTube, Twitter, Wiki etc. E no contexto desse movimento de apropriação das redes sociais, Hernani Silva cria o Afrokut em 2008, como uma extensão virtual da Sociedade Cultural Missão Quilombo.

A trajetória da Sociedade Cultural Missão Quilombo está entrelaçada com a da militância de seu fundador Hernani Silva. Fundada em 2001, ela se inscreve na cena pública como uma organização não governamental (ONG) que procura dar visibilidade ao ativismo antirracista baseado em princípios bíblico-teológicos, os mesmo que orientam a atuação desses atores no campo dos direitos humanos.

O Afrokut não é apenas um espaço para reunir evangélicos negros e instituições, mas se inscreve como uma rede de relacionamento que possibilita o intercâmbio entre seus membros, a criação de subcomunidades de acordo com interesses convergentes (inclusive a plataforma permite criar fóruns de discussões, blogs e lojas virtuais), além de possibilitar a realização de cursos, palestras e reuniões on-line. Também funciona como um portal de divulgação das atividades do MNE no Brasil, informações sobre teologia, espiritualidade e cultura negra.

Por sua atuação à frente da Sociedade Cultural Missões Quilombos e do Afrokut, Hernani Silva foi agraciado com o prêmio Direitos Humanos, outorgado pelo Governo Federal brasileiro (em 2000). Entretanto, conforme destacou o pastor Marco Davi de Oliveira,11 11 Entrevista concedida em São Paulo, 1 de janeiro de 2016. o reconhecimento de seu trabalho na articulação dos evangélicos negros nem sempre encontra respaldo na hierarquia eclesiástica, haja vista ele não ser sacerdote, portanto, as alianças estabelecidas com pastores e bispos, intelectuais e agentes de outras denominações são fundamentais para um maior desenvolvimento de suas ações no interior das igrejas.

Em 2011, Hernani Silva, publica o livro O movimento Negro Evangélico - um mover do Espírito Santo (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.), com o objetivo de retraçar a história desse movimento e da presença de lideranças negras nas igrejas “evangélicas”. Esse exercício não é inédito no processo de valorização da população negra, sobretudo, porque se cristalizou a ideia de que a “história oficial” da presença protestante no Brasil invisibilizou esses atores.

Tal como destaca Lucilene Reginaldo (1995REGINALDO, Lucilene. A. (1995). História que não foi contada: identidade negra e experiência religiosa na prática do grupo de união e consciência negra (1978-1988). São Paulo: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, PUC.) no contexto católico, apresentar a “história que não foi contada” é um dispositivo importante dos movimentos sociais, pois o processo de correção das historiografias oficiais procura validar outras narrativas sobre os grupos subalternizados com base em seus pontos de vistas e desvelando os estereótipos negativos que foram estabelecidos sobre si.

Esse processo pode ser lido menos como uma espécie de “reinvenção das tradições” e mais como uma efetivação dos usos políticos da história, uma vez que “a história sempre tem produzido visões de mundo que comportam indissociavelmente um elemento político, cujo uso, consciente ou inconsciente era, de todo modo, inevitável” (Levi 2001LEVI, Giovanni. (2001), “Le passé lointain - sur l’usage politique de l’histoire”. In: F. Hartog; J. Revel (ed.). Les Usages politiques du passé. Paris: Éditions de l’EHESS :26-37.:26. Tradução minha).12 12 “L’histoire a toujours produit des visions du monde qui comportaient, indissociablement, um élément politique dont l’usage, conscient ou inconscient, était de toute façon inévitable.” (Levi 2001:26) Nesse sentido, os usos políticos da história não são uma ação exclusiva de minorias no embate por reconhecimento de direitos, mas compõe a dinâmica de produção dos discursos oficiais sobre os grupos.

Pensar essas narrativas articuladas pelas lideranças religiosas (em diálogo com o poder público e especialistas) que “(re)contam” o processo da constituição do negro na sociedade brasileira, em termos de regimes de historicidade, parece-nos uma estratégia interessante para fugirmos da acusação nem sempre velada de que esses sujeitos manipulam - no sentido depreciativo do termo - os “fatos históricos” com vistas à obtenção de vantagens políticas travestidas de diretos.

Há também uma tentativa de reescrita da presença evangélica no Brasil. Por exemplo, enquanto a história oficial considera o início do protestantismo no país, no ano de 1858, com a fundação da Igreja Fluminense pelo reverendo Roberto Kalley; em O movimento negro evangélico, a gênesis está no ano de 1841, quando o pregador negro Agostinho José Pereira funda a Igreja do Divino Mestre. Apelidado de “Lutero Negro”, o fim desse pregador e sua igreja é desconhecido, conta-se, porém, que ele teria sido preso e deportado (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:9). Mas, se o recuo histórico for maior, Hernani Silva aponta que a primeira Pastoral Negra Protestante no Brasil nasce das pregações de “Mãe Maria”, uma africana nagô, nascida na África por volta de 1825, e adquirida como escrava pelo pastor Voges, em 1846. Fora alfabetizada e aprendeu alemão com a senhora Elisabetha, sua proprietária.

Assim, no rol das lideranças negras brasileiras, figuram membros de igrejas protestantes: João Candido (Igreja Metodista de São João de Meriti, liderou a revolta da chibata, no Rio de Janeiro, em 1910); Joao Pedro Teixeira13 13 A biografia de João Pedro Teixeira foi recontada no documentário Cabra Marcado pra Morrer, de Eduardo Coutinho (1984). (Igreja Evangélica Presbiteriana, fundou a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba); Solano Trindade (poeta, foi diácono na Igreja Presbiteriana), o qual decepcionado com o distanciamento do protestantismo com as questões sociais, incluindo a discriminação contra os negros, deixou a igreja, justificando sua saída com um versículo da própria Bíblia “Se não amas a teu irmão, a quem vês, como podes amar a Deus, a quem não vês?” (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:12).

Na segunda parte do livro, Hernani Silva volta-se não mais para personalidades específicas, mas iniciativas coletivas. No capítulo “O Movimento Negro Evangélico Contemporâneo” considera os anos 1970 e 1980 paradigmáticos, pois é nesse momento que vem à luz diversas iniciativas institucionais e muitos “despertam” para sua negritude. Lembrando que o próprio autor localiza sua “reconversão” em 1988.

Nesse aspecto organizacional, no caso do MNU, nota-se uma circulação maior de homens em relação às mulheres. Entre os católicos, é possível verificar mulheres em posições de liderança, inclusive há grupos formados exclusivamente por mulheres,14 14 No âmbito da Pastoral Afro-brasileira existe o Grupo de Mulheres Negras e o Grupo de Educadoras Negras. Também no rito da “missa afro”, as mulheres têm papel central enquanto representantes das matriarcas (Oliveira 2016). entretanto, mesmo nesse contexto, cabe aos padres e bispos exercerem a autoridade máxima enquanto assessores eclesiásticos (Oliveira 2017OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. (2017), A cor da fé: “identidade negra” e religião. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo; Paris: Ecole de Hautes Etudes En Sciences Sociales. ). A hipótese aqui levantada, e que precisa ser investigada em outro momento, parte do suposto de que uma vez que em muitas igrejas cristãs o sacerdócio é restrito aos homens, resta às mulheres uma atuação com menor visibilidade, embora fundamental para a manutenção dos grupos.

Assim como ocorreu com o Movimento Negro Católico e com os religiosos afro-brasileiros, o período de redemocratização do Brasil impulsionou vários grupos sociais a se reorganizarem para desenvolverem ações de combate às injustiças sofridas. De forma paradigmática, tem-se, em 1978, a fundação do Movimento Negro Unificado, o qual, como o próprio nome indica, reuniu as principais pautas da população negra e tencionou, na esfera públicas, o debate racial e a necessidade do estabelecimento de ações de promoção de justiça social (Munanga 2004MUNANGA, Kabengele. (2004), “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: A. A. P. Brandão. Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira. Cadernos PENESB nº 5: 16-34. Niterói: EdUFF.).

Alguns evangélicos não ficam alheios a esse contexto político-social. Dentre as várias iniciativas, podem-se destacar as ações da Igreja Metodista, que foi a primeira a oficializar, em 1985, uma Comissão Nacional de Combate ao Racismo, criada anos antes (1973) por iniciativa de fiéis oriundos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul (Branchini 2011BRANCHINI, Diná da Silva; KRONBAUER, Selenir C. Gonçalves. (2011), Encontros afro cristãos: histórico e memórias. São Leopoldo, vol. 16, nº 1, jan.-jun.:20). O reconhecimento oficial dessa comissão só ocorreu 12 anos após a sua criação, pois se temia que esse tipo de discussão provocasse um cisma na Igreja (Faustino 2014FAUSTINO, Oswaldo. (2014), “Eu tenho fé... e raça também!”. Raça brasil, ano XVII, ed. 187: 23-27.).

Foi sob a gestão do reverendo Antonio Olímpio Sant’Ana, na Secretaria de Ação Social da Igreja Metodista, que houve essa oficialização, a qual passou a ser chamada de Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, cujo objetivo era “identificar linguagem racista na hinologia e na própria literatura produzida pela igreja e capacitar lideranças para atuarem nas diversas regiões eclesiásticas”.15 15 Perfil da página das Pastorais de Combate ao Racismo da Igreja Metodista na Rede Afrokut. Disponível em: http://afrokut.com.br/group/pastoraisdecombateaoracismodaigrejametodista Acesso em: 12/02/2016.

Natural de Rio Piracicaba (MG), o revendo Sant’Ana, em entrevista concedida à revista Raça Brasil (Faustino 2014FAUSTINO, Oswaldo. (2014), “Eu tenho fé... e raça também!”. Raça brasil, ano XVII, ed. 187: 23-27.), afirma que a “A religiosidade é a maneira de se chegar e vislumbrar o Ser Supremo. Minha religião é metodista, mas a minha espiritualidade é negra. Antes de ser metodista e cristão, sou negro”. Inspirado por esses princípios, o pastor integrou: o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) e do Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da América Latina (Ciemal), além de atuar em coletivos do movimento negro secular, como Conselho do Olodum.

Também sob a atuação do reverendo Sant’Anta, foi criada a Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (CenacoraCENACORA. Cenacora. Disponível em: Disponível em: http://www.cenacora.org.br/o-lutero-negro.php . Acesso em: 17/01/2022.
http://www.cenacora.org.br/o-lutero-negr...
) atrelada ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic)16 16 O Conic congrega as igrejas: Católica Romana, Católica Ortodoxa Síria, Episcopal Anglicana no Brasil, Evangélica de Confissão Luterana, Presbiteriana Independente; e as organizações, como a Sociedade Cultural Missões Quilombo de cunho pentecostal e o Movimento Martin Luther King de Ação e Reflexão com o objetivo de ser mais um braço do movimento negro evangélico, no combate ao racismo e à discriminação.

A Cenacora foi coordenada por Diná da Silva Branchini, também metodista e coordenadora do Ministério de Ações Afirmativas Afrodescendentes da Igreja Metodista do Brasil para a 3ª Região, que inclui a Grande São Paulo e parte do interior do estado, e do Fórum de Mulheres Negras Cristãs (de 2000 a 2004).

Paulista de Piquete, Diná afirma que:

Me descobri negra lá pelos 40 anos. Terceira geração de uma família metodista, sou filha de um pastor que atuou em várias cidades, como Sorocaba, onde há uma comunidade quilombola. Mas jamais refletíamos sobre esse assunto. Ao contrário, tanto em casa quanto na igreja, tudo o que se referia aos negros e à sua cultura não prestava. [...]Eu achava que era tratada igual aos demais, mas nas brigas “virava” negrinha. [...] Numa festa da Consciência Negra próxima a Volta Redonda, me convidaram a desfilar com roupas afro e eu aceitei. Fiquei parecida com uma mãe de santo. Achei ótimo. Foi meu autorreconhecimento. (Faustino 2014FAUSTINO, Oswaldo. (2014), “Eu tenho fé... e raça também!”. Raça brasil, ano XVII, ed. 187: 23-27.)

A partir dessa experiência, levou a reflexão para o interior da sua comunidade religiosa. Formada em musicologia, passou a incorporar nos cultos da igreja instrumentos musicais de origem africana. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, desenvolveu uma pesquisa sobre a percepção e participação dos negros metodistas na região metropolitana de São Paulo (Branchini 2008BRANCHINI, Diná da Silva. (2008), Religião e identidade: um estudo sobre negros metodista da região metropolitana de São Paulo. São Bernardo do Campo: Dissertação de mestrado. Universidade Metodista de São Paulo. Disponível em: Disponível em: http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/478 . Acesso em: 17/01/2022.
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).

A relação entre militância e produção acadêmica não está dissociada, em nenhum momento, no contexto cristão. Uma vez que o debate sobre questões raciais nas igrejas deve ser travado, sobretudo, no campo teológico, as produções acadêmicas ganham relevo, principalmente no âmbito das Ciências da Religião, partir dos anos 1990.

Assim como reverendo Olímpio Sant’Ana, Diná Branchini acredita que, por meio da cultura, é possível estabelecer uma relação mais profunda com a religião. Citando o fundador do metodismo, John Wesley, entende que “o religioso, o social e o cultural não se separam. Quanto mais conheço a nossa cultura, mais compreendo a minha fé” (Faustino 2014FAUSTINO, Oswaldo. (2014), “Eu tenho fé... e raça também!”. Raça brasil, ano XVII, ed. 187: 23-27.).

Conforme apontamos anteriormente, nas décadas de 1980 e 1990 é o momento de efervescência da militância negra no contexto religioso, o que permite o surgimento de um conjunto de iniciativas no campo evangélico. Algumas com pouca durabilidade, mas que, de certa forma, contribuíram para a configuração do Movimento Negro Evangélico, dentre as quais destacamos a Associação Evangélica Palmares (1987), o Grupo Evangélico Afro-brasileiro (1988), os Capoeiristas de Cristo (1988).

Nas décadas seguintes, aumentam exponencialmente o número de grupos, em vários níveis (local, estadual, regional e nacional), à guisa de exemplo, podemos citar: Negros Evangélicos de Londrina, Grupo de Herança Africana (pastor metodista Rolf de Souza, RJ). Nos anos 2000 surgem, no Nordeste, Grupo de Mulheres Negras Agá; Ministério Internacional de Afrodescendentes, Núcleo de Reflexão de Teologia Negra de Feira de Santana, o Conselho de Negras e Negros Cristãos (CNNC), Centro de Ética Social Martin Luther King Jr., Associação dos Negros e Negras Evangélicos da Camaçari (ANEC), Pastoral da Negritude da Igreja Batista do Pinheiro. No Sudeste: Simeão Niger, Comafro, Ministério Azusa, Ministério Regional de Ações Afirmativas para afrodescendentes 3ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista (AA-AFRO), Movimento Martin Luther King de Ação e Reflexão; Juventude da Pastoral de Combate ao Racismo Igreja Metodista - 1ª Região Eclesiástica. Assim como o a Pastoral da Negritude do CLAI (Conselho Latino-americano de Igrejas), e os inúmeros grupos criados nas redes sociais.

Para Hernani Silva:

O surgimento desses grupos e organizações já nos faz pensar em um Movimento Negro Evangélico se consolidando no Brasil. Atualmente esse movimento é uma das mais novas forças de combate ao racismo e de consciência negra no Brasil. Surge dentro do segmento evangélico brasileiro, onde grande parte demoniza a cultura e história negra e tem uma longa história de constrangimento e racismo. A missão do Movimento Negro Evangélico (MNE) é promover a reflexão e o debate bíblico/teológico e em uma perspectiva negra e combater toda forma de racismo. (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:16, grifo nosso)

A harmonia e a complementaridade desses grupos no interior do Movimento Negro Evangélico são postas à prova quando se observa de maneira mais detida o modo pelo qual cada um deles aciona os “símbolos da herança africana” no Brasil. De fato, mais do que os símbolos em si, é a própria noção de herança africana que é alvo de debate. Segundo Hernani Silva, há duas correntes ideológicas no MNE: o “pan-africanismo” ou “afrocentrismo” e “negritude cristã” centrada em certa noção de “brasilidade”.

Mesmo tendo em comum a perspectiva de que há uma origem africana no cristianismo, grosso modo, os defensores do pan-africanismo e do afrocentrismo entendem que há uma espécie de exclusivismo da “herança africana” e rejeitam a ideia de miscigenação. No limite, rejeitam a possibilidade de existência de um “movimento negro evangélico”, pois haveria apenas um “movimento negro” no Brasil. Ou seja, os grupos no MNE comporiam o próprio movimento negro. Essa postura foi apresentada e debatida pelo Conselho Nacional de Negras e Negros Cristão (CNNC), durante o 1º Encontro Nacional de Negras e Negros Evangélicos, ocorrido em Salvador, de 8 a 30 de abril de 2007. Foi durante esse evento que ocorreu o primeiro cisma no MNE.

Se a divisão institucional no MNE se oficializou em 2007, as divergências começaram a se apresentar no início dos anos 2000. Segundo Hernani Silva, era consenso entre a maioria dos evangélicos de que o movimento deveria adotar uma postura de combate ao racismo, a defesa da ideia de “brasilidade” (ou seja, da “integração entre negros e brancos” com vistas à promoção de uma “democracia racial” de fato) e de uma teologia negra, que não era nem afro-centrada nem euro-centrada.

Em 2002, durante o II Congresso Brasileiro de Evangelização, foi apresentado um manifesto sobre a situação racial nas igrejas protestantes brasileiras. A formulação de tal documento foi capitaneada pelo professor universitário e coordenador do Centro de Pesquisa Metodista, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), José Carlos Barbosa, que organizou um Fórum ecumênico, reunindo lideranças negras evangélicas e católicas.17 17 Dentre as denominações presentes, estavam as igrejas: Metodista, Batista, Anglicana, Brasil Para Cristo, Deus em Cristo e Católica Romana. Disponível em: http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html. Somou-se ao grupo representantes as organizações Simeão Niger, Associação Evangélica Palmares, Cenacora, Fórum de Mulheres Cristã Negras de São Paulo, Ministério Azusa, Missões Quilombo, Grupo de reflexão Martin Luther King e Visão Mundial.

É preciso destacar que o II Congresso Brasileiro de Evangelização não tinha como tema central o debate racial nas igrejas, e sim a atuação missionária das instituições protestantes no Brasil. Foi a partir da participação e articulação das lideranças de grupos do MNE (como Hernani Silva, Nilza Valéria e Marco Davi de Oliveira) que o tema foi apresentado e o manifesto divulgado.

Embora avalie que houve uma boa recepção por parte da assembleia dos pontos apresentados no manifesto, Marco Davi de Oliveira relembra18 18 Entrevista concedida em São Paulo, 1º de janeiro de 2016. que houve um misto de mal-estar e aprovação quando introduziu sua fala relembrando a relação entre protestantismo e negritude: “Hoje eu orei, Ele é negro”, teria dito ele, arrancando aplausos da plateia formada por mais de mil pessoas.

No ano seguinte, o debate racial no contexto das igrejas protestantes volta à cena no Fórum de Lideranças Negras Evangélicas, na Catedral da Igreja Presbiteriana Independente, em São Paulo.

As reflexões e articulações, que ocorreram tanto no interior dos grupos do MNE e nesses eventos interdenominacionais, apontaram, segundo algumas lideranças negras, para a necessidade da realização de um encontro nacional do MNE. Assim, inaugura-se o Conselho Nacional de Negras e Negros Cristão (CNNC), sob a coordenação de Walter de Oliveira Passos.

Coube ao CNNC a organização do 1º Encontro Nacional de Negras e Negros Evangélicos, conforme apontou-se anteriormente. Entretanto, em vez de aprofundar o debate teológico-pastoral referendando a perspectiva da diversidade racial e superação do racismo, o Conselho defende a proposição de uma igreja protestante afrocentrada tendo o pan-africanismo como referência.

Na história oficial da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil (Anneb), essa controvérsia é narrada nos termos:

Mais a linha do CNNC começou a sair do objetivo inicial do grupo, que sempre foi mobilizar a igreja e a sociedade brasileira com uma proposta da superação do racismo e o resgate da negritude. Não da afrocentricidade e pan-africanismo como queria o CNNC, as diferencias começaram a surgir, mais foi no encontro nacional que a postura do CNNC fez essa diferença se transformar em uma forte desmobilização do movimento. Além da visão centrada na África o CNNC não aceitava a denominação de Movimento Negro Evangélico, afirmando que pertencia ao Movimento Negro, ideia não aceita pelo grupo de São Paulo e Rio de Janeiro que não comungava da ideia de um Movimento Negro, mas acredita nas existências dos Movimentos Negros, e o Movimento Negro Evangélico como parte desses movimentos. Além dessas diferenças, surgiram também questões como a não aceitação de relações inter-raciais e o afrocentrismo do CNNC contraria a visão do grupo de igualdade de todos os povos e da brasilidade. O CNNC, acabou ficando só na Bahia.19 19 Página oficial da Anneb. Disponível em http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html

De fato, observando a composição das mesas e temas debatidos durante o 1º Encontro Nacional, percebe-se claramente a inclinação para um debate pan-africanista. As atividades foram organizadas em três formatos: “tema livre”, mesa redonda e oficinas. O tema do “pan-africanismo” norteou: um dentre os quatro “temas livres”, duas das três mesas e seis das dez oficinas. Ou seja, nove das 17 atividades tiveram como centro a reflexão de uma igreja protestante afrocentrada. Esse fato produziu descontentamento nos representantes dos grupos do MNE de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais, que, ao tencionarem, procuraram “resgatar a ideia inicial de uma organização, mobilizadora e articuladora que aglutinasse a militância das questões raciais e negritude nas igrejas evangélica.”20 20 Página oficial da Anneb. Disponível em http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html

Diante dessas divergências, sob a coordenação da pastora Laiza Francisco e dos pastores Marco Davi de Oliveira e João Carlos, é constituída a Anneb com a tarefa de congregar os vários grupos do MNE. Assim, embora permaneça atuante, a CNNC, parece não alcançar, frente às igrejas protestantes, a legitimidade necessária para ser considerada integrante do movimento negro evangélico.

Uma igreja evangélica negra contra o racismo

No processo de configuração do MNE, dois fatos se destacam: a tentativa de se criar uma “igreja evangélica negra” e o investimento em uma “teologia da negritude”, inclusive com a perspectiva de publicação de uma “Bíblia da negritude”.

Na perspectiva de fundar uma “igreja evangélica negra” no Brasil, seus articuladores assumem uma posição afrocentrada, no sentido da afirmação de uma identidade e uma teologia negra em contraposição às igrejas brancas brasileiras (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:45). O pastor historiador Walter de Oliveira Passos é um agente fundamental nesse processo. Além de ser um dos coordenadores do CNNC, como vimos, fundou, em 1992, a Igreja da Revelação Ancestral (IRA), que detinha um discurso de denúncia contra o racismo reverberando alguns princípios do movimento pan-africanista.

A IRA foi extinta ainda na década de 1990 e, em 2008, o pastor Walter Passos funda a Copatzion - Comunidade Pan-Africanista de Tzion, a qual:

Se espelha em uma tradição africana, numa reelaboração de fé dos ancestrais africanos, denunciando que o Cristianismo que aí está, seja católico ou protestante, omite a verdade histórica das primeiras comunidades africanas cristãs. “Yeshua nunca foi à Europa. Foi um homem africano com uma família africana e com mensagens de reconciliação, de libertação, paz para os africanos e seus descendentes”. (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.:36)

Se a Copatzion radicaliza ao propor que o cristianismo é também uma religião de “matriz africana”, sendo necessário retirar dela os elementos que a associaram ao contexto europeu, o pastor Rubens dos Santos percorre outro caminho, estabelecendo uma igreja que dialoga com a diáspora da população africana para a América.

De origem batista, Rubens dos Santos conhece, em 1982, a igreja Church of God in Christ, quando morava nos Estados Unidos.

A Church of God in Christ foi fundada em 1897 pelo bispo Charles Harris Manson (1866-1961), considerado uma das principais lideranças afro-religiosas estadunidense. De origem batista, Manson conhece o Reverendo William J. Seymour e entra em contato com o Reavivamento da Rua Azusa, berço do movimento pentecostal americano (Mariano, 1999MARIANO, Ricardo. (1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola.), em 1907.

A igreja fundada por Manson assume, por um lado, a experiência ritual pentecostal, e a defesa de uma igreja afrocentrada e de combate ao racismo, por outro. Antecipa, desse modo, as ações públicas do pastor Martin Luther King em favor dos direitos civis à população negra.

Paralelamente ao trabalho de capelania que vinha desenvolvendo há 17 anos em penitenciárias brasileiras, Rubens Santos inaugura a Comunidade Martin Luther King com objetivo de combater o racismo na igreja. E, após a experiência na Church of God in Christ, deixa a Igreja Batista e funda definitivamente a Igreja de Deus em Cristo no Brasil, em 1986. O projeto Azusa-Cogic, liderado pelo pastor Sérgio Melo, genro de Rubens Santos, é o órgão responsável pela continuidade das ações da Comunidade Martin Luther King.

A igreja fundada por Santos, apesar de ter uma forte atuação no combate ao racismo, não desenvolveu uma liturgia em que aspectos das heranças culturais africanas foram incorporadas no ritual. Perspectiva distinta tem o pastor batista Marco Davi de Oliveira, que, em 2014, inaugura o ministério Nossa Igreja Brasileira, no Rio de Janeiro, no bairro da Lapa, cuja ação litúrgica procura incorporar os “símbolos da negritude”, tais como: hinos percutidos em ritmo de samba, indumentária “seguindo a tradição africana” e o desenvolvimento de uma teologia voltada para o povo negro.

Antes desse projeto, Marco Davi atuou como dirigente em igrejas em São Paulo e, em 2012 organizou grupos de estudos e reflexão com jovens negros moradores da periferia da capital paulista, sobre a relação entre negritude e teologia cristã. Nomeado de Discipulado Justiça e Reconciliação, tinha um público restrito e se reunia regularmente para estudar tanto a Bíblia, em uma perspectiva “afrocentrada”, quanto a História do negro no Brasil e o modo pelo qual as relações raciais se configuram no contexto nacional.

A partir de 2020, as atividades do Discipulado se expandem, e os encontros que antes eram presenciais passam a ser realizados em formato remoto21 21 A adoção do formato remoto para as atividades deu-se em virtude da necessidade do distanciamento físico imposto pelas autoridades sanitárias, como forma de combater a disseminação do vírus da Covid-19, que causou uma pandemia no início de 2020. (via videoconferência), como um curso com temáticas definidas e aberto a qualquer pessoa interessada mediante inscrição prévia.

No prefácio do livro A religião mais negra do Brasil: por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? (2015), o pastor metodista Cláudio de Oliveira Ribeiro destaca a centralidade da figura Marco Davi de Oliveira no debate racial no interior das igrejas evangélicas não pentecostais. Segundo ele, tais igrejas “em geral, fazem suas opções pastorais e eclesiásticas pelas elites e apresentam grande dificuldade de criação de linguagem, estratégias missionárias e espaços litúrgicos que estejam em sintonia com a realidade de vida das pessoas negras” (Oliveira 2015:14).

E em 2016, Marco Davi de Oliveira publica A Bíblia e as cotas: reflexões pastorais sobre políticas de ações afirmativa, cujo objetivo é “trazer luz às mentes de cristãos ou não, e algumas bases oriundas da Bíblia sobre as políticas públicas que beneficiarão os que foram espoliados através de uma estrutura opressora” (Oliveira 2016aOLIVEIRA, Marco Davi. (2016a), A Bíblia e as cotas: reflexão pastorais sobre políticas de ações afirmativas. São Paulo: Reflexus.: 22).

A atuação de Marco Davi, portanto, dialoga com outra vertente adotada pelos negros evangélicos: a constituição de uma teologia negra ou que reflita a presença negra no cristianismo. Nesse intuito, um dos grandes expoentes é o Grupo de Negros da Escola Superior de Teologia (Grupo IdentidadeBOLETIM DO GRUPO DE NEGR@S DA EST/IECLB. (2004), Identidade! nº 5, jan. /jun. Disponível em: Disponível em: https://issuu.com/portaluteranos/docs/identidade_vol._05_janeiro-junho_2004 . Acesso em: 17/01/2022.
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), fundado e mantido por estudantes de teologia do Seminário Teológico Luterano do Rio Grande do Sul. O grupo edita uma revista teológica acadêmica com artigos não apenas de teólogos, mas também de pesquisadores de outras áreas que têm pensado essas questões (há, sobretudo, cientistas da religião, historiadores e sociólogos).

Ainda em formação, o MNE parece reproduzir a mesma dinâmica do campo religioso protestante, pulverizando as ações, grupos e atores, todavia, mantendo um ponto mínimo de convergência. Destaca-se que a maioria das iniciativas está no escopo das igrejas protestantes históricas (ou de missão, conforme a classificação do IBGE) e não nas pentecostais ou neopentecostais, as quais detêm a maior parcela dos fiéis evangélicos autodeclarados pretos e pardos. O aparente paradoxo reside no fato de que, embora haja uma presença maciça de negros pentecostais e neopentecostais, isso não é suficiente para impulsionar o desenvolvimento de ações efetivas de combate ao racismo (dentro e fora da igreja).

Os dados etnográficos coletados durante a pesquisa não permitem traçar um perfil dos grupos e dos agentes do MNE por dois motivos principais. O primeiro é que carecem informações oficiais sobre os próprios grupos (sua constituição, composição e atuação), sendo que muitos não são institucionalizados. O segundo fator deve-se à própria dinâmica do campo religioso evangélico brasileiro, em que o trânsito das pessoas entre as várias denominações religiosas implica também na mudança na forma de atuação desses sujeitos (Almeida e Montero 2001ALMEIDA, Ronaldo de; MONTEIRO, Paula. (2001), “Trânsito religioso no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, vol. 15, nº 3: 92-100. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-88392001000300012 . Acesso em: 20/01/2002.
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).

Entre os próprios militantes do MNE, tem-se preferido falar em “negros e negras em movimento” (Silva 2011SILVA, Hernani Francisco de. (2011), O movimento negro evangélico - um mover do Espírito Santo. São Paulo: Selo da Negritude Cristão.). De todo modo, é possível afirmar que o MNE, ao menos no que diz respeito à liderança, é formado por pessoas negras com curso superior completo (alguns são pós-graduados), pertencentes às classes médias (baixa e média) e com forte atuação eclesiástica ou em outros grupos da sociedade civil.

A partir dos anos 2010, foi possível observar algumas ações de denúncia ao racismo ou de um discurso de valorização da pessoa negra no interior de igrejas pentecostais e neopentecostais, como o Dia do Orgulho Negro, celebrado em 2015 pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) na Bahia. Entretanto, essas atividades pontuais não configuram necessariamente uma mudança institucional ou o estabelecimento de dispositivos pastorais de longa duração que permita inscrever a denominação no Movimento Negro Evangélico.

Tal como apontou-se anteriormente, diante desse quadro, Marco Davi de Oliveira conclama os protestantes históricos a se mobilizarem a fim de acolher as pessoas negras em seu interior, uma vez que: “Enquanto as igrejas históricas pregavam visando àqueles que eram os seus, no que dizia respeito a origem, cultura e etnia, as igrejas pentecostais se propunham a anunciar a mensagem a todos, sem distinção de raça, cor ou credo” (Oliveira 2015:44).

Essa diferença de atuação entre os protestantes históricos e pentecostais encontram eco no modo como as igrejas evangélicas organizaram suas estratégias de atuação no Brasil e, mais especificamente, ao longo da segunda metade do século XX.

No caso da Igreja Batista, por exemplo, a primeira missão realizada no país, em 1882, deu-se na Bahia por missionários oriundos do norte dos Estados Unidos, onde o debate racial e a defesa do fim da escravidão das pessoas negras se estabeleciam como uma oposição aos batistas do sul do país, os quais desenvolveram suas missões no interior no estado de São Paulo. Essa escolha não era aleatória: uma vez que no Brasil ainda imperava o sistema de trabalho forçado, constantemente tensionado pelos movimentos abolicionistas, os espaços de missão elegidos por esses missionários dialogavam também com suas posições teológicas e políticas. Na longa duração, observa-se na atualidade os desdobramentos dessas escolhas, mesmo considerando as transformações institucionais desenvolvidas ao longo dos anos, tal como aponta Antônio Gouvêa Mendonça (2004MENDONÇA, Antonio Gouvêa. (2004), “Protestantismo brasileiro, uma breve interpretação histórica”. In: B. Souza; L. M. S. Martino (org.). Sociologia da religião e mudança social: católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. São Paulo: Paulus :49-79.) ao discutir a relação das igrejas evangélicas com questões políticas e sociais brasileiras, destaca que:

Com as mudanças políticas da década de 1960 em diante, as igrejas fecharam-se em si mesmas e passaram a caminhar na direção do reforço de suas identidades. O desinteresse pelas causas sociais e políticas e a defesa contra o surgimento de novas formas de religião, como a multiplicação de igrejas de caráter pentecostal provocaram a retração das igrejas histórias. (Mendonça 2004MENDONÇA, Antonio Gouvêa. (2004), “Protestantismo brasileiro, uma breve interpretação histórica”. In: B. Souza; L. M. S. Martino (org.). Sociologia da religião e mudança social: católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. São Paulo: Paulus :49-79.:57)

É possível matizar essa afirmação de Mendonça e apontar como, no mesmo período, floresce no seio do protestantismo a Teologia da Missão Integral, sobretudo no nordeste brasileiro, e o debate público em torno das questões sociais e, ao longo dos anos 1970 e 1980 a participação de liderança e fiéis na luta pela reabertura democrática. Entretanto, do ponto de vista das relações étnico raciais a exceção confirma a regra: o combate ao racismo, tanto no interior das igrejas quanto fora, é um posicionamento que só ganha proeminência com o advento do Movimento Negro Evangélico, nos anos 1980.

Em síntese, o pastor batista entende que não foram os pentecostais que escolheram os pobres e negros, mas, ao contrário, foram os negros que optaram por essas igrejas. Segundo ele, isso ocorreu basicamente devido à religiosidade, à liturgia, à exclusão social, à alegria e ao cerceamento da liberdade dos fiéis.

No que tange a religiosidade, Marco Davi entende que a liturgias pentecostais “tendem ser mais participativas por não se sustentarem apenas em conceitos de uma teologia abstrata e metafísica - uma religiosidade na qual a fé torna-se real também pelo fato de o negro ter, em sua negritude e origem” (Oliveira 2015OLIVEIRA, Marco Davi. (2015), A religião mais negra do Brasil: por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? Viçosa: Ultimato.:48).

Essa noção de que há no negro um “jeito específico” de se relacionar com o sagrado, uma espiritualidade própria mais relacionada com a natureza e o material (ao contrário do cristianismo europeu voltado para a racionalização da fé), é um discurso recorrente no universo da militância negra, assumindo diversas facetas dependendo dos atores. Entre os católicos, por exemplo, foi a busca de um “jeito próprio de o negro rezar” que impulsionou a formulação de uma liturgia inculturada, isto é, há uma ênfase numa religiosidade marcadamente negra, que destoaria do “branco” (Oliveira 2016OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. (2016), Orixás: a manifestação cultural de deus - um estudo das liturgias católicas inculturadas. Rio de Janeiro: Mar de Ideias.). Nesse contexto, a liturgia, como expressão dessa religiosidade específica, apresenta também elementos particulares com características mágico-rituais.

Ainda de acordo com o pastor batista, um aspecto enfatizado, no universo pentecostal, que guarda íntima relação com a “cultura negra” é a música. Nas igrejas protestantes, “geralmente, são músicas distantes da cultura, da dor, dos anseios, da vida do povo brasileiro, que sofre e ri com o seu jeito de sofrer e sorrir, que chora e festeja com sua maneira peculiar de chorar sorrindo e festejar chorando”, afirma Marco Davi Oliveira (2015OLIVEIRA, Marco Davi. (2015), A religião mais negra do Brasil: por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? Viçosa: Ultimato.:57). E essa alegria espontânea estaria presente nas comunidades pentecostais, contrastando com a seriedade dos cultos evangélicos tradicionais.

É interessante observar que, no movimento de produzir uma “liturgia negra”, os aspectos estéticos das vestimentas, a dança e a música ocupam um lugar central. Com base nessa premissa que os atores do movimento negro católico, sobretudo da Pastoral Afro-brasileira, ao instituírem as missas, batismos, casamentos e demais celebrações inculturadas investem no desenvolvimento de uma produção estético-musical negra e adoção de instrumentos de percussão em seus rituais.22 22 Sobre o uso dos atabaques nas liturgias católicas, ver Gabriel Gonzaga Bina (2002); Rosangela Borges (2001).

Ainda com relação à centralidade dada à música nos processos de difusão da mensagem bíblica, Mendonça (1995MENDONÇA, Antonio Gouvêa. (1995), O celeste porvir. São Paulo; São Bernardo do Campo: Aste; Pendão Real.:213) sustenta a “ideia de que a forma de crença do protestante está registrada nos seus hinos favoritos”, justamente porque “na igreja, no culto, principalmente cantam. Os fiéis, no cotidiano, cantam” (Mendonça 2004:71). Essa máxima ganha pleno significado quando aplicada ao contexto da população negra, uma vez que o “ethos festivo” encontrado no contexto afro-religioso (Amaral 2002) ganha uma versão no agir de atores dos movimentos negros cristãos que repetem continuamente que o “negro reza dançando e dança rezando”.

Sem aprofundar, Marcos Davi de Oliveira afirma, em A religião mais negra do Brasil (2015OLIVEIRA, Marco Davi. (2015), A religião mais negra do Brasil: por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? Viçosa: Ultimato.), que diante do cenário de exclusão social experimentados pelos negros, foram os pentecostais quem ofereceram espaços em que eles seriam valorizados, independentemente de suas origens, e ofereceram a possibilidade de prosperarem materialmente.

Levando-se em conta que a preocupação do pastor batista é provocar uma reflexão sobre o lugar do negro no interior do protestantismo, essa comparação ganha um significado importante, pois denuncia o processo de exclusão historicamente construído e mantido nessas igrejas. Essa noção de “invisibilidade dos fiéis negros nas igrejas evangélicas” está presente também na fala de outro pastor, Rogério Donizetti Bueno,23 23 Rogério Donizetti Bueno é especialista em História e Cultura Afro-brasileira e mestre em Educação Sociocomunitária pelo Centro Universitário Salesiano São Paulo - Unisal. A afirmação citada foi proferida numa palestra na Faculdade de Teologia Metodista Livre, em São Paulo, no dia 22 de outubro de 2015, em comemoração ao dia do teólogo. da Comunidade Cristã Vineyard, localizada nas cidades de Campinas e Americana, no interior do estado de São Paulo.

Em uma palestra na Faculdade de Teologia Metodista Livre, em 2015, Rogério Donizetti Bueno procurou demonstrar o modo pelo qual as origens africanas do cristianismo passaram por um processo de invisibilização, a tal ponto de restarem apenas as influências europeias e, no Brasil, ligadas ao processo de exclusão do negro e sua cultura, favoreceram situações de intolerância e racismo. Por isso, o pastor propunha resgatar as heranças africanas do cristianismo, colocando em evidências os personagens bíblicos negros, e recontando a história do cristianismo sem, no entanto, recorrer às religiões afro-brasileiras, tidas comumente como as “depositárias das culturas negras” no Brasil. Perguntado por este pesquisador sobre qual seria a posição correta a se adotar perante o candomblé, o pastor foi categórico: afirmou que, enquanto cristão, não concordava com o que praticavam, pois se trata outra religião, mas que o respeito deveria existir, e a demonização das entidades afros era também uma forma de racismo.

Vagner Gonçalves da Silva (2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Entre a gira de fé e Jesus de Nazaré: relações socioestruturais entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileira”. In.: V. G. Silva (org.). Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EdUSP.) demonstrou que, no campo protestante neopentecostal, opera um processo de negação dos símbolos da herança africana nos rituais. Embora, conforme apontamos anteriormente, se estabeleça um diálogo estrutural entre as liturgias de algumas igrejas com rituais das religiões afro-brasileiras.

Neste texto, embora sem aprofundar, apontou-se que, num movimento diferente ao da Igreja Católica, os agentes do MNE protestantes não buscam incorporar símbolos considerados da cultura negra, mas procuram encontrar no interior do próprio cristianismo (sobretudo na Bíblia) os elementos que sustentam uma negritude cristã. Assim, são destacados personagens e ações bíblicas africanas (ou relacionadas ao continente africano).

Portanto, o desafio do Movimento Negro Evangélico é resolver a ambiguidade entre universalismo e particularidade, no interior da identidade cristã, afinal sob a égide do “somos todos filhos de deus” não sobra lugar para as diferenças étnico-raciais.

Considerações finais

Neste artigo procurou-se descrever, de modo sintético, o processo de configuração do Movimento Negro Evangélico no contexto brasileiro e como os símbolos da herança africana no Brasil são acionados nas ações desses grupos.

Ao apresentar a dinâmica desse movimento, defendeu-se a hipótese de que, ao contrário dos religiosos afros e católicos, o MNE assume outra postura discursiva frente aos símbolos “da herança africana” no Brasil, uma vez que 1) o sistema teológico-ritual não conforma sujeitos da mediação entre o fiel e a divindade como ocorre no caso do catolicismo e das religiões afro-brasileiras; 2) há uma rejeição das religiões afro-brasileiras como sendo o único lócus da “cultura negra no Brasil” sem, no entanto, difundir práticas discriminatórias; e 3) há uma radicalização da noção de “herança africana” a tal ponto de ser possível considerar as religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islã) de origem africana (com fundamentação bíblico-histórica) sem, necessariamente, demonizar as religiões afro-brasileiras.

O material recolhido durante a pesquisa de campo permite afirmar que os evangélicos esvaziam os símbolos de africanidades de seu ethos religioso afro-brasileiro e os reinterpreta à luz da Bíblia com base em uma leitura afrocentrada. Nessa lógica, faz sentido pensar Jesus como o “verdadeiro ancestral da capoeira”, pois se a capoeira é de origem africana, ela pertence aos africanos e não ao complexo religioso afro-brasileiro (mesmo que tenham sido no âmbito de seus terreiros que ela tenha sido preservada).

Esse posicionamento difere daquele adotado por algumas igrejas que procuram depurar os sinais diacríticos da identidade cultural brasileira de seus elementos de origem africana, como no caso do “bolinho de Jesus”. Conforme apontou Vagner Gonçalves da Silva, “efetivamente, alguns símbolos das religiões africanas presentes em outras manifestações, religiosas ou não, da cultura brasileira, têm sido ostensivamente negados ou substituídos por uma ‘versão pentecostal’” (Silva 2007:255),

O MNE parece radicalizar o processo de “volta às origens” ou “reafricanização” iniciado por alguns pais e mães de santo. Só que agora o movimento é duplo: por um lado, busca-se as raízes africanas do cristianismo, “deseuropeizá-lo” e, por outro, as origens dos símbolos da negritude para “descandombletizá-los”. Dito de outra forma: nem o cristianismo presente no Brasil (de origem europeia) nem as religiões afro-brasileiras são boas para pensar a “negritude”. É preciso voltar à África e ali encontrar o cristianismo negro e os elementos culturais africanos sem as influências transatlânticas. Mas nesse ponto não há ainda consenso estabelecido, pois enquanto alguns procuram evidenciar os personagens negros presentes na Bíblia (na tentativa de produzir uma Bíblia da negritude), outros se perguntam, como o pastor Marco Davi: “onde estão os brancos na Bíblia?”24 24 Entrevista em São Paulo, 1 de janeiro de 2016.

Essa empreitada, todavia, esbarra em inúmeras dificuldades, sobretudo a desconfiança dos religiosos afros e de algumas esferas do movimento negro com relação as intenções do MNE na luta antirracista. Em parte, a suspeita sobre a idoneidade dos atos dos MNE se dá pela visualização de ações sistemáticas de intolerância religiosa impetradas por fiéis sobretudo de igrejas neopentecostais contra as religiões afro-brasileiras (Silva 2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Entre a gira de fé e Jesus de Nazaré: relações socioestruturais entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileira”. In.: V. G. Silva (org.). Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EdUSP.). Também no interior do próprio campo evangélico são observadas resistências, uma vez que são constantes as acusações de que os agentes do MNE estariam promovendo uma cisma racial na igreja.

De certo modo, essa controvérsia observada no processo de estabelecimento do debate racial no interior das igrejas não está apartada dos valores das sociedades nas quais se inserem e é corrente a acusação de que os militantes dos movimentos negros, ao reivindicarem políticas públicas com recorte étnico-racial, estão tentando radicalizar e instituir uma espécie de apartheid social no Brasil.

Em suma, é fato de que cada vez mais os evangélicos têm se colocado em movimento, tencionando desde dentro e de modos diversos alguns pressupostos da luta antirracista no Brasil e o modo como as igrejas têm participado desse processo.

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  • 1
    Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2012/12372-7.
  • 2
    Devido à dificuldade em classificar os cristãos não católicos, decorrente da pluralidade e amplitude desse grupo religioso, tomaremos a categoria “evangélicos” utilizada pelo IBGE como termo genérico para identificar as várias igrejas. Nos casos específicos, apontaremos os subgrupos, cruzando as categorias do IBGE com a classificação proposto por Mariano (1999): “evangélicas de missão ou históricas” (as igrejas frutos da Reforma); “pentecostais” (pentecostalismo clássico, implementadas no Brasil no início do século XX), “neopentecostais” (sobretudo as igrejas fundadas a partir da década de 1970) ou o nome próprio das denominações religiosas). As aspas ficam subentendidas.
  • 3
    De acordo com a mitologia grega, Ariadne era a princesa de Creta, que, com um fio de ouro, auxiliou o herói Teseu a sair do labirinto do Minotauro. Conf. Pilar Corredoira, 2007CORREDOIRA, Pilar Díez Del Corral. (2007), Ariadna, esposa y amante de Dionisio: estudio iconográfico de la cerámica ática. Santiago de Compostela: Universidade. Servizo de Publicacións e Intercambio Científico..
  • 4
    A observação empírica foi realizada durante a pesquisa de doutorado (entre 2012-2016), alguns dados foram atualizados em 2018.
  • 5
    Durante a pesquisa de campo, a minha interlocução formal deu-se apenas com homens. O acesso à produção escrita também era majoritariamente feito por eles. Essa limitação pode estar associada também aos lugares que são facultados ao antropólogo em campo. Por outro lado, as mulheres têm forte atuação na produção acadêmica (artigos, dissertações e teses).
  • 6
    A maioria absoluta dos agentes do MNE encontram do escopo das igrejas Evangélicas de Missão (de acordo com a classificação utilizada pelo IBGE). Hernani Silva destaca-se como o único pentecostal a ter uma participação paradigmática nesse processo.
  • 7
    “A Ashoka é uma organização mundial, sem fins lucrativos, pioneira no campo da inovação social, trabalho e apoio aos Empreendedores Sociais - pessoas com ideias criativas e inovadoras capazes de provocar transformações com amplo impacto social. Criada em 1980 pelo norte-americano Bill Drayton, a Ashoka cunhou o termo Empreendedorismo Social e o caracterizou como campo de trabalho. Seus primeiros focos de atuação foram Índia e Brasil e hoje está presente em mais de 85 países. Todos os Empreendedores Sociais da Ashoka são eleitos por um processo de busca e seleção com etapas nacionais e internacionais. As lideranças agraciadas com bolsas de formação são nomeadas como fellow.” Disponível em: http://brasil.ashoka.org/quem-somosASHOKA. Ashoka. Disponível em: Disponível em: http://brasil.ashoka.org/quem-somos . Acesso em: 17/01/2022.
    http://brasil.ashoka.org/quem-somos...
    . Acesso em: 18/01/2022.
  • 8
    Entrevista concedida em 9 de dezembro de 2009.
  • 9
    Batista, Congregacional, Episcopal, Presbiteriana e Metodistas.
  • 10
    Assim como a Teologia da Libertação foi um marco na Igreja católica latino-americana, ao incorporar a luta de classes na atuação missionária, a Teologia da Missão Integral (TMI) é um movimento teológico e pastoral que teve origem em 1974 com o Pacto de Lausanne (Suíça) e propõe a inclusão do debate social na atuação missionária das igrejas protestantes. Conf. René Padilla (2014PADILLA, C. René. (2014), Missão integral: o reino de Deus e a igreja. Viçosa: Ultimato. ).
  • 11
    Entrevista concedida em São Paulo, 1 de janeiro de 2016.
  • 12
    L’histoire a toujours produit des visions du monde qui comportaient, indissociablement, um élément politique dont l’usage, conscient ou inconscient, était de toute façon inévitable.” (Levi 2001:26)
  • 13
    A biografia de João Pedro Teixeira foi recontada no documentário Cabra Marcado pra Morrer, de Eduardo Coutinho (1984).
  • 14
    No âmbito da Pastoral Afro-brasileira existe o Grupo de Mulheres Negras e o Grupo de Educadoras Negras. Também no rito da “missa afro”, as mulheres têm papel central enquanto representantes das matriarcas (Oliveira 2016).
  • 15
    Perfil da página das Pastorais de Combate ao Racismo da Igreja Metodista na Rede AfrokutAFROKUT. Afrokut. Disponível em: Disponível em: http://afrokut.com.br/group/cenacora . Acesso em: 17/01/2022.
    http://afrokut.com.br/group/cenacora...
    . Disponível em: http://afrokut.com.br/group/pastoraisdecombateaoracismodaigrejametodista Acesso em: 12/02/2016.
  • 16
    O Conic congrega as igrejas: Católica Romana, Católica Ortodoxa Síria, Episcopal Anglicana no Brasil, Evangélica de Confissão Luterana, Presbiteriana Independente; e as organizações, como a Sociedade Cultural Missões Quilombo de cunho pentecostal e o Movimento Martin Luther King de Ação e Reflexão
  • 17
    Dentre as denominações presentes, estavam as igrejas: Metodista, Batista, Anglicana, Brasil Para Cristo, Deus em Cristo e Católica Romana. Disponível em: http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.htmlANNEB. Anneb. Disponível em: Disponível em: http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html . Acesso em: 17/01/2022.
    http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem...
    .
  • 18
    Entrevista concedida em São Paulo, 1º de janeiro de 2016.
  • 19
    Página oficial da Anneb. Disponível em http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html
  • 20
    Página oficial da Anneb. Disponível em http://annebbahia.blogspot.com.br/p/quem-somos.html
  • 21
    A adoção do formato remoto para as atividades deu-se em virtude da necessidade do distanciamento físico imposto pelas autoridades sanitárias, como forma de combater a disseminação do vírus da Covid-19, que causou uma pandemia no início de 2020.
  • 22
    Sobre o uso dos atabaques nas liturgias católicas, ver Gabriel Gonzaga Bina (2002BINA, Gabriel Gonzaga. (2002), O atabaque na Igreja: a caminho da enculturação liturgia em meios afro-brasileiros. São Paulo: Brasil.); Rosangela Borges (2001BORGES, Rosangela. (2001), Axé, Madona Achiropita! Presença da cultura afro-brasileira nas celebrações da igreja de Nossa Senhora Achiropita, em São. Paulo. São Paulo: Pulsar ).
  • 23
    Rogério Donizetti Bueno é especialista em História e Cultura Afro-brasileira e mestre em Educação Sociocomunitária pelo Centro Universitário Salesiano São Paulo - Unisal. A afirmação citada foi proferida numa palestra na Faculdade de Teologia Metodista Livre, em São Paulo, no dia 22 de outubro de 2015, em comemoração ao dia do teólogo.
  • 24
    Entrevista em São Paulo, 1 de janeiro de 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2021
  • Aceito
    15 Jan 2021
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