Acessibilidade / Reportar erro

As duas faces evangélicas do espiritismo brasileiro

The two Evangelical faces of Brazilian Spiritism

Resumos

Resumo: Atrás do catolicismo, o segmento evangélico constitui o segundo maior do país, prosseguindo em grande crescimento devido ao pentecostalismo. Com tamanho dez vezes menor, mas estando também em expansão, o espiritismo kardecista ocupa a terceira colocação, sendo caracterizado, atualmente e em boa medida, por um conjunto de percepções, valores e práticas próprias dos evangélicos pentecostais. Essas abarcam, por um lado, a valorização da Bíblia, sobremaneira o Novo Testamento, que é chamado nesse meio de “Estudos do Evangelho”, ressaltando a identidade religiosa e cristã do espiritismo. E, por outro, envolvem um controverso ativismo político-ideológico conservador, algo que tem consequências significativas. Este artigo, decorrente de pesquisa de campo e de análise dirigida à circulação de notícias relevantes, discute tais semelhanças específicas entre o espiritismo e o pentecostalismo.

Palavras-chave:
espiritismo kardecista; pentecostalismo; religião; política; ativismo conservador


Abstract: Behind Catholicism, the Evangelical segment is the second largest in Brazil, continuing with great growth due to Pentecostalism. With a size ten times smaller, but also expanding, the Kardecist Spiritism occupies the third position, being characterized, currently and to a great extent, by a set of perceptions, values ​​and practices typical of Pentecostal Evangelicals. These include, on the one hand, the appreciation of the Bible, especially the New Testament, which is called in this context “Gospel Studies”, emphasizing the religious and Christian identity of Spiritism. And, on the other hand, they involve a controversial conservative political-ideological activism, something that has significant consequences. This article, resulting from field research and analysis aimed at circulating relevant news, discusses such specific similarities between Spiritism and Pentecostalism.

Keywords:
Kardecist Spiritism; Pentecostalism; religion; politics; conservative activism


Introdução

No cenário religioso brasileiro, o espiritismo kardecista1 1 Até 1970, os adeptos dos cultos de matriz africana eram identificados pelo censo demográfico como “espíritas”. Foi só a partir da década posterior que se pôde verificar os tamanhos distintos dos contingentes: afro-brasileiro e espírita, pois, no recenseamento de 1980, foram classificados os “espíritas kardecistas” em contraposição aos “espíritas afro-brasileiros”. Como se sabe, o espiritismo - junto com o candomblé e o catolicismo - deu origem à umbanda, que já foi chamada de “baixo espiritismo”, mas efetivamente se distingue da religião fundada por Allan Kardec na França (Jacob et al. 2003; Aubrée & Laplantine 2009; Prandi, 2012). Neste artigo, doravante, utilizamos apenas o termo espírita. constitui a terceira força, estando atrás do catolicismo e do segmento evangélico com grande predominância pentecostal. Os dados do superado censo de 2010 apontam o conjunto fortemente declinante dos católicos com 64,6%, assim como a condição oposta dos evangélicos, com 22,2% e por fim os espíritas com 2%. Acima do espiritismo aparecia o segmento que, antes, havia se mostrado em intensa expansão: o dos “sem religião”, com 8%. Dizemos que estes assim se mostravam, pois um levantamento feito em janeiro de 2020 pelo Instituto Datafolha mostrou que o conjunto dos irreligiosos cresceu relativamente pouco, atingindo 10%. Já o dos espíritas aumentou a metade de seu tamanho, para 3%. Por sua vez, católicos e evangélicos mantiveram os mesmos: ritmo e tendência, respectivamente, com 50% e 31%.2 2 Ver: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em: 14/04/2021. Relembremos que nos censos de 1991 e 2000, o segmento dos sem religião teve, respectivamente, as cifras: 4,7% e 7,4%; ao passo que o dos espíritas teve: 1,1% e 1,3%.

Evidentemente e guardadas as devidas proporções metodológicas quanto à comparação dos dados estatísticos, cabe dizer que certo refreamento no avanço do segmento heterogêneo dos sem religião está relacionado ao crescimento do espiritismo naquele período de uma década. Isso se deve ao fato de parte dos espíritas, tradicionalmente, se declarar irreligiosa (Arribas 2010ARRIBAS, Célia da Graça. (2010), Afinal, espiritismo é religião? São Paulo: FAPESP; Alameda.; Lewgoy 2013LEWGOY, Bernardo. (2013), “A contagem do rebanho e a magia dos números: nota sobre o espiritismo no Censo 2010”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010. Petrópolis: Vozes.).

Entre todos os segmentos religiosos - e em comparação também com o grupo dos sem religião - o espiritismo apresenta o perfil mais elitizado. Conforme o censo de 2010, os espíritas são os que têm maiores níveis de ensino superior e médio completos (respectivamente: 31,5% e 68%), sendo também os que estão mais presentes entre as faixas com renda maior que cinco e dez salários-mínimos (19,7% e 6,5%). No extremo oposto está a parte preponderante do contingente evangélico, composta por pentecostais (60%), com dados exatamente contrários e compondo a grande base da pirâmide social brasileira (Mariz; Gracino Junior 2013MARIZ, Cecília Loreto; GRACINO JUNIOR, Paulo. (2013), “As igrejas pentecostais no censo de 2010”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010 . Petrópolis: Vozes .; Prandi 2013PRANDI, Reginaldo. (2013), “As religiões afro-brasileiras em ascensão e declínio”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010 . Petrópolis: Vozes .:211-212).

Este artigo aborda algumas confluências sociológicas entre o espiritismo e o espectro evangélico pentecostal, tomando como foco, por um lado, a valorização da Bíblia e, por outro, o ativismo político-ideológico bastante conservador. No primeiro aspecto da semelhança nos referimos à, historicamente recente, disseminação das leituras bíblicas em grupos - principalmente do Novo Testamento - algo denominado pelos espíritas: “Estudos do Evangelho”. A metodologia empregada na elaboração deste artigo envolveu a devida revisão bibliográfica em ciências sociais da religião quanto ao espiritismo e ao segmento pentecostal; a consulta sistematizada a relevantes sites espíritas e reportagens jornalísticas fidedignas; e a realização de entrevistas.

Oriundo da França, já na década posterior a seu surgimento, em 1857, o espiritismo veio se consolidar como segmento religioso no Brasil em meados do século seguinte, caracterizando-se pela predominância de adeptos letrados, de classe média urbana (Lewgoy 2000LEWGOY, Bernardo. (2000), Os espíritas e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista. São Paulo: Tese de doutorado em antropologia social, USP.). Enquanto no território francês o espiritismo arrebanhou ativistas do movimento operário e até socialista (Aubrée & Laplantine 2009AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. (2009), A mesa, o livro e os espíritos. Gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió: EdUFAL.:93-102; Arribas 2010ARRIBAS, Célia da Graça. (2010), Afinal, espiritismo é religião? São Paulo: FAPESP; Alameda.:55-56),3 3 Envolvendo entre outros, León Denis, considerado por muitos adeptos dessa religião um sucessor de Kardec e autor do livro Socialismo e espiritismo (1924), bastante estudado por espíritas brasileiros políticamente de esquerda. no país onde mais floresceu veio a adquirir feições político-ideológicas prevalentemente conservadoras. Por sua vez, o pentecostalismo também chegou poucos anos depois de seu nascimento nos Estados Unidos, já na primeira década do século XX, de modo a se firmar no cenário nacional, praticamente, no mesmo período que o espiritismo, porém como opção da população de mais baixas: escolaridade e renda. Desde a redemocratização nacional, na década 1980, quando se engajaram na política partidária (Pierucci 1989PIERUCCI, Antônio Flávio. (1989), “Representantes de Deus em Brasília: a bancada evangélica na Constituinte”. Ciências Sociais Hoje, São Paulo: 104-132.; Freston 1993FRESTON, Paul. (1993), Protestantes e políticas no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Campinas: Tese de doutorado em ciências sociais, Unicamp.), os pentecostais vêm tendo bastante envolvimento e peso eleitoral, sendo que eles votaram expressivamente em candidatos presidenciais de esquerda no período que abrange os pleitos que deram vitórias a Lula e Dilma Rousseff, entre 2002 e 2014.

Como sabemos, a ênfase na leitura e nas citações bíblicas é algo bastante próprio do segmento evangélico. A tradução do principal livro cristão do latim - inicialmente por Martinho Lutero - para o alemão e depois para outras línguas, foi um grande fator de propagação do protestantismo, ainda no século XVI. Impulsionada pela revolução da imprensa, liderada por Johannes Gutenberg, a leitura da Bíblia deu grande impulso à alfabetização, para além do universo protestante (Burke & Briggs 2004BURKE, Peter; BRIGGS, Asa. (2004), Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.).

Surgida entre metodistas na Inglaterra do século XVIII, a Escola Dominical constitui o principal espaço evangélico de estudos bíblicos, tendo chegado ao Brasil em 1855, trazida por um casal de missionários escoceses: Robert e Sarah Kelley, que se fixaram na cidade fluminense de Petrópolis (Reily 1984REILY, Duncan Alexander. (1984), História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE.). No meio do protestantismo - por aqui ainda inicial, além daquelas unidades de estudo bíblico - surgiram também as escolas paroquiais, igualmente voltadas a tal atividade, algo que se espalharia, em boa medida, no meio evangélico do século XX (Mendonça 1984MENDONÇA, Antônio Gouvêa. (1984), O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Paulinas.).

Cabe lembrar que, do lado católico, a prática dos círculos bíblicos está na origem das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Eles haviam sido formados de modo a estimular a reflexão pastoral sobre o cotidiano das pessoas residentes em áreas pobres, no campo e na cidade (Oliveira 1986OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. (1986), “Comunidade, igreja e poder: em busca de um conceito sociológica de ‘igreja’”. Religião e Sociedade . vol. 13, nº 3: 42-60. ).

Entretanto é, de fato, no meio evangélico que a valorização da Bíblia se faz mais presente. Vale dizer que entre os pentecostais, além da leitura e frequente citação, há também certa relação mística com o livro considerado sagrado, frequentemente erguido em mãos durante os cultos, com bastante fervor. Este artigo aborda a trajetória dos estudos bíblicos no meio espírita, algo efetivamente não estrutural nesse segmento religioso, alicerçado nos livros organizados por Kardec no século XIX. Tais estudos grupais surgiram no meio espírita em meados do século XX, mas só ganharam impulso efetivo a partir de 2010, como será visto adiante. No artigo, analisamos essa crescente característica comum entre evangélicos e espíritas, que é a valorização bíblica, assim como controvertidas confluências em termos de posicionamentos político-ideológicos, que tiveram relevantes implicações nos últimos anos. Além do valor atribuído à obra que norteia a tradição judaico-cristã, as semelhanças entre partes desses dois segmentos religiosos perpassam posturas quanto à moral familiar, sexual e reprodutiva, algo com desdobramentos contundentes.

A valorização da Bíblia

Em sua fase inicial no Brasil, ainda no século XIX, o espiritismo vivenciou bastante o embate de seus militantes racionalistas e cientificistas com aqueles que ressaltavam a faceta religiosa, caritativa e cristã, tendo sido essa vertente a que acabou prevalecendo.4 4 Embora, tenha permanecido até o presente uma parcela que rejeita deliberadamente a idetificação religiosa do espiritismo (Arribas 2010). Isso se deveu sobremaneira ao trabalho religioso (Bourdieu 1974BOURDIEU, Pierre. (1974), A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva.), alicerçado no atendimento assistencial aos pobres e necessitados, do médico cearense Adolfo Bezerra de Menezes, que foi um dos grandes responsáveis pela formação no Rio de Janeiro, em 1884, da Federação Espírita Brasileira (FEB). Cinco anos mais tarde, ele se tornou o presidente da entidade, cargo que ocuparia também de 1895, até falecer cinco anos depois (Klein 2012KLEIN, Luciano. (2012), Bezerra de Menezes: fatos e documentos. Bragança Paulista: Lachatre.; Arribas 2010ARRIBAS, Célia da Graça. (2010), Afinal, espiritismo é religião? São Paulo: FAPESP; Alameda.).

As atividades asssistenciais prosseguiram, enquanto as receitistas de medicamentos, sobretudo homeopáticos, diminuíram, sendo que outras mais vieram se consolidar ao longo do século XX (Cavalcanti 1983CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. (1983), O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo. Rio de Janeiro: Zahar.; Aubrée & Laplantine 2009AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. (2009), A mesa, o livro e os espíritos. Gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió: EdUFAL.), tornando-se as principais no meio espírita: reuniões mediúnicas, palestras e cursos doutrinários, aplicação de passes magnéticos e espirituais, assim como o chamado Culto do Evangelho no Lar (Souza; Simões & Arribas 2017SOUZA, André Ricardo de. (2017), “Dimensions of Christianity and the Amplification of Ecumenism in Brazil”. International Journal of Latin American Religions, vol. 1: 1-14.). Este derivou de uma prática de Francisco Cândido Xavier, principal artífice espírita no Brasil, o conhecido Chico Xavier (Damazio 1994DAMAZIO, Sylvia. (1994), Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. ; Lewgoy 2004LEWGOY, Bernardo. (2004), O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira. Bauru; Brasília: EDUSC; CNPq-PRONEX.). Consiste no estudo semanal em ambiente doméstico, mediante orações, do livro de Allan Kardec O evangelho segundo o espiritismo, que reúne trechos dos quatro evangelhos canônicos, além de comentários do pioneiro espírita francês a respeito deles e mensagens psicografadas por diferentes médiuns.5 5 Essa prática se disseminou nacionalmente, tornando-se estrutural dessa religião no Brasil, estando inclusive na origem de alguns centros espíritas (Torres 2019:42).

Ao longo do século XX, a leitura bíblica no segmento espírita brasileiro, basicamente, se restringiu aos evangelhos pela ótica de Kardec em seu referido livro, sendo este estudado não apenas nos centros, mas também nas residências familiares.6 6 Gradativamente, a referência à obra de Kardec prevaleceu à do seu contemporâneo e oponente francês Jean-Baptiste Roustaing, intitulada Os quatro evangelhos: revelação da revelação (1866), que causou uma longa celeuma em tal segmento religioso no Brasil até 10 de agosto de 2019, quando, por meio de assembleia geral extraordinária, a FEB retirou de seu estatuto o artigo que previa o estudo do referido livro. Em tal atividade doméstica também se recorre a livros psicogradados por Chico Xavier, atribuídos a seu mentor espiritual Emmanuel. Trata-se de uma série de dez obras publicadas entre 1948 e 1992, cujos capítulos constituem comentários de versículos retirados do Novo Testamento, abrangendo, portanto: evangelhos, Atos dos Apóstolos, cartas apostólicas e Apocalipse.7 7 Sendo reconhecida pelo título do primeiro livro - Caminho, verdade e vida -, essa série costuma ser lida também em reuniões de centros espíritas.

Alguns destacados militantes espíritas se dedicaram individualmente aos estudos bíblicos, gerando publicações a respeito,8 8 Destacam-se as obras: Parábolas e ensinos de Jesus (1928), de Cairbar Schutel; A divina epopeia (1941), de Francisco Bittencourt Sampaio; Síntese do Novo Testamento (1946), de Wantuil de Freitas, e Sabedoria do Evangelho (1946), de Carlos Torres Pastorino. mas foi em Belo Horizonte que se formou um núcleo voltado para a prática, algo que teve consequências sociologicamente relevantes. Trata-se do Grupo Emmanuel, constituído em 1957 pelo bancário Honório Onofre Abreu junto com sua esposa Nilza Ferreira Abreu e seus amigos Leão Zállio e José Damasceno Sobral. Recorrendo a textos exegéticos e acadêmicos, dicionários bíblicos e demais documentos históricos e teológicos, eles buscavam estudar, em minúcias, a Bíblia, com foco no Novo Testamento. Para isso faziam também leituras da Torá - chamada de Bíblia Hebraica - e da obra A gênese, de Kardec, principalmente para analisar, do ponto de vista espírita, o livro bíblico Gênesis, de Moisés (Aguiar 2016; Torres 2019TORRES, Natália Cannizza. (2019), “Jesus a porta, Kardec a chave”: a apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita. São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.).

Abreu teria liderança também no século XXI, vindo a se tornar, em 2002, presidente da União Espírita Mineira (UEM), onde atuou para difundir, estadualmente, os grupos de Estudo Minucioso do Evangelho de Jesus (EMEJ). Uma das responsáveis por tal difusão estadual foi sua sobrinha, Magda Luzimar de Abreu, também atuante na FEB. Pela investigação espírita de pormenores bíblicos alguns grupos voltados a essa prática foram chamados de “Miudinho”, com destaque para a atuação neles do historiador Aluizio Elias, residente em Uberaba, onde Chico Xavier viveu, após transferir-se de seu município natal mineiro Pedro Leopoldo. Honório Abreu publicou um livro intitulado Luz imperecível: estudo interpretativo do evangelho à luz da doutrina espírita (2001), no qual ele descreve a metodologia do Grupo Emmanual. Até falecer em 2007, ele presidiu a UEM e incentivou essas ações.

Após 1957, o outro ano marcante em termos de difusão dos estudos bíblicos no meio espírita foi 2010. Isso se deveu à comemoração do centenário de nascimento de Chico Xavier, falecido em 2002, tendo sido ele e seu trabalho religioso o tema do III Congresso Espírita Brasileiro, que teve lugar em Brasília.9 9 Ocorreu entre 16 e 18 de abril, data esta última em que se relembra a publicação, por Kardec, de O livro dos espíritos (1857), inaugurando o espiritismo. A primeira edição desse evento ocorreu em Goiânia, em 1999, celebrando 50 anos do Pacto Aúreo - acordo que unificou o chamado movimento espírita nacional - e a terceira se deu também na capital nacional, em 2007, comemorando os 150 anos do livro inicial dessa religião. No evento, houve o lançamento pelo Conselho Espírita Internacional, em parceria com a FEB, do Novo Testamento contendo apenas os evangelhos e o livro Atos dos Apóstolos, traduzido do grego pelo mineiro juiz de direito Haroldo Dutra Dias, que tem formação complementar em grego pela Universidade Federal de Minas Gerais e de hebraico pela Sociedade Israelita de Belo Horizonte. Ele havia iniciado os estudos espíritas da Bíblia aos 15 anos, em 1986, no Grupo Emmanuel, sob orientação de Honório Abreu.

No ano seguinte àquele congresso espírita, Dias fundou com alguns amigos, também da capital mineira, uma entidade voltada, em boa medida, aos estudos bíblicos e denominada Instituto SER. Tal organização privilegia atividades artísticas, sobremaneira musicais e realiza eventos, disponibilizando áudios e vídeos na internet, além de comercializar parte desses conteúdos na web e em forma de livros. Haroldo Dias costuma participar de eventos voltados ao diálogo inter-religioso, enfocando temas bíblicos, principalmente com o pastor batista Enéas Alexandrino e a freira católica Aíla Pinheiro de Andrade (Aguiar 2016; Souza 2017SOUZA, André Ricardo de. (2017), “Dimensions of Christianity and the Amplification of Ecumenism in Brazil”. International Journal of Latin American Religions, vol. 1: 1-14.).

Outro discípulo de Honório Abreu quanto aos estudos espíritas do Novo Testamento é o médium, jornalista e funcionário público estadual mineiro Wagner Gomes da Paixão. Em 2012, ele e Haroldo Dias foram convidados pelo então presidente interino da FEB, Antonio Cesar Perri de Carvalho - que havia substituído o também paulista Nestor João Masotti, gravemente enfermo e que veio a falecer no ano seguinte10 10 Em 2007, enquanto presidia a FEB e impulsionava a produção de apostilas espíritas sobre temas bíblicos, Masotti consultou Abreu e Haroldo Dias sobre qual tradução da Bíblia adotar, quando então aquele indicou este para fazer uma tradução própria do segmento espírita. No ano seguinte, o presidente da federativa espírita nacional tomou providências para que Dias viajasse a Israel de modo a comprar vasto material bibliográfico para tal empreitada (Souza; Arribas & Simões 2017; Torres 2019). - para constituírem em Brasília um grupo formal de estudos sistematizados do Novo Testamento, ligado à FEB. Recebendo o nome de Núcleo de Estudos e Pesquisas do Evangelho (Nepe), tal grupo teve como fundadores, em 2013 Dias, Paixão, Carvalho, bem como sua esposa e filho, também atuantes na FEB: Célia Maria e Flávio Rey de Carvalho, além de outros pesquisadores bíblicos espíritas: o catarinense Ricardo de Andrade Mesquita e os mineiros Simão Pedro de Lima e Afonso Chagas Correa, outro ex-integrante do Grupo Emmanuel.

O Nepe prosseguiu funcionando em Brasília até a saída de Cesar Perri da presidência da FEB em 2015, substituído, após eleição, por Jorge Godinho Barreto Nery. Com isso, a entidade espírita nacional passou a conduzir os estudos bíblicos “sob nova direção”.11 11 No mesmo ano, a FEB implementou uma atividade parecida, porém denominada Evangelho Redivivo, procurando fazer uso da metodologia dos EMEJs mineiros. Veio a promover oficinas a respeito, em Brasília, a partir de 2018. A despeito disso, os Nepes se espalharam, chegando, em 2021, a 89 centros espíritas de 18 unidades federativas, sendo 31 no Nordeste, 37 no Sudeste, 13 no Sul, 6 no Centro-Oeste e o DF e 2 no Norte (Torres 2019TORRES, Natália Cannizza. (2019), “Jesus a porta, Kardec a chave”: a apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita. São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.).12 12 Os grupos espíritas de estudos bíblicos estão listados em: www.nepebrasil.org. Acesso em: 19/04/2021.

A tradução do Novo Testamento e sua grande divulgação mediante palestras, também no exterior e pela internet, deram bastante projeção, no meio espírita, a Haroldo Dias, sendo isso um relevante fator na proliferação dos Nepes. Na divulgação de tal publicação foi bastante ressaltado o fato de ela ser “literária”, isto é, sem interpretações doutrinárias inseridas em textos de introdução notas de rodapé, nos casos: católico e evangélico. Certa relativização de sua relevância ocorreu em 2018, quando foi publicado no Brasil pela prestigiosa editora Companhia das Letras o primeiro volume da tradução da Bíblia, também do grego, pelo português professor de literatura da Universidade de Coimbra, Frederico Maria Bio Lourenço. Pelas credenciais científico-acadêmicas do tradutor, a literalidade de sua obra estava mais assegurada. Na prática, os espíritas voltados aos estudos bíblicos passaram a ter uma importante opção comparativa.

Quanto aos estudos espíritas do Novo Testamento cabe dizer ainda que vem sendo chave o interesse pelo cristianismo em sua fase histórica inicial. Esse foi o tema do livro O evangelho e o cristianismo primitivo (2010), publicado pelo também militante espírita e professor de ciências da religião da Universidade Federal da Paraíba, Severino Celestino da Silva. Além de pesquisar assuntos bíblicos e tratar do tema em programas televisivos espíritas, Silva também organiza excursões comerciais para Israel, prática já bastante comum no meio evangélico. Com uma obra intitulada Cristianismo nos séculos iniciais (2018), Antonio Cesar Perri de Carvalho também se voltou com destaque para o tema, sendo que, quatro anos antes, ele havia publicado, com sua esposa, uma coletânea de textos escritos também por outros fundadores do primeiro Nepe, ligando livros de Kardec e do espírito Emmanuel - através de Chico Xavier - à Bíblia.

Entretanto, há em grande parte do segmento espírita ainda a ideia de que o estudo da obra de Kardec O evangelho segundo o espiritismo (1864) dispensa a leitura direta dos textos bíblicos. Isso porque o fundador francês deixou nela deliberadamente de lado controvérsias relacionadas à biografia de Jesus Cristo - envolvendo milagres e pontos que embasaram dogmas cristãos - para se concentrar exclusivamente no aspecto moral. Quanto mais intelectualizada a perspectiva dos militantes espíritas tanto mais forte é essa postura, rejeitando, portanto, os aspectos considerados míticos, tidos como próprios da Bíblia. Por outro lado, há uma parcela crescente de espíritas que vê os estudos bíblicos como um dever religioso e compreende o referido livro kardeciano como um pontapé inicial para a análise dos evangelhos, tendo como premissa a de que, para entender melhor Cristo, é preciso analisá-los mediante recursos científicos, inclusos os do próprio espiritismo. Observa-se que os estudos bíblicos estão, gradativamente, compondo o repertório de práticas espíritas. Como visto, tal enfoque nos Estudos do Evangelho teria como origem os livros a esse respeito, publicados por Chico Xavier a partir de 1948 e atribuídos ao espírito que deu nome ao núcleo fundador de tal prática. Nesses grupos, utiliza-se, muitas vezes, dicionários bíblicos para conferir detalhes em capítulos e versículos, fazendo-se tal estudo a partir da mediação dos preceitos espíritas, sobremaneira a reencarnação e a mediunidade. Pela ênfase em aspectos morais e procedimentos racionais, a semelhança aqui com os evangélicos se refere mais ao protestantismo histórico, enquanto religião da palavra (Weber 1999WEBER, Max. (1999), Religião e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília; São Paulo: EDUnB; IMESP.) do que ao pentecostalismo, sendo que os adeptos deste costumam enfocar aspectos mágicos da chamada batalha espiritual entres “anjos e demônios”.

A ênfase nos estudos bíblicos, de algum modo, aproxima o espiritismo do catolicismo e do segmento evangélico, sendo um fator de contribuição para que a religião espírita seja mais assumida por seus adeptos, que, grosso modo, deixam de ser católicos. Ou seja, é um fator relevante na explicação do expressivo crescimento espírita nos últimos anos. Verifica-se a expressiva divulgação de tais estudos entre os adeptos dessa religião, através de eventos presenciais - antes da pandemia do Covid-19 - e do uso da internet. É efetivamente um elemento da substancial expansão espírita no último decênio, afinal esse foi o fato sociologicamente novo verificado nessa tradição religiosa no período em foco.

Confluências político-ideológicas entre espíritas e evangélicos pentecostais

Além da crescente referência bíblica no meio espírita, outros fatores colocam parte desse segmento religioso em sintonia com a porção majoritária do contingente evangélico. Tanto espíritas quanto pentecostais, bem como grande parte dos católicos, rejeitam fortemente o aborto, condenando peremptoriamente as propostas de sua descriminalização. Afirmam permanentemente que é preciso preservar a vida do feto, considerada um dom divino, sendo que para os espíritas o processo reencarnatório se inicia antes da própria fecundação do óvulo, em face do chamado envolvimento espiritual entre quem irá nascer e seus pais (Barbosa 2019BARBOSA, Allan Wine Santos. (2019), “A construção espírita do problema do aborto: ordem espiritual e discurso público”. Religião e Sociedade. vol. 39, nº 3: 152-172.), daí a grande quantidade de trabalho assistencial nesse meio religioso, voltado a gestantes pobres, mediante doação a elas de enxovais para recém-nascidos (Simões 2015SIMÕES, Pedro. (2015), Dá-me de comer. São Paulo: LIHPE/CCDPE-ECM.). Muitos militantes espíritas bastante intelectualizados, sobremaneira médicos, reiteram que o aborto causa transtornos psicológicos e espirituais às mulheres - mesmo de classes: média e alta - podendo inclusive levar ao suicídio. Verifica-se que a postura condenatória do aborto por parte de espíritas e evangélicos aparece em muitos livros, documentos e discursos de lideranças e pregadores, além de vídeos reproduzidos em diversos sites e nas redes sociais.

A forte negação do aborto faz com que espíritas e evangélicos pentecostais estejam juntos - ao lado de católicos conservadores, sobremaneira da Renovação Carismática - em atividades relacionados ao tema (Machado 2015MACHADO, Maria das Dores Campos. (2015), “Religião e política no Brasil contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos”. Religião e Sociedade , vol. 35: 45-72. ). Entre estas se destacam: a manifestação denominada Marcha Nacional da Cidadania pela Vida, que vinha acontecendo anualmente, desde 2007, em Brasília até a pandemia em 2020; e a campanha “A vida depende de seu voto”, que, desde a eleição de 2010, leva candidatos a assumirem, por escrito, o compromisso com a não descriminalização do aborto. Tais atividades são organizadas principalmente pelo Movimento Nacional da Cidadania pela Vida - Brasil sem Aborto: existente desde 2006 e do qual fazem parte, principalmente: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), a Federação Espírita Brasileira (FEB) e a Associação Médico-Espírita do Brasil - AME (Luna 2013LUNA, Narra. (2013), “O direito à vida no contexto do aborto e da pesquisa com células tronco embrionárias: disputas de agentes e valores religiosos em um estado laico”. Religião e Sociedade , vol. 33: 71-97. ; Manduca 2021MANDUCA, Vinícius. (2021), O aborto em pauta: a atuação de movimentos pró-vida no Brasil contemporâneo. São Carlos: Tese de doutorado em sociologia, UFSCar.). Atualmente, o parlamentar espírita com atuação em tal movimento e iniciativas em prol do espiritismo no Congresso Nacional é Eduardo Girão, que se elegeu senador em 2018 pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e ingressou, no ano seguinte, na legenda Podemos.13 13 O único parlamentar que fez mais menção do que ele ao aborto, na história daquela casa legislativa, foi cantor gospel, pastor batista e ex-senador pelo Partido Republicanos do Espírito Santo, Magno Malta (Manduca 2021). Girão foi presidente do clube de futebol Fortaleza e é proprietário da Estação da Luz Filmes, que produziu os longas-metragens espíritas: “Bezerra de Menezes” e “As mães de Chico Xavier”, além de coproduzir: “Chico Xavier” e “Divaldo: o mensageiro da paz”. É também um ferrenho defensor do governo Jair Bolsonaro, muito apoiado pelos parlamentares evangélicos.

O ativismo pentecostal quanto ao aborto se mostra, de algum modo, também em relação à moral familiar e sexual, traduzido em defesa do modelo tradicional de família, chefiada por homens e na forte rejeição da homossexualidade,14 14 Há que se considerar, no entanto, a existência de pentecostais igrejas inclusivas, compostas por pessoas com sexualidades tidas como desviantes (Natividade 2010). considerada por grande parte de seus adeptos algo pecaminoso, para o que se chega até a prescrever e reivindicar “tratamentos de cura” (Machado 2018MACHADO, Maria das Dores Campos. (2018), “O discurso cristão sobre a ‘ideologia de gênero’”. Revista Estudos Feministas. vol. 26, nº 2: 447-463.; Gama 2019GAMA, Maria Clara Brito. (2019), “Cura gay? Debates parlamentares sobre a (des)patologização da homossexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana. nº 31: 4-27.). No meio espírita há também interpretação da homossexualidade como efeito de supostas influências espirituais deletérias, embora prevaleça a explicação de que ela decorre de processos reencarnatórios específicos, não sendo, portanto, condenada como é a promiscuidade (Guimarães 2018GUIMARÃES, Fernando Augusto de Souza. (2018), Corpo e espírito: representações da homossexualidade no espiritismo de duas cidades paulistas. São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.; Barbosa 2019BARBOSA, Allan Wine Santos. (2019), “A construção espírita do problema do aborto: ordem espiritual e discurso público”. Religião e Sociedade. vol. 39, nº 3: 152-172.; Pereira 2020PEREIRA, Francisco Jomário. (2020), Transar pode, mas não deveria: a representação da homossexualidade no discurso espírita brasileiro. João Pessoa: Tese de doutorado em sociologia, UFPB. ; Arribas 2020ARRIBAS, Célia da Graça. (2020), “Política, gênero e sexualidade: controvérsias espíritas entre progressistas e conservadores”. Contemporânea. vol. 10, nº 2: 613-638.). Mas há entre parte dos espíritas uma postura intransigente quanto às questões que envolvem educação sexual em escolas, algo que abrange prevenção, não só de gravidez indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis, mas também da discriminação às diferenças de gênero, interpretada, em boa medida, como estímulo à homossexualidade.

Tal postura espírita esteve ligada a uma celeuma formada em torno da pessoa de maior projeção nesse meio religioso atualmente. Nascido em 1927 no município baiano de Feira de Santana, Divaldo Pereira Franco é o médium e palestrante mais prestigiado no espiritismo, também mundial. A difusão espírita do Brasil para outros países é atribuída, em parte, às muitas viagens que Franco já fez para realizar palestras (Lewgoy 2011LEWGOY, Bernardo. (2011), “Uma religião em trânsito: o papel das lideranças kardecistas na transnacionalização do espiritismo brasileiro”. Ciencias Sociales y Religión. vol. 13: 93-117.). Ao menos uma parte de seu reconhecimento se deve à instituição assistencial Mansão do Caminho, que ele fundou em Salvador no ano de 1952 e a mantém, em certa medida, por meio da comercialização de seus livros psicografados, havendo nela, entre outras atividades, o atendimento a gestantes pobres para a realização de parto normal (Souza; Simões 2017SOUZA, André Ricardo de; SIMÕES, Pedro. (2017), “Desafios do trabalho assistencial espírita: dois modelos de atuação”. REVER. vol. 17, nº 1: 123-145.). O médium baiano se tornou, em 2019, tema de um longa-metragem, aqui já mencionado e produzido pela Globo Filmes, contando com a participação de renomados atores da homônima rede televisiva.

Em 13 de fevereiro de 2018, durante o 34º Congresso Espírita de Goiás, Divaldo Franco concedeu junto com Haroldo Dias15 15 Com menos intensidade, este também já realizou várias viagens internacionais, ganhando destaque como palestrante, ao lado de Franco, em eventos espíritas. uma entrevista a jovens na qual deu uma resposta polêmica sobre o que pensava a respeito de “ideologia de gênero”. Afirmou que “a tese é profundamente comunista e foi lançada por Marx” e que ela “retira o senso moral das crianças”. Mencionou “cartilhas depravadas”, que, supostamente, escolas estariam devolvendo ao Ministério da Educação. Na mesma resposta, ainda enfatizou acusações de corrupção ao governo federal durante a gestão de Dilma Rousseff e enalteceu o então juiz federal Sérgio Moro, que havia condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de modo a impedi-lo de concorrer nas eleições presidenciais daquele ano e que depois se tornaria ministro da Justiça no governo do presidente eleito Bolsonaro.16 16 Chamado por Divaldo Franco de “venerando”, Moro já havia sido apontado por espíritas em mensagens de redes sociais como sendo a “reencarnação de Emmanuel”. Em face da grande polêmica causada, o vídeo com tal fala do médium foi retirado do YouTube, permacendo sua transcrição na edição de 16 de fevereiro de 2019 do jornal goiano Diário da Manhã: Disponível em: https://www.dm.jor.br/politica/2018/02/divaldo-franco-defende-sergio-moro-e-critica-politica-de-submissao-social/. Acesso em: 21/03/21. Cabe ponderar que Franco vocalizou publicamente posições políticas muito conservadoras que vicejavam no cotidiano espírita (Signates 2019SIGNATES, Luiz. (2019), “Espiritismo e política: os tortuosos caminhos do conservadorismo religioso e suas contradições no Brasil”. Caminhos. vol. 17: 138-154.:145-146; Arribas 2020ARRIBAS, Célia da Graça. (2020), “Política, gênero e sexualidade: controvérsias espíritas entre progressistas e conservadores”. Contemporânea. vol. 10, nº 2: 613-638.:616).

Tal resposta - com pouco mais de sete minutos, transmitida ao vivo pela internet e intensamente reproduzida - teve significativo impacto nesse segmento religioso (Signates 2019SIGNATES, Luiz. (2019), “Espiritismo e política: os tortuosos caminhos do conservadorismo religioso e suas contradições no Brasil”. Caminhos. vol. 17: 138-154.:147-149; Barbosa 2019BARBOSA, Allan Wine Santos. (2019), “A construção espírita do problema do aborto: ordem espiritual e discurso público”. Religião e Sociedade. vol. 39, nº 3: 152-172.:171; Arribas 2020ARRIBAS, Célia da Graça. (2020), “Política, gênero e sexualidade: controvérsias espíritas entre progressistas e conservadores”. Contemporânea. vol. 10, nº 2: 613-638.:615-617; Camurça 2021CAMURÇA, Marcelo Ayres. (2021), “Conservadores x progressistas no espiritismo brasileiro: tentativa de interpretação histórico-hermenêutica”. Plural, vol. 28: 136-160.:139-142). Gerou reação indignada de militantes espíritas que são liberais quanto às relações de gênero e têm pensamento político de esquerda, sendo, consequentemente, combatentes de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro. Estes se organizaram de modo a publicar em 17 de fevereiro uma “Nota de Resposta” afirmando que:

Não existe “ideologia de gênero” - este é um termo criado por setores fundamentalistas da Igreja Católica e depois adotado pelas Igrejas Evangélicas. Existe, sim, uma área de pesquisa no mundo que se chama “Estudos de Gênero” - que teve influência de Michel Foucault, Simone de Beauvoir e Judith Buttler. Divaldo revela também completo desconhecimento dessa área de estudos de gênero, alinhando-a ao marxismo e ao comunismo. As grandes lideranças desses estudos estão nos Estados Unidos e na Europa. Aliás, os estudiosos desse tema encontram-se em diversas correntes de pensamento, desde marxistas até pós-modernos de diferentes matizes e até liberais. Ao fazer isso, mais uma vez, mostra a adesão a um discurso pronto, midiático, que ressoa nos setores evangélicos e católicos mais radicais, que primam por taxar qualquer ideia ou debate que lhes desagrade com o termo “comunista” (...). Não deve alimentar discursos de ódio partidário nem medidas punitivas contra quem quer que seja: nossa bandeira é a da educação, da fraternidade entre todos e da paz, comprometidos com a democracia, a justiça social e a regeneração da sociedade.17 17 Disponível em: https://jornalcriticaespirita.files.wordpress.com/2018/02/nota-final.pdf. Acesso em: 10/01/19.

O texto era assinado por 62 pessoas bastante intelectualizadas de 10 estados do país, sob a liderança de Dora Incontri, ativista conhecida no meio espírita que é jornalista e editora de livros. Com formação também em Filosofia e Educação, ela dirige uma entidade chamada Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE). Coincidentemente, dois dias antes da entrevista de Divaldo Franco, a ABPE havia publicado “Um manifesto por um espiritismo kardecista livre”,18 18 Disponivel em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/manifesto-por-um-espiritismo-kardecista-livre/. Acesso em: 11/01/19. no qual negava a autoridade incontestável de lideranças espíritas. O texto - que circulou na nacional revista semanal de esquerda Carta Capital por iniciativa do psicólogo paulista e líder do Movimento de Espíritas pelos Direitos Humanos, Franklin Félix - era subscrito por 73 pessoas e contava com o aval de outras 7 organizações desse meio religioso. Acresceu a ele um abaixo-assinado em repúdio à entrevista, assim como um ampliado manifesto (Signates 2019SIGNATES, Luiz. (2019), “Espiritismo e política: os tortuosos caminhos do conservadorismo religioso e suas contradições no Brasil”. Caminhos. vol. 17: 138-154.:148-149; Arribas 2020ARRIBAS, Célia da Graça. (2020), “Política, gênero e sexualidade: controvérsias espíritas entre progressistas e conservadores”. Contemporânea. vol. 10, nº 2: 613-638.:617).

Tais militantes espíritas foram bastante criticados nesse meio religioso por meio das redes sociais. O advogado paulista e apresentador de programas espíritas em rádio, televisão e internet, André Luiz Ruiz, fez, ao menos, um contundente pronunciamento na TV Alvorada contra aqueles ativistas “marxistas e socialistas que não poderiam se dizer espíritas”.19 19 Disponível em: https://sv-se.facebook.com/tvalvoradaespirita/videos/comunistas-socialistas-e-marxistas-n%C3%A3o-podem-ser-verdadeiros-esp%C3%ADritas/361421671260582/. Acesso em: 06/04/21. Ruiz apresenta programas nestas emissoras: TV Jornal, TV Mundo Maior, Rádio Boa Nova e Rádio Alvorada. Em decorrência também, após 12 anos de atuação voluntária, Félix e outros apresentadores de um programa foram dispensados da Rede Boa Nova de Rádio, da Fundação Espírita André Luiz (FEAL), prestigiosa instituição no segmento espírita nacional.20 20 Félix apresentava com Yve de Oliveira e Thiago Rosa um programa voltado a temas ligados aos direitos humanos e - por ser ativista político de esquerda e homossexual, como os outros dois - acusou os dirigentes da emissora também de homofobia (Arribas 2020:630-631).

Em sentido contrário, o vídeo contendo a específica resposta de Divaldo Franco na referida entrevista foi intensamente reproduzido através do WhatsApp. Sua ampla circulação foi feita por espíritas com aguerrido posicionamento político de direita no contexto eleitoral em que Bolsonaro enfrentou e venceu as eleições contra Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores. Como se sabe, houve intenso e controverso uso do aplicativo de celular naquele pleito pelo candidato de extrema direita, algo denunciado em matéria do jornal Folha de S. Paulo em 18 de outubro, portanto, a dez dias da votação do segundo turno. Bolsonaro foi acusado de ter sido beneficiado por disparos massivos de mensagens de celular, pagas por empresários através de dinheiro ilegal de caixa dois. A polêmica sobre aquele recurso de comunicação em campanha foi além, mediante o uso muito intenso de fakenews, as notícias falsas, destacadamente voltadas ao eleitorado pentecostal.21 21 O Tribunal Superior Eleitoral chegou a punir Bolsonaro por tal prática: https://www.valor.com.br/politica/5918149/tse-manda-carlos-bolsonaro-tirar-do-ar-fake-news-contra-haddad. Assesso em: 10/01/20. Entre elas sobressaíam as que abordavam os temas: gênero e sexualidade, acusando Haddad de ser propagador do chamado kit gay e até de ter estuprado uma criança (Maranhão; Coelho; Dias 2018MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Albuquerque; COELHO, Fernanda Marina Feitosa; DIAS, Tainah Biela. (2019), “‘Fake news acima de tudo, fake news acima de todos’: Bolsonaro e o ‘kit gay’, ‘ideologia de gênero’ e fim da ‘família tradicional’”. Correlatio, vol. 17, nº 2: 65-90.; Almeida 2019ALMEIDA, Ronaldo de. (2019), “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos Estudo CEBRAP, vol. 38, nº 1: 185-213.; Mariano; Gerardi 2019MARIANO, Ricardo; GERARDI, Dirceu André. “Eleições presidenciais na América Latina em 2018 e ativismo político de evangélicos conservadores”. Revista USP, nº 120, 2019: 61-76.:70).

O voto evangélico teve bastante peso na eleição de Bolsonaro. Nada menos que dois terços dos adeptos dessa religião o escolheram, dando-lhe uma diferença de mais de 11,5 milhões de votos contra Haddad.22 22 Com o slogan de campanha “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, ele alcançou 69,1% de intenção de votos entre estes no levantamento do Datafolha feito em 25 de outubro de 2018, três dias antes do pleito. Uma vez eleito, o apoio da bancada desse segmento religioso no Congresso Nacional viria se tornar importante para sua sustentação. Ademais, os evangélicos se fizeram representados em cargos do primeiro escalão, com destaque para os pastores André Mendonça - que conduziu o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União - e Damares Alves, titular da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Gracino Junior; Souza 2020GRACINO JUNIOR, Paulo; SOUZA, Carlos Henrique Pereira de. (2020), “Evangélicos e conservadorismo - afinidades eletivas: as novas configurações da democracia no Brasil”. Horizonte. vol. 18, nº 57: 1188-1225.). Mais que isso, sendo um governo bastante controverso e com relativa baixa popularidade, grande parte de sua base social se configurou evangélica.

Cabe dizer também que o apoio de católicos bastante conservadores também teve influência no resultado eleitoral pró-Bolsonaro. Entre alguns fatos, dois ilustram isso. O primeiro foi o encontro, em 17 de setembro de 2018, entre o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, e o candidato, sendo que dois padres daquela arquidiocese e afeitos ao movimento carismático visitaram o ex-capitão do Exército no hospital enquanto este se recuperava de uma facada recebida em 6 de setembro. E o outro fato foi o notório posicionamento de apoio a ele do monsenhor Jonas Abib, fundador e líder da Rede de Televisão e Rádio Canção Nova e do padre Eduardo Dougherty, com mesma posição, porém na, também católica, TV Século 21. Ambas as emissoras divulgaram bastante positivamente as ações do já instalado governo de extrema direita (Placeres 2020PLACERES, Giulliano. (2020), O intercâmbio político entre parlamentares e as emissoras paulistas televisão católica. São Carlos: Tese de doutorado em sociologia, UFSCar.:145-153).

Ocorre que os espíritas constituem, abaixo dos evangélicos, o segmento religioso que mais votou em Jair Bolsonaro em 2018, tendo sido 55% a intenção de voto nele contra 45% em Haddad, conforme a mencionada pesquisa do Datafolha.23 23 Deve ser considerado que a categoria “Outra religião” teve 68% de intenção de votos em Bolsonaro. Porém, evidentemente, sua identificação religiosa é diluída. Ademais tal fatia constituía apenas um terço do tamanho do espiritismo. Em termos da opção de religiosos por aquele candidato, abaixo dos espíritas, ficaram os católicos (51%) e os adeptos dos cultos afro-brasileiros (30%) http://www.ihu.unisinos.br/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro?fbclid=IwAR3ifglw6QIubHUhMll33z-Wx5I4v8VZBTnu3n9DMJZriESIo2KXfMjzfGo. Acesso em: 12/02/2021. Dado o perfil social prevalente dos espíritas, como visto, cabe ponderar que sua opção majoritária pelo candidato de extrema direita se coadunou com a mesma escolha eleitoral feita pela elite socioeconômica do país, conforme dados do referido instituto de pesquisa.

Compondo os espíritas uma parte significativa da base social perdida por Bolsonaro, devido, entre outros fatores, ao aguerrido ativismo do presidente da República em favor do amplo uso de armas de fogo, cabem ser dito que tal posicionamento era diferente na fase inicial do governo e durante a campanha eleitoral, também por influência de lideranças desse segmento religioso. No Carnaval de 2018, evento atacado pelo então candidato Jair Bolsonaro nas redes sociais, houve repúdio de evangélicos e católicos conservadores ao desfile da escola de samba paulistana Gaviões da Fiel pelo fato de esta mostrar Jesus Cristo sendo agredido pelo Diabo numa representação do mal social. Tal postura foi também a de espíritas, em certa medida, influenciados, outra vez, por Divaldo Franco, que publicou um artigo a respeito no jornal baiano A tarde, reproduzido no site da FEB.24 24 Conforme: https://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/eu-protesto/. Acesso em: 21/03/21.

Três anos depois, já no contexto do governo Bolsonaro e em face da pandemia do Covid-19, o destacado médium protagonizou outra polêmica envolvendo espíritas bastante conservadores e os que se autodenominam progressistas. Como o presidente da República, deliberadamente, adotou uma política negacionista combatendo o distanciamento social, o uso de máscaras e a vacinação, tal fato, evidentemente, teve efeitos, principalmente em seus apoiadores. No estado da Bahia - onde a vacinação de idosos com mais de oitenta anos de idade teve início em 8 de fevereiro de 2021, Divaldo Franco, então com 93 anos, veio a se imunizar somente 49 dias depois, quando o mandatário do governo federal, então por conveniência eleitoral, já havia passado a aprovar a vacinação.25 25 Ver: http://www.saude.ba.gov.br/2021/02/07/bahia-inicia-a-vacinacao-de-idosos-acima-de-80-anos-a-partir-de-segunda-8/. Acesso em: 9/04/21. E ver: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/03/29/lider-espirita-divaldo-franco-recebe-vacina-contra-a-covid-19-em-salvador.ghtml. Acesso em: 09/04/21. Cabe registrar o já mencionado parlamentar espírita Eduardo Girão se tornou um grande defensor da gestão Bolsonaro, sobremaneira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado em abril de 2021 para apurar os desmandos governamentais quanto à pandemia.

Sobre a questão pandêmica, Franco também recebeu críticas pelo fato de ter publicado pela Editora Leal, em 2020, o livro psicografado por ele e ditado pelo espírito Manoel Philomeno de Miranda: No rumo do mundo de regeneração, em que é insinuado (: 97) que o vírus teria sido produzido em um laboratório chinês, algo peremptoriamente negado pela ciência médica,26 26 Disponível https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/03/18/nem-china-nem-eua-coranavirus-nao-foi-criado-em-laboratorio-mostra-estudo.htm. Acesso em: 20/03/20. porém bastante presente no imaginário e no discurso bolsonarista, sobremaneira digital. Além disso, a obra repercute acusações infundadas e levianas do ex-ministro da Educação Abraham Wheintraub contra universidades públicas federais (: 20) e recomenda o “tratamento precoce” (: 156), a partir de remédios comprovadamente ineficazes e até com efeitos colaterais, que foram intensamente propagandeados, além de distribuídos pelo Ministério da Saúde. Tal livro, que - em abril de 2021, constava no site da empresa Amazon como o “1º mais vendido em Espiritualismo, Religião e Espiritualidade” - não foi, porém, o único psicografado espírita a defender posições bolsonaristas em relação ao coronavírus. A obra do conhecido médium mineiro Carlos Bacceli, ditada pelo espírito Inácio Ferreira e publicada no mesmo ano pela editora Pedro e Paulo: Um novo mandamento vos dou, defende efusivamente a ineficaz “imunidade de rebanho” (: 162) proposta pelo presidente da República por motivos econômicos, em vez de sanitários. Ademais, tal livro também enaltece Bolsonaro e o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump - negacionista como o brasileiro - assim como rechaça o comunismo e faz acusações sem base em fatos ou evidências à China (: 28). Tanto Divaldo Franco quanto Bacceli tiveram suas mediunidades questionadas por espíritas progressistas. Estes argumentaram que eles utilizaram, ao menos, partes de tais obras para, deliberadamente, exporem suas próprias ideias político-ideológicas.27 27 Ver: https://espiritismo-fronteiras.blogspot.com/2021/04/elias-inacio-de-moraes-franco-luciano.html. Acesso em: 14/04/21. Ver: https://ms-my.facebook.com/groups/escolajesuscristo/permalink/3987851561248579/. Acesso em: 15/01/21.

Como se pode ver, o expressivo moralismo - sobremaneira em termos de questões sexuais e reprodutivas - e o controverso posicionamento bolsonarista em relação à pandemia são traços compartilhados por evangélicos pentecostais e parte dos espíritas. Tal postura se traduziu em ativismo nas redes sociais, com destaque para o WhatsApp, algo que impactou a eleição de 2018. Se o espiritismo, com seu tradicional conservadorismo (Miguel, 2020MIGUEL, Sinuê. (2020), “Disposições políticas no espiritismo brasileiro: entre ‘neutralidade’ conservadora e aspirações socialistas” Saeculum. João Pessoa, vol. 25, nº 42: 86-104.), tem tal afinidade política com o segmento pentecostal, por outro lado, possui também, como visto, outra semelhança com essa vertente religiosa, desta vez em termos da crescente valorização bíblica, algo que constitui uma novidade sociológica.

Considerações finais

Neste artigo nos propusemos a analisar determinados fatores do conjunto de percepções, visões de mundo e valores congruentes ao segmento espírita e ao evangélico pentecostal. Vale ressaltar alguns aspectos nessas duas tradições religiosas, contemplando traços da composição delas e de suas trajetórias no país.

A leitura da Bíblia e a frequente citação de suas passagens sempre foram expressivas características evangélicas. No meio espírita, como visto, os estudos bíblicos em grupo, com ênfase no Novo Testamento, tiveram início nos anos 1950, mas só vieram ganhar impulso relevante seis décadas depois. Embora os desdobramentos da celebração, em 2010, do centenário de nascimento de Chico Xavier componham o principal fator de crescimento espírita,28 28 Com destaque para dois filmes no mesmo ano, sendo um homônimo, com a participação de elenco da principal emissora televisiva do país e outro, futurista, com o nome de seu livro mais popular: Nosso Lar (1944). Ambos tiveram grandes bilheterias, respectivamente: mais de 3 e 4 milhões de espectadores. verifica-se que a ênfase na identificação religiosa cristã, que se coaduna com o Estudo do Evangelho, também contribuiu para isso (Torres 2019TORRES, Natália Cannizza. (2019), “Jesus a porta, Kardec a chave”: a apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita. São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.). Trata-se da afirmação ostensiva do espiritismo, não apenas como religião (Arribas 2010ARRIBAS, Célia da Graça. (2010), Afinal, espiritismo é religião? São Paulo: FAPESP; Alameda.), mas enquanto religião cristã, tal como o catolicismo e o protestantismo. Com isso, além do tradicional trabalho assistencial, já bastante reconhecido socialmente, o espiritismo consolida outro importante traço identitário, qual seja, o de ser também uma religião cristã (Simões; Souza 2020SIMÕES, Pedro; SOUZA, André Ricardo de (2020), Dimensões identitárias e assistenciais do espiritismo. Curitiba: Appris.). Os estudos bíblicos, como visto, propiciaram o início de um diálogo espírita relevante com alguns membros dos segmentos: católico e evangélico.29 29 Trata-se de seminários espíritas e programas televisivos seculares, que contaram com a participação de pesquisadores espíritas da Bíblia, teólogos católicos e pastores evangélicos (Souza 2017).

Por outro lado, a semelhança entre espíritas e evangélicos pentecostais vai além dos estudos da Bíblia, compondo determinada visão de mundo e conjunto de valores que se traduzem em posicionamentos políticos-ideológicos.30 30 Cabe sublinhar que os espíritas com posicionamento político de esquerda não são necessariamente identificados com os estudos bíblicos e, mais que isso, são minoritários nesse segmento religioso (Miguel 2020; Signates 2019; Arribas 2020). Estes se voltam principalmente para questões de moral: sexual, familiar e reprodutiva. A grande aversão desses segmentos religiosos aos políticos de esquerda, sobremaneira Lula e sua legenda, foi favorável à eleição presidencial de Jair Bolsonaro. Tal antipetismo é compartilhado por segmentos conservadores do catolicismo, de modo a compor a direita cristã brasileira (Mariano 2016MARIANO, Ricardo. (2016), “Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores Secularização e pluralismo em debate”. Civitas. vol. 16: 710-728.; Alencar 2018ALENCAR, Gustavo. (2018), “Evangélicos e a nova direita no Brasil: os discursos conservadores do ‘neocalvinismo’ e as interlocuções com a política”. Teoria e Cultura, vol. 13, nº 2: 101-117.). O explícito posicionamento político-ideológico de lideranças espíritas, muito destacadamente Divaldo Franco,31 31 Uma ressalva é o fato de Franco tratar relativamente pouco de trechos bíblicos em suas palestras e publicações psicográficas. É interessante notar que em sua polêmica entrevista no mencionado evento de Goiânia, ele acabou causando o contrário do que literalmente falou: “Aliás, o evangelho recomenda que não devemos provocar o escândalo.” causou reações de ativistas espíritas de esquerda. Estes foram, por sua vez e em represália, duramente criticados, tendo inclusive sua identidade religiosa questionada num contexto de bastante divisão. Entretanto, pode-se dizer que foi justamente a verbalização pública de posições político-ideológicas conservadoras, sobretudo do médium baiano, que fizeram com que os espíritas “progressistas” se articulassem de modo mais significativo para expressar suas ideias contrárias.

A disseminação dos estudos bíblicos no meio espírita, que vem ocorrendo desde 2010, não deriva, mas, sim, coincide com o grande fortalecimento das posturas políticas de direita e de extrema-direita, algo que fomentou o antagonismo ideológico e fez surgir grande clivagem na sociedade brasileira, estando ainda presente, de algum modo, em não poucas famílias. A prisão de Lula, a eleição de Bolsonaro e a controversa configuração política de seu governo são resultados disso. Embora a base social do presidente ultradireitista, como dito, seja, em grande medida, evangélica, tendo havido bastante perda de apoio dos espíritas, o fato é que lideranças desse segmento não fizeram críticas públicas a seu governo, sendo tal postura condizente com a tradicional discrição política espírita. Tampouco Divaldo Franco e André Ruiz expressaram publicamente, até o momento, autocrítica quanto às suas ações em 2018.

A confluência entre pentecostais e espíritas abrange, por um lado, a ênfase bíblica, principalmente nos evangelhos e, por outro, o conjunto de valores morais redundantes em posturas políticas semelhantes. Em termos morais, são duas faces conflitivas. A primeira se traduz em afirmação da sua identidade religiosa cristã por meio dos aprofundados e difundidos estudos do Novo Testamento, cuja ênfase é no tradicional preceito espírita e cristão da caridade, algo, que, evidentemente, abarca as posturas de tolerância no convívio social e de solidariedade para com os mais necessitados. Já a segunda constitui o aguerrido posicionamento político-ideológico no combate ao que é considerado o mal e que deve ser extirpado. E quando se demoniza algo, tudo que é diferente, parece ser “menos ruim”, daí a opção feita por Bolsonaro nas eleições presidenciais e o não reconhecimento público de arrependimento. Pode-se dizer que a resultante da disputa entre essas duas faces do espiritismo dirá no futuro, em boa medida, como deverá se configurar tal segmento religioso.

Referências

  • ALENCAR, Gustavo. (2018), “Evangélicos e a nova direita no Brasil: os discursos conservadores do ‘neocalvinismo’ e as interlocuções com a política”. Teoria e Cultura, vol. 13, nº 2: 101-117.
  • ALMEIDA, Ronaldo de. (2019), “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos Estudo CEBRAP, vol. 38, nº 1: 185-213.
  • ARRIBAS, Célia da Graça. (2010), Afinal, espiritismo é religião? São Paulo: FAPESP; Alameda.
  • ARRIBAS, Célia da Graça. (2020), “Política, gênero e sexualidade: controvérsias espíritas entre progressistas e conservadores”. Contemporânea vol. 10, nº 2: 613-638.
  • AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. (2009), A mesa, o livro e os espíritos. Gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil Maceió: EdUFAL.
  • BARBOSA, Allan Wine Santos. (2019), “A construção espírita do problema do aborto: ordem espiritual e discurso público”. Religião e Sociedade vol. 39, nº 3: 152-172.
  • BOURDIEU, Pierre. (1974), A economia das trocas simbólicas São Paulo: Editora Perspectiva.
  • BURKE, Peter; BRIGGS, Asa. (2004), Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • CAMURÇA, Marcelo Ayres. (2021), “Conservadores x progressistas no espiritismo brasileiro: tentativa de interpretação histórico-hermenêutica”. Plural, vol. 28: 136-160.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. (1983), O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo Rio de Janeiro: Zahar.
  • DAMAZIO, Sylvia. (1994), Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
  • FRESTON, Paul. (1993), Protestantes e políticas no Brasil: da Constituinte ao impeachment Campinas: Tese de doutorado em ciências sociais, Unicamp.
  • GAMA, Maria Clara Brito. (2019), “Cura gay? Debates parlamentares sobre a (des)patologização da homossexualidade”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana nº 31: 4-27.
  • GRACINO JUNIOR, Paulo; SOUZA, Carlos Henrique Pereira de. (2020), “Evangélicos e conservadorismo - afinidades eletivas: as novas configurações da democracia no Brasil”. Horizonte vol. 18, nº 57: 1188-1225.
  • GUIMARÃES, Fernando Augusto de Souza. (2018), Corpo e espírito: representações da homossexualidade no espiritismo de duas cidades paulistas São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.
  • JACOB, Cesar Romero; HEES, Dora Rodrigues; WANIEZ, Philippe; BRUSTLEIN, Violette. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil Rio de Janeiro: Editora da PUC-RJ; Loyola, 2003.
  • KLEIN, Luciano. (2012), Bezerra de Menezes: fatos e documentos Bragança Paulista: Lachatre.
  • LEWGOY, Bernardo. (2000), Os espíritas e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista São Paulo: Tese de doutorado em antropologia social, USP.
  • LEWGOY, Bernardo. (2004), O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira Bauru; Brasília: EDUSC; CNPq-PRONEX.
  • LEWGOY, Bernardo. (2011), “Uma religião em trânsito: o papel das lideranças kardecistas na transnacionalização do espiritismo brasileiro”. Ciencias Sociales y Religión vol. 13: 93-117.
  • LEWGOY, Bernardo. (2013), “A contagem do rebanho e a magia dos números: nota sobre o espiritismo no Censo 2010”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010 Petrópolis: Vozes.
  • LUNA, Narra. (2013), “O direito à vida no contexto do aborto e da pesquisa com células tronco embrionárias: disputas de agentes e valores religiosos em um estado laico”. Religião e Sociedade , vol. 33: 71-97.
  • MACHADO, Maria das Dores Campos. (2015), “Religião e política no Brasil contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos”. Religião e Sociedade , vol. 35: 45-72.
  • MACHADO, Maria das Dores Campos. (2018), “O discurso cristão sobre a ‘ideologia de gênero’”. Revista Estudos Feministas vol. 26, nº 2: 447-463.
  • MANDUCA, Vinícius. (2021), O aborto em pauta: a atuação de movimentos pró-vida no Brasil contemporâneo São Carlos: Tese de doutorado em sociologia, UFSCar.
  • MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Albuquerque; COELHO, Fernanda Marina Feitosa; DIAS, Tainah Biela. (2019), “‘Fake news acima de tudo, fake news acima de todos’: Bolsonaro e o ‘kit gay’, ‘ideologia de gênero’ e fim da ‘família tradicional’”. Correlatio, vol. 17, nº 2: 65-90.
  • MARIANO, Ricardo. (2016), “Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores Secularização e pluralismo em debate”. Civitas vol. 16: 710-728.
  • MARIANO, Ricardo; GERARDI, Dirceu André. “Eleições presidenciais na América Latina em 2018 e ativismo político de evangélicos conservadores”. Revista USP, nº 120, 2019: 61-76.
  • MARIZ, Cecília Loreto; GRACINO JUNIOR, Paulo. (2013), “As igrejas pentecostais no censo de 2010”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010 . Petrópolis: Vozes .
  • MENDONÇA, Antônio Gouvêa. (1984), O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil São Paulo: Paulinas.
  • MIGUEL, Sinuê. (2020), “Disposições políticas no espiritismo brasileiro: entre ‘neutralidade’ conservadora e aspirações socialistas” Saeculum João Pessoa, vol. 25, nº 42: 86-104.
  • NATIVIDADE, Marcelo Tavares. (2010), “Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma comunidade inclusiva pentecosta”. Religião e Sociedade , vol. 30: 90-120.
  • OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. (1986), “Comunidade, igreja e poder: em busca de um conceito sociológica de ‘igreja’”. Religião e Sociedade . vol. 13, nº 3: 42-60.
  • PEREIRA, Francisco Jomário. (2020), Transar pode, mas não deveria: a representação da homossexualidade no discurso espírita brasileiro João Pessoa: Tese de doutorado em sociologia, UFPB.
  • PIERUCCI, Antônio Flávio. (1989), “Representantes de Deus em Brasília: a bancada evangélica na Constituinte”. Ciências Sociais Hoje, São Paulo: 104-132.
  • PLACERES, Giulliano. (2020), O intercâmbio político entre parlamentares e as emissoras paulistas televisão católica São Carlos: Tese de doutorado em sociologia, UFSCar.
  • PRANDI, Reginaldo. (2013), “As religiões afro-brasileiras em ascensão e declínio”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). Religiões em movimento: o censo de 2010 . Petrópolis: Vozes .
  • PRANDI, Reginaldo. (2012), Os vivos e os mortos: uma introdução ao espiritismo São Paulo: Três Estrelas.
  • REILY, Duncan Alexander. (1984), História documental do protestantismo no Brasil São Paulo: ASTE.
  • SIGNATES, Luiz. (2019), “Espiritismo e política: os tortuosos caminhos do conservadorismo religioso e suas contradições no Brasil”. Caminhos vol. 17: 138-154.
  • SIMÕES, Pedro. (2015), Dá-me de comer São Paulo: LIHPE/CCDPE-ECM.
  • SIMÕES, Pedro; SOUZA, André Ricardo de (2020), Dimensões identitárias e assistenciais do espiritismo Curitiba: Appris.
  • SOUZA, André Ricardo de; ARRIBAS, Célia da Graça; SIMÕES, Pedro. (2017), “Feições expressivas do movimento espírita brasileiro”. Religare, vol. 14, nº 1: 28-59.
  • SOUZA, André Ricardo de; SIMÕES, Pedro. (2017), “Desafios do trabalho assistencial espírita: dois modelos de atuação”. REVER vol. 17, nº 1: 123-145.
  • SOUZA, André Ricardo de. (2017), “Dimensions of Christianity and the Amplification of Ecumenism in Brazil”. International Journal of Latin American Religions, vol. 1: 1-14.
  • TORRES, Natália Cannizza. (2019), “Jesus a porta, Kardec a chave”: a apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita São Carlos: Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar.
  • WEBER, Max. (1999), Religião e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva Brasília; São Paulo: EDUnB; IMESP.
  • 1
    Até 1970, os adeptos dos cultos de matriz africana eram identificados pelo censo demográfico como “espíritas”. Foi só a partir da década posterior que se pôde verificar os tamanhos distintos dos contingentes: afro-brasileiro e espírita, pois, no recenseamento de 1980, foram classificados os “espíritas kardecistas” em contraposição aos “espíritas afro-brasileiros”. Como se sabe, o espiritismo - junto com o candomblé e o catolicismo - deu origem à umbanda, que já foi chamada de “baixo espiritismo”, mas efetivamente se distingue da religião fundada por Allan Kardec na França (Jacob et al. 2003JACOB, Cesar Romero; HEES, Dora Rodrigues; WANIEZ, Philippe; BRUSTLEIN, Violette. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da PUC-RJ; Loyola, 2003. ; Aubrée & Laplantine 2009; Prandi, 2012PRANDI, Reginaldo. (2012), Os vivos e os mortos: uma introdução ao espiritismo. São Paulo: Três Estrelas.). Neste artigo, doravante, utilizamos apenas o termo espírita.
  • 2
    Ver: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em: 14/04/2021. Relembremos que nos censos de 1991 e 2000, o segmento dos sem religião teve, respectivamente, as cifras: 4,7% e 7,4%; ao passo que o dos espíritas teve: 1,1% e 1,3%.
  • 3
    Envolvendo entre outros, León Denis, considerado por muitos adeptos dessa religião um sucessor de Kardec e autor do livro Socialismo e espiritismo (1924), bastante estudado por espíritas brasileiros políticamente de esquerda.
  • 4
    Embora, tenha permanecido até o presente uma parcela que rejeita deliberadamente a idetificação religiosa do espiritismo (Arribas 2010).
  • 5
    Essa prática se disseminou nacionalmente, tornando-se estrutural dessa religião no Brasil, estando inclusive na origem de alguns centros espíritas (Torres 2019:42).
  • 6
    Gradativamente, a referência à obra de Kardec prevaleceu à do seu contemporâneo e oponente francês Jean-Baptiste Roustaing, intitulada Os quatro evangelhos: revelação da revelação (1866), que causou uma longa celeuma em tal segmento religioso no Brasil até 10 de agosto de 2019, quando, por meio de assembleia geral extraordinária, a FEB retirou de seu estatuto o artigo que previa o estudo do referido livro.
  • 7
    Sendo reconhecida pelo título do primeiro livro - Caminho, verdade e vida -, essa série costuma ser lida também em reuniões de centros espíritas.
  • 8
    Destacam-se as obras: Parábolas e ensinos de Jesus (1928), de Cairbar Schutel; A divina epopeia (1941), de Francisco Bittencourt Sampaio; Síntese do Novo Testamento (1946), de Wantuil de Freitas, e Sabedoria do Evangelho (1946), de Carlos Torres Pastorino.
  • 9
    Ocorreu entre 16 e 18 de abril, data esta última em que se relembra a publicação, por Kardec, de O livro dos espíritos (1857), inaugurando o espiritismo. A primeira edição desse evento ocorreu em Goiânia, em 1999, celebrando 50 anos do Pacto Aúreo - acordo que unificou o chamado movimento espírita nacional - e a terceira se deu também na capital nacional, em 2007, comemorando os 150 anos do livro inicial dessa religião.
  • 10
    Em 2007, enquanto presidia a FEB e impulsionava a produção de apostilas espíritas sobre temas bíblicos, Masotti consultou Abreu e Haroldo Dias sobre qual tradução da Bíblia adotar, quando então aquele indicou este para fazer uma tradução própria do segmento espírita. No ano seguinte, o presidente da federativa espírita nacional tomou providências para que Dias viajasse a Israel de modo a comprar vasto material bibliográfico para tal empreitada (Souza; Arribas & Simões 2017SOUZA, André Ricardo de; ARRIBAS, Célia da Graça; SIMÕES, Pedro. (2017), “Feições expressivas do movimento espírita brasileiro”. Religare, vol. 14, nº 1: 28-59. ; Torres 2019).
  • 11
    No mesmo ano, a FEB implementou uma atividade parecida, porém denominada Evangelho Redivivo, procurando fazer uso da metodologia dos EMEJs mineiros. Veio a promover oficinas a respeito, em Brasília, a partir de 2018.
  • 12
    Os grupos espíritas de estudos bíblicos estão listados em: www.nepebrasil.org. Acesso em: 19/04/2021.
  • 13
    O único parlamentar que fez mais menção do que ele ao aborto, na história daquela casa legislativa, foi cantor gospel, pastor batista e ex-senador pelo Partido Republicanos do Espírito Santo, Magno Malta (Manduca 2021).
  • 14
    Há que se considerar, no entanto, a existência de pentecostais igrejas inclusivas, compostas por pessoas com sexualidades tidas como desviantes (Natividade 2010NATIVIDADE, Marcelo Tavares. (2010), “Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma comunidade inclusiva pentecosta”. Religião e Sociedade , vol. 30: 90-120.).
  • 15
    Com menos intensidade, este também já realizou várias viagens internacionais, ganhando destaque como palestrante, ao lado de Franco, em eventos espíritas.
  • 16
    Chamado por Divaldo Franco de “venerando”, Moro já havia sido apontado por espíritas em mensagens de redes sociais como sendo a “reencarnação de Emmanuel”. Em face da grande polêmica causada, o vídeo com tal fala do médium foi retirado do YouTube, permacendo sua transcrição na edição de 16 de fevereiro de 2019 do jornal goiano Diário da Manhã: Disponível em: https://www.dm.jor.br/politica/2018/02/divaldo-franco-defende-sergio-moro-e-critica-politica-de-submissao-social/. Acesso em: 21/03/21.
  • 17
    Disponível em: https://jornalcriticaespirita.files.wordpress.com/2018/02/nota-final.pdf. Acesso em: 10/01/19.
  • 18
    Disponivel em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/manifesto-por-um-espiritismo-kardecista-livre/. Acesso em: 11/01/19.
  • 19
    Disponível em: https://sv-se.facebook.com/tvalvoradaespirita/videos/comunistas-socialistas-e-marxistas-n%C3%A3o-podem-ser-verdadeiros-esp%C3%ADritas/361421671260582/. Acesso em: 06/04/21. Ruiz apresenta programas nestas emissoras: TV Jornal, TV Mundo Maior, Rádio Boa Nova e Rádio Alvorada.
  • 20
    Félix apresentava com Yve de Oliveira e Thiago Rosa um programa voltado a temas ligados aos direitos humanos e - por ser ativista político de esquerda e homossexual, como os outros dois - acusou os dirigentes da emissora também de homofobia (Arribas 2020:630-631).
  • 21
    O Tribunal Superior Eleitoral chegou a punir Bolsonaro por tal prática: https://www.valor.com.br/politica/5918149/tse-manda-carlos-bolsonaro-tirar-do-ar-fake-news-contra-haddad. Assesso em: 10/01/20.
  • 22
    Com o slogan de campanha “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, ele alcançou 69,1% de intenção de votos entre estes no levantamento do Datafolha feito em 25 de outubro de 2018, três dias antes do pleito.
  • 23
    Deve ser considerado que a categoria “Outra religião” teve 68% de intenção de votos em Bolsonaro. Porém, evidentemente, sua identificação religiosa é diluída. Ademais tal fatia constituía apenas um terço do tamanho do espiritismo. Em termos da opção de religiosos por aquele candidato, abaixo dos espíritas, ficaram os católicos (51%) e os adeptos dos cultos afro-brasileiros (30%) http://www.ihu.unisinos.br/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro?fbclid=IwAR3ifglw6QIubHUhMll33z-Wx5I4v8VZBTnu3n9DMJZriESIo2KXfMjzfGo. Acesso em: 12/02/2021.
  • 24
    Conforme: https://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/artigos-espiritas/eu-protesto/. Acesso em: 21/03/21.
  • 25
    Ver: http://www.saude.ba.gov.br/2021/02/07/bahia-inicia-a-vacinacao-de-idosos-acima-de-80-anos-a-partir-de-segunda-8/. Acesso em: 9/04/21. E ver: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/03/29/lider-espirita-divaldo-franco-recebe-vacina-contra-a-covid-19-em-salvador.ghtml. Acesso em: 09/04/21. Cabe registrar o já mencionado parlamentar espírita Eduardo Girão se tornou um grande defensor da gestão Bolsonaro, sobremaneira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado em abril de 2021 para apurar os desmandos governamentais quanto à pandemia.
  • 26
    Disponível https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/03/18/nem-china-nem-eua-coranavirus-nao-foi-criado-em-laboratorio-mostra-estudo.htm. Acesso em: 20/03/20.
  • 27
    Ver: https://espiritismo-fronteiras.blogspot.com/2021/04/elias-inacio-de-moraes-franco-luciano.html. Acesso em: 14/04/21. Ver: https://ms-my.facebook.com/groups/escolajesuscristo/permalink/3987851561248579/. Acesso em: 15/01/21.
  • 28
    Com destaque para dois filmes no mesmo ano, sendo um homônimo, com a participação de elenco da principal emissora televisiva do país e outro, futurista, com o nome de seu livro mais popular: Nosso Lar (1944). Ambos tiveram grandes bilheterias, respectivamente: mais de 3 e 4 milhões de espectadores.
  • 29
    Trata-se de seminários espíritas e programas televisivos seculares, que contaram com a participação de pesquisadores espíritas da Bíblia, teólogos católicos e pastores evangélicos (Souza 2017).
  • 30
    Cabe sublinhar que os espíritas com posicionamento político de esquerda não são necessariamente identificados com os estudos bíblicos e, mais que isso, são minoritários nesse segmento religioso (Miguel 2020; Signates 2019; Arribas 2020).
  • 31
    Uma ressalva é o fato de Franco tratar relativamente pouco de trechos bíblicos em suas palestras e publicações psicográficas. É interessante notar que em sua polêmica entrevista no mencionado evento de Goiânia, ele acabou causando o contrário do que literalmente falou: “Aliás, o evangelho recomenda que não devemos provocar o escândalo.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2021
  • Aceito
    17 Nov 2021
Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar – Centro., CEP 20071-000 Rio de Janeiro / RJ, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br