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Sepse neonatal precoce: prevalência, complicações e desfechos em recém-nascidos com 35 semanas ou mais de idade gestacional

RESUMO

Objetivo:

Analisar a prevalência, as complicações e as condições de alta dos recém-nascidos ≥35 semanas com diagnóstico de sepse neonatal precoce.

Métodos:

Estudo transversal, com coleta retrospectiva de dados. Incluíram-se todos recém-nascidos com 35 semanas ou mais de idade gestacional, com diagnóstico de sepse precoce em um período de quatro anos (janeiro/2016 a dezembro/2019) em uma unidade neonatal nível III. Os diagnósticos realizaram-se segundo os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e os episódios classificados segundo a confirmação microbiológica e o sítio de infecção. As complicações avaliadas foram: choque, distúrbio de coagulação e sequelas do sistema nervoso central. Também se avaliaram as condições de alta. Os dados coletados foram analisados utilizando estatística descritiva.

Resultados:

No período, 46 recém-nascidos apresentaram sepse precoce, correspondendo a 1,8% das internações e a uma prevalência de 4/1.000 nascidos vivos. Em três pacientes a sepse foi confirmada por culturas (0,3/1.000 nascidos vivos), respectivamente por S. pneumoniae, S. epidermidis e S. agalactiae. Quanto ao sítio de infecção, foram 35 casos de infecção primária da corrente sanguínea, 7 casos de pneumonia e 4 de meningite. A maior parte dos pacientes (78,3%) possuía pelo menos um fator de risco para sepse, e todos apresentaram-se sintomáticos. Não houve óbito. Complicações ocorreram em 28,2% dos casos, especialmente choque (10 casos – 21,7%).

Conclusões:

A prevalência de sepse neonatal precoce comprovada foi baixa. Apesar da ocorrência comum de complicações, não houve óbitos.

Palavras-chave:
Recém-nascido; Sepse neonatal; Estudos transversais; Choque séptico

ABSTRACT

Objective:

To analyze the incidence, complications, and hospital discharge status in newborns with ≥35 weeks of gestational age with early neonatal sepsis.

Methods:

This is a cross-sectional, retrospective study. Cases of early-onset sepsis registered from January 2016 to December 2019 in neonates with gestational age of 35 weeks or more were reviewed in a level III neonatal unit. The diagnoses were performed based on the criteria by the Brazilian Health Regulatory Agency (Anvisa), and the episodes were classified according to microbiological classification and site of infection. The following complications were evaluated: shock, coagulation disorders, and sequelae of the central nervous system. The conditions at hospital discharge were also assessed. The collected data were analyzed with the descriptive analysis.

Results:

In the period, early neonatal sepsis occurred in 46 newborns, corresponding to 1.8% of all newborns admitted to the neonatal unit, with a prevalence of 4/1,000 live births. Culture confirmed sepsis ocurred in three patients (0.3/1,000 live births), with the following agents: S. pneumoniae, S. epidermidis and S. agalactiae. As to site of infection, there were 35 cases of primary bloodstream infection, seven cases of pneumonia and four cases of meningitis. Most patients (78.3%) had at least one risk factor for sepsis, and all were symptomatic at admission. There were no deaths. Complications occurred in 28.2% of the cases, especially shock (10 cases – 21.7%).

Conclusions:

The prevalence of proven early neonatal sepsis was low. Despite the common occurrence of complications, there were no deaths.

Keywords:
Infant, newborn; Neonatal sepsis; Cross-sectional studies; Shock, septic

INTRODUÇÃO

A sepse neonatal precoce (SNP) acomete um número significativo de recém-nascidos (RN) e está associada ao aumento de morbidade e mortalidade na primeira semana de vida. No mundo, estima-se que a infecção seja responsável por 27,5% dos óbitos neonatais, atingindo taxas tão elevadas como 20/1.000 nascidos vivos em países com alta taxa de mortalidade neonatal. Sabe-se que os dados são imprecisos, principalmente em países em desenvolvimento, onde muitos óbitos ocorrem em domicílio e sem assistência médica.11. Wilson C, Nizet V, Maldonado Y, Remington J, Klein J, editors. Remington and Klein's infectious diseases of the fetus and newborn infant. 8. ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2016. No Brasil, os registros de sepse neonatal como causa de óbito somam aproximadamente 3.000 crianças ao ano.22. Brazil - Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde - DATASUS. Informações de saúde, sistema de informações sobre mortalidade. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020. O desfecho desfavorável varia de acordo com a idade gestacional, sendo a prematuridade um fator de risco adicional.33. Puopolo KM, Benitz WE, Zaoutis TE; Committee on fetus and newborn; Committee on infectious diseases. Management of neonates born at ≥35 0/7 weeks’ gestation with suspected or proven early-onset bacterial sepsis. Pediatrics. 2018;142:e20182894. https://doi.org/10.1542/peds.2018-2894
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Atualmente, a incidência de SNP em recém-nascidos a termo (RNT) é de aproximadamente 0,5/1.000 nascidos vivos, sendo o dobro entre os recém-nascidos pré-termo (RNPT) tardios, e ainda mais significativa em RNPT<34 semanas e em RN de muito baixo peso.44. Schrag SJ, Farley MM, Petit S, Reingold A, Weston EJ, Pondo T, et al. Epidemiology of invasive early-onset neonatal sepsis, 2005 to 2014. Pediatrics. 2016;138:e20162013. https://doi.org/10.1542/peds.2016-2013
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A SNP é definida como infecção que ocorre desde o nascimento até 48–72 horas de vida, e, a menos que haja evidência muito forte de outro meio de contaminação, as infecções diagnosticadas antes de 48 horas de vida são consideradas como de origem materna.55. Gaynes RP, Edwards JR, Jarvis WR, Culver DH, Tolson JS, Martone WJ. Nosocomial infections among neonates in high-risk nurseries in the United States. National Nosocomial Infections Surveillance System. Pediatrics. 1996;98:357-61. https://doi.org/10.1016/0002-9343(91)90349-3
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Embora a positividade seja baixa, o padrão-ouro para o diagnóstico é a cultura positiva no sangue e/ou no líquido cefalorraquidiano (LCR).66. Russell AR, Kumar R. Early onset neonatal sepsis: diagnostic dilemmas and practical management. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2015;100:F350-4. https://doi.org/10.1136/archdischild-2014-306193
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O diagnóstico dessa entidade muitas vezes é difícil, pois os sinais e sintomas são inespecíficos, podendo-se confundir com condições próprias do nascimento e da adaptação ao meio extrauterino. Sendo assim, em diversos casos é necessário presumir o diagnóstico e instituir o tratamento baseado em achados clínicos e exames laboratoriais inespecíficos. Contudo o uso de critérios clínicos e laboratoriais bem definidos pode servir de base para elaborar um diagnóstico mais preciso, evitando-se o uso desnecessário de antimicrobianos.

Embora estabelecido em 2013, os critérios diagnósticos de infecções relacionadas à assistência à saúde em neonatologia não foram utilizados em estudos de avaliação de SNP.77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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Análises anteriores locais demonstraram taxas de prevalência de SNP semelhantes às de países desenvolvidos, divergindo da realidade nacional, o que motivou a elaboração deste estudo. Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência recente da SNP, assim como analisar os fatores de risco, as complicações e o desfecho em RN≥35 semanas em uma unidade neonatal (UI) terciária nos últimos quatro anos de acordo com os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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MÉTODO

Trata-se de estudo transversal, com coleta retrospectiva de dados. A amostra foi de conveniência, e incluíram-se todos os RN≥35 semanas com diagnóstico de SNP em um período de quatro anos, internados entre janeiro de 2016 e dezembro de 2019. A unidade neonatal é de alta complexidade (nível III), com 30 leitos de atendimento.

Os pacientes com diagnóstico de SNP foram localizados mediante busca no banco de dados interno informatizado e posterior análise dos prontuários médicos.

Avaliaram-se variáveis maternas, obstétricas e neonatais para descrever a população.

Os fatores de risco maternos para SNP considerados foram: colonização por estreptococo do grupo B (EGB), trabalho de parto prematuro (<37 semanas), rotura de membranas ovulares ≥18 horas, febre materna (temperatura materna intraparto ≥38°C), sepse materna, fisometria, infecção urinária atual sem tratamento ou tratamento inferior a 48 horas e corioamnionite clínica.88. Centro de Atenção Integrado à Saúde da Mulher. Manual de neonatologia UNICAMP. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Revinter; 1998.

O diagnóstico e o manejo dos casos de SNP partiram da presença de sintomas clínicos sugestivos da doença nos RN avaliados, independentemente da presença de fatores de risco para SNP. Ante isso, realizou-se a triagem infecciosa, a qual incluiu coleta de sangue para hemocultura, hemograma (HMG) e dosagem de proteína C-reativa (PCR). As amostras de hemoculturas foram colhidas de dois locais distintos, contendo 1mL de sangue cada, injetadas em frascos Bactalert (BD BACTEC® — Becton Dickinson, Sparks, MD, USA) e analisadas por meio de processamento automático. Pelo protocolo interno do serviço, crianças com fator de risco para SNP, porém assintomáticas, não são submetidas à triagem laboratorial e permanecem sob observação clínica ao menos por 48 horas, com exame físico objetivo seriado e avaliação de sinais vitais.88. Centro de Atenção Integrado à Saúde da Mulher. Manual de neonatologia UNICAMP. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Revinter; 1998.

A dosagem de PCR foi feita de forma seriada por nefelometria, com intervalo de 24 horas entre as duas amostras. Considerou-se valor normal de PCR≤10 mg/L.99. Benitz WE, Han MY, Madan A, Ramachandra P. Serial serum C-reactive protein levels in the diagnosis of neonatal infection. Pediatrics. 1998;102:E41. https://doi.org/10.1542/peds.102.4.e41
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Coletou-se o LCR em pacientes com condições clínicas e laboratoriais para o procedimento, antes da instituição da antibioticoterapia, independentemente da positividade da hemocultura, e considerando-se valores de normalidade de acordo com Sarff.1010. Sarff LD, Platt LH, McCracken GH Jr. Cerebrospinal fluid evaluation in neonates: comparison of high-risk infants with and without meningitis. J Pediatr. 1976;88:473-7. https://doi.org/10.1016/s0022-3476(76)80271-5
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O leucograma foi realizado por contagem manual de células em lâmina e o resultado interpretado de acordo com as horas de vida, com avaliação do número absoluto de neutrófilos e relação de neutrófilos imaturos/neutrófilos totais1111. Manroe BL, Weinberg AG, Rosenfeld CR, Browne R. The neonatal blood count in health and disease. I. Reference values for neutrophilic cells. J Pediatr. 1979;95:89-98. https://doi.org/10.1016/s0022-3476(79)80096-7
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. Definiu-se a plaquetopenia como valores abaixo de 100.000/mm3.

A SNP foi classificada de acordo com o sítio de infecção e se houve confirmação por culturas. Considerou-se SNP confirmada os casos em que foi possível a identificação do agente por hemocultura e/ou por cultura de LCR.

Definiu-se o diagnóstico de sepse clínica pela presença de alteração de testes laboratoriais (HMG e/ou PCR) e pelo resultado negativo de hemoculturas e LCR, na ausência de evidência de infecção em outro sítio e pelo menos dois dos seguintes sinais sem outra causa conhecida: instabilidade térmica, apneia, bradicardia, intolerância alimentar, desconforto respiratório, hiperglicemia, instabilidade hemodinâmica, hipoatividade ou letargia.77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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No diagnóstico das complicações, estabeleceu-se o choque pela necessidade de expansão volêmica e/ou uso de drogas vasoativas.

De acordo com o sítio de infecção, classificou-se a SNP em infecção primária da corrente sanguínea (IPCS), pneumonia ou meningite, de acordo com a Anvisa.77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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O diagnóstico de meningite foi instituído nos pacientes que apresentaram pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas, sem outra causa reconhecida: instabilidade térmica (temperatura axilar acima de 37,5°C ou menor que 36,0°C), apneia, bradicardia, abaulamento de fontanela anterior, sinais de envolvimento de nervos cranianos, irritabilidade, convulsão; e pelo menos um dos seguintes: exame do LCR alterado com aumento dos leucócitos, proteínas, diminuição da glicose e/ou bacterioscopia e/ou cultura positiva.77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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Para diagnosticar a pneumonia, utilizou-se o critério radiológico, sendo uma ou mais radiografias de tórax seriadas com um dos seguintes achados: infiltrado persistente, novo ou progressivo (consolidação, cavitação ou pneumatocele) associado à piora ventilatória e pelo menos três dos sinais e sintomas (instabilidade térmica, leucopenia ou leucocitose, mudança do aspecto da secreção traqueal, secreção purulenta na aspiração, sibilância ou roncos e bradicardia).77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Neonatologia. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-3
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Na vigência de suspeita diagnóstica, o tratamento foi instituído imediatamente com penicilina G e aminoglicosídeo até o resultado parcial das culturas e do antibiograma. Mantiveram-se os pacientes internados na unidade de terapia intensiva sob vigilância e tratamento do quadro infeccioso, assim como das morbidades associadas (distúrbios hemodinâmicos, ventilatórios e de coagulação).

Classificou-se a condição da saída da unidade em: óbito, transferência inter-hospitalar ou alta para o domicílio. As complicações relacionadas à sepse avaliadas foram: presença de choque, distúrbio de coagulação (sangramento ativo associado à alteração de teste de coagulação) e sequelas do sistema nervoso central. Vale lembrar que todos os neonatos são submetidos a exame neurológico na admissão e na alta hospitalar. Durante a internação, caso desenvolvam sinais de agravo e acometimento neurológico, são investigados.

Os dados coletados foram analisados utilizando métodos de estatística descritiva e as variáveis categóricas expressas por frequências absoluta e relativa (%). Expressaram-se as variáveis contínuas por média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil (IIQ), de acordo com a distribuição dos valores, e as taxas por porcentagem ou por mil nascidos vivos. Efetuou-se a análise estatística dos dados pelo programa Statistical Analysis System, versão 9.2. (Cary, NC, USA).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, com autorização de dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido (número de autorização 89429418.8.0000.5404).

RESULTADOS

Analisaram-se 46 pacientes com SNP, sendo 41 (89,1%) nascidos no próprio hospital. No período avaliado, nasceram 10.228 crianças no serviço, e o número total de internações foi de 2.556. Desse modo, a amostra correspondeu a 1,8% das internações na unidade. A prevalência de SNP foi de 4,0/1.000 nascidos vivos e a de SNP confirmada de 0,3/1.000 nascidos vivos. Os dados demográficos neonatais encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Dados demográficos neonatais referentes aos casos de sepse neonatal precoce no período de quatro anos (2016 a 2019) (n=46).

Na avaliação das variáveis maternas, a idade média foi de 23,3 anos, com prevalência de 54,3% de primigestas e 56,5% de parto vaginal. A maioria (43/46) das mães apresentou diagnóstico de alguma morbidade durante a gestação, sendo elas: hipertensão arterial (15,2%), diabetes melito (13,0%), infecção urinária durante a gestação (37,0%) e outras comorbidades (28,3%).

Em 36 pacientes (78,3%), encontraram-se fatores de risco para sepse, avaliados individualmente e descritos na Tabela 2, e em 10 pacientes não havia fator de risco aparente. A pesquisa para EGB como triagem pré-natal foi realizada em apenas 16 das 46 das mães dos RN, sendo 10 gestantes com resultado positivo.

Tabela 2
Fatores de risco nos pacientes com diagnóstico de sepse neonatal precoce, no período de quatro anos (2016 a 2019).

Realizou-se a profilaxia antibiótica materna intraparto em 23,9% (n=11) das gestantes, com uso de penicilina cristalina (n=9), cefazolina (n=1) ou clindamicina (n=1), com mediana de 7 horas (IIQ 2–24) antes do parto. Entre as gestantes que não receberam profilaxia, as justificativas encontradas foram: nascimento em outro serviço (n=5), presença de febre muito próximo do parto (n=6), diagnóstico de fisometria realizado apenas no momento do parto (n=6) ou não tinham indicação pelo protocolo do serviço (n=12).88. Centro de Atenção Integrado à Saúde da Mulher. Manual de neonatologia UNICAMP. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Revinter; 1998.

Analisaram-se os diagnósticos de duas maneiras: primeiramente, de acordo com a confirmação microbiológica, apenas três pacientes (6,5%) apresentaram diagnóstico de sepse confirmada por meio de hemoculturas e/ou cultura de LCR. Os agentes isolados nas hemoculturas foram: S. pneumoniae, S. epidermidis e S. agalactiae. O S. pneumoniae também foi isolado na cultura de LCR do paciente correspondente. O paciente que foi diagnosticado com SNP por S. epidermidis não apresentava fatores de risco materno aparentes e não houve punção amniótica ou outros procedimentos invasivos na gestante. Em um segundo momento, de acordo com o sítio da infecção, identificaram-se 35 casos de IPCS (76,1%), 7 pneumonias (15,2%) e 4 meningites (8,7%).

Todos os pacientes apresentaram sintomatologia em algum momento da evolução, sendo 71,7% dos pacientes sintomáticos ao nascimento, 17,4% nas primeiras 24 horas de vida e 6,5% entre 24 e 48 horas de vida. Vale ressaltar que o desconforto respiratório foi o sinal clínico mais prevalente, presente em 89,1% dos pacientes com SNP e na totalidade dos casos com diagnóstico de pneumonia. Os principais sinais clínicos encontram-se descritos na Tabela 3.

Tabela 3
Apresentação clínica nos pacientes com diagnóstico de sepse neonatal precoce, no período de quatro anos (2016 a 2019).

Nos três pacientes com SNP comprovada, os sintomas foram: hipertermia (n=2), desconforto respiratório (n=2) e convulsão (n=1).

Todos os pacientes diagnosticados com pneumonia apresentaram desconforto respiratório, alteração da ausculta pulmonar, além de alteração radiográfica documentada em dois momentos distintos. Entre eles, 85,7% (n=6) necessitaram de suporte ventilatório por ventilação mecânica e 57,1% (n=4) precisaram de suporte hemodinâmico com drogas vasoativas dado o quadro de choque. Todos os pacientes com pneumonia apresentaram manifestação sistêmica do quadro infeccioso, sendo então agrupados como infecção neonatal precoce.

A presença de convulsão foi considerada secundária à meningite comprovada em apenas um dos casos. O outro paciente teve análise do LCR normal, e a crise convulsiva foi associada ao diagnóstico de encefalopatia hipóxico-isquêmica.

O parâmetro laboratorial mais frequentemente alterado foi o número de neutrófilos totais (n=33), 17,3% dos RN apresentaram neutropenia e 54,3% neutrofilia. O índice neutrofílico (relação de contagem de neutrófilos imaturos/ neutrófilos totais) alterou-se em 19 pacientes (41,3%). A presença de plaquetopenia foi descrita em apenas um caso.

A dosagem da PCR foi anormal na primeira coleta em 54,3% das amostras. Das 21 dosagens que eram inicialmente normais, 66% mostraram-se alteradas na segunda amostra.

Nos pacientes em que foi possível a coleta de LCR (n=26), quatro deles tiveram alteração da citologia e bioquímica, sendo a cultura de LCR positiva em apenas um paciente (S. pneumoniae). A punção lombar não foi realizada nos pacientes com instabilidade respiratória, hemodinâmica e/ou distúrbios de coagulação.

Observaram-se complicações em 13 pacientes: distúrbios hemorrágicos (1), sequelas neurológicas após meningite (2) e choque (10). Os pacientes com choque receberam, em combinações e doses variáveis, dopamina (9), dobutamina (6) e adrenalina/noradrenalina (5). Quatro pacientes apresentaram quadro de choque refratário, com necessidade de duas drogas ou mais e associação de hidrocortisona ao tratamento.

As alterações neurológicas secundárias ao quadro infeccioso demonstraram-se em dois pacientes, sendo elas: ventriculite e acidente vascular isquêmico. A ventriculite foi demonstrada por ultrassonografia cerebral, corroborada por tomografia de crânio e caracterizada por discreto realce da superfície ependimária revestindo os ventrículos laterais e focos isoatenuantes no interior dos ventrículos (debris), além de presença de dilatação do sistema ventricular, hipodensidades periventriculares, compatível com transudação do LCR e discreto realce ao meio do contraste da leptomeninge, notadamente na alta convexidade frontoparietal bilateral. O diagnóstico de AVC isquêmico pós-infeccioso foi realizado por ressonância nuclear magnética, com presença de focos de restrição da difusão das moléculas de água interessando córtex do giro frontal superior e médio esquerdos, sugerindo lesões isquêmicas, provavelmente secundárias à vasculite e à complicação do processo infeccioso.

Instituiu-se o tratamento antimicrobiano imediatamente após o diagnóstico de SNP, com tempo de tratamento determinado de acordo com o sítio de infecção. Os antibióticos utilizados foram: penicilina G cristalina ou ampicilina (n=45), amicacina (n=38), cefotaxima (n=6), cefepime (n=1) e vancomicina (n=1). A mediana do tempo de tratamento foi de sete dias (IIQ 7–10), com variação de 7–21 dias. A duração do tratamento de todos os casos de sepse clínica foi de sete dias (100%) e dos casos de pneumonia foi de dez dias (100%). Entre os casos de meningite, o tempo de tratamento variou entre 10 (n=2), 14 (n=1) e 21 dias (n=1).

Não houve nenhum óbito durante a internação. Em relação à condição de saída, 43 pacientes receberam alta hospitalar e 3 foram transferidos para o hospital de nascimento.

DISCUSSÃO

A prevalência de SNP encontrada neste estudo se assemelha aos valores de estudo recente norte-americano, no qual a taxa de SNP variou de 1 a 4/1.000 nascidos vivos, dependendo da região dos EUA e da época em que foi avaliada.1212. Shane AL, Sánchez PJ, Stoll BJ. Neonatal sepsis. Lancet. 2017;390:1770-80. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31002-4
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Em relação à prevalência de SNP comprovada, o valor encontrado de 0,3/1.000 nascidos vivos foi menor que em extenso estudo epidemiológico do Reino Unido (0,7/1.000 nascidos vivos)1313. Cailes B, Kortsalioudaki C, Buttery J, Pattnayak S, Greenough A, Matthes J, et al. Epidemiology of UK neonatal infections: the neonIN infection surveillance network. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2018;103:F547-53. https://doi.org/10.1136/archdischild-2017-313203
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assim como no estudo brasileiro de Freitas et al. (1,7/1.000 nascidos vivos)1414. Freitas FT, Romero GA. Early-onset neonatal sepsis and the implementation of group B streptococcus prophylaxis in a Brazilian maternity hospital: a descriptive study. Braz J Infect Dis. 2017;21:92-7. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2016.09.013
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. Essa diferença pode ser explicada pela inclusão apenas de RNT ou RNPT tardios neste estudo, enquanto os demais estudos descrevem a prevalência global da SNP, sem distinção das idades gestacionais, uma vez que a prevalência é inversamente proporcional a esse fator. A escolha da idade gestacional ≥35 semanas foi baseada no padrão nacional de classificação de candidatos ao alojamento conjunto.

No cenário nacional, existem poucos estudos que determinam a prevalência de SNP. Estudo no Amazonas descreveu uma incidência de SNP de 53/1.000 nascidos vivos, com uma amostra predominantemente de RN>34 semanas de idade gestacional (95% dos casos)1515. Pinheiro RS, Ferreira LC, Brum IR, Guilherme JP, Monte RL. Estudo dos fatores de risco maternos associados à sepse neonatal precoce em hospital terciário da Amazônia brasileira. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29: 387-95. https://doi.org/10.1590/s0100-72032007000800002
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. Com resultado semelhante, Goulart et al. descreveram uma taxa de SNP de 50,3/1.000 nascidos vivos, sendo 54% da amostra RN>34 semanas, bem como daquela encontrada por Benincasa et al. (46/1.000 nascidos vivos)1616. Goulart AP, Valle CF, Dal-Pizzol F, Cancelier AC. Fatores de risco para o desenvolvimento de sepse neonatal precoce em hospital da rede pública do Brasil. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18:148-53. https://doi.org/10.1590/s0103-507x2006000200008
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,1717. Benincasa BC, Silveira RC, Schlatter RP, Neto GB, Procianoy RS. Multivariate risk and clinical signs evaluations for early-onset sepsis on late preterm and term newborns and their economic impact. Eur J Pediatr. 2020;179:1859-65. https://doi.org/10.1007/s00431-020-03727-z
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. Sendo assim, essas elevadas taxas de SNP descritas anteriormente trazem, para refletir, a importância de critérios diagnósticos bem definidos a fim de determinar a real taxa de incidência da doença, bem como de estabelecer tratamento apenas em RN verdadeiramente doentes e promover o uso racional de antimicrobianos.

Em países desenvolvidos, o número de pacientes com SNP tem reduzido ao longo das últimas décadas e muito se deve à instituição da profilaxia antibiótica no momento do parto. Essa associação foi demonstrada no estudo multicêntrico de Schrag et al., que evidenciou uma redução no diagnóstico de SNP de 65% no período de 1993 a 1998 após a elaboração das diretrizes de profilaxia antibiótica para EGB.1818. Schrag SJ, Zywicki S, Farley MM, Reingold AL, Harrison LH, Lefkowitz LB, et al. Group B streptococcal disease in the era of intrapartum antibiotic prophylaxis. N Engl J Med. 2000;342:15-20. https://doi.org/10.1056/nejm200001063420103
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Apenas um caso de SNP confirmada por EGB foi descrito no estudo. Esse microrganismo é o principal agente de SNP em RNT.1212. Shane AL, Sánchez PJ, Stoll BJ. Neonatal sepsis. Lancet. 2017;390:1770-80. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31002-4
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31...
,1313. Cailes B, Kortsalioudaki C, Buttery J, Pattnayak S, Greenough A, Matthes J, et al. Epidemiology of UK neonatal infections: the neonIN infection surveillance network. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2018;103:F547-53. https://doi.org/10.1136/archdischild-2017-313203
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Porém, a prevalência da doença tem diminuído pela profilaxia antibiótica periparto. Estudo brasileiro em Brasília mostrou prevalência de 1,7/1.000 nascidos vivos.1414. Freitas FT, Romero GA. Early-onset neonatal sepsis and the implementation of group B streptococcus prophylaxis in a Brazilian maternity hospital: a descriptive study. Braz J Infect Dis. 2017;21:92-7. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2016.09.013
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Na UI do estudo, essa rotina de profilaxia já foi implantada há mais de uma década e seria um fator que poderia justificar a ocorrência de apenas um caso de SNP por EGB. Estudo local no início dos anos 2000 mostrou uma incidência de 10,8/1.000 nascidos vivos,1919. Nomura ML, Passini Jr R, Oliveira UM, Calil R. Colonização materna e neonatal por estreptococo do grupo B em situações de ruptura pré-termo de membranas e no trabalho de parto prematuro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:397-403. https://doi.org/10.1590/s0100-72032009000800005
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porém envolveu principalmente RNPT.

As culturas positivas para S. epidermidis e S. pneumoniae diferem dos agentes de SNP habitualmente descritos na literatura.2020. Benitz WE, Smith PB. Infectious disease and pharmacology. Philadelphia, PA: Elsevier; 2019. A infecção neonatal por pneumococo é infrequente.1313. Cailes B, Kortsalioudaki C, Buttery J, Pattnayak S, Greenough A, Matthes J, et al. Epidemiology of UK neonatal infections: the neonIN infection surveillance network. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2018;103:F547-53. https://doi.org/10.1136/archdischild-2017-313203
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,2121. Hoffman JA, Mason EO, Schutze GE, Tan TQ, Barson WJ, Givner LB, et al. Streptococcus pneumoniae infections in the neonate. Pediatrics. 2003;112:1095-102. https://doi.org/10.1542/peds.112.5.1095
https://doi.org/10.1542/peds.112.5.1095...
,2222. Rodriguez BF, Mascaraque LR, Fraile LR, Perez IC, Kuder K. Streptococcus pneumoniae: the forgotten microorganism in neonatal sepsis. Fetal Pediatr Pathol. 2015;34:202-5. https://doi.org/10.3109/15513815.2015.1033073
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Além disso, a SNP por esse agente é descrita como grave, com alta letalidade.2121. Hoffman JA, Mason EO, Schutze GE, Tan TQ, Barson WJ, Givner LB, et al. Streptococcus pneumoniae infections in the neonate. Pediatrics. 2003;112:1095-102. https://doi.org/10.1542/peds.112.5.1095
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Assim como descrito na literatura, o paciente evoluiu de forma grave, com sequelas motoras e sinais de isquemia cerebral na ressonância nuclear magnética.

A infecção por estafilococo coagulase-negativa é comumente relacionada à prematuridade e ao baixo peso, além de ser causa frequente de sepse tardia.2323. Jean-Baptiste N, Benjamin DK Jr, Cohen-Wolkowiez M, Fowler VG Jr, Laughon M, Clark RH, et al. Coagulase-negative staphylococcal infections in the neonatal intensive care unit. Infect Control Hosp Epidemiol. 2011;32:679-86. https://doi.org/10.1086/660361
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O agente é raramente descrito na SNP.1313. Cailes B, Kortsalioudaki C, Buttery J, Pattnayak S, Greenough A, Matthes J, et al. Epidemiology of UK neonatal infections: the neonIN infection surveillance network. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2018;103:F547-53. https://doi.org/10.1136/archdischild-2017-313203
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,2424. Bizzarro MJ, Raskind C, Baltimore RS, Gallagher PG. Seventy-five years of neonatal sepsis at Yale: 1928-2003. Pediatrics. 2005;116:595-602. https://doi.org/10.1542/peds.2005-0552
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Por serem bactérias comensais da pele humana, eles são considerados como contaminantes de amostras de hemocultura quando presentes em amostra única ou de crescimento tardio. No estudo em questão, o S. epidermidis isolado foi considerado agente da SNP por estar presente em duas amostras de hemoculturas distintas, por tempo de positividade precoce (<24 horas) das culturas e de ter sido associado a quadro clínico compatível e exames laboratoriais inespecíficos alterados.

A positividade das culturas foi baixa, assemelhando-se ao que é descrito na literatura. De acordo com Vergano et al., as infecções com culturas negativas são as mais frequentes, podendo ser confirmadas em menos de 1% dos casos.2525. Vergnano S, Menson E, Kennea N, Embleton N, Russell AB, Watts T, et al. Neonatal infections in England: the NeonIN surveillance network. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2011;96:F9-14. https://doi.org/10.1136/adc.2009.178798
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Outros estudos encontraram uma taxa de positividade de 2,31717. Benincasa BC, Silveira RC, Schlatter RP, Neto GB, Procianoy RS. Multivariate risk and clinical signs evaluations for early-onset sepsis on late preterm and term newborns and their economic impact. Eur J Pediatr. 2020;179:1859-65. https://doi.org/10.1007/s00431-020-03727-z
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, 3,02626. Silva-Junior WP, Martins AS, Xavier PC, Appel KL, Oliveira Jr SA, Palhares DB. Etiological profile of early neonatal bacterial sepsis by multiplex qPCR. J Infect Dev Ctries. 2016;10:1318-24. https://doi.org/10.3855/jidc.7474
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e 4,6%.2727. Al-Taiar A, Hammoud MS, Thalib L, Isaacs D. Pattern and etiology of culture-proven early-onset neonatal sepsis: a five-year prospective study. Int J Infect Dis. 2011;15:e631-4. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2011.05.004
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A otimização do diagnóstico laboratorial requer testes rápidos com melhor sensibilidade e alta especificidade, o que ainda não existe.2828. Cantey JB. The spartacus problem: diagnostic inefficiency of neonatal sepsis. Pediatrics. 2019;144:e20192576. https://doi.org/10.1542/peds.2019-2576
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Um destaque do estudo foi a interpretação rigorosa dos exames de triagem infecciosa, notadamente o hemograma e a PCR, que foram analisados de acordo com valores apropriados para a idade neonatal e não com valores padrão de crianças maiores ou com valores fixos de contagem e índices neutrofílicos, tendo em vista que as alterações observadas podem refletir condições maternas, do parto e mesmo outras afecções do período neonatal.1111. Manroe BL, Weinberg AG, Rosenfeld CR, Browne R. The neonatal blood count in health and disease. I. Reference values for neutrophilic cells. J Pediatr. 1979;95:89-98. https://doi.org/10.1016/s0022-3476(79)80096-7
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Sabe-se que a avaliação do hemograma e da PCR tem um melhor valor preditivo negativo do que positivo, e estudos sugerem que a PCR seriada pode auxiliar no diagnóstico de SNP com culturas negativas.2929. Procianoy RS, Silveira RC. The challenges of neonatal sepsis management. J Pediatr (Rio J). 2020;96 (Suppl 1):80-6. https://doi.org/10.1016/j.jped.2019.10.004
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Dada a baixa especificidade dos exames de triagem infecciosa habituais e uma baixa positividade das culturas, o que resulta no diagnóstico de sepse clínica em inúmeros casos, novos estudos que avaliam a pesquisa de material genético e identificação de partículas bacterianas tem-se mostrado promissores. Um trabalho brasileiro que utilizou primer universal (q-PCR) demonstrou positividade em todos os pacientes com diagnóstico de sepse clínica, e em 97% dos pacientes estudados detectou-se DNA de uma ou mais dentre as sete bactérias pesquisadas.2626. Silva-Junior WP, Martins AS, Xavier PC, Appel KL, Oliveira Jr SA, Palhares DB. Etiological profile of early neonatal bacterial sepsis by multiplex qPCR. J Infect Dev Ctries. 2016;10:1318-24. https://doi.org/10.3855/jidc.7474
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Uma ressalva para esses testes é que o resultado positivo pode representar apenas uma contaminação e, se realizados em pacientes sem indicação clínica, possivelmente acarretaria excesso nas indicações de tratamento.

Vale ressaltar que todos os pacientes com diagnóstico de SNP apresentaram algum sintoma durante a internação, sendo a maioria deles sintomáticos já ao nascimento. A presença de sintomas nas primeiras horas de vida é considerada sinal de alerta para sepse precoce. Além disso, não há indicação de investigação laboratorial e tratamento na ausência de sinais clínicos de infecção.55. Gaynes RP, Edwards JR, Jarvis WR, Culver DH, Tolson JS, Martone WJ. Nosocomial infections among neonates in high-risk nurseries in the United States. National Nosocomial Infections Surveillance System. Pediatrics. 1996;98:357-61. https://doi.org/10.1016/0002-9343(91)90349-3
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O serviço segue a orientação de avaliação baseada por estratificação de risco e presença de sintomas desde a década de 1990, atualmente corroborada pela Academia Americana de Pediatria.33. Puopolo KM, Benitz WE, Zaoutis TE; Committee on fetus and newborn; Committee on infectious diseases. Management of neonates born at ≥35 0/7 weeks’ gestation with suspected or proven early-onset bacterial sepsis. Pediatrics. 2018;142:e20182894. https://doi.org/10.1542/peds.2018-2894
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Os fatores de risco estiveram ausentes em 20% dos casos, enquanto a presença de sintomas foi comum a todos os pacientes avaliados. A associação dos sintomas com a estratificação de risco deve ser um norte para a indicação do tratamento, no entanto a ausência de fatores de risco não deve ser usada como critério de exclusão de SNP, principalmente nos pacientes que se mostram doentes.

A investigação e o tratamento de pacientes assintomáticos, baseados apenas na presença de fatores de risco, expõem muitos pacientes ao uso desnecessário de antibióticos, além de afastamento do binômio, impacto no estabelecimento da amamentação, ocupação de leitos hospitalares e recursos financeiros adicionais.2020. Benitz WE, Smith PB. Infectious disease and pharmacology. Philadelphia, PA: Elsevier; 2019.

Outro ponto forte do estudo é que a definição de casos suspeitos ou confirmados de SNP baseou-se em critérios determinados por um órgão regulamentador de vigilância nacional, tornando o diagnóstico mais preciso, o que possibilita o uso racional de antimicrobianos. O documento com os critérios nacionais de diagnósticos de infecções relacionadas à assistência à saúde é de fácil acesso e está disponível há duas décadas. A aplicação desse método em outros serviços poderia melhorar o diagnóstico e a assistência dos casos suspeitos e/ou de risco para SNP, sem dispender custos adicionais ao serviço de saúde.

A apresentação clínica deve ser valorizada, lembrando que os sintomas são inespecíficos e podem refletir SNP assim como outras afecções próprias do período neonatal de causa não infecciosa.2020. Benitz WE, Smith PB. Infectious disease and pharmacology. Philadelphia, PA: Elsevier; 2019. Além disso, essas condições podem muitas vezes coexistir com o quadro infeccioso, fazendo com que o acompanhamento e a evolução dos casos sejam importantes e esclarecedores.

Em estudo norte-americano, o qual avaliou todos os RN com diagnóstico de SNP nascidos no local, em um período de quatro anos (2006 a 2009), a mortalidade geral associada à SNP foi de 16%. No entanto, no subgrupo de RN>37 semanas, a ocorrência de óbitos foi baixa, de aproximadamente 3%.1212. Shane AL, Sánchez PJ, Stoll BJ. Neonatal sepsis. Lancet. 2017;390:1770-80. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31002-4
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A ausência de óbitos neste trabalho pode refletir a assistência adequada oferecida às crianças. Porém esta análise foi prejudicada pelo tamanho amostral limitado. Outra limitação deste trabalho foi a ausência de avaliação dos casos de SNP suspeitos e que foram descartados posteriormente pela evolução clínica favorável e culturas negativas após 48 horas da coleta. Além disso, a validade externa fica comprometida por se tratar de um estudo realizado em um único centro, de nível de atendimento terciário e com condições adequadas para o suporte e tratamento de crianças graves, nem sempre encontrado na realidade dos hospitais nacionais.

Em conclusão, a prevalência de SNP em RN com 35 semanas ou mais de idade gestacional foi semelhante ao que se tem descrito em países desenvolvidos e menor quando comparada às poucas descrições no cenário nacional. Apesar de ser uma enfermidade conhecida por uma elevada taxa de morbidade e mortalidade, as complicações encontradas estiveram de acordo com o esperado para tal entidade, e não houve óbito nos quatro anos avaliados.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.
  • Declaração
    O banco de dados que deu origem ao artigo está disponível com o autor correspondente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2020
  • Aceito
    25 Fev 2021
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