Ciclo menstrual em adolescentes: percepção das adolescentes e influência da idade de menarca e excesso de peso

Resumo

Objetivo:

Caracterizar o ciclo menstrual (regularidade e duração da menstruação), prevalência de dismenorreia e automonitoramento do ciclo em estudantes da região de Lisboa, e explorar o efeito da idade cronológica, idade de menarca e índice de massa corpórea (IMC) nos distúrbios menstruais.

Métodos:

Este é um estudo transversal com 848 meninas entre 12 e 18 anos. Foi aplicado um questionário sobre contexto sociodemográfico e características menstruais e feita a medição do peso e altura. O IMC foi classificado pelos critérios da International Obesity Taskforce. Fez-se uma análise descritiva das variáveis e determinaram-se Odds Ratio (p<0,005; IC95%).

Resultados:

A média da idade de menarca foi 12.4 anos e do IMC foi de 22.0kg/m2. Entre as jovens, 59% afirmaram ter ciclo menstrual regular, 83% menstruação com duração ≤6 dias, 88% sofrem de dismenorreia, entre as quais 8,7% faltaram à escola e 49% consumiram analgésicos, e 65% automonitoram o ciclo menstrual. Uma educação materna elevada está associada a maior monitorização do ciclo menstrual entre as jovens (OR 1,60; IC95% 1,15–2,17). Meninas com idade de menarca <12 anos têm maior chance de ter menstruação com duração >6 dias (OR 1,73; IC95% 1,19–2,51) e dismenorreia (OR 1,87; IC95% 1,11–3,16) do que aquelas com menarca ≥12 anos. Não se observou associação entre o IMC e as características menstruais.

Conclusões:

Os resultados sugerem que os distúrbios menstruais são frequentes nas adolescentes e podem estar associados com a menarca precoce, mas não com o IMC. É importante incentivar a automonitoramento do ciclo menstrual para detectar adequadamente as perturbações menstruais e promover a saúde e bem-estar.

Palavras-chave:
Menarca; Ciclo menstrual; Obesidade pediátrica; Saúde do adolescente

Abstract

Objective:

To characterize the menstrual cycle (regularity and menstrual flow length), the prevalence of dysmenorrhea and self-monitoring of the cycle in students from Lisbon region, and explore the effect of chronological age, age at menarche and body mass index (BMI) on menstrual disorders.

Methods:

This is a cross-sectional study with 848 girls aged 12–18 years. A questionnaire about the sociodemographic context and characteristics of the menstrual cycle, and weight and height measures were assessed. BMI was classified according to International Obesity Taskforce criteria. A descriptive analysis of the variables was made, and Odds Ratios (ORs) and 95% confidence intervals (95%CIs) were determined.

Results:

Mean age at menarche was 12.4 years and mean BMI was 22.0kg/m². Among adolescents, 59% have regular menstrual cycle, 83% have menstrual flow length of ≤6 days. 88% suffered from dysmenorrhea, among which 8,7% declare absenteeism from school and 49% took pain medication, and 65% self-monitor their menstrual cycle. Higher maternal education was associated with a higher self-monitoring of menstrual cycle among the sample (OR 1.60; 95%CI 1.15–2.17). Girls with menarche <12 years-of-age are more likely to have menstrual flow length of >6 days (OR 1.73; 95%CI 1.19–2.51) and dysmenorrhea (OR 1.87; 95%CI 1.11–3.16) than those with menarche ≥12 years-of-age. No significant association between BMI and menstrual cycle variables was observed.

Conclusions:

The results suggest that menstrual disorders are frequent and may be associated with early menarche, but not with BMI. It is important to encourage self-monitoring of the menstrual cycle to detect menstrual disorders timely and promote health and well-being.

Keywords:
Menarche; Menstrual cycle; Adolescent obesity; Adolescent health

INTRODUÇÃO

A menarca e o ciclo menstrual são indicadores da fertilidade e saúde femininas.¹ Irregularidades no ciclo menstrual e a dismenorreia primária são algumas das queixas femininas mais comuns.²,³ No entanto, durante os primeiros anos após a menarca, a duração do ciclo menstrual pode ser inferior a 20 dias ou superior a 45 dias, enquanto os ciclos normais variam entre 21-34 dias.⁴ Ciclos menstruais mais longos podem estar relacionados com anovulação, que ocorre como consequência da imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.⁴

A dismenorreia primária (também referida como “dismenorreia”), definida como ocorrência de dor com menstruação sem patologia pélvica óbvia, também é mais frequente antes dos 20 anos de idade.⁵ Conforme reportado por De Sanctis et al.⁵, a dismenorreia primária está relacionada à contração uterina e vasoconstrição e ao aumento substancial da prostaglandina F2α no endométrio na fase secretora tardia, resultando no aumento do tônus miometrial e da contração uterina. No entanto, outros fatores relacionados à inflamação e à estimulação da dor podem estar envolvidos. A dor menstrual tem consequências negativas na qualidade de vida das meninas e pode interferir no seu dia a dia, resultando, por exemplo, em absenteísmo escolar.³,⁶ Irregularidades menstruais e dismenorreia são frequentemente consideradas “normais” durante a adolescência, mas podem ter uma causa orgânica cujo diagnóstico pode ser retardado devido à falta de consciência do padrão normal do ciclo menstrual. Educar as meninas para estarem familiarizadas com o seu próprio ciclo menstrual é importante para detectar precocemente distúrbios resultantes de um problema e melhorar o seu estado de saúde.²,⁴,⁷

A idade da menarca parece estar associada aos padrões menstruais. Meninas que menstruam mais cedo tendem a ter ciclos menstruais mais curtos e irregulares, sangramento entre os ciclos e maior risco de dismenorreia primária.³,⁸ Alguns estudos mostraram que a menarca precoce está relacionada ao índice de massa corporal (IMC) mais alto.⁹–¹² Essa associação é controversa; no entanto, a obesidade durante a adolescência está associada à menarca precoce.¹³ Um IMC mais elevado também está associado a irregularidades menstruais e dismenorreia primária.¹⁴,¹⁵

Estudos conduzidos em Portugal mostram que a idade média da menarca diminuiu de cerca de 15 anos no início do século 20 para 12–13 anos¹⁶,¹⁷, e que a prevalência de sobrepeso/obesidade na adolescência varia entre 20–25%.¹⁸,¹⁹ No entanto, dados sobre os padrões menstruais e como eles afetam a vida das adolescentes portuguesas são escassos.

Para promover a saúde reprodutiva feminina e o bem-estar geral, é importante educar as meninas e seus pais sobre as características normais do ciclo menstrual.¹,⁴

Portanto, este estudo teve como objetivo caracterizar os padrões do ciclo menstrual em adolescentes, em relação à regularidade do ciclo, fluxo menstrual e idade da menarca, determinar a prevalência e o impacto da dismenorreia no absenteísmo escolar, analisar o automonitoramento do ciclo menstrual e explorar o efeito da idade cronológica, idade da menarca e excesso de peso nos distúrbios do ciclo menstrual.

MÉTODO

Este é um estudo transversal com estudantes da Região Metropolitana de Lisboa, Portugal, com foco nas características do ciclo menstrual, idade da menarca e IMC. Foram observadas 912 meninas, embora 64 delas tenham sido excluídas por ainda não terem a menarca no momento da coleta de dados. A amostra final foi composta por 848 meninas.

A recolha de dados foi realizada numa amostra de conveniência de cinco escolas: três escolas de ensino médio de Sintra observadas entre janeiro e maio de 2012 e duas escolas de ensino médio de Lisboa observadas entre janeiro e março de 2017.

Este estudo seguiu os princípios éticos para pesquisas envolvendo seres humanos. A aprovação ética foi obtida do Sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME), Direção Geral de Educação e Ministério da Educação, cumprindo todos os requisitos legais no momento da realização do inquérito. Durante a recolha de dados, a Comissão Portuguesa de Protecção de Dados determinou que as análises destes dados anônimos fossem isentas de revisão. Uma carta informativa descrevendo o estudo foi enviada às escolas convidadas. Foram fornecidas as informações sobre os objetivos e procedimentos do estudo a cada participante, e um termo de consentimento informado por escrito foi assinado pelos responsáveis legais das participantes ou por elas próprias, caso tivessem 18 anos ou mais. Asseguraram-se sigilo, anonimato e não transmissão dos dados.

As alunas receberam um questionário anônimo autoaplicável que incluía questões sobre saúde e bem-estar, estilo de vida e características sociodemográficas. As informações sobre o ciclo menstrual foram recolhidas por meio do questionário Menstrual Disorder of Teenagers (MDOT).²⁰

As medidas antropométricas foram tiradas por meio de procedimentos padronizados. A altura e o peso de cada participante, emroupas leves e descalças, foram medidos por um investigador treinado. A altura (cm) foi medida com uma escala de estadiômetro portátil Seca 217 com precisão de 0,1 cm, e o peso (kg) foi medido com uma balança portátil eletrônica Seca 872 com precisão de 0,1 kg.

Os dados utilizados foram: características do ciclo menstrual, idade da menarca, IMC e fatores socioeconômicos familiares. A idade cronológica (Idade) foi categorizada em dois grupos: adolescentes jovens (12 ± 14 anos) e adolescentes (15 ± 18 anos). A idade da menarca foi obtida pelo método de evocação. Solicitou-se às meninas que já haviam menstruado pela primeira vez que indicassem com a maior precisão possível a data da menarca (ano e mês). Na falta do mês, foi considerado um fator de correção de 0,5. A idade da menarca foi categorizada em dois grupos: <12 anos e ≥12 anos.

Ciclo menstrual foi caracterizado pelas seguintes características: regularidade do ciclo (regular ou irregular), duração do fluxo menstrual (≤6 ou> 6 dias), dismenorreia (sim ou não), impacto da dismenorreia nas faltas escolares (sim ou não) e uso de analgésicos para dismenorreia (sim ou não). As meninas também foram questionadas se costumavam registrar o primeiro dia de menstruação (sim ou não) para automonitorar seu ciclo. As categorias de parâmetros do ciclo menstrual foram descritas anteriormente.⁴

As variáveis socioeconômicas familiares utilizadas foram: escolaridade dos pais categorizada em dois níveis (≤9 e> 9 anos de escolaridade) e estado civil dos pais categorizado em dois grupos (casados = casados/coabitantes ou separados = divorciados/separados/solteiros/viúvos).

O IMC (kg/m²) foi calculado e o estado nutricional, classificado de acordo com os pontos de corte específicos para idade e sexo propostos pela International Obesity Task Force (IOTF)²¹,²², categorizado em duas categorias de sobrepeso (sim = sobrepeso ou obesidade, ou não = peso normal ou baixo peso).

Foram calculados a média e o desvio-padrão para as variáveis quantitativas e a distribuição por frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. Os testes t foram usados para comparar as médias das variáveis contínuas e o teste χ2 foi usado para comparar as frequências entre as variáveis nominais. A análise de regressão logística binária (Odds Ratios [OR] e respectivo intervalo de confiança de 95% [IC95%]) foram utilizados para avaliar a associação entre o nível de escolaridade da mãe (variável independente) e a marcação do primeiro dia de menstruação (variável dependente: 0 = não, 1 = sim), e para avaliar a associação entre a idade da menarca (variável independente) e as variáveis dependentes: irregularidade do ciclo menstrual (0 = não, 1 = sim), duração do fluxo menstrual (0 = ≤6 dias, 1 => 6 dias) e dismenorreia (0 = não, 1 = sim). Neste último, <12 anos foi usado como grupo de referência. Foram desenvolvidos um modelo bruto e dois modelos ajustados (usando idade e idade + IMC, respectivamente, como fatores de confusão). Para os valores calculados neste artigo, p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo para um IC95%. A análise estatística foi realizada em um IBM com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), Windows, versão 24.0 (Armonk, NY: IBM Corp.).

RESULTADOS

A amostra final analisada incluiu 848 meninas (Sintra, n = 494; Lisboa, n = 314) com idades entre 12 e 18 anos. A média de idade da menarca entre os questionários não teve diferença significativa (2012=12,4±1,2 anos e 2017=12,3±1,3 anos, respectivamente, p>0,05), portanto, as duas amostras foram analisadas em conjunto. A avaliação antropométrica das participantes foi realizada, em média, 3,0 ± 1,8 anos após a menarca.

As características socioeconômicas, de peso e ciclo menstrual das participantes são apresentadas na Tabela 1. A idade média das meninas foi de 15,5±1,6 anos, sendo que 57,7% delas tinham de 15 a 18 anos. A maioria delas era oriunda de famílias cuja mãe e cujo pai tinham ≤9 anos de estudo (61,8 e 60,0%, respectivamente) e casados (62,9%).

Tabela 1.
Características sociodemográficas, peso e características menstruais das adolescentes.

Características sociodemográficas		n	%/média±DP
Idade (anos)	Total	848	15,5±1,6
Grupo etário (anos)	12–14	359	42,3
	15–18	489	57,7
Nível educacional da mãe	≤9 anos	274	38,2
	>9 anos	444	61,8
Nível educacional do pai	≤9 anos	259	40,0
	>9 anos	388	60,0
Estado civil dos pais	Casados	506	62,9
	Separados	298	37,1
Município	Lisboa	346	40,8
	Sintra	502	59,2
Peso
IMC (kg/m2)	Total	848	22,0±3,6
Sobrepeso	Sim	204	24,1
	Não	644	75,9
Características menstruais
Idade da menarca (anos)	Total	848	12,4±1,3
	<12	249	29,4
	≥12	599	70,6
Regularidade do ciclo menstrual	Regular	410	58,7
	Irregular	288	41,3
Fluxo menstrual (dias)	≤6	694	82,8
	>6	144	17,2
Dismenorreia	Sim	747	88,3
	Não	99	11,7
Uso de medicamento para dor*	Sim	393	54,0
	Não	335	46,0
Falta escolar*	Sim	65	8,7
	Não	682	91,3
Marcação do primeiro dia do ciclo	Sim	545	65,0
	Não	294	35,0

• *O consumo de analgésicos e a falta escolar foram avaliados apenas entre as garotas que referiram dismenorreia (n = 747); DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corpórea.

O IMC médio das meninas foi 22,0±3,6 kg/m², com prevalência de sobrepeso de 24,1%. A idade média da menarca foi 12,4±1,3 anos e 29,4% das meninas foram classificadas com menarca <12 anos.

Em relação aos ciclos menstruais, 58,7% das adolescentes relataram ciclo regular, 82,8% relataram duração do fluxo menstrual ≤6 dias. Dismenorreia foi reportada por 88,3% das adolescentes. Entre essas meninas, 54% afirmaram fazer uso de analgésicos e 8,7% relataram absenteísmo escolar. Além disso, 65% das adolescentes costumam registrar o primeiro dia de menstruação para automonitorar seu ciclo menstrual.

A Tabela 2 apresenta a associação entre padrão menstrual e fatores socioeconômicos familiares, com automonitoramento do ciclo menstrual (“Marcação do primeiro dia do ciclo”). A única associação significativa encontrada foi com a escolaridade materna (p=0,004). Uma porcentagem maior de meninas que marcam o primeiro dia da menstruação tinha mãe com mais de 9 anos de escolaridade (66%). Meninas cuja mãe tem escolaridade >9 anos têm 1,60 vezes mais chances (IC95% 1,15 ± 2,17) de marcar o primeiro dia da menstruação do que filhas de mãe com escolaridade ≤9 anos (dados não mostrados).

Tabela 2.
Associação entre automonitoramento do ciclo menstrual (“Marcação do primeiro dia do ciclo”) com a idade, idade da menarca, padrões menstruais e características familiares.

		Marcação do primeiro dia do ciclo
		Sim		Não		p-valor
		n	%	n	%
Idade (anos)	12–14	217	61,8	134	38,2	0,106
	15–18	328	67,2	160	32,8
Idade da menarca (anos)	<12	151	61,1	96	27,7	0,134
	≥12	394	66,6	198	33,4
Regularidade do ciclo menstrual	Regular	280	68,8	127	31,2	0,219
	Irregular	184	64,3	102	35,7
Fluxo menstrual (dias)	≤6	447	64,3	242	35,1	0,902
	>6	92	64,3	51	35,7
Dismenorreia	Sim	485	65,6	254	34,4	0,238
	Não	59	59,6	40	40,4
Falta escolar	Sim	44	67,7	21	32,3	0,752
	Não	500	64,7	273	35,3
Nível educacional da mãe	≤9 anos	162	59,1	112	40,9	0,004
	>9 anos	308	69,7	134	30,3
Nível educacional do pai	≤9 anos	162	63,0	95	37,0	0,092
	>9 anos	270	66,9	119	30,6
Estado civil dos pais	Casados	215	42,9	286	57,1	0,340
	Separados	116	39,5	178	60,5

A Tabela 3 mostra a associação entre as características menstruais e idade, idade da menarca e excesso de peso. Associações significativas foram observadas entre idade e regularidade menstrual (p<0,001) e duração do fluxo menstrual (p<0,001). As adolescentes mais jovens relatam ciclos mais irregulares (44,6 vs. 39,2%) e mais longos (22,0 vs. 13,7%) quando comparados às adolescentes.

Tabela 3.
Associação entre características menstruais e idade, idade da menarca e excesso de peso.

		Idade (anos)				p-valor	Idade da menarca (anos)				p-valor	Sobrepeso
		12-14 (n=359)		15-18 (n=489)			<12 (n=249)		≥12 (n=599)			Sim (n=644)		Não (n=204)		p-valor
		n	%	n	%		n	%	n	%		n	%	N	%
Regularidade do ciclo menstrual	Regular	149	55,4	261	60,8	<0,001	136	61,5	274	57,4	0,307	311	59,0	99	58,7		0,796
	Irregular	120	44,6	168	39,2		85	38,5	203	42,6		216	41,9	72	42,1
Fluxo menstrual (dias)	≤6	273	78,0	421	86,3	<0,001	191	77,0	503	85,3	0,004	528	82,8	166	83,0	0,937
	>6	77	22,0	67	13,7		57	23,0	87	14,7		110	17,2	34	17,0
Dismenorreia	Sim	304	85,2	443	90,6	0,180	230	92,4	517	86,6	0,017	565	87,9	182	89,7	0,490
	Não	53	14,8	46	9,4		19	7,6	80	13,4		78	12,1	21	203

Além disso, diferenças significativas foram encontradas entre idade da menarca e duração do fluxo menstrual (p=0,004) e dismenorreia (p=0,017). Meninas com menarca precoce (<12 anos de idade) relataram mais fluxo menstrual mais longo (23 vs. 14,7%) e dismenorreia (92,4 vs. 86,6%) do que meninas com menarca na idade ≥12. Não foram observadas associações significativas entre sobrepeso e características menstruais. No entanto, a ocorrência de excesso de peso foi maior entre as meninas com menarca <12 anos em comparação às que tiveram menarca ≥12 anos, respectivamente, 37,3 e 18,5% (p<0,001) (dados não mostrados na tabela).

Três modelos foram usados para entender o efeito da idade da menarca nas características do ciclo menstrual e são listados na Tabela 4. Meninas cuja menarca ocorreu aos <12 anos tinham 1,73 vezes (IC95% 1,19±2,51) mais probabilidade de ter fluxo menstrual de >6 dias do que as com menarca ≥12 anos. Meninas que tiveram sua menarca <12 anos tiveram 1,87 vezes (IC 95% 1,11 ± 3,16) mais probabilidade de ter dismenorreia do que aquelas com ≥12 anos. Após o ajuste por idade e idade + IMC (modelos 2 e 3, respectivamente), a força da relação permaneceu significativa.

Tabela 4.
Modelos de regressão logística com distúrbios menstruais previstos pela idade da menarca <12 anos.

Distúrbios menstruais	Modelo 1(a)		Modelo 2(b)		Modelo 3(c)
	OR (IC95%)	p-valor	OR (IC95%)	p-valor	OR (IC95%)	p-valor
Irregularidade (n=698)	0,84 (0,61–1,17)	0,307	0,80 (0,58–1,12)	0,193	0,80 (0,57–1,13)	0,200
Fluxo menstrual > 6 dias (n=838)	1,73 (1,19–2,51)	0,004	1,651 (1,11–2,41)	0,009	1,73 (1,18–2,55)	0,005
Dismenorreia (n=846)	1,873 (1,11–3,16)	0,019	1,96 (1,16–3,32)	0,012	1,94 (1,14–3,32)	0,015

• ^(a)Modelo bruto; ^(b)Ajustado por idade (contínua); ^(c)Ajustado por idade e IMC (contínua); OR: Odds Ratios; IC95%: intervalo de confiança 95%.

DISCUSSÃO

No geral, os resultados sugerem uma associação significativa entre menarca precoce (<12 anos) e maior duração menstrual (>6 dias) e dismenorreia. Não há relação entre características menstruais e IMC.

A idade média da menarca foi 12,4±1,3 anos, o que está de acordo com os valores médios relatados na Europa e na América do Norte, variando de 12,5 a 13,5 anos.⁶,⁹,¹¹,²³,²⁴ Também está de acordo com o que foi relatado para adolescentes portuguesas em outros estudos.⁹,¹⁷,²⁵ A percentagem de menarca precoce determinada foi de 29,4%, inferior à relatada em um estudo com meninas portuguesas (37,2%)¹⁷ e superior à de outro estudo (26,6%).²⁵ Além disso, 24,1% das meninas apresentavam excesso de peso, o que está de acordo com dados recentes de Portugal.¹⁸

Observou-se que a maioria das meninas tem ciclos menstruais dentro dos padrões menstruais normais.⁴ No entanto, 41,3% delas relataram ciclos irregulares e 17,2% relataram duração do fluxo menstrual >6 dias. Ciclos irregulares foram mais comuns entre as adolescentes mais jovens (44,6%) do que entre as adolescentes (39,2%). Além disso, uma porcentagem maior de adolescentes mais jovens relatou fluxo menstrual mais longo (22,9%) em comparação às adolescentes (13,7%). Um estudo português com garotas de 9 a 19 anos revelou que 23,8% delas tinham ciclos irregulares.²⁶ Resultados de outros países europeus mostram uma prevalência de ciclos irregulares entre 8 e 9% e duração do fluxo menstrual mais longa em cerca de 19% das meninas.³,²⁴ Esses estudos também mostraram ciclos irregulares e duração maior do fluxo menstrual mais prevalentes entre as adolescentes. As diferenças entre nossos resultados e os desses estudos podem estar relacionadas às diferentes faixas etárias, bem como a outros fatores socioeconômicos não abordados. Além disso, era esperado que adolescentes jovens relatassem com maior frequência ciclos irregulares e fluxo menstrual mais longo, considerando que esses distúrbios são comuns nos primeiros anos após a menarca e tendem a se normalizar com o tempo.²

Cerca de 88% das meninas relatam dismenorreia, uma das queixas mais comuns entre adolescentes.²⁷–²⁹ Uma prevalência mais baixa de dismenorreia, de 51 a 63%, foi observada em outros estudos.⁶,²⁸ Novamente, essas diferenças podem estar relacionadas à idade da amostra.

Segundo os resultados, 8,7% das meninas já faltaram à escola devido à dismenorreia. A dor menstrual é reconhecida como um fator de impacto negativo na vida social das mulheres.³,⁶ Num outro estudo, observaram-se limitações nas atividades diárias por causa da dismenorreia em 65,7% dos adolescentes/adultas jovens portuguesas.²⁸ Um estudo italiano também reportou 12% das jovens participantes com dismenorreia com maior propensão ao absenteísmo escolar e no trabalho.⁶ No entanto, ao avaliar a intensidade da dor, fatores individuais como a percepção pessoal da dor também devem ser levados em consideração, já que a dor é um fenômeno multidimensional.⁵ É importante destacar que a dismenorreia é influenciada por diversos fatores: relacionados à saúde, como fluxo menstrual intenso e desequilíbrio hormonal, a comportamentos e hábitos, como tabagismo e consumo de álcool concomitante ao uso de pílula anticoncepcional, aspectos sociais, incluindo educação e religião, e fatores obstétricos, como parto a termo e amamentação, conforme descrito anteriormente.¹⁴

Ao avaliar o automonitoramento do ciclo menstrual, mais de um terço das meninas reportou não registrar o primeiro dia de menstruação, o que pode ser interpretado como uma desvalorização desse importante evento feminino. Meninas que registravam o seu primeiro dia de menstruação eram mais propensas a ter uma mãe com mais de 9 anos de escolaridade. Isso sugere que a educação sobre o ciclo menstrual pode começar em casa, no contexto mãe-filha. Também se destaca a importância dos antecedentes sociodemográficos e familiares, bem como dos aspectos culturais, na saúde sexual e reprodutiva.²,⁷ Proporcionar às meninas e aos pais o conhecimento correto sobre os padrões menstruais é importante para reduzir o fardo dos distúrbios menstruais e diagnosticar potenciais patologias que podem afetar sua saúde global e reprodutiva.

As adolescentes mais jovens tinham mais sobrepeso do que as adolescentes mais velhas (26,7 e 22,3%, respectivamente). Também foi observada prevalência mais baixa de sobrepeso em adolescentes mais velhas em outros estudos realizados em Portugal.¹⁸,¹⁹ Uma prevalência mais alta de sobrepeso associa-se à menarca precoce: 37,3% das mulheres que tiveram a menarca antes dos 12 anos de idade tinham excesso de peso, enquanto apenas 18,5% das que tiveram menarca após 12 anos estavam com sobrepeso. A relação entre IMC e idade da menarca mostra que menarca mais precoce se relaciona com IMC mais alto.⁹–¹¹

Os resultados mostram que os distúrbios menstruais estão associados à idade precoce da menarca. A probabilidade de fluxo menstrual mais longo (>6 dias) e dismenorreia foi maior entre as adolescentes que tiveram sua menarca antes dos 12 anos. O efeito significativo permaneceu o mesmo após o ajuste do modelo para idade e idade e IMC (idade + IMC), o que significa que a associação entre as variáveis permanece a mesma independentemente da idade e/ou IMC. Essa tendência foi consistente com outros estudos.³,⁸,³⁰

Este estudo considerar algumas limitações. Os dados foram coletados em uma amostra de conveniência, na Área Metropolitana de Lisboa, o que compromete a representatividade dos resultados para outras áreas. No entanto, o tamanho grande da amostra pode reduzir essa limitação. Trata-se de um estudo baseado em questionários e que pode estar sujeito a viés de informação. A idade da menarca foi registrada por meio de métodos de evocação e, portanto, a hipótese de viés de memória não pode ser excluída; no entanto, uma vez que a menarca é um evento bastante notável na vida de uma mulher, é considerado um método apropriado para avaliar a idade da menarca. O ciclo menstrual e a saúde reprodutiva são assuntos delicados e, portanto, podem ser influenciados por estigma e tabu, ou mesmo por respostas socialmente aceitáveis, considerando a faixa etária da amostra do estudo. Apesar destas limitações, este é um dos primeiros trabalhos a analisar a relação entre as características do ciclo menstrual, a idade da menarca e o automonitoramento dos ciclos menstruais entre adolescentes portuguesas. Este estudo fornece uma visão geral atualizada dos padrões de ciclo menstrual em adolescentes portuguesas de áreas urbanas. Distúrbios menstruais são queixas comuns entre adolescentes. A menarca precoce e o excesso de peso parecem aumentar o risco desses distúrbios. Um terço das meninas não monitora seu ciclo menstrual, o que é preocupante, pois os distúrbios menstruais podem ser causados por problemas de saúde que podem ser detectados por meio do monitoramento de seus próprios padrões menstruais e alterações.

Em conclusão, a prevalência de distúrbios menstruais é alta entre adolescentes. A menarca precoce parece aumentar a probabilidade de distúrbios menstruais. Um terço das adolescentes não monitoram seu próprio ciclo menstrual e a probabilidade desse comportamento aumenta entre meninas cujas mães têm níveis de escolaridade mais baixos. Mais atenção deve ser dada à educação das adolescentes do sexo feminino, de forma que monitorem seu ciclo menstrual e entendam quais são os padrões menstruais normais, buscando atendimento oportuno quando necessário.

É importante, ainda, identificar os determinantes dos distúrbios menstruais e explorar estratégias para ensinar as meninas a automonitorarem seus ciclos menstruais, para promover saúde e bem-estar durante esta fase do desenvolvimento.

• Financiamento
  Este trabalho recebeu apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia com financiamento da FCT-Pest-OE/SADG/UI0283/2013.

REFERENCES

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  Hillard PJ. Puberty, menarche, and the menstrual cycle: what do we know, and what do we teach? J Pediatr Adolesc Gynecol. 2018;31:331-2. https://doi.org/10.1016/j.jpag.2018.05.004
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jan 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  11 Dez 2020
• Aceito
  07 Abr 2021