Uso do colar de âmbar pela população infantil: riscos x benefícios

Resumo

Objetivo:

Com base em evidências científicas, a proposta do presente trabalho é relatar os prováveis riscos e benefícios do uso do colar de âmbar pela população infantil.

Fontes de dados:

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada a partir da elaboração da questão norteadora: “O colar de âmbar apresenta propriedades que justifiquem seu uso durante a erupção dentária?’’. As bases de dados utilizadas foram LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PubMed (National Center for Biotechnology Information), por meio dos descritores: Âmbar; Dentes decíduos; Estrangulamento; Sintomas locais.

Síntese dos dados:

Após a busca dos dados, foram selecionados cinco artigos, os quais apontam insuficiente embasamento científico que comprove os benefícios relacionados ao uso do colar de âmbar. Em contrapartida, existe uma convergência quanto à possibilidade de riscos à saúde, como estrangulamento, asfixia e deglutição das pedras.

Conclusões:

Conclui-se que os profissionais da saúde devem desencorajar o seu uso por crianças até que pesquisas clínicas bem delineadas sejam disponibilizadas.

Palavras-chave:
Âmbar; Dente decíduo; Estrangulamento; Sintomas locais

Abstract

Objective:

Based on scientific evidence, the objective of the present study is to report the possible risks and benefits of the amber teething necklace for children who use it.

Data source:

This is an integrative literature review, carried out based on the following guiding question: “Does the amber teething necklace have therapeutic properties that justify its usage during tooth eruption?”. The consulted databases were LILACS (Latin American and Caribbean Health Sciences Literature) and PubMed (National Center for Biotechnology Information), with the following descriptors: “Amber,” “Deciduous teeth,” “Strangulation,” and “Local symptoms.”

Data synthesis:

A total of five scientific articles were selected, which indicates an insufficient basis regarding the benefits associated with the use of the amber teething necklace. Conversely, there is a convergence regarding the possibility of health risks such as strangulation, asphyxiation, and swallowing of beads.

Conclusions:

Health professionals should discourage the use of the amber teething necklace by children insofar more studies on the topic are carried out.

Keywords:
Amber; Deciduous teeth; Strangulation; Local symptoms

INTRODUÇÃO

Durante a erupção dos dentes decíduos, por volta dos seis meses de vida, manifestações locais nos tecidos ao redor dos dentes e/ou sistêmicas são normalmente reportadas pelos pais. Entre elas, coceira e inflamação gengival, perda de apetite, aumento na sucção de dedo ou inserção de objetos na boca, salivação excessiva, febre baixa, irritabilidade, diarreia e insônia se destacam. Porém, vale enfatizar que a ocorrência de manifestações biológicas sistêmicas associadas ao processo de erupção consiste em um debate que não foi elucidado pela comunidade científica. São crenças sociais, já que sintomas como febre e diarreia podem estar relacionados ao simples fato de a criança ter colocado as mãos sujas na boca para aliviar a coceira na gengiva.¹–³

Embora a erupção dos dentes seja definida como um processo fisiológico e benigno, muitos pais e tutores de crianças tendem a consultar pediatras e odontopediatras para ter acesso a qualquer tratamento que possa minimizar ou tratar os sintomas. Atualmente, os profissionais têm duas formas de fazer o manejo terapêutico. O manejo não-farmacológico deve ser a abordagem de escolha e consiste na aplicação de pressão na área dolorida da membrana mucosa com objetos, como mordedores feitos de silicone ou frutas e vegetais congelados. Além disso, o manejo farmacológico é restrito ao uso sistêmico de analgésicos e/ou agentes tópicos, como anestesia local com medicamentos à base de lidocaína.⁴

Em meados de 2011, o colar de âmbar apareceu no mercado mundial como uma alternativa terapêutica “natural” para aliviar desconfortos locais. Considerado um transmissor biológico, as esferas de pedra de âmbar, usadas na forma de colar, pulseiras ou tornozeleiras, liberariam ácido succínico por meio do contato e calor. Ao ser absorvido pela pele, o ácido teria efeito analgésico e anti-inflamatório locais. Os fabricantes recomendam o uso contínuo e prolongado do produto para obter o efeito terapêutico desejado.⁵

Com o advento das mídias e redes sociais, uma diversidade de conteúdos foi publicada em plataformas virtuais sem a legitimação dos dados. Como consequência, um excesso de (des) informação se espalhou rapidamente, de forma prejudicial, o que instigou pesquisadores e autoridades da saúde. Assim, o objetivo deste estudo é avaliar as evidências científicas sobre o uso do colar de âmbar e seus riscos e benefícios para a população infantil, enfatizando sua função terapêutica tendo em vista as manifestações clínicas associadas à erupção dos dentes.

MÉTODO

O estudo é uma revisão integrativa da literatura, metodologia que permite a análise aprofundada de estudos já publicados como referência para o início de uma nova pesquisa. Com a avaliação, interpretação e síntese dos resultados, é viável desenvolver uma explicação sobre um tema prévio.⁶ Nesta pesquisa, a formulação do tema surgiu da elaboração da seguinte questão norteadora: “O colar de âmbar apresenta propriedades que justifiquem seu uso durante a erupção dentária?”.

As bases de dados usadas na pesquisa foram a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), e os descritores foram retirados do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): Âmbar; Dentes Decíduos; Estrangulamento; e Sintomas Locais; e do PubMed (U.S. National Center for Biotechnology Information), com os descritores em inglês: Amber; Deciduous Teeth; Strangulation; and Local Symptoms. Inicialmente, uma busca de artigos foi realizada com os descritores utilizados individualmente; depois, foram reunidos em pares e trios, utilizando o operador booleano “e”.

Os critérios de inclusão para a seleção da amostra foram artigos publicados em português e/ou inglês entre 2015 e 2020, disponibilizados gratuitamente na íntegra, que abordavam o tema do estudo após a leitura dos títulos e dos resumos. Livros, capítulos de livros, teses de graduação e dissertações foram excluídos do estudo. A Figura 1 ilustra a trajetória e as estratégias de busca deste estudo.

Figura 1.
Fluxo ilustrando a trajetória e as estratégias de busca do estudo.

RESULTADOS

Após ler os resumos dos estudos, cinco artigos foram selecionados para pesquisa, e todos estavam ligados à base de dados LILACS. Foram publicados em inglês e são caracterizados de acordo com tipo de estudo, como: estudo observacional, relato de caso e estudo longitudinal retrospectivo. Os artigos incluídos derivaram do descritor “âmbar” e eram originários de países no continente Americano, como Brasil, Estados Unidos e Canadá. As áreas de conhecimento dos pesquisadores eram odontologia e medicina (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição, em ordem cronológica, da publicação de artigos selecionados na revisão integrativa.

Autores (ano)referência	Objetivo	Principais resultados	Conclusão
Machet et al. (2016)10	Analisar a colonização bacteriana em colares de âmbar usados por crianças em consultas no hospital	Todos os colares analisados tinham colonização bacteriana. 32 espécies foram encontradas, e a mais comum foi a Staphylococcus coagulase negativa. Além disso, 70,4% dos pais consideravam arriscado que seus filhos usassem este colar.	Os colares de âmbar podem ter muitas colônias, sendo contraindicados, já que se tornam suscetíveis a infecções bacterianas.
Cox et al. (2017)1	Reportar um caso acidental de estrangulamento causado pelo uso do colar de âmbar.	Um paciente de 4 meses usava um colar de âmbar enquanto dormia para diminuir o desconforto causado pela erupção dos dentes. Acordou com petéquias no rosto e pescoço, compatíveis com sinais do diagnóstico de estrangulamento acidental.	É extremamente importante que profissionais da saúde que trabalham com crianças façam recomendações seguras para os responsáveis, considerando que o colar de âmbar apresenta riscos de estrangulamento.
Soudek e McLaughlin (2018)11	Analisar a força requerida para quebrar colares de âmbar, de acordo com a Sociedade Americana para Testes e Materiais.	Dos 15 colares testados, sete não se quebraram com a força mínima de 6,8 kg (padronizado pela ASTM – Sociedade Americana para Testes e Materiais).	Os colares de âmbar apresentam risco de estrangulamento em crianças pequenas, já que elas não conseguem abrir o adereço com a força mínima aplicada.
Nissen et al. (2019)5	Avaliar a eficiência do colar de âmbar para tratar os sintomas da erupção dos dentes.	Todas as pedras de âmbar submersas em solução salina tamponada com fosfato de octanol, pH 5.5, não liberaram ácido succínico mensurável, exceto por esferas coloridas, que foram divididas em pequenos fragmentos. Além disso, o tratamento dos macrófagos com ácido succínico não reduziu a liberação de citocinas inflamatórias mensuradas, e exibiu toxicidade das células em alta concentração.	Não há evidência de que o ingrediente ativo, ácido succínico, contenha as propriedades anti-inflamatórias que possam ser liberadas do âmbar para a pele humana.
Strieder et al. (2019)8	Determinar o interesse de usuários do Google em informações sobre o uso do colar de âmbar em diferentes países com o passar dos anos.	Houve um interesse crescente dos usuários, principalmente desde 2004, sem a influência da sazonalidade mensal ou quinzenal. A maioria das pesquisas era sobre informações para reduzir o desconforto, o que demonstra a perpetuação de crenças associadas à erupção dos dentes.	Há muito interesse dos usuários do Google em relação ao uso do colar de âmbar como solução para aliviar os sintomas da erupção dos dentes em vários países.

DISCUSSÃO

A erupção dos dentes é o período desde a formação inicial dos dentes até seu posicionamento final na arcada. Dias antes do aparecimento dos dentes na cavidade oral, caracterizado pelo processo de ruptura dos tecidos gengivais, alguns sinais e sintomas locais podem ocorrer.³,⁷ O que se sabe é que independentemente de qual seja o desconforto, ele não deve ser ignorado.² Partindo desta observação, o tratamento normalmente requer a atuação de uma equipe de saúde multidisciplinar. Por isso, dependendo da condição clínica da criança, é saudável e prudente que o dentista encaminhe o paciente ao pediatra para descartar qualquer patologia, e garantir uma estratégia terapêutica adequada.

É neste contexto que como objeto do estudo da pesquisa em questão, o colar de âmbar, ganhou destaque, principalmente nas redes sociais, tratando-se de uma terapia alternativa para o alívio dos sintomas associados ao processo de erupção dos dentes.⁸ Machet et al. relacionam o crescente interesse no produto à busca da população por abordagens da naturopatia como preferível à medicina convencional. Em geral, as redes sociais condicionam os indivíduos a acreditarem em notícias e informações (não) reais.⁸–¹⁰

Uma pesquisa realizada por Strieder et al. mostrou que os pais usam muito a internet para encontrar maneiras de minimizar desconfortos na cavidade oral. Porém, este comportamento normalmente leva a crenças erradas e ao conhecimento sem base científica. Os autores reforçam que, no Brasil, o que impulsionou o mercado dos colares de âmbar foi uma publicação informal feita pela modelo Gisele Bündchen, em que sua filha aparece usando o acessório. A partir daí, o alcance da mídia digital e sua influência para impulsionar venda de produtos foram ratificados, o que nem sempre é efetivo.⁸

Com base nos resultados do trabalho de Nissen et al., não há evidências de liberação da forma intacta do ácido succínico, composto natural presente no âmbar, para ser absorvido pela pele humana. Mesmo se fosse absorvido, não poderia oferecer efeitos anti-inflamatórios por meio de mediadores inflamatórios, tendo em vista a necessidade de aquecimento muito maior do que aquele causado pelo simples contato das pedras com o corpo da criança. Isso refuta a informação apresentada pelos fabricantes do produto.⁵,⁹,¹⁰

Além da falta de provas da efetividade clínica do colar de âmbar, seu uso ainda implica riscos iminentes à saúde da criança, como engasgo, estrangulamento, deglutição de pedras e infecções bacterianas na pele e/ou na cavidade oral. Neste sentido, Machet et al.⁹ observaram que esses colares tendem a ter colônias inteiras em sua superfície, contendo espécies não-patogênicas de bactérias, em contato com crianças saudáveis; porém, têm potencial para induzir infecções em indivíduos com imunidade comprometida. Além da falta de provas da efetividade clínica do colar de âmbar, seu uso implica riscos iminentes para a saúde da criança, como engasgo, estrangulamento, deglutição das pedras e infecção bacteriana na pele e/ou na cavidade oral, especialmente em indivíduos com imunidade comprometida.⁹

A Especificação Padrão para a Segurança dos Produtos e Requerimentos Mecânicos de Joias Infantis, da Sociedade Americana para Testes e Materiais (ASTM), testou o fecho do colar de âmbar e descobriu que, em 8 de 10 colares, uma força média de 725 gramas era necessária para abri-lo, e em 8 a cada 15 colares, a força necessária era de quase 7 quilos. Esta força é suficiente para obstruir a via aérea de uma criança pequena. O uso das esferas de âmbar no formato de pulseira e tornozeleira também apresenta riscos, como o torniquete, devido à interrupção da circulação sanguínea dos membros onde estão colocados.⁸ Apoiadores do adereço dizem que, mesmo sob alta tensão, o colar pode mais facilmente se quebrar do que estrangular uma criança. No Canadá e nos Estados Unidos, muitas lojas vendem o produto com base nesta premissa, mas os fabricantes devem testar o produto previamente. Porém, na prática, esta não é a rotina dos produtores.¹

O estudo de Nissen et al.⁵ demonstrou que só 8% dos pais sabia dos riscos relacionados ao uso do colar de âmbar. Ainda assim, muitos estavam convencidos que “os benefícios eram maiores que os riscos”.⁵ Assim, consideraram que o possível efeito terapêutico reportado poderia ser subjetivo e resultado de um efeito placebo, o que daria tranquilidade aos pais e responsáveis simplesmente porque era uma opção disponível.⁹ A comercialização de produtos por meio de lojas virtuais e físicas de artigos infantis também expôs os consumidores à compra de colares feitos com pedras sintéticas, adicionando o risco de reações alérgicas.

Importantes associações médicas, referências mundiais em pediatria e odontologia, como a Associação Canadense dos Médicos da Emergência, a Associação Brasileira de Odontopediatra, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Academia Americana de Pediatria, recomendam que os pais não usem adereços contendo pedras de âmbar em seus filhos, assim como colares, cordas, fitas ou correntes ao redor do pescoço de crianças com menos de três anos.¹,¹¹,¹² De forma mais direcionada, a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, reitera a contraindicação tendo em vista relatórios de mortes por estrangulamento e engasgo ao usar o colar.¹ Finalmente, alguns autores dizem que se os responsáveis ainda assim quiserem aderir ao colar de âmbar, seu uso deve ser supervisionado e somente durante o dia, removendo-o quando a criança for dormir.⁹–¹¹

Esta revisão enfatiza o baixo número de publicações científicas disponíveis sobre o assunto, além da prevalência de estudos descritivos, com baixo nível de evidência. Considerando essas limitações, reforçamos a necessidade de estudos clínicos experimentais para realizar um debate mais elaborado sobre o tema.

Assim, o colar de âmbar oferece, de forma cientificamente comprovada, mais riscos do que evidências de efetividade para melhorar os desconfortos gerados pela erupção dos dentes. Os resultados permitem inferir que, até hoje, profissionais da saúde devem contraindicar seu uso em crianças, já que, até o momento, não há pesquisas clínicas bem definidas sobre os benefícios do uso do adereço, além da associação duvidosa entre sinais e sintomas sistêmicos e o processo de erupção dos dentes.

• Financiamento
  Este estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Out 2020
• Aceito
  25 Fev 2021