SUPLEMENTAÇÃO DE FITOESTERÓIS NO TRATAMENTO DA DISLIPIDEMIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

RESUMO

Objetivo:

Realizar uma revisão sistemática sobre os efeitos da suplementação de fitoesteróis no tratamento da dislipidemia em crianças e adolescentes.

Fontes de dados:

Revisão nos bancos SciELO, Lilacs, Bireme, Pubmed e Web of Science, sem limite de tempo. Descritores: phytosterols or plant sterols, dyslipidemias, hypercholesterolemia, cholesterol, children, adolescent, nas línguas inglesa e portuguesa. Os artigos incluídos foram publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol e avaliaram o efeito da suplementação de fitoesteróis em pacientes pediátricos com dislipidemia. Estudos que envolviam adultos ou animais, trabalhos de revisão, estudos de caso e resumos foram excluídos. A extração independente de artigos foi realizada por dois autores. Do total de 113 resumos, 19 foram lidos na íntegra, e 12 utilizados neste manuscrito.

Síntese de dados:

A suplementação de fitoesteróis para a redução dos níveis de colesterol mostrou-se eficiente, de forma a promover a redução de aproximadamente 10% dos níveis de LDL-colesterol, sendo observadas reduções acima de 10% em 8 a 12 semanas de intervenção. Os estudos não mostraram alterações significantes nos níveis de HDL-colesterol e triglicérides. Com base na ausência de efeitos adversos, seu uso parece ser seguro e de boa tolerância em crianças e adolescentes. Conclusões: A suplementação com fitoesteróis parece ser de grande auxílio terapêutico para o tratamento da hipercolesterolemia em crianças e adolescentes. São necessários mais estudos que avaliem o efeito em longo prazo da suplementação de fitoesteróis.

Palavras-chave:
Fitoesteróis; Suplementos nutricionais; Dislipidemia; Hipercolesterolemia; Criança

ABSTRACT

Objective:

To carry out a systematic review on the effects of phytosterol supplementation on the treatment of dyslipidemia in children and adolescents.

Data sources:

Review in the SciELO, Lilacs, Bireme, PubMed and Web of Science databases, with no time limit. Descriptors: phytosterols or plant sterols and dyslipidemias, hypercholesterolemia, cholesterol, children, adolescent, in English and Portuguese. The articles included were published in Portuguese, English or Spanish and evaluated the effect of phytosterol supplementation in pediatric patients with dyslipidemia. Documents that involved adults or animals, review papers, case studies and abstracts were excluded. Two authors performed independent extraction of articles. Of 113 abstracts, 19 were read in full and 12 were used in this manuscript.

Data synthesis:

Phytosterol supplementation to reduce cholesterol levels has been shown to be effective in reducing LDL-cholesterol levels by approximately 10%, with reductions above 10% in LDL-cholesterol levels observed after 8 to 12 weeks of intervention. Studies have not shown significant changes in HDL-cholesterol and triglyceride levels. Based on the absence of adverse effects, its use seems to be safe and of good tolerance in children and adolescents.

Conclusions:

Phytosterol supplementation seems to be of great therapeutic aid for the treatment of hypercholesterolemia in children and adolescents. Further studies assessing the long-term effect of phytosterol supplementation are necessary.

Keywords:
Phytosterols; Dietary supplements; Dyslipidemias; Hypercholesterolemia; Child

INTRODUÇÃO

A dislipidemia em crianças e adolescentes representa um fator de risco determinante de aterosclerose e pode contribuir para a doença coronariana na vida adulta.¹ Já está estabelecido que células gordurosas estão presentes na aorta de indivíduos aos 10 anos e nas artérias coronárias aos 20 anos, e que a progressão das estrias gordurosas ocorre a partir dos 15 anos de idade.²

A dislipidemia trata-se de um distúrbio metabólico caracterizado por concentrações anormais de lipídeos e/ou lipoproteínas no sangue.² É definida pela elevação dos níveis de colesterol total (CT) ou lipoproteína de baixa densidade (LDL) e/ou triglicérides (TG) e/ou pela diminuição da lipoproteína de alta densidade (HDL).³ Além disso, sabe-se que a elevação dos níveis de LDL-colesterol é um fator de risco estabelecido para doença cardiovascular.¹

Os distúrbios lipídicos podem ter causas primárias (de origem genética) ou secundárias (decorrentes de estilo de vida inadequado, de certas condições mórbidas ou de medicamentos).⁴ Assim, a dislipidemia infantil é multifatorial, podendo estar associada a fatores ambientais e comportamentais e a obesidade, salvo os de etiologia genética, como a hipercolesterolemia familiar (HF).¹

A prevalência das dislipidemias na faixa etária infanto-juvenil no Brasil varia entre 24 e 40%.² Estima-se que no mundo existam mais de 10 milhões de indivíduos portadores de HF; no entanto, menos de 10% têm diagnóstico conhecido de HF, e menos de 25% recebem tratamento hipolipemiante.⁵

A I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência recomenda o tratamento farmacológico hipolipemiante para crianças a partir dos dez anos de idade, sendo propostas modificações no padrão alimentar e no estilo de vida para crianças maiores de dois anos, as quais incluem dieta reduzida em gorduras saturadas e colesterol e prática de atividade física.⁶ Mudanças dietéticas adequadas e estilo de vida ativo auxiliam em reduzir os fatores de risco cardiovasculares e devem ser incentivados, mas na incapacidade de resposta a tais intervenções e na impossibilidade de recomendação de tratamento farmacológico, o uso de fitoesteróis pode ser considerado.³

Esteróis e estanóis vegetais são também conhecidos como fitoesteróis, que são compostos bioativos estruturalmente semelhantes ao colesterol, sendo os esteróis as formas insaturadas (sitosterol e campesterol) e os estanóis seus derivados saturados (sitostanol e campestanol).⁴ Sua ação principal é a de reduzir o LDL-colesterol por inibição na absorção intestinal de colesterol.⁷ São naturalmente encontrados em frutas, vegetais, óleos vegetais, castanhas e sementes.⁸ A ingestão de fitoesteróis por meio de fontes naturais varia de 200 a 400 mg ao dia em dietas habituais.⁹ Estes podem também ser adicionados a alimentos como margarinas, sucos, iogurtes e cereais. Além do uso em alimentos enriquecidos, também é possível sua suplementação.²

Já é comprovada a relação inversa entre o consumo habitual de fitoesteróis na dieta e os níveis séricos de colesterol ou de LDL-colesterol,⁴ sendo sua suplementação recomendada por diversas diretrizes.^3,4,10,11 Contudo, seu uso é geralmente reservado para crianças com dislipidemias primárias, não havendo concordância a respeito da dose e segurança dessa prática a todos os pacientes dislipidêmicos. Portanto, esta revisão propõe uma investigação dos efeitos da suplementação de fitoesteróis no tratamento da dislipidemia em crianças e adolescentes.

MÉTODO

Esta revisão foi conduzida com base nas recomendações da Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses¹² nas seguintes bases de dados: SciELO, Lilacs, Bireme, Pubmed e Web of Science. Os descritores utilizados foram phytosterols or plant sterols, dyslipidemias, hypercholesterolemia, cholesterol, children, adolescent, nas línguas inglesa e portuguesa. A pesquisa bibliográfica foi realizada com base no questionamento “Quais os efeitos da suplementação de fitoesteróis no tratamento da dislipidemia em pacientes pediátricos?”, o qual baseou-se no modelo Population, Intervention, Comparison, Outcome.¹³

Foram adotados como critérios de inclusão ensaios clínicos nos idiomas inglês, espanhol e português que avaliaram o efeito da suplementação de fitoesteróis em pacientes pediátricos com dislipidemia. Também foram considerados os estudos referenciados pelos artigos selecionados e que preenchiam os critérios de seleção. Documentos que não diziam respeito ao propósito deste estudo, que envolviam adultos ou animais, trabalhos de revisão, estudos de casos, resumos e trabalhos que não incluíam amostra com dislipidemia foram excluídos. Não houve delimitação quanto ao ano de publicação dos artigos.

A identificação dos artigos foi realizada inicialmente por meio de análise por título para exclusão de artigos repetidos ou que não contemplassem os critérios predefinidos. Posteriormente, os resumos restantes foram avaliados em relação à adequação quanto aos critérios de inclusão e exclusão. Os estudos que apresentaram os critérios predeterminados tiveram o texto completo adquirido para análise detalhada e extração de dados. Os artigos selecionados foram lidos por dois avaliadores que decidiram, de modo independente, sobre a inclusão com base nos critérios de elegibilidade. Qualquer problema de divergência sobre a seleção dos artigos foi decidido consensualmente.

Os estudos selecionados tiveram as seguintes características registradas:

• Características dos participantes do estudo (incluindo idade, tipo de dislipidemia e método de diagnóstico) e critérios de inclusão e exclusão do estudo.

• Tipo de intervenção (incluindo tipo de fitoesterol, dose, duração, administração e veículo alimentar).

• Principais resultados (incluindo nível de redução sérica de colesterol e frações lipídicas, tempo de segmento e efeitos não desejados do tratamento).

Posteriormente, foram realizadas síntese e análise crítica dos estudos.

Para verificar a validade dos ensaios clínicos, determinaram-se tamanho da amostra, extensão da perda no acompanhamento dos participantes dos estudos e cegamento de pacientes, profissionais de saúde, coletores de dados e avaliadores de resultados.

RESULTADOS

Foram identificados inicialmente 311 trabalhos nas bases de dados eletrônicas. Após refinamento por título, foram selecionados 113 resumos para serem analisados. Os estudos potencialmente relevantes ao tema tiveram o texto completo adquirido para análise detalhada quanto aos critérios de elegibilidade. Adicionalmente, sete estudos identificados em outras listas de referências dos artigos selecionados e relacionados ao tema foram incluídos. Por fim, a síntese descritiva foi composta de 12 referências, cujos períodos de publicação estiveram entre 1993 e 2017. ^{14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25} A Figura 1 apresenta o diagrama de fluxo das etapas de busca e seleção dos estudos.

Figura 1
Diagrama de fluxo acerca das etapas de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão das referências.

Todos os estudos selecionados são ensaios clínicos randomizados^{15,17,18,19,20,25} e não randomizados^{14,16,21,22,23,24} publicados em inglês. Dez deles foram realizados na Europa, ^{14,15,16,17,18,19,20,22,23,24} um no Japão²¹ e um no Brasil.²⁵ Todos os estudos randomizados passaram por um período inicial duplo-cego. A perda de acompanhamento dos participantes foi descrita por: não aderência à dieta,^22,24,25 motivos pessoais não relacionados à pesquisa,^17,22,25 mudança de estágio puberal,²⁴ palatabilidade do produto ou náusea,²³ dificuldade de ingestão do produto.^20,22 A Tabela 1 expõe uma breve descrição de todas as referências mediante os seguintes itens: autor(es), ano de publicação, delineamento, métodos e conclusão.

Tabela 1
Artigos selecionados, segundo seu(s) autor(es), ano, delineamento, métodos e sua conclusão.

Autor(es), ano	Delineamento	Métodos		Conclusão
		Tipo de dislipidemia	Pacientes
Becker et al., 199314	Ensaio clínico	HF	n=9 (9-14 anos)	A suplementação de sitostanol, mesmo em dose inferior ao sitosterol, mostrou-se significantemente mais efetiva na redução de LDL-c, e seu uso pode ser indicado para o tratamento de HF em crianças.
Gylling et al., 199515	Ensaio clínico randomizado duplo-cego	HF	n=15 (2-15 anos)	Dentro de uma dieta equilibrada, o uso de margarina com éster de sitostanol parece ser efetivo e seguro para o tratamento de hipercolesterolemia em crianças com HF.
Vuorio et al., 200016	Ensaio clínico	HF	n=24 (3-13 anos)	O uso de margarina com éster de estanol provou ser efetivo e seguro para o tratamento hipolipemiante para crianças.
Amundsen et al., 200217	Ensaio clínico cruzado randomizado duplo-cego	HF	n=38 (7-12 anos)	Dentro de uma dieta equilibrada, a suplementação de esterol induz a redução de LDL-c, sem efeitos adversos, em crianças com HF.
Ketomãki et al., 200318	Ensaio clínico cruzado randomizado duplo-cego	HF (n=17) Hipercolesterolemia** (n=6)	n=23 (2-9 anos)	Ésteres de estanol e esterol diminuem as concentrações de colesterol no plasma.
Amundsen et al., 200419	Ensaio clínico cruzado controlado randomizado duplo-cego	HF	n=37 (7-13 anos)	A suplementação de esteróis como spread apresenta eficácia na redução do colesterol em crianças com HF dentro de uma dieta controlada, e essa redução é sustentada durante seis meses posteriores.
Jakulj et al., 200620	Ensaio clínico randomizado duplo-cego controlado por placebo	HF	n=41 (7-12 anos)	O consumo de estanóis pode ser uma estratégia benéfica, segura e de boa aceitação para redução dos níveis de LDL-c em crianças com HF.
Matsuyama et al., 200721	Ensaio clínico	Hiperlipidemia tipo IIa (n=7) Hiperlipidemia* (n=8) HF (n=7)	n=22 (6-17 anos)	Os fitoesteróis são capazes de reduzir o colesterol em crianças com hiperlipidemia.
Guardamagna et al., 201122	Ensaio clínico	HF heterozigótica (n=29) HF combinada (n=11) Hipercolesterolemia* (n=12)	n=52 (8-16 anos)	O consumo diário de esterol produz mudanças favoráveis no perfil lipídico, reduzindo o LDL-c.
Garaiova et al., 201323	Ensaio clínico	Hiperlipidemia*	n=25 (11-17 anos)	A emulsão combinada de plantas esteróis, óleo de peixe e vitamina B pode modular o perfil lipídico em crianças e adolescentes com hipercolesterolemia.
Garoufi et al., 201424	Ensaio clínico	Hipercolesterolemia*	n=59 (4,5-15,9 anos)	A suplementação de esteróis pode ser benéfica para o tratamento da hipercolesterolemia em crianças; não somente em níveis de LDL-c, como também em partículas mais aterogênicas.
Ribas et al., 201725	Ensaio clínico randomizado duplo-cego	Hipercolesterolemia**	n=25 (6-19 anos)	A suplementação de esteróis vegetais é efetiva e segura para o tratamento da dislipidemia infantil.

• HF: hipercolesterolemia familiar; LDL-c: low density lipoprotein-cholesterol (lipoproteína de baixa densidade-colesterol); TG: triglicérides; PCR: proteína C-reativa; *etiologia não determinada; **etiologia sem causa genética.

No total foram incluídos 370 crianças e adolescentes entre 2 e 19 anos de idade, sendo a variação do tamanho amostral dos estudos de 9 a 59 participantes. Quanto ao tipo de dislipidemia, nove estudos incluíram crianças/adolescentes com HF,^{14,15,16,17,18,19,20,21,22} e seis com dislipidemia sem causa genética ou sem etiologia determinada.^{18,21,22,23,24,25} Nenhum estudo incluiu ou relatou a inclusão de crianças/adolescentes em uso de medicamentos hipolipemiantes. Três estudos incluíram pacientes em uso de medicação para asma ou alergia^17,19,20 e um em uso de medicação para transtorno do deficit de atenção com hiperatividade.²⁰ Um ensaio clínico excluiu crianças/adolescentes com diagnóstico de fitosterolemia,¹⁴ e cinco excluíram pacientes com doenças crônicas.^{18,22,23,24,25} Dois estudos solicitaram aos participantes a exclusão da ingestão de produtos contendo estanóis ou esteróis vegetais antes do início do estudo a fim de evitar viés em pesquisa.^18,25

Em dois ensaios clínicos, ^17,19 parte dos participantes fez uso de óleo de peixe (fígado de bacalhau ou ácido graxo poli-insaturado ômega-3) e de suplemento vitamínico contendo retinol, tocoferol e vitamina D (nenhum contendo carotenoides). Apesar de serem instruídos a consumir a mesma dose de medicação/suplemento durante todo o estudo, pode haver viés no desfecho da análise dos níveis séricos de vitaminas e antioxidantes lipossolúveis desses estudos.

As crianças e os adolescentes receberam durante o período do estudo uma dieta com baixo teor de gordura saturada e colesterol, preconizada pelos respectivos autores.^{14,15,16,17,18,19,20,22,23,24,25} Apenas no estudo de Matsuyama et al.²¹ os participantes não passaram por restrições dietéticas, entretanto, foram orientados a manter os hábitos alimentares durante todo o estudo.

A intervenção realizada nos respectivos estudos quanto a tipo de fitoesterol, dose, duração e veículos alimentares utilizados está representada na Tabela 2. Em todos os ensaios clínicos selecionados o desfecho primário avaliado foi a redução da concentração sérica de LDL-colesterol.

Tabela 2
Ensaios clínicos randomizados avaliando os efeitos da suplementação de fitoesteróis sobre a colesterolemia.

Autor(es), ano	Tipo de fitoesterol	Dose (g/dia)	Duração (em semanas)	Veículo	↓LDL-c (%)	p-valor (versus grupo controle)	↓CT (%)	p-valor (versus grupo controle)
Becker et al., 199314	Esteróis Estanóis	6 1,5	12 12 e 28	Pastilhas	19,5 33,2 e 29,2	<0,01	17,1 25,7 e 23,5	<0,01
Gylling et al., 199515	Estanóis	3	6	Margarina	15	<0,01	10,6	<0,01
Vuorio et al., 200016	Estanóis	2,24	12	Margarina	17,9	<0,001	13,6	<0,001
Amundsen et al., 200217	Esteróis	1,6	8	Spread*	10,2	<0,01	7,4	<0,01
Ketomãki et al., 200318	Esteróis Estanóis	2	5	Spread*	9 12	<0,001	6 9	<0,01
Amundsen et al., 200419	Esteróis	1,2	8	Spread*	11,4	<0,001	9,1	<0,001
Jakulj et al., 200620	Estanóis	2	4	Iogurte desnatado	9,2	<0,001	7,5	<0,001
Matsuyama et al., 200721	Esteróis	0,4	16	Pão	Todos: 6,3 HF: 11,2	<0,05	Todos: 2,2 HF: 6	Todos: NS HF: <0,05
Guardamagna et al., 201122	Esteróis	1,6 a 2	12	Iogurte desnatado	HF: 12,4 HND: 16	<0,05	HF: 10,2 HND: 13	<0,05
Garaiova et al., 201323	Esteróis	1,3	16	Preparação emulsificada	8,4	<0,05	7,7	<0,05
Garoufi et al., 201424	Esteróis	2	48	Iogurte desnatado	13	<0,001	9,4	<0,001
Ribas et al., 201725	Esteróis	1,2	8	Leite desnatado	10,2	<0,01	5,9	NS

• LDL-c: low density lipoprotein-cholesterol (lipoproteína de baixa densidade-colesterol); CT: colesterol total; HF: hipercolesterolemia familiar; NS: não significativo; HND: hipercolesterolemia não determinada; *pasta.

Os estudos não mostraram alterações significantes nos níveis de HDL-colesterol e TG, com exceção dos resultados encontrados em somente um ensaio clínico,¹⁴ em que foram observados redução em 12% (p<0,05) nos níveis de HDL-colesterol e aumento significativo (p<0,05) dos TG após três e sete meses de suplementação, mas permaneceu em faixa de normalidade.

Somente dois estudos incluíram a análise do efeito da suplementação de fitoesteróis após o período de ingestão. O estudo de Matsuyama et al.²¹ verificou elevação significativa de CT e LDL-colesterol após quatro meses (p<0,05). Já Amundsen et al.¹⁹ observaram que a eficácia na redução do colesterol foi sustentada durante seis meses posteriores.

Após intervenção, alguns dos ensaios clínicos observaram redução na concentração plasmática de carotenoides hidrocarbonados (β-caroteno,^14,16,17,19 α-caroteno^14,19 e licopeno¹⁷), α-tocoferol^16,23 e retinol.²³ Outros estudos identificaram aumento de α-tocoferol¹⁹ e retinol.^17,19 Os demais estudos não verificaram alteração nos níveis de β-caroteno,²³ y-tocoferol²³ e retinol.¹⁶

Apenas dois estudos^20,22 identificaram efeito colateral da suplementação de fitoesteróis, sendo a queixa recorrente, em ambos estudos, o desconforto abdominal em seis crianças, comparado a oito do grupo placebo e uma criança no grupo intervenção, respectivamente. Os demais estudos não relataram a ocorrência de efeitos colaterais.

DISCUSSÃO

A suplementação de fitoesteróis para a redução dos níveis de colesterol, de acordo com os ensaios clínicos mencionados neste trabalho, mostrou-se eficiente, de forma a promover a redução de aproximadamente 10% dos níveis de LDL-colesterol. A maioria dos ensaios clínicos considerados apresentou amostra de pacientes com HF.^{14,15,16,17,18,19,20,21,22} Entretanto, aqueles que incluíram crianças e adolescentes com hipercolesterolemia de etiologia não determinada ou sem causa genética também obtiveram resultados benéficos sobre a colesterolemia.^{18,21,22,23,24,25}

O mecanismo subjacente a esse efeito hipocolesterolêmico é a redução da absorção de colesterol do lúmen intestinal na circulação por uma competição entre estanóis/esteróis vegetais e colesterol intestinal pela incorporação em micelas mistas. Os fitoesteróis são mais hidrofóbicos que o colesterol, dessa forma, agrupam-se melhor no interior da micela.²⁶ Assim, impedem a incorporação do colesterol nas micelas, diminuindo sua biodisponibilidade e o fluxo de colesterol do lúmen intestinal para a circulação e aumentando a síntese hepática de colesterol.²⁷ O colesterol livre que não é então incorporado no interior das micelas é eliminado por meio das fezes, resultando na diminuição da absorção de colesterol nos enterócitos. O efeito da absorção reduzida e da síntese aumentada de colesterol é uma redução nas concentrações séricas de LDL.²⁸ Embora haja muita pesquisa a respeito dos fitoesteróis, sua ação hipocolesterolêmica não foi completamente elucidada.²⁹

A dose média de fitoesteróis administrada foi de cerca de 2,1 g/dia (variação de 0,4 a 6 g/dia) em crianças entre 2 e 19 anos de idade. No entanto, a Sociedade Brasileira de Cardiologia sugere que o uso de fitoesteróis deve ser parte das mudanças de estilo de vida e está indicado para crianças acima de cinco anos com HF, como aprovado para uso no Brasil.⁴ Assim, a I Diretriz Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar recomenda a ingestão de 1,2 a 1,5 g por dia em crianças portadoras de HF heterozigótica.³ A European Society of Cardiology e a European Atherosclerosis Society,¹⁰ assim como o Expert Panel on Integrated Guidelines for Cardiovascular Health and Risk Reduction in Children and Adolescents,¹¹ orientam, como medida de suporte, o consumo de 2 g de esteróis/estanóis por dia em crianças com HF. Já o Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia propõe que crianças e adolescentes obesos com dislipidemia recebam 1,6 g de fitoesterol diariamente.² Ademais, presume-se que todas as crianças e todos os adolescentes dislipidêmicos sem indicação para tratamento farmacológico se beneficiariam do uso da suplementação de fitoesteróis para a redução dos níveis de CT e LDL, como observado no presente estudo.

Os ensaios clínicos selecionados utilizaram a administração de esteróis ou estanóis vegetais ou ambos para a intervenção. Os principais fitoesteróis utilizados foram o sitosterol e o sitostanol. A respeito das diferentes subclasses de fitoesteróis, os estudos que compararam a eficácia dos estanóis vegetais e dos esteróis vegetais verificaram que, embora ambos tenham produzido reduções no LDL-colesterol, o estanol vegetal ainda em menor dose parece ser capaz de reduzir mais efetivamente o LDL.^14,18 No entanto, uma metanálise realizada por Talati et al.³⁰ não observou diferenças significativas entre os efeitos dos esteróis e estanóis vegetais sobre o LDL-colesterol, sugerindo que seus efeitos são similares.

A administração dos esteróis/estanóis vegetais ocorreu durante as refeições, principalmente no café da manhã, no almoço e no jantar. Os estudos que utilizaram como matriz alimentar ou veículo de suplementação margarina e spread orientaram seu consumo pela adição em pão,^16,18 sanduíche,^15,17 mingau¹⁸ ou pela mistura a uma refeição quente.¹⁷ É importante que os fitoesteróis sejam consumidos com as refeições, pois os fitoesteróis esterificados são hidrolisados pela enzima colesterol redutase no intestino delgado no período pós-prandial. Assim, quando livres, estão disponíveis para impedir a incorporação de colesterol nas micelas.⁷

Os veículos utilizados para a suplementação foram: pastilhas, margarinas, iogurte, leite, pão, spread, emulsões. Apesar de todos reduzirem de forma significativa o LDL-colesterol, a maior redução parece ter ocorrido com o uso de pastilhas, enquanto o uso de pão e emulsão resultou numa redução inferior. De acordo com estudo de Clifton et al.,³¹ o qual comparou a eficácia individual de alimentos enriquecidos com plantas esteróis, verificou maior redução de LDL-colesterol com o uso de leite desnatado, seguido de iogurte desnatado, e uma redução menor foi observada com o uso de pão e cereal, valendo-se da hipótese de que os fitoesteróis podem ficar presos no centro das gotículas lipídicas e não estão disponíveis até que a gordura seja digerida. Todavia, a queda do LDL-colesterol também é vista com o uso de margarina enriquecida com ésteres de estanóis,^15,16 talvez mais do que o observado nos estudos que utilizaram leite²⁵ e iogurte desnatado.^20,22,24 Assim, pode ser que alimentos enriquecidos com fitoesteróis com baixo teor de gordura sejam igualmente eficazes àqueles com alto teor de gordura. Além dessa comparação, existe também a de alimentos sólidos versus líquidos.³² Os resultados obtidos de uma metanálise sugerem que altas doses de fitoesteróis em alimentos sólidos podem ter um efeito redutor de LDL-colesterol mais pronunciado do que em alimentos líquidos. Porém a discussão sobre se o tipo de alimento (matriz alimentar) influencia sua eficácia ainda está em andamento.³²

É possível também que a eficácia dos fitoesteróis diminua com o maior tempo de suplementação, como observado nos ensaios clínicos selecionados cuja suplementação foi superior a 12 semanas.^14,21,23,24 Os estudos que variaram de 8 a 12 semanas apresentaram resultados semelhantes na redução de LDL-colesterol, sendo essa redução superior a 10%, dependendo também da dose de suplementação.^{14,16,17,19,22,25} O único estudo cujo período de intervenção durou quatro semanas apresentou uma redução de LDL-colesterol, apesar de significativa, inferior a 10%.²⁰

A despeito do efeito benéfico da suplementação de fitoesteróis sobre a colesterolemia, um potencial efeito deletério é a fitosterolemia, também denominada sitosterolemia, uma desordem autossômica recessiva e hereditária rara que está relacionada a mutações nos genes dos cotransportadores de fitoesteróis/colesterol ABCG5 e ABCG8. Essas mutações promovem aumento de 50 vezes na concentração circulante de esteróis vegetais e estão associadas com aterosclerose precoce.^33,34 É importante ressaltar que a suplementação de fitoesteróis é contraindicada para os raros pacientes que apresentam fitosterolemia,⁴ apesar de o consumo de alimentos enriquecidos com fitoesteróis estar associado, nesses casos, com aumento menor, cerca de 2 vezes, nos esteróis vegetais circulantes.³⁵

Outro potencial efeito colateral está relacionado à absorção de vitaminas e antioxidantes lipossolúveis. Os fitoesteróis podem interferir na absorção de vitaminas lipossolúveis⁸ por reduzirem os níveis de LDL-colesterol, já que este é também transportador dessas vitaminas. Portanto, se os níveis forem reduzidos, haverá menor transporte.⁷ Os níveis séricos das vitaminas A, D e K1 em geral não são afetados pelo consumo de fitoesteróis.³⁵ Entretanto, alguns dos ensaios clínicos selecionados sugerem que os fitoesteróis possam promover redução na concentração plasmática de carotenoides hidrocarbonados (β-caroteno,^14,16,17,19 α-caroteno^14,19 e licopeno¹⁷), α-tocoferol^16,23 e retinol.²³ Outros estudos não observaram tais reduções.^16,17,19,23 Apesar da preocupação de que as vitaminas lipossolúveis sejam reduzidas pelos fitoesteróis, as reduções parecem permanecer dentro da faixa de normalidade, não havendo implicações negativas sobre a saúde.³⁶ Assim, de forma a evitar reduções nos níveis séricos de carotenoides durante o consumo de fitoesteróis, o aumento no consumo diário de frutas e hortaliças ricas em carotenoides deve ser considerado.^7,19,37

Na faixa etária pediátrica poucos estudos avaliaram o efeito da suplementação de fitoesteróis em relação ao perfil lipídico. Entretanto, os estudos publicados até o presente momento recomendam o uso de fitoesteróis como forma de tratamento somente para crianças com hipercolesterolemia que não conseguiram alcançar níveis desejados de LDL-colesterol após mudanças no estilo de vida.^{14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25} Além disso, a abordagem de suplementação com fitoesteróis pode diminuir os níveis de colesterol o suficiente para evitar a necessidade de tratamento medicamentoso.¹²

Os ensaios clínicos incluídos nesta revisão apresentaram algumas limitações, embora tenham respondido ao questionamento inicial. Alguns fatores limitantes discutíveis foram o tamanho amostral, o curto período de segmento e as possíveis variáveis de confusão. Além disso, cinco estudos não relataram fontes de financiamento,^{14,17,18,20,21} e poucos declararam conflito de interesse.^23,24 Já esta revisão apresenta limitação quanto ao número de autores incluídos, visto a seleção criteriosa utilizada na escolha dos trabalhos que respondessem à questão principal.

Apesar de sua capacidade limitada de redução da fração do LDL-colesterol, principalmente quando administrada em alimentos enriquecidos, a suplementação de fitoesteróis parece ser de grande auxílio terapêutico para a redução do colesterol em crianças e adolescentes com hipercolesterolemia familiar, de etiologia não determinada ou sem causa genética, a partir de 5 anos de idade, conforme preconizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Vale ressaltar que os fitoesteróis devem ser utilizados como forma de tratamento, e não de prevenção, em crianças/adolescentes com hipercolesterolemia que não conseguiram alcançar níveis desejados de LDL-colesterol após mudanças no estilo de vida. A administração nas refeições (almoço e jantar), por um período de 8 a 12 semanas, parece atingir redução significativa de LDL-colesterol superior a 10%, em conjunto a uma dieta adequada.

Além disso, baseado na ausência de efeitos adversos em ensaios experimentais, seu uso parece ser seguro e de boa tolerância. Ainda são necessários mais estudos que analisem o efeito da suplementação de fitoesteróis em longo prazo para verificar se seu efeito hipocolesterolêmico é mantido após o período de ingestão.

REFERENCES

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Financiamento

• O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Nov 2020
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  02 Dez 2019
• Aceito
  16 Fev 2020
• Publicado
  09 Nov 2020