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Políticas públicas, interpretação judicial e as intenções do legislador: o ProUni e o “cripto-ativismo” do Supremo Tribunal Federal* * Os autores gostariam de agradecer a Fernando Leal pelas valiosas críticas e sugestões a uma versão anterior deste trabalho.

Public policies, judicial interpretation and legislative intent: ProUni and the Brazilian Supreme Court’s “crypto-activism”

Resumo

Este texto identifica e discute um caso de “cripto-ativismo” - um tipo de intervenção judicial forte na produção legislativa que, por outro lado, fica oculta sob sinais exteriores de deferência, como a declaração de constitucionalidade de uma norma questionada. Exemplos claros de cripto-ativismo aparecem com frequência em decisões de “interpretação conforme a constituição”, em que uma lei é formalmente mantida pelos juízes, mas seu conteúdo é alterado por meio de adições, na decisão judicial, ao texto legal. Neste trabalho, identificamos um mecanismo mais sutil que pode produzir o mesmo fenômeno. Argumentamos que a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à lei que instituiu o ProUni, mesmo declarando a constitucionalidade da medida, alterou o seu conteúdo ao redesenhar a finalidade do programa. A mudança é visível não na parte dispositiva da decisão, mas em sua fundamentação, que desconsiderou as preocupações concretas do legislador ao desenhar um programa focalizado e atribuiu ao ProUni um caráter universalista, e mais ambicioso, de redução das desigualdades sociais. Utilizamos o caso do ProUni para apontar problemas na postura típica da doutrina e da jurisprudência brasileiras quanto às “intenções do legislador”. A desconsideração absoluta das palavras do legislador quando se trata de investigar as finalidades de normas que consagram políticas públicas pode produzir impactos no mundo.

Palavras-chave:
Políticas públicas; interpretação judicial; intenção do legislador; ativismo judicial; Supremo Tribunal Federal

Abstract

This article identifies and discusses a case of “crypto-activism” - a type of judicial intervention in legislative activities that is far from negligible, although hidden behind external signs of deference, such as the declaration of constitutionality. Clear examples of crypto-activism frequently appear in decisions based on an “interpretation according to the constitution”, in which statutes are formally upheld by judges but their content is altered through additions to the legal text. In this article, we identify a more subtle mechanism capable of producing this phenomenon. We argue that the Supreme Court’s decision regarding the constitutionality of the statute that established ProUni altered its content by redesigning the policy’s purpose - even though the statute was declared constitutional. The change is not visible in the operative part of the decision, but rather in its substance, which disregarded the legislator’s concrete intent to design a focalized public policy and attributed to it the more ambitious purpose of universally reducing social inequality. We use the ProUni case to point out problems with the traditional view that Brazil’s case law and legal doctrine has with respect to “legislative intent”. To absolutely disregard legislative history when examining the purposes of statutes that establish public policies is an approach that may produce consequences in the world.

Keywords:
Public policies; judicial interpretation; legislative intent; judicial activism; Supreme Federal Court

1. INTRODUÇÃO

Na discussão sobre ativismo judicial, o ato de manter na íntegra uma lei questionada é tipicamente visto como expressão de deferência. É verdade que, quando juízes decidem não anular atos do legislativo simplesmente por concordarem com o conteúdo dessas decisões, não há realmente deferência em jogo; nesses casos, a lei foi mantida justamente porque o juiz se colocou na posição de legislador, sem qualquer deferência, e concluiu que teria feito a mesma coisa.1 1 Vide, a respeito, RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck. Preferências, Estratégias e Motivações: Pressupostos institucionais de teorias sobre comportamento judicial e sua transposição para o caso brasileiro /Institutional assumptions of theories on judicial behavior and their transposition to the Brazilian case. Revista Direito e Práxis, v. 4, p. 85-121, 2013. Mas, em alguns casos, a manutenção da lei questionada pode de fato ser lida como a manifestação visível de um compromisso intelectual e institucional prévio de auto-contenção judicial diante das escolhas legislativas. Em especial, tentativas judiciais de interpretar os objetivos e finalidades da lei de forma a compatibilizá-la com a constituição podem ser vistas como expressão de deferência na medida em que mostram um esforço de colocar a obra do legislador na sua melhor luz possível.2 2 Para uma descrição do argumento, citando referências, vide VERISSIMO, Marcos P. Juízes Deferentes? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, abr./jun. 2012.. Vide também POSNER, Richard. The meaning of judicial self-restraint. Indiana Law Journal, Bloomington, vol. 59, n. 1, 1983. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2855&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017. O juiz deferente só declararia a inconstitucionalidade quando não houvesse nenhuma leitura possível da lei que atendesse às exigências da constituição.3 3 Vide, sobre o tema, SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial. Revista Direito GV, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 191-210, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/rdgv_03_p191_210.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. Vide também BRUST, L. A interpretação conforme a Constituição e as sentenças manipulativas. Revista Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 507-526, jul./dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v5n2/14.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. Sobre a discussão na literatura estrangeira, vide: VERMEULE, Adrian. Saving constructions. The Georgetown Law Journal, Washington, vol. 85, 1997.

Entretanto, mesmo com uma atitude de deferência, o juiz pode acabar, na prática, intervindo de forma substantiva na criação do legislador. Tentando ser auto-contido e manter a lei, acaba-se, na verdade, transformando o seu conteúdo, deliberadamente ou não. Chamamos esse fenômeno de “cripto-ativismo” - um tipo de intervenção judicial forte na produção legislativa que fica oculta sob sinais exteriores de deferência, como a declaração de constitucionalidade. A maneira mais clara pela qual isso pode acontecer está em decisões de “interpretação conforme a constituição” que acabam acrescentando, no texto legal, exceções, requisitos ou regras adicionais que os legisladores não chegaram a aprovar - e talvez jamais tivessem aprovado, se tivessem sido forçados a se pronunciar sobre a questão.

Para citar apenas um exemplo, considere o voto do ministro Eros Grau na ADI 3.510, em que se discutia a constitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança). O referido dispositivo permitia, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias retiradas de embriões humanos produzidos para fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, bem como estipulava condições para sua utilização. Fazendo “interpretação conforme a constituição”, o ministro considerou que o referido dispositivo de lei poderia ser considerado constitucional desde que fossem adicionadas ao seu texto uma série de requisitos por ele selecionados, entre os quais a criação de um comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde que deveria aprovar qualquer utilização de células-tronco.4 4 Voto do Ministro Eros Grau na ADI 3.150, disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510EGrau.pdf. Acesso em 02/02/2017).

O voto de Eros Grau representa uma intervenção clara e forte no conteúdo da lei por adicionar, no texto da lei, coisas que não estavam lá antes da sua “interpretação conforme a Constituição”. Há, porém, mecanismos mais sutis pelos quais a intervenção judicial nas decisões tomadas pelos legisladores vem disfarçada de deferência - mesmo que jamais acrescentem ou retirem nada do texto aprovado pelos legisladores, nem atribuam sentidos contra-intuitivos às palavras que eles escolheram. Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar um desses mecanismos, a partir de um estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade da lei que instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni).

Ao analisar a lei, que havia sido questionada em uma ADI proposta pela Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) e pelo DEM, o tribunal acabou declarando a sua constitucionalidade. Fez isso, porém, alterando o objetivo atribuído ao programa pelo Poder Executivo, que o desenhou e negociou sua aprovação no Congresso Nacional. Os ministros substituíram a finalidade original do programa (democratização do acesso ao ensino superior), conforme idealizado pelo Executivo e aprovado pelo Congresso, por sua própria leitura de qual seria o objetivo do ProUni - e, no caso, o objetivo que os ministros viram na lei era muito mais ambicioso: a redução das desigualdades sociais.

Essa alteração de finalidade legislativa, como argumentaremos em detalhes ao longo deste trabalho, não é apenas uma manobra de raciocínio jurídico cujas consequências se esgotam, ao fim e ao cabo, na decisão atingida naquele caso. Ao contrário, se levada a sério, a decisão do tribunal, embora tenha declarado constitucional o ProUni, tem efeitos normativos que podem acabar exigindo alterações no próprio desenho do ProUni, para que o programa possa continuar sendo constitucional ao longo do tempo. Ou seja: mesmo sendo deferente, no resultado, à escolha de política pública feita pelo Executivo, o tribunal pode ter afetado a substância dessa escolha - inclusive a ponto de alterar na prática o funcionamento do programa - devido à fundamentação que adotou para manter a constitucionalidade da lei.

Embora este trabalho enfoque o caso do ProUni, há razões para acreditar que o problema possa ser mais generalizado. A tradição do pensamento jurídico brasileiro confere muito pouca importância à investigação das finalidades ou propósitos concretos, dos atores políticos de carne e osso que estão por trás das normas que os juízes agora precisam aplicar. É possível identificar, na doutrina, sinais de descaso com relação à relevância e à utilidade de se discutir a “história legislativa” para se fixar a finalidade de uma norma, e os argumentos “teleológicos” são feitos com bastante independência do que os legisladores pensavam sobre a lei que estavam criando. Essa postura de desconsiderar quaisquer indícios do que os criadores da política pública tinham em mente não é tão inofensiva quanto pode parecer. É verdade que há boas razões para rejeitarmos a ideia de que a “intenção do legislador” deve ser o único ou mesmo o principal elemento de intepretação de textos legais.5 5 Vide, a esse respeito, especialmente VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998. Mas, por outro lado, o caso do ProUni mostra que também há boas razões para que não seja adotada uma postura de desconsideração absoluta das palavras do legislador quando se trata de investigar as finalidades de normas que consagram políticas públicas cujo impacto no mundo precisa ser mensurado e avaliado.

Em especial, na decisão do Supremo sobre o ProUni e em suas implicações para casos semelhantes, dois problemas aparecem. O primeiro problema é mais óbvio: os ministros não decidiram apenas o que parecia mais evidente no caso, e que sabiam estar decidindo - a constitucionalidade do programa. Decidiram também uma outra questão - para que serve o ProUni? - que já havia sido na verdade enfrentada e respondida pelos formuladores da política pública. Decidiram algo sem saber exatamente o que estava em jogo e, portanto, não puderam avaliar com clareza as implicações de sua decisão. O segundo problema é mais sutil, e ocorre quando ao menos alguns dos tomadores de decisão sabem o que está em jogo e deliberadamente reformulam a finalidade da norma, protegidos pela aparente deferência da declaração de constitucionalidade. Se, no primeiro problema, o risco é o da mudança irrefletida, no segundo problema o risco é o da mudança oculta. São riscos não excludentes, e podem ambos aparecer em uma determinada decisão, como mostraremos em detalhes nas próximas seções.

2. O CASO DO PROUNI NO STF6 6 Este tópico se baseou no trabalho de conclusão de curso “Compatibilizando meios com fins: É necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso?”, apresentado à FGV Direito Rio por João Marcelo da Costa e Silva Lima para a obtenção do título de bacharel em direito. O trabalho está disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/13893. Acesso em 22/06/2017.

2.1. O programa ProUni

Os primeiros passos da Reforma Universitária do Governo Lula incluíram sobretudo medidas que simultaneamente expandissem a rede de ensino superior sem aumentar os gastos da União.7 7 MANCEBO, Deise. “Universidade para todos”: a privatização em questão. Pro-Posições, Campinas, v. 15, n. 3, p. 75-90, set./dez. 2004. p. 80. É nesse contexto que se insere o ProUni, criado em maio de 2004 por meio da Medida Provisória nº 213/2004, posteriormente convertida na Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005.8 8 O ProUni já foi descrito como uma iniciativa que “equilibra impacto popular, atendimento às demandas do setor privado e regulagem de contas do Estado, cumprindo a meta do Plano Nacional de Educação” (CATANI, A. M.; HEY, Ana Paula; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Prouni: democratização do acesso às instituições de ensino superior? Educar em Revista, Curitiba, n. 28, p. 125-140, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n28/a09n28.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 127). O programa enfrenta o aumento da demanda por acesso à educação aproveitando a alta ociosidade característica do ensino superior privado brasileiro (em 2002, 35% das vagas estavam ociosas; em 2003, 42% e, em 2004, 49,5%).9 9 Para uma descrição mais detalhada do processo de expansão do ensino superior brasileiro, marcado por altas ociosidades e por um foco em cursos de baixos custos fixos e marginais, vide: RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; RIBEIRO, Leandro Molhano; LIMA, J. M. C. S. A oferta de cursos do ProUni e mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 3, p. 119-139, set./dez., 2016. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/45019>. Acesso em 09/02/2017. A engenharia jurídico-financeira do ProUni é benéfica para as contas públicas. Estima-se que, no primeiro ano do ProUni, a renúncia fiscal em R$ 50 milhões, contra R$ 340 milhões para gerar o mesmo número de vagas em instituições públicas de ensino superior.10 10 ALMEIDA, Sergio Campos de. O avanço da privatização na educação brasileira: o ProUni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. Niterói, 2016. 123 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, 2006. Disponível em: <http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/2/TDE-2008-01-16T133941Z-1155/Publico/Dissert-Sergio%20Almeida.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 86. As bolsas do ProUni são destinadas a estudantes que tenham cursado o ensino médio completo em escolas da rede pública ou em instituições privadas como bolsistas integrais, bem como a estudantes portadores de deficiências e a professores de rede pública de ensino (para cursos de Licenciatura, Normal superior e Pedagogia, independentemente de renda). Trata-se de benefício concedido ao estudante pelo governo federal que não está condicionado a qualquer forma de restituição financeira ao governo.11 11 AMARAL, D. P.; OLIVEIRA, Fatima Bayma de. O ProUni e a conclusão do ensino superior: questões introdutórias sobre os egressos do programa na zona oeste do Rio de Janeiro. Ensaio, Rio de Janeiro, v. 19, n. 70, p. 21-42, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n70/v19n70a03.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 27.

Para participar do programa, as instituições de ensino superior (IES) devem oferecer bolsas integrais para o equivalente a 10,7 de estudantes regularmente pagantes e matriculados ao final do correspondente período letivo anterior. Ao longo do período de vigência do termo de adesão, essas IES ficam isentas do recolhimento de contribuições e impostos.12 12 São eles: (i) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS; (ii) Contribuição para o Programa de Integração Social - PIS; (iii) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSSL; e (iv) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ.

O objetivo imediato, e intuitivo do ProUni é a concessão de bolsas de estudo (parciais e integrais) para pessoas desfavorecidas segundo os critérios (de renda, cor, etc.) do programa. Mas, em uma perspectiva mais ampla, as bolsas e as correspondentes isenções são os meios de que os formuladores da política pública lançaram mão para promover certos fins na realidade brasileira. Qual é, então, a transformação social que a concessão de bolsas do ProUni visa a realizar? Quais são os critérios de sucesso do programa - ou seja, como saberemos se esta é ou não uma política pública eficaz para os seus pretendidos fins?

2.2. Para que serve o ProUni?

O ProUni foi concebido e estruturado pelo Ministério da Educação (MEC), integrante do Poder Executivo. O MEC apresentou, em 10 de setembro de 2004, a Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 213/2014 (Exposição Interministerial nº 061/2004/MEC/MF), posteriormente convertida na lei que instituiu o ProUni. Nos termos da Exposição de Motivos, o ProUni seria uma “política de acesso democrático ao ensino superior - para estudantes de baixa renda e também para minorias étnico-raciais (...)”, ou melhor, “um programa de democratização do ensino superior mediante a concessão de bolsas de estudo”.

Uma política de democratização de acesso ao ensino superior como o ProUni não tem, evidentemente, natureza ou pretensão universalizante. Ao definir o ProUni como uma política de democratização, e não de universalização, os formuladores da política pública atribuíram um objetivo bastante bem-definido e focalizado ao ProUni. O acesso à educação superior é obstáculo apenas para um grupo específico de brasileiros, razão inclusive pela qual apenas alunos de baixa renda estão habilitados a se beneficiar do ProUni.13 13 Vide, para um histórico detalhado da desigualdade de acesso ao ensino superior no Brasil, LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. Nesse sentido, podemos considerar que o programa consiste em uma ação reparatória.14 14 KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 570. Segundo Kerstenetzky, ações reparatórias são aquelas

necessária[s] para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais - acesso que teria sido perdido como resultado de injustiças passadas, em virtude, por exemplo, de desiguais oportunidades de realização de gerações passadas que se transmitiram às presentes na perpetuação da desigualdade de recursos e capacidades. Sem a ação/política/programa, focalizados nesses grupos, aqueles direitos são letra morta ou se cumprirão apenas em um horizonte temporal muito distante.

Há pelo menos três razões para classificar o ProUni, nos termos do seu desenho original, como uma ação reparatória. Primeiro, o direito universal formalmente igual a que o ProUni quer garantir acesso efetivo é o direito à educação, previsto no caput do art. 6º da Constituição Federal, ou o direito ao acesso ao ensino superior (dentro da capacidade de cada um) previsto no art. 208, V da Constituição Federal.

Segundo, o grupo social em que o ProUni foca sua atenção é composto por pessoas que, atualmente, não são capazes chegar à educação superior no Brasil, pública e privada. São, em regra, pessoas que não tiveram acesso à educação secundária de qualidade e, por isso, não conseguem competir em nível de igualdade com os demais por vagas em universidades públicas e, ao mesmo tempo, não possuem recursos financeiros para pagar a matrícula de universidades particulares. Dessa forma, a “democratização do acesso”, no sentido da supramencionada Exposição de Motivos que deu origem ao ProUni, é a correção de uma desigualdade de oportunidade (de acesso à educação superior).

Terceiro, a principal lógica da ação reparatória diz respeito à imediatez de seus efeitos. Ela se presta a garantir, desde já, condições materiais para que se efetive na prática o acesso a um direito que, formalmente, já se dá em condições iguais. O compromisso da ação reparatória é com a geração atual, não a futura, ainda que ela possa também produzir efeitos benéficos no futuro. Considere, por exemplo, uma reserva de vagas por critérios raciais no ensino superior ou em concursos públicos. A ideia é permitir que, de imediato, uma pessoa oriunda de uma minoria historicamente desfavorecida tenha acesso a vagas em uma instituição pública considerada particularmente importante. Essa é uma estratégia de política pública muito diferente daquela que consiste num investimento de longo prazo numa transformação social: por exemplo, o investimento na educação básica, cujo objetivo é melhorar a vida de uma geração futura. Em geral, ações reparatórias são complementadas por ações que buscam transformações sociais mais abrangentes e ambiciosas, mas cujos efeitos se sentem no médio e longo prazo.

O caráter imediato dos efeitos do ProUni aparece quando consideramos o funcionamento do programa. Como mencionado acima, a eficácia do do ProUni depende de duas variáveis: (i) a alta capacidade ociosa dos cursos de educação superior oferecidos por IES privadas; e (ii) a atratividade das isenções fiscais de que se beneficiam as IES privadas como contrapartida pela concessão das bolsas. Isso sugere que não é pretensão do ProUni provocar uma transformação profunda no funcionamento do ensino superior brasileiro de modo a mitigar desigualdades estruturais no acesso à universidade. Também indica que a ambição do ProUni se limita a permitir alunos desfavorecidos possam se valer, o quanto antes, das bolsas oriundas de vagas ociosas em instituições de ensino superior, e, assim, corrigir uma desigualdade de acesso (um direito formalmente igual).

2.3. A finalidade do ProUni (segundo o Supremo)

Se definimos o objetivo original do ProUni como o de garantir o “acesso democrático ao ensino superior”, haverá ao menos duas implicações em termos de como o programa deve ser estruturado e quais seus critérios de sucesso. Primeiro, o ProUni deveria preocupar-se exclusivamente em garantir a frequência de alunos desfavorecidos em instituições privadas de ensino superior; segundo, para promover seu objetivo, o ProUni deveria se concentrar em aumentar o universo de bolsas que concede a estudantes menos favorecidos. Contudo, nenhuma dessas implicações colocadas se mantém se levarmos a sério a leitura que o Supremo Tribunal Federal fez, na ADI nº 3330, de quais as finalidades e objetivos do programa.

Nesse caso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, julgou improcedente o pedido feito pela CONFENEN e DEM, que questionava a constitucionalidade de alguns dispositivos da lei que instituiu o ProUni e passou a regular a atuação de entidades de assistência social no ensino superior (Lei n. 11.096/2005).15 15 A ADI nº 3330 foi anexada à ADI 3.314, ajuizada pelo partido DEM, por ter exatamente o mesmo objeto. O julgamento começou em 2 de abril de 2008 e o acórdão do STF foi publicado em 3 de maio de 2012.

A CONFENEN alegava que a medida provisória e a lei em que esta foi convertida violariam o art. 62 da Constituição Federal - e, consequentemente, o princípio da separação dos poderes -, pois constituiria usurpação legislativa pelo Presidente da República. Isso porque não estaria presente o requisito de “estado de necessidade legislativo” que autorizaria a edição da medida provisória. Além disso, a CONFENEN também sustentava que os arts. 10 e 11 da lei que instituiu o ProUni violariam os arts. 146, II e 195, parágrafo 7º da Constituição Federal, pois entrariam em seara reservada a lei complementar. A razão disso é que os referidos dispositivos da lei do ProUni supostamente pretendiam estabelecer o conceito de entidade beneficente de assistência social. Por fim, a CONFENEN também alegou que o art. 7 da lei que instituiu o ProUni, ao estabelecer que a condição socioeconômica do aluno é o critério para concessão das bolsas, violaria o princípio da isonomia previsto em diversos dispositivos constitucionais, como o art. 3, IV e o art. 5 da Constituição Federal.16 16 Quanto a essa alegação, vale conferir as p. 24 e 25 da petição inicial da CONFENEN: “O único critério que o Estado está obrigado a observar, no tocante ao ensino superior, está previsto no art. 208, V (...) razão pela qual as ações afirmativas nesse campo, deveriam levar o poder público a capacitar a todos para tal acesso, dando ensino básico de igual qualidade, outorgando bolsas de estudos aos de menor possibilidade econômica, e não pretender que, no ensino universitário, se outorguem privilégios a quem não esteja capacitado a acompanhá-lo, ainda que isso tenha derivado do fato de o Estado ter falhado em dar, no ensino básico e médio, a qualificação necessária. Em outras palavras: os postulantes a cursos de nível superior, independente de sua condição sócio-econômica, racial, gênero ou credo, têm, à luz da Constituição Federal, os mesmos direitos, não podendo a lei estabelecer outras discriminações para o acesso, que não seja a baseada na capacidade de cada um, demonstrada objetivamente. Ora, a teor do que estabelece o ato impugnado - ao [de]terminar de que forma deve-se dar o preenchimento de vagas, nos dispositivos ora impugnados - o processo de seleção não será mais o da Universidade, mas outro, cm base em tais critérios discriminatórios, estabelecidos pelo Governo para o ProUni, o que nos remete às lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, supra transcritas, de violação à isonomia por falta de correlação lógica entre os critérios de discrimen (aliás, proibidos pela lei maior) e a diferenciação feita”.

Para fundamentar a declaração de constitucionalidade do ProUni e refutar especificamente o argumento de violação à isonomia apresentado na inicial, o STF atribuiu ao programa um objeto bem mais ambicioso do que o descrito na seco anterior. Mais do que garantir o acesso de um grupo desfavorecido ao ensino superior, o tribunal interpretou o objetivo do ProUni como sendo reduzir desigualdades sociais. Nesse sentido, vale destacar o trecho abaixo do voto do relator, Min. Ayres Britto, reproduzido na ementa do acórdão:

A imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Geralmente se verifica é pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras. (...) A lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. (...) A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade (‘ciclos cumulativos de desvantagens competitivas’).

A posição do Ministro Ayres Britto foi seguida pela maioria do Plenário do STF, inclusive no tocante à conclusão de que o objetivo do ProUni seria o de reduzir desigualdades sociais. Quanto a esse ponto, vale destacar o voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa, que argumentou explicitamente que o ProUni promove diversos dispositivos constitucionais que preveem a redução de desigualdades sociais. Para embasar esse argumento, o ministro citou dados do Censo Anual de 2008 do MEC e do Instituto Nacional de Estudos de Pesquisa Educacional (INEP), que diziam haver, naquele ano, uma oferta de 2,98 milhões de vagas nas universidades de todo o país, das quais 1,478 milhão estavam ociosas. O censo indicava que a maior parte dessas vagas ociosas se localizava em universidades privadas, sendo a causa atribuída a esse estado de coisas a dificuldade financeira das famílias de pagar o estudo superior de seus filhos.

O Ministro Joaquim Barbosa também afirmou que, ao financiar a bolsa total para alunos de famílias com renda até 1,5 salário mínimo e parcial para aqueles egressos de famílias com renda de até três salários mínimos, “o ProUni representa importante fator de inserção social”, o que se confirmaria por outra pesquisa, elaborada em 2009 pelo Ibope, de acordo com a qual 56% dos alunos apoiados pelo ProUni já trabalhavam quando iniciaram seu curso superior, mas seu nível de emprego aumentou 80% após o Programa (fato que naturalmente contribui para a melhoria da renda de suas famílias). Ademais, Joaquim Barbosa mostrou dados que apontam ser o custo de cada bolsa do programa inferior ao custo por aluno em universidades públicas e, também, privadas.

É preciso ter cautela ao atribuirmos “ao tribunal” argumentos, fundamentos e interpretações que apareceram em apenas alguns dos votos, mesmo quando todos os ministros concordam no resultado, e mesmo quando esses elementos aparecem também na ementa do acórdão. De um lado, o processo decisório do STF não incentiva a convergência entre os votos e torna bastante difícil identificar qual seria, afinal, a posição “da corte”.17 17 Nesse sentido, Vojvodic et. al. Observam: “Nota-se (...) a dificuldade em se determinar, ainda que em um caso de decisão unânime, qual foi a decisão tomada pelo Tribunal como um todo. (...) A unanimidade se dá tão-somente com relação ao dispositivo da decisão, o elemento questionado por meio da ADI, mas não se reflete no momento da justificação dessa solução dada pelo Tribunal” (VOJVODIC, Adriana de Moraes; CARDOSO, E. L. C.; MACHADO, A.M.F. Escrevendo um romance, primeiro capítulo: precedentes e processo decisório do STF. Revista Direito GV, São Paulo, v. 9, p. 21-44, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/24371/23151>. Acesso em 09/02/2017. p. 31). Vide também SILVA, Virgílio Afonso da. “Um Voto Qualquer”? O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal Federal. Revista Estudos Institucionais, v.1, 2015, pp. 180-200; ALMEIDA, Danilo dos Santos; BOGOSSIAN, Andre Martins. “Nos Termos do Voto do Relator”: Considerações acerca da fundamentação coletiva dos acórdãos do STF. REI - Revista Estudos Institucionais, v. 2, n. 1, p. 263-297, jul. 2016. SILVA, Virgílio Afonso da. O relator dá voz ao STF? Uma réplica a Almeida e Bogossian, Revista Estudos Institucionais, v.2, 2016, pp 648-669. No caso do ProUni, os ministros podem ter votado pela constitucionalidade do ProUni com base em fundamentos completamente diferentes daqueles adotados pelo relator. De outro lado, porém, na prática do STF e da comunidade jurídica brasileira em geral, a falta de critérios claros para identificar qual foi a ratio decidendi da maioria não impede que advogados e juízes falem, o tempo todo, na “jurisprudência do tribunal”; com frequência, uma simples referência de algum ministro a determinados argumentos em seu voto acaba sendo utilizada como indicativo da “jurisprudência” do tribunal (especialmente se esses argumentos estiverem na ementa).18 18 Para uma discussão sobre o fenômeno “jurisprudência pessoal” nas práticas decisórias do Supremo, vide ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015. Para uma crítica à prática de tomar trechos soltos de votos e decisões como indicativo de “jurisprudência” do tribunal, ver LEAL, Fernando. “Uma jurisprudência que serve para tudo?”, in FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W.; FREIRE, Felipe Recondo (orgs.). O Supremo em 2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016.

Assim, o simples fato de o relator adotar uma posição explícita sobre a finalidade do ProUni já poderia produzir consequências no futuro, incluindo no repertório do STF um conjunto de argumentos oficiais que, dentro do contexto atual de falta de consenso sobre o que conta como a posição “da instituição”, poderiam ser retomados no futuro em decisões monocráticas ou em quaisquer votos como “jurisprudência” ou “precedentes”.19 19 Idem, ibidem. Para os fins deste trabalho, porém, partiremos da premissa de que ainda é relevante que uma dada justificativa, oferecida pelo relator, não tenha sido diretamente contestada por seus colegas de maioria. Assumiremos que todos os ministros que não tenham explicitamente discordado da justificativa da decisão de confirmação de constitucionalidade acima - i.e., que o ProUni objetiva a reduzir desigualdades sociais - aderiram, por exclusão, ao voto do relator, ao menos no sentido de que não geraram argumentos alternativos que poderiam ser recuperados em casos futuros.

No caso, apenas o Ministro Marco Aurélio divergiu do relator no caso. Não, porém, porque tenha discordado que o propósito do ProUni é reduzir desigualdades sociais.20 20 Pelo contrário, o Ministro Marco Aurélio focou nas outras questões jurídicas em jogo no caso (vide nota de rodapé n. 51), como a falta de urgência e relevância para edição da medida provisória, a impossibilidade de se regular matéria tributária por meio de medida provisória e o desrespeito à autonomia universitária. Outros ministros, como Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes apresentaram votos, mas se limitaram corroborar a conclusão do acórdão com argumentos laterais (por exemplo, discutindo em que medida igualdade material exige tratamento diferente entre pessoas em situação fática distinta)21 21 Com efeito, o Ministro Luiz Fux entendeu que: “A isonomia, no caso concreto, reclama tratamento isonômico, tratando igual os iguais e desigualmente os desiguais. Um dos subprincípios da isonomia na Constituição Federal, no seu artigo 206, é garantir a igualdade de acesso à educação’, afirmou, lembrando que há um paradoxo no Brasil no qual alunos de escolas públicas têm dificuldade de acesso às universidades federais e estaduais, que são as melhores do país, por conta da baixa qualidade dos colégios públicos”. ou para endereçar outras questões jurídicas em jogo, como a autonomia universitária.22 22 A ministra Rosa Weber, por exemplo, observou que já tinha enfrentado as questões de isonomia e autonomia universitária em seu voto na ADPF 186, que envolvia a constitucionalidade de cotas raciais no vestibular da Universidade de Brasília. De modo semelhante, Fux “sustentou que a lei que criou o ProUni não limitou o poder estatal de tributar ao conceder isenção às entidades que aderem ao programa. ‘A lei apenas estabelece critérios para que as entidades possam se enquadrar no programa. Isso nada tem a ver com o poder de tributar’, apontou”. Fux também “rebateu o argumento de que o programa fere a isonomia ao repassar verbas para universidades privadas que instituírem ações afirmativas, reservando bolsas para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, sendo que boa parte delas deve ser concedida a negros, índios e portadores de necessidades especiais”.

Diante disso, e sujeito às limitações que nosso corte metodológico apresenta, vamos seguir o argumento deste texto partindo da premissa de que é possível dizer que o STF, enquanto instituição, alterou o conteúdo do objetivo social que deve ser perseguido pelo ProUni - muito embora tenha declarado a política pública constitucional e tenha, portanto, se comportado de maneira deferente ao Poder Legislativo. Consideraremos, então, que o STF implicitamente decidiu que a execução do ProUni jamais será compatível com seu objetivo social se o acesso à educação superior não implicar necessariamente em redução de desigualdades sociais e for capaz de promover a inserção social do grupo desfavorecido e focalizado pelo ProUni.

2.4. A mudança de finalidade do ProUni importa?

Ao julgar a constitucionalidade do ProUni, o STF associou duas ideias que não têm, em si, ligação necessária: (i) redução de desigualdades, de um lado, e (ii) mobilidade social através do incremento da empregabilidade, de outro. Mais especificamente, o tribunal diluiu (ii) dentro do objetivo mais geral de (i). Na prática, ao reler a finalidade do programa dessa forma, o Supremo alterou os critérios pelos quais consideramos que o ProUni terá sido ou não bem-sucedido em atingir seus objetivos - e, consequentemente, alterou o próprio conteúdo da política pública.

Considere, por exemplo, o voto do Ministro Joaquim Barbosa: citou dados de empregabilidade dos beneficiários do Programa (Ibope) e, logo no parágrafo seguinte, concluiu que as “características do Programa demonstram, portanto, não apenas o preenchimento dos requisitos para sua validade e compatibilidade constitucional, mas, principalmente, que os frutos de sua aplicação já estão sendo colhidos pelo público-alvo”. Do mesmo modo, a expressão “ciclos competitivos de desvantagens econômicas”, incorporada ao acórdão do STF na ADI 3330 acima, refere-se a um conceito fruto de uma associação forte entre oportunidades de educação e ascensão social.23 23 Nas palavras de Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto-vista: “Como todos sabemos, a pobreza crônica, que perpassa diversas gerações e atinge um contingente considerável de famílias do nosso país, é fruto da falta de oportunidades educacionais, o que leva, por via de consequência, a uma certa inconsistência na mobilidade social. Isto caracteriza, em essência, o que poderíamos qualificar como ‘ciclos cumulativos de desvantagens competitivas’, elemento de bloqueio sócio-econômico que confina milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza” (grifo nosso).

Assim, embora o STF tenha reconhecido a importância de corrigir a desigualdade de oportunidade de acesso à educação superior, parece ter também decidido que a garantia de acesso à educação de grupos historicamente desfavorecidos está dentro de (e contribui para) um processo de transformação social mais abrangente, que é a de redução de desigualdades sociais do país mediante o incentivo à mobilidade social. Estamos assumindo aqui que, mantidas iguais todas as demais variáveis, quanto mais fácil for para todos os brasileiros conseguir um emprego bem-remunerado, menor será a desigualdade social no país.24 24 O STF não inovou ao associar, em abstrato, mobilidade social mediante o incremento de empregabilidade com o objetivo mais abrangente de redução de desigualdades sociais. E nem precisava ter feito essa associação explicitamente: ela se presume no momento em que o STF atribui ao ProUni o objetivo de reduzir desigualdades sociais. Quanto mais oportunidades de trabalho tiver um indivíduo, mais chances terá ele de “escolher” o emprego que maximize sua qualidade de vida (se o indicador principal de “qualidade de vida” for renda) (Para um trabalho que desenvolve sofisticadamente a relação entre educação e nível de renda, vide: CATANI, A.M.; HEY, A.P. A educação superior no Brasil e as tendências das políticas de ampliação de acesso. Atos de pesquisa em educação, Blumenal, v. 2, n. 3, p. 414-429, set./dez. 2007.). Se isso é verdade para todos, é especialmente certo para um beneficiário do ProUni, parte de um grupo social historicamente desfavorecido. A relação entre empregabilidade e redução de desigualdades sociais é, evidentemente, intuitiva (vide, a esse respeito, ARROYO, Miguel G. Políticas educacionais e desigualdades: à procura de novos significados. Educação e Sociedade, [s.l.], v. 31, n. 113, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/17>. Acesso em: 09/02/2017). Vide também, a respeito: SUBIRATS, Joan. Quais políticas públicas para qual crise? Transformação social e intervenção do Estado. In: COELHO, Maria Francisca Pinheiro; TAPAJÓS, Luziele Maria de Souza; RODRIGUES, Monica (Org.). Políticas sociais para o desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão. Brasília: UNESCO, 2010. p. 115).

Qual a diferença que essa releitura judicial (consciente ou não) faz na prática? Ao fazer a associação entre empregabilidade e redução de desigualdades, a decisão do STF tem implicações para a estrutura e funcionamento do ProUni. Especificamente, (i) fez com que o ProUni tivesse que passar a se comprometer com a empregabilidade de seus beneficiários; (ii) fez com que o ProUni se transformasse em política social de focalização como condicionalidade,25 25 A focalização como condicionalidade é aquela “no sentido de busca do foco correto para se atingir a solução de um problema social previamente especificado, portanto como um aumento de eficiência local, isto é, eficiência na solução desse problema específico (...)” (grifo no original) (KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 569). o que transforma seu objetivo em algo muito mais ambicioso do que apenas garantir condições materiais para o acesso a um direito formalmente disponível para todos os brasileiros - o direito de acesso à educação. Considere a diferença entre as duas situações descritas no quadro abaixo.

Objetivo nº 1: democratizar acesso ao ensino superior, tal como descrito na Exposição de Motivos. Objetivo nº 2: reduzir desigualdades sociais, tal como enfatizado pelo STF. • Neste caso, estamos nos referindo a uma ação reparatória focalizada, em que a política pública cumpre o propósito de tutelar o direito para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais – em geral direitos econômicos e sociais. • Neste caso, a transformação social pretendida é a redução de desigualdades. Qualquer política pública que tenha como objetivo a redução de desigualdades necessariamente assume um compromisso imediato e necessário com a redução de desigualdades em sentido literal. • A transformação social pretendida é, no caso das ações reparatórias, a própria efetivação do direito universal formalmente igual, que, no nosso caso, corresponderia à garantia, via ProUni, do acesso ao ensino superior para jovens desfavorecidos. Se essa efetivação levar, no agregado, à redução de desigualdades sociais é outra história (embora isso seja, naturalmente, desejável). • Se o ProUni tivesse como objetivo normativo a redução de desigualdades (o que sustentamos efetivamente ser o caso diante da decisão do STF), teria que ser estruturado de maneira a possibilitar, da forma mais menos custosa e mais efetiva possível (dentro da lógica de uma política social de focalização como condicionalidade), a mobilidade social de seus beneficiários. • Não há, no caso de ações reparatórias, um compromisso imediato (nem necessário) com a redução de desigualdades e sim com a efetivação de um direito, pois se assume aí que a proteção do direito via política reparatória se justifica pelo próprio valor do direito em si. • Nesse sentido, o ProUni teria que assumir um compromisso com a empregabilidade de seus beneficiários.

Na leitura do STF, o objetivo do ProUni não é o nº 1 (objetivo original), e sim o nº 2: a correção de um problema social específico - a desigualdade de renda. Com isso, a lógica do ProUni passa a ser a eficiência na solução desse problema específico: para obter A, é melhor gastar em X ou em Z?26 26 Kerstenetzky observa que “parte da solução do problema [aquele previamente especificado pela política social] depende de conhecimento mais denso sobre aspectos demográficos, sociológicos e territoriais da privação que se quer atender ou do direito que se quer implementar, além dos aspectos propriamente econômicos. A avaliação de políticas públicas já experimentadas de modo incremental é também parte importante da busca de soluções. E aqui, é evidente que a eficiência do gasto é crucial; dela depende a existência de recursos para serem gastos em outras áreas carentes” (KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 570). Se tomamos essa como a finalidade do ProUni, porém, o programa não parece estar funcionando da melhor maneira possível. De fato, ele direciona seus alunos a cursos que lhes permitem acessar mercados de trabalho menos valorizados e, portanto, menos aptos a contribuir para a mobilidade social. Contudo, os cursos em que o ProUni concentra a oferta de bolsas são direito e administração.27 27 LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss. De acordo com dados do SisProUni, disponibilizados pelo MEC via E-Sic, as bolsas ofertadas para administração e direito representaram, entre 2012 e 2014, entre 6% e 8% pontos percentuais a mais do que o total de bolsas para cursos de engenharia, ciências biológicas, medicina, geologia e ciência da computação.28 28 LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss. Direito e administração são cursos que garantem acesso a mercados de trabalho extremamente saturados, enquanto que há déficit de mão-de-obra, no Brasil, de pessoas formadas em engenharia, ciências biológicas, medicina, geologia e ciência da computação, ou outros cursos correlatos. Além disso, os cursos mais “científicos” remuneram melhor do que direito e administração.29 29 LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss (citando dados de NÉRI, Marcelo Cortes. Escolhas universitárias e performance trabalhista. In: IPEA. Radar: tecnologia, produção e comércio exterior. Brasília: IPEA, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/130703_radar27.pdf>. Acesso em 05 fev. 2017).

Para promover seu “novo” objetivo normativo - o da redução de desigualdades sociais -, o ProUni precisaria focar sua oferta de bolsas em cursos mais valorizados pelo mercado de trabalho. E tudo indica que isso é algo que o ProUni, da forma que está hoje estruturado, não consegue fazer, pois a lógica do programa é se valer das altas ociosidades que marcam alguns cursos cujos custos fixos e marginais são baixos - como é o caso de direito e administração. A ociosidade não é tão elevada em cursos mais “tecnológicos” ou científicos”, como, por exemplo, engenharia, ciências biológicas, etc., justamente porque os custos marginais (i.e., os custos correspondentes a cada aluno adicional) são altos.30 30 A esse respeito, vide RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; RIBEIRO, Leandro Molhano; LIMA, J. M. C. S. A oferta de cursos do ProUni e mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 3, p. 119-139, set./dez., 2016. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/45019>. Acesso em 09/02/2017.

Como se vê, portanto, se levarmos em conta a finalidade que o STF atribuiu ao programa em sua declaração de constitucionalidade, o ProUni é um programa que funciona de maneira sub-ótima e não promove a contento seus objetivos.

3. A BUSCA PELA FINALIDADE DA NORMA

Uma das possíveis explicações para o resultado a que o STF chegou, na investigação da finalidade do ProUni, reside no percurso que os ministros trilharam ao enfrentar o problema. Mais precisamente, pelo caminho que não escolheram. Nenhum ministro esboçou qualquer tentativa de investigar quais ideias e objetivos os formuladores dessa política pública (no caso, o MEC e o Congresso Nacional) tinham em mente quando a criaram. Mas deveriam ter feito isso? Por que juízes deveriam levar em conta as ideias, ambições e argumentos de legisladores de carne e osso, feitos durante o processo legislativo, na hora de interpretar a finalidade de normas jurídicas?

3.1. Juízes deveriam investigar as preocupações do legislador?

Qual a relação entre as palavras do legislador - ou para se utilizar de uma tradução literal do conceito nos Estados Unidos, a história legislativa (legislative history) - e a interpretação? Para juristas como Aharon Barak, o papel da interpretação jurídica é promover o propósito da lei, que, por sua vez, é uma ferramenta que serve para materializar um objetivo social. Por isso, “if a statute is a tool for realizing a social objective, then interpretation of the statute must be done in a way that realizes this social objective”.31 31 BARAK, Aharon. The Judge in a Democracy. New Jersey: Princeton University Press, 2006, pp. 124/125. Se a tarefa que se impõe ao intérprete é promover o propósito da norma no momento de sua aplicação a um caso concreto, a dúvida que surge é: que propósito é esse, e qual o seu conteúdo? Afinal, há muitos. Seria o propósito que o legislador atribuiu à norma? Ou seria o propósito que o intérprete consegue extrair da norma, sem uma necessária relação com o legislador?

Essas perguntas levantam difíceis questões de operacionalização. De acordo com Herz, a intepretação finalística está calcada, respeita, e visa a materializar preferências legislativas; “it is a form of faithful agency”, diz Herz.32 32 HERZ, Michael. Purposivism and institutional competence in statutory interpretation. Michigan State Law Review, East Lansing, n. 89, p. 89-122, 2009. p. 92. Essa é uma ideia relativamente incontroversa. O problema que a literatura levanta diz respeito ao método através do qual um dado intérprete pode conseguir se apropriar do conteúdo do propósito da norma, e aplicá-lo no caso concreto. Existem, basicamente, duas correntes que convivem a esse respeito: (i) uma que entende que, para realizar o propósito da norma, o intérprete deve, entre outros elementos, considerar, na medida do possível, pistas - exposições de motivos, relatórios em comissões por que passa a norma, etc. - que são deixadas ao longo do processo legislativo que produz a norma; e (ii) outra que é da visão de que o intérprete não deve levar em consideração elementos do processo legislativo que podem indicar qual o objetivo da norma, porque esses elementos mais atrapalham e induzem o intérprete a erro do que efetivamente contribuem para que o intérprete seja capaz de realizar, no momento de aplicação da norma, o seu propósito.

Na literatura norte-americana, ganhou força, nos últimos anos, a primeira corrente. Autores como Victoria Nourse argumentam que o intérprete deve, sim, recorrer a elementos do processo legislativo, não para aferir a “intenção” do legislador, ou o “propósito” que ele quis atribuir à norma, e sim para apurar qual o “contexto decisório” em que a norma ingressou no ordenamento jurídico.33 33 NOURSE, Victoria. Elementary Statutory Interpretation: Rethinking Legislative Intent and History. Boston College Law Review, vol. 55, p. 1613-1614. 2014. Essa ideia de migrar das noções de “propósito” ou “intenção” do legislador para o “contexto decisório” de produção da norma é o resultado de críticas feitas por autores como Vermeule à proposta de realizar a tarefa de interpretação finalística recorrendo a elementos do processo legislativo - a “história legislativa”. De acordo com Vermeule, o recurso à história legislativa para aferir a intenção do legislador é perigoso, por razões relacionadas aos limites da competência dos juízes. Para o referido autor, é arriscado recomendar que juízes investiguem qual é o propósito de uma norma, pois esse propósito muitas vezes não é exclusivamente jurídico, e sim composto também por elementos altamente controversos, de natureza econômica e social, que fogem ao treinamento de juízes.34 34 Nas palavras de Vermeule, “First, whatever its other defects, consulting legislative history for evidence of specific intent fits more comfortably with judges’ traditional training and experience. Evidence of specific intent in the legislative history usually embodies a distinct legal command, prohibition or standard that relates to a particular provision of statutory text. Evidence of specific intent, therefore, at least bears more directly upon the types of specific legal questions that judges typically decide. By contrast, evidence of general purpose in the legislative history often involves political social or economic problems that are nonlegal and highly controversial, and in which most generalist judges claim no particular expertise. Restricting the use of legislative history to consultation of such evidence may alleviate the salience problem, yet it simultaneously heightens the risk that judges will fundamentally misunderstand the problems at issue in the legislative record” (VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998.p. 1884).

Muito embora possa ser aplicável a algumas situações, no caso do ProUni, esse problema que Vermeule levanta parece ter se desenvolvido de maneira inversa. Não foi o recurso à história legislativa do ProUni que fez o STF “errar” em sua fundamentação do ProUni e atribuir ao programa um objetivo bem mais ambicioso do que aquele que originalmente foi pensado por seus formuladores. Nesse caso, a origem do erro está no fato de o STF ter ignorado, por completo, pistas no processo legislativo que pudessem sugerir qual o objetivo do ProUni.

Evidentemente, não há razões muito convincentes para acreditar que, com certeza, o STF teria decidido de maneira melhor, e mais coerente (decidindo tanto consciente quanto inconscientemente ser deferente à política pública), se os ministros tivessem se atentado à história do processo legislativo do ProUni. O que se sabe é que, ao não recorrer ao processo legislativo, o STF se distanciou muito do legislador na definição do objetivo de uma lei. E se sabe também que uma análise relativamente superficial do processo legislativo do ProUni - como a que fizemos na seção acima - poderia ter esclarecido qual o objetivo originalmente concebido pelo ProUni: a democratização do acesso ao ensino superior. A redução das desigualdades poderia, em última instância, até ser uma das consequências da promoção do objetivo de democratização do acesso ao ensino superior - como poderia também não ser. Não era o objetivo “por excelência” do programa, com o qual seus formuladores teriam que se comprometer de maneira incontornável.

Caso os ministros do STF tivessem analisado a história do processo legislativo do ProUni, não faltariam outros dispositivos constitucionais que poderiam também abrigar a finalidade (mais modesta) que os formuladores da política tinham em mente. Em especial, poderiam ter invocado o art. 208, V (citado na inicial da CONFENEN e, também, pelo próprio relator Ministro Ayres Britto), que estabelece que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.35 35 Na p. 2 de seu voto, o Ministro Ayres Britto cita o art. 208 e, em seguida, diz que “da conexão de todos os dispositivos constitucionais até agora citados avulta a compreensão de que a educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade. Mas uma política pública necessariamente imbricada com ações da sociedade civil, pois o fato é que também da Constituição figuram normas que: a) impõem às famílias deveres para com ela, educação (caput do art. 205); b) fazem do ensino uma atividade franqueada à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de “cumprimento das normas gerais da educação nacional”, mais a “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, coerentemente, aliás, com o princípio igualmente constitucional da “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”); c) ainda admitem a prestação do ensino por “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”, mediante o preenchimento de requisitos também expressamente indicados (incisos I e II do art. 213)”. Em seu esclarecimento de voto, o Ministro Ayres Britto é ainda mais incisivo quanto à ideia de que a educação superior é um direito de todos, que o Estado deve garantir à população: “Também de modo coerente com a Constituição, que, no artigo 208, ao falar do dever do Estado para com a educação, dispõe: “Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;”. Naquele momento, o que importava era mostrar que o programa tinha uma finalidade constitucional, e para isso um dispositivo como o art. 208, V bastaria, em que pese a saída mais óbvia, fácil e genérica de enfocar a “redução de desigualdades”.

Outro problema para o qual Vermeule chama a atenção com relação à interpretação finalística que se vale, metodologicamente, de elementos do processo legislativo é que ela cria condições mais favoráveis para a “preconcepção judicial”. De acordo com Vermeule, o elevado grau de abstração conceitual por trás da noção de propósito da norma “provides free play for judicial subjectivity”.36 36 VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998. p. 1885. Zelinksy também observa que a interpretação finalística voltada a realizar as preferências do legislador é uma ficção, pois raramente (para não dizer sempre), o recurso do intérprete ao “propósito” que o legislador atribuiu à norma é realmente fundado nas preferências do legislador. Na prática, o intérprete sempre substitui as preferências do legislador pelas suas.37 37 Vide, e.g., ZELINSKY, Edward. Commentary, Text, Purpose, Capacity and Albertson’s: A Response to Professor Geier. Florida Tax Review, n. 2, 1996. Esse problema é particularmente preocupante quando a matéria discutida possui dimensões técnicas que fogem à competência técnica dos juízes, de modo que a livre escolha judicial pode acabar gerando consequências negativas para além do caso concreto.38 38 Vide, e.g., EASTERBROOK, Frank. What’s so special about judges? University of Colorado Law Review, Boulder, vol. 61, p. 774-782, 1990. Disponível: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2050&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017; BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, A. R. Entre política e expertise: a repartição de competências entre o governo e a Anatel na Lei Geral de Telecomunicações. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 6, n. 21, p. 127-152, abr./jun. 2008.

Contudo, mais uma vez, esse tipo de preocupação não se adéqua muito bem ao caso ProUni. O STF quis ser deferente, mas terminou decidindo de uma maneira que pode ser interpretada como pouco deferente, como visto na seção acima. Ou seja, mesmo sem utilizar o alegado “cheque em branco” da história legislativa, o tribunal acabou decidindo de forma pouco deferente ao Poder Legislativo em uma dimensão relevante.

Não é nosso objetivo exaurir o debate sobre os prós e contras de cada lado. Podemos observar, porém, que o embate na literatura parece convergir para a seguinte constatação: a história do processo legislativo não é nem o elemento mais importante da interpretação finalística, nem deve ser completamente descartado. É uma questão de grau. Perde-se tanto com sua ausência, quanto com seu uso excessivo. O objetivo que uma norma visa a promover precisa ser tanto informado na mens legis, quanto na mens legislatoris. Se levada a sério, o custo de uma decisão que ignora ou atribui peso excessivo seja à mens legis, ou à mens legislatoris, pode vir a ser alto demais.

3.2. Por que não levar em conta as palavras e preocupações dos legisladores?

O que explica este aspecto da decisão no caso ProUni - que os ministros tenham redesenhado a finalidade da norma tão drástica e tranquilamente? Em parte, a resposta está no desenho do processo decisório do tribunal. No direito brasileiro, o escopo de qualquer litígio judicializado é limitado. O limite do que se pode discutir ao longo do processo e, por consequência, do que juízes podem decidir, é delineado por várias regras procedimentais. Para citar apenas alguns exemplos, o Código de Processo Civil (CPC) atual veda que qualquer juiz decida utilizando fundamento sobre o qual as partes não tenham tido oportunidade de se manifestar,39 39 Art. 10 do CPC, in verbis: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. ao mesmo tempo em que afirma que o juiz “decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes”.40 40 Art. 141 do CPC. Ou seja, são as partes que estabelecem os limites da controvérsia, e a relativa liberdade que os juízes têm de acrescentar fundamentos novos para a discussão das questões colocadas pelas partes é severamente limitada. Essas são regras recentes, mas alguma versão dessas mesmas condicionantes do processo decisório judicial faz parte da tradição consolidada do direito processual brasileiro. Ainda que os exatos limites de aplicação dessas restrições em casos de controle de constitucionalidade, especialmente o controle abstrato e concentrado, sejam objeto de discussão doutrinária, parece certo afirmar que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal, é ao menos encorajado pelo desenho institucional a se manifestar sobre os problemas e argumentos levantados pelas partes.41 41 Embora em sede de controle difuso, em certa medida, o julgamento do STF no caso Raposa do Sol (Pet 3388 AgR/RR, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, de 06/04/2006) ilustra como o tribunal enxerga decisões extra petita, i.e., que não se limitam à moldura jurídica estabelecida pelas partes. Naquela ocasião, o Ministro Menezes Direito proferiu um voto em que estabeleceu 18 condicionantes aplicáveis não apenas para o processo de demarcação da reserva Raposa do Sol, mas também para outras terras indígena. Ocorre que essas condicionantes não foram apresentadas pelo Estado de Roraima, autor da ação popular que originou o caso. Assim, a postura do Ministro Menezes Direito, que poderia ser classificada como ativista, provocou fortes reações de outros membros do tribunal, como, por exemplo, o relator Ministro Ayres Britto, que disse o seguinte: Só tenho dúvida - mas isso também será objeto de uma rediscussão - se o julgamento como proposto pelo Ministro Direito de procedência parcial da ação não caracteriza uma decisão extra petita, porque nada disso foi pedido na ação popular, nada do que está aqui foi pedido” (trecho extraído de SUNDFELD, Carlos et. al. Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente às sociedade e aos Poderes. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010. Disponível em: <http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/sites/default/files/controle_de_constitucionalidade_e_judicializacao.pdf>. Acesso em: 08/02/2017. p. 62). Há, na literatura, que defendam que uma das características do juiz ativista é justamente aquele que decide extra petita (vide TEIXEIRA, Anderson V. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 8, n. 1, p. 37-58, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v8n1/v8n1a02.pdf>. Acesso em 09/02/2017. p. 51). Por fim, vale também notar que a doutrina vem também defendendo que o julgamento extra petita em sede de controle abstrato de constitucionalidade é vedado, o que também pode contribuir para que o tribunal tente tomar medidas para não julgar além do que foi pedido pela parte autora na inicial. Binenbojm, por exemplo, é categórico em afirmar que, em sede de controle abstrato, “Não pode o Supremo Tribunal Federal, no entanto, julgar além ou diferentemente do que foi pedido pelo autor da ação direta de inconstitucionalidade. Com efeito, não está a Corte autorizada a agir ex officio, uma vez que não está incluída no rol de legitimados para a deflagração do controle abstrato da constitucionalidade estabelecido no art. 103 da Constituição Federal” (BINENBOJM, Gustavo. Aspectos processuais do controle abstrato da constitucionalidade no Brasil. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 5, n. 6, p. 15-36, jul./dez. 1999. Disponível: <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc1999/revdireito1999B/art_aspectosprocess.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 30).

Como esses incentivos operaram no caso do ProUni? A CONFENEN e o DEM alegaram, entre outras coisas, que o ProUni violava o princípio da isonomia. De forma a rebater esse ponto, o STF fez o mesmo exercício que a maior parte dos órgãos judicantes brasileiros está acostumado a fazer: encontrar um dispositivo para invalidar o argumento de violação à isonomia. Para tanto, os dispositivos citados pelo STF foram, por exemplo, (i) o inciso III do art. 3º da Constituição Federal, que estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (ii) o art. 3º, I da Constituição Federal, que diz que outro objetivo fundamental do Estado brasileiro é “construir uma sociedade justa, livre e solidária”; (iii) o art. 23º a Constituição Federal, que diz que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.42 42 Vide, em especial, o voto do relator do caso, Ministro Ayres Britto. Outros ministros também recorreram a um raciocínio argumentativo semelhante. Ver, p.ex., as seguintes passagens do voto do Ministro Luiz Fux: “Uma Constituição Federal que traz, no seu preâmbulo, a promessa de construção de uma sociedade justa, solidária, com erradicação de desigualdades, não pode ser fundamento para se declarar inconstitucional um programa político, editado pelo Poder Público, que visa o acesso de todos ao ensino universitário”; “Entendo que o ProUni é um exemplo eloquente de fomento público de atividades particulares relevantes, tanto mais que consentâneo com o ideário da Nação, que promete essa sociedade justa e solidária, com a erradicação das desigualdades”.

A depender da interpretação, esses e outros dispositivos da Constituição Federal certamente contribuem para invalidar o argumento de que o ProUni viola o princípio da isonomia. O argumento se desenvolve da seguinte forma: “o ProUni não viola o princípio da isonomia, que possui previsão constitucional, pois ele, na verdade, serve para reduzir desigualdades, que é algo que também está disposto na constituição”. Explícita e conscientemente, o argumento visa tão somente a invalidar a tese de violação ao princípio da isonomia. Implícita e inconscientemente, no entanto, o STF decidiu que o objetivo do ProUni é reduzir desigualdades sociais - o que, como visto acima, não é exatamente o objetivo pensado por quem concebeu o programa. Para resolver um problema colocado pela autora da ação, utilizaram um argumento cujos problemas vão muito além da questão da isonomia.

Mas havia outras maneiras de construir um argumento teleológico para superar a questão isonomia. Por que os ministros não investigaram minimamente o que o legislador disse sobre o ProUni antes de definir a finalidade do programa? Por que os ministros olharam para a questão de forma tão truncada? Embora uma explicação completa desse fenômeno esteja além dos limites deste trabalho, é importante notar que o descaso dos ministros quanto às intenções concretas dos formuladores do ProUni se encaixa com facilidade na tradição do pensamento jurídico brasileiro sobre como juízes devem interpretar e aplicar textos legais.

No Brasil, elementos do processo legislativo são tipicamente considerados “secundários” na atividade de interpretação de leis e, ainda que em menor medida, da própria Constituição.43 43 Vide, e.g., BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 132-1333: “Apesar de desfrutar de certa reputação nos países que adotam o common law, o elemento histórico tem sido o menos prestigiado na moderna interpretação levada a efeito nos sistemas jurídicos da tradição romano-germânica. A maior parte da doutrina minimiza o papel dos projetos de lei, das discussões nas comissões, relatórios, debates em plenário. Alguns autores condenam de forma radical a sua utilização (...), e a jurisprudência também a tem em baixa conta (...). Sem embargo dessa visão crítica, o elemento histórico desempenha na interpretação constitucional um papel mais destacado do que na interpretação das leis. Isso se torna especialmente verdadeiro em relação a Constituições ainda recentes. Fórmulas e institutos aparentemente incompreensíveis encontram explicitação na identificação de sua causa histórica” (sublinhado). Isso porque são considerados algo completamente externo à lei em si - ao contrário do texto legal de fato aprovado. Nas palavras do ministro Celso de Mello, o que interessa é “a definição exegética do sentido que resulta, objetivamente, do texto da lei (...) a lei vale por aquilo que nela se contém e que decorrer objetivamente, do discurso normativo nela consubstanciado, e não pelo que, no texto legal, pretendeu incluir o legislador”. Mais ainda, “em havendo divórcio entre o que estabelece o diploma legislativo (mens legis) e o que neste buscava instituir o seu autor (mens legislatoris), deve prevalecer a vontade objetiva da lei, perdendo em relevo, sob tal perspectiva, a indagação histórica em torno da intenção pessoal do legislador”.44 44 AI 401337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 02-09-2005 PP-00036 EMENT VOL-02203-03 PP-00472 RTJ VOL-00201-03 PP-01168.

Essa é uma posição disseminada no direito brasileiro. A ideia de que os elementos objetivos da lei - o que inclui tanto as palavras de seu texto, quanto a sua “finalidade objetiva” ou mens legis - não apenas são independentes dos elementos mais “subjetivos” (as intenções concretas dos legisladores que aprovaram a lei - a mens legislatoris), mas devem prevalecer sobre eles, aparece em várias outras decisões do Supremo45 45 Vide, e.g., RE 258.088-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO (“A interpretação, qualquer que seja o método hermenêutica utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa.”); RE 258088 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 18/04/2000, DJ 30-06-2000 PP-00079. Vide também: RE 20102, Relator(a): Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 27/01/1953, DJ 31-12-1953 PP-16099 EMENT VOL-00158-01 PP-00274 ADJ 07-03-1955 PP-00884 (“[...] o que vale verificar é a mens legis e não a vontade, a mente do legislador, de que a lei se desprende para adquirir conteúdo próprio. Nenhuma dúvida, por outro lado, em que a lei reside na parte do mandamento do legislador e não na em que se expõem considerações e motivações. Estas apenas valem, relativamente, para a inteligência da lei, do texto que encerra a ordem, a regra de conduta. Valem apenas relativamente porque interpretar a lei não é indagar a vontade subjetiva do legislador, sendo o significado real e objetivo da norma [...])”. Vide também: AI 401337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 02-09-2005 PP-00036 EMENT VOL-02203-03 PP-00472 RTJ VOL-00201-03 PP-01168 (“É preciso advertir, neste ponto, que a ‘mens legislatoris’ representa fator secundário no processo hermenêutica, pois, neste, o que se mostra relevante é a indagação em torno da “mens legis”, vale dizer, a definição exegética do sentido que resulta, objetivamente, do texto da lei”). Vide também: RE 20102, Relator(a): Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 27/01/1953, DJ 31-12-1953 PP-16099 EMENT VOL-00158-01 PP-00274 ADJ 07-03-1955 PP-00884 (““[...] o que vale verificar é a mens legis e não a vontade, a mente do legislador, de que a lei se desprende para adquirir conteúdo próprio. Nenhuma dúvida, por outro lado, em que a lei reside na parte do mandamento do legislador e não na em que se expõem considerações e motivações. Estas apenas valem, relativamente, para a inteligência da lei, do texto que encerra a ordem, a regra de conduta. Valem apenas relativamente porque interpretar a lei não é indagar a vontade subjetiva do legislador, sendo o significado real e objetivo da norma [...]”). e ecoa em diversas obras doutrinárias. Geraldo Ataliba, por exemplo, é da opinião que:

Em primeiro lugar, o jurista sabe que a eventual intenção do legislador nada vale (ou não vale nada) para a interpretação jurídica. A Constituição não é o que os constituintes quiseram fazer; é muito mais que isso: é o que eles fizeram. A lei é mais sábia que o legislador. Como pauta objetiva de comportamento, a lei é o que nela está escrito (e a Constituição é lei, a lei das leis, a lei máxima e suprema). Se um grupo maior ou menor de legisladores quis isto ou aquilo, é irrelevante, para fins de interpretação. Importa somente o que foi efetivamente feito pela maioria e que se traduziu na redação final do texto, entendido sistematicamente (no seu conjunto, como um todo solidário e incindível). (...) O que o jurista investiga é só a vontade da lei (...). (grifo nosso) 46 46 ATALIBA, Geraldo. Revisão Constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 28, n. 110, abr./jun., pp. 87-90, 1991. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175836/000453390.pdf?sequence=1>. Acesso em: 09/02/2017. p. 87.

Em sentido semelhante, Caio Mário da Silva Pereira entende que:

A lei redigida (...) desprende-se de quem a redigiu, para ter existência própria. Interpretar a lei não é perquirir o que quis o legislador. O que é, na verdade, o legislador? Elaborada a lei pelas assembleias competentes, ela se despersonaliza, resultando a norma, não como expressão do que alguém disse ou quis, mas como a manifestação de uma vontade coletiva. Não compete, pois, ao intérprete pesquisar urna expressão de vontade subjetiva, mas indagar o que objetivamente aparece na própria lei, o que se contém nela. Interpretar um texto legal não é pesquisar o que foi o pensamento dos seus autores há 10, 50 ou 100 anos, mas apurar o que seria este mesmo texto, se tivesse sido redigido hoje.

Contudo, o mesmo autor adverte, na mesma passagem, que a interpretação deve ser também uma adaptação da lei a novos contextos e novos problemas, e “a norma jurídica é votada com uma finalidade social; logo, a sua interpretação deve ser dominada pela pesquisa daquele objetivo”.47 47 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 25. Ed., 2012, pp. 168 e 169. A questão é que, na identificação ou definição dessa finalidade social, as preocupações concretas dos legisladores são pouco ou nada relevantes. O juiz atribui uma finalidade social à norma interpretada recorrendo a diversos elementos, a maioria dos quais possui vagueza elevada - as tendências da jurisprudência, as mudanças da doutrina e dos costumes, a “equidade”, ou, como sugere Barroso, as “finalidades do Estado brasileiro”48 48 De acordo com Barroso, “Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social. A Constituição brasileira de 1988, em seu Título I, dedicado aos princípios fundamentais, abriu um artigo específico paras as finalidades do Estado brasileiro, cuja consecução deve figurar como vetor interpretativo de toda a atuação dos órgãos públicos. É o que decorre do art. 3 e seus incisos (...)” (BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 132-133). -, dentre os quais os debates que levaram à formulação da lei original são, na melhor das hipóteses, uma variável secundária. Mais importante do que eles seria a ratio legis - conceito pouco claro, mas que parece corresponder ao “(...) fundamento racional da norma e redefine ao longo do tempo a finalidade nela contida”.49 49 BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3 ed., 1999, p. 137. A existência da ratio legis justifica mudanças feitas pelo próprio intérprete à finalidade da norma, que “(...) pode evoluir sem modificação do seu texto”.50 50 BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3 ed., 1999, p. 137.

Radicalizando ainda mais nesse mesmo sentido, Eros Grau, ex-ministro do STF, observou que:

(...) a referência à “vontade do legislador”, que apenas se pode explicar como um caso de misoneísmo [Carlos Maximiliano 1957:44], perde qualquer sentido. A interpretação constitucional, no nível linguístico, é interpretação semântica, voltada à determinação do significado das palavras e expressões contidos no texto da Constituição. Vale dizer: refere-se a “normas reveladas por enunciados linguísticos” - não a intenções ou vontades do texto ou do “ legislador constituinte”-, estando, como observa Canotilho [1987: 148], condicionada pelo contexto, na medida em que se opera em condições sociais historicamente caracterizadas, produtoras de determinados “ usos” linguísticos, decisivamente operantes na atribuição do significado. A lei, aliás - o texto normativo, em verdade-, já foi dito, costuma ser mais inteligente do que o legislador. (grifo nosso)51 51 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 106-107.

Apesar da visão particularmente crítica de Grau sobre a ideia de “intenção do legislador”, em linhas gerais, a desconfiança quanto a esse elemento “subjetivo” no processo de interpretação e aplicação do direito é bastante generalizada na doutrina convencional. Os exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente. Essa posição pode ser encontrada em autores de clássicas e influentes obras sobre intepretação no direito, frequentemente citadas na jurisprudência do STF, como a de Carlos Maximiliano52 52 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direto. Rio de Janeiro: Forense, 19 Ed., 2010, p. 23-25. e a de Pontes de Miranda.53 53 MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. T. VI. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1960. p. 478-479.

O caso do ProUni, porém, coloca um problema para essa posição. E se a investigação das palavras e preocupações do legislador no processo de elaboração normativa (que normalmente é relegado à categoria de mens legislatoris) for decisivo para entender qual a finalidade da norma de fato aprovada? As obras doutrinárias e decisões judiciais citadas acima afirmam que o que o legislador queria ter feito não pode prevalecer sobre o que ele de fato fez. Contudo, definir a finalidade de uma norma não é algo que pode ser resolvido apenas na discussão do texto legal, o elemento objetivo mais visível que foi aprovado pelo legislador. O contexto de aprovação da norma e os debates legislativos podem ser relevantes para esclarecer essas questões.

A doutrina brasileira, porém, parece fazer uma transição muito rápida - talvez até uma identificação completa - entre duas coisas distintas: (1) a intenção do legislador prevalecer sobre o texto legal como ele de fato foi aprovado, e (2) a intenção do legislador ser irrelevante para determinar a finalidade do texto aprovado. Doutrinadores frequentemente afirmam a superioridade da finalidade objetiva da lei (mens legis) em detrimento de sua finalidade subjetiva, querida pelos legisladores. No fundo, porém, há aqui um jogo de palavras que esconde uma importante transferência de poder. Não há nada de objetivo na mens legis quando defini-la é algo que pode prescindir tanto do texto legal, quanto das intenções concretas das pessoas que aprovaram a lei.

Defender a irrelevância completa dos debates legislativos (e, em última análise, da intenção do legislador) é, no fim das contas, afirmar que o trabalho de definição da “finalidade da lei” é algo que completamente independente de debates legislativos, não importando, portanto, o quão claros e inequívocos tenham sido. Debates legislativos, contudo, podem ser um elemento mais objetivo do que quaisquer outras variáveis influentes nos processos mentais pelos quais juízes contextualizam certas normas e “encontram” suas finalidades, para além do texto legal. O caso do ProUni sugere que, mesmo que a intenção do legislador não seja uma consideração decisiva na interpretação de textos normativos, ela deveria ser ao menos levada em conta na hora de se definir a “finalidade a lei” - algo que nunca estará totalmente explícito, no texto legal, a ponto de eliminar qualquer abertura interpretativa.

4. CONCLUSÃO: DEFERÊNCIA, “CRIPTO-ATIVISMO” E DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

No caso do ProUni, mesmo declarando constitucional a lei que instituiu o programa, a decisão do STF, se levada inteiramente a sério, “transformou” essa política pública ao lhe atribuir um desenho bem mais ambicioso que o plano original. Da promoção do acesso de uma geração específica ao ensino superior, na decisão do tribunal o ProUni passou a visar a redução das desigualdades regionais e sociais. Se confiarmos na robustez dos dados disponíveis, é bastante difícil de considerar que essa nova finalidade vem sendo de fato sendo promovida, de maneira significativa, pelo Prouni. Os dados sobre as bolsas ofertadas pelo programa por curso de ensino superior revelam uma concentração significativa em cursos como direito e administração, que disponibilizam a seus alunos mercados de trabalho em média sobre-saturados e mal-remunerados; poucas bolsas são ofertadas para cursos como ciência da computação, engenharia e medicina, que, além de ser mais bem-remunerados, em média, são também aqueles em que se concentra hoje o maior déficit de mão-de obra no Brasil.

O caso específico do ProUni no STF, porém, é ilustrativo de alguns problemas mais gerais sobre interpretação judicial e a distribuição de poder entre o STF e os poderes políticos. O primeiro deles, discutido na seção 3, acima, diz respeito a uma cultura profissional e a um ambiente doutrinário que vê pouca relevância nos debates legislativos como elemento para interpretação e aplicação de leis, de forma geral, e nenhuma relevância como elemento especificamente voltado à verificação da finalidade da lei (um exercício importante e frequentemente feito no contexto da avaliação da constitucionalidade de uma política pública formalizada por uma lei). O segundo problema mais geral ilustrado pelo caso do ProUni diz respeito a um tipo de atitude ativista, por parte de juízes, que pode ficar oculta embaixo de uma declaração de constitucionalidade.

Como observado na Introdução, esse tipo de “cripto-ativismo” aparece em outras práticas do Supremo Tribunal Federal. Em especial, ele é visível nas decisões de “interpretação conforme a constituição” que, ao mesmo tempo em que formalmente salvam uma lei da inconstitucionalidade, alteram profundamente seu conteúdo. Nosso estudo de caso pode ser lido como um exemplo, dentre outros possíveis, de como a distinção entre declarar/rejeitar a constitucionalidade de uma norma não é co-extensiva à distinção entre deferência/intervenção diante das escolhas substantivas feitas pelo legislador.

Embora as ideias de “auto-contenção judicial” e “deferência judicial” possuam diversos significados no debate acadêmico,54 54 Vide, e.g., POSNER, Richard. The meaning of judicial self-restraint. Indiana Law Journal, Bloomington, vol. 59, n. 1, 1983. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2855&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017. (De acordo com o referido autor, o termo pode ser atribuído a pelo menos cinco conceitos diferentes: “(1) a self-restrained judge does not allow his own views of policy to influence his decisions; (2) He is cautious, circumspect, hesitant about intruding those views; (3) He is mindful of the practical political constraints on the exercise of judicial power; (4) His decisions are influenced by a concern lest promiscuous judicial creation of rights result in so swamping the courts in litigation that they cannot function effectively; (5) He wants to reduce the power of his court system relative to that of other branches of government.”) para os fins deste trabalho, a noção central é a de que juízes devem exercer um tipo de cautela específica quando estiverem diante da possibilidade de invalidar atos políticos dos outros poderes de estado.55 55 VERISSIMO, Marcos P. Juízes Deferentes? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, abr./jun. 2012. Por trás dessa ideia, encontramos tanto um compromisso com a ideia de separação de poderes como limitação de uma dada instituição, quanto uma preocupação em alocar as decisões públicas para as instituições que, a princípio, estariam mais capacitadas para tomá-las bem.56 56 Vide, a respeito, BARBER, N. A prelude to the separation of powers. Cambridge Law Journal, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 59-88, mar. 2001. Vide também ARGUELHES, Diego W. LEAL, Fernando A. O argumento das capacidades institucionais: entre a banalidade, a irrelevância e o absurdo. Direito, Estado e Sociedade, n. 38, p. 6-50, jan./jun. 2011. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/01_Arguelhes_Leal.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. No campo do direito administrativo norte-americano, por exemplo, e para parte da literatura no Brasil, essa segunda dimensão tipicamente gera recomendações aos juízes para que só reformem atos praticados por agências reguladoras em casos excepcionais.57 57 Vide JORDÃO, Eduardo Ferreira; ROSE-ACKERMAN, Susan. Judicial Review of Executive Policymaking in AdvancedDemocracies: Beyond Rights Review. Administrative Law Review, Washington, v. 66, p. 1-72, 2014. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5955&context=fss_papers>. Acesso em: 09/02/2017.

Um compromisso desse tipo com deferência plena recomenda ao juiz cautela na invalidação de atos dos outros poderes e instituições justamente para evitar que suas opiniões sobre o assunto se sobreponham às do autor da decisão, o que poderia afetar o conteúdo da norma de uma forma ilegítima ou prejudicial ao funcionamento dos programas e policies que a norma foi formulada para promover.

Onde devemos procurar, porém, pelos sinais visíveis da deferência? O caso do ProUni aponta para uma bifurcação entre o resultado e a fundamentação, em que aquele expressa deferência (pois a norma foi formalmente mantida no lugar, como perfeitamente constitucional), mas esta expressa intervenção (pois a releitura judicial da finalidade do programa muda a própria natureza do ProUni e os critérios de desempenho). Quando olhamos para o problema colocado pela fundamentação da decisão, fica claro que não houve, por parte do STF, uma postura de prudência em relação ao que estava sendo decidido. Como a consequência da decisão foi a declaração de constitucionalidade, essa intervenção no conteúdo do programa ficou quase invisível.

Contudo, a intervenção existe na medida em que algo pode mudar no comportamento de atores judiciais, políticos e sociais no futuro. A fundamentação apresentada na decisão - e não contestada por nenhum dos ministros que votaram com o relator - permanece como uma arma carregada no repertório de jurisprudência do tribunal, podendo produzir efeitos no mundo de ao menos duas maneiras diferentes. Primeiro, em decisões futuras, considerando que os próprios ministros e outros podem recorrer ao “precedente” do ProUni para esclarecer qual a finalidade constitucionalmente aceitável (ou, no caso, constitucionalmente necessária) para este e outros programas sociais semelhantes.58 58 Vide, e.g., ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015. Para uma crítica à prática de tomar trechos soltos de votos e decisões como indicativo de “jurisprudência” do tribunal, ver LEAL, Fernando. “Uma jurisprudência que serve para tudo?”, in FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W.; FREIRE, Felipe Recondo (orgs.). O Supremo em 2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016.

Segundo, para fora do tribunal, políticos podem adotar a justificativa mais ambiciosa apresentada como STF como forma de proteger seus programas sociais de declarações de inconstitucionalidade. Isto é, para antecipar uma intervenção futura do tribunal, desenharão certos programas sociais a partir dos objetivos mais ambiciosos que os ministros utilizaram em sua decisão.59 59 Essas implicações exigem que se compreenda o comportamento dos atores políticos ao redor do tribunal a partir de um modelo “estratégico”. Para uma discussão detalhada, vide ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015. No limite, e de forma mais geral, o próprio debate público e as próprias expectativas sociais em torno do ProUni e programas semelhantes podem ser afetados.

Como se vê, a tarefa institucional de controle de constitucionalidade não equivale inteiramente à tarefa institucional de demonstrar ou não deferência. Enquanto a tarefa de declaração de constitucionalidade tem por objetivo, a princípio, tão somente decidir se a norma atacada será mantida ou não no ordenamento jurídico, uma decisão que endossa a postura de deferência tem por objetivo manter a norma sob controle judicial inalterada, tal como formulada por seu autor. Uma declaração de constitucionalidade, por si só, não nos diz nada de decisivo quanto à pergunta mais ampla que é central no debate sobre deferência: os juízes alteraram o conteúdo das decisões tomadas pelos outros poderes?

O problema do “cripto-ativismo” por trás de declarações de constitucionalidade pode ser resultado de ações deliberadas de juízes que procuram intervir no conteúdo de políticas públicas com as quais discordam, mas sem assumir publicamente os custos políticos da declaração de inconstitucionalidade. O caso do ProUni, porém, sugere um outro cenário. Na tentativa de “salvar” a norma atacada, adequando-a aos dispositivos constitucionais mais genéricos disponíveis, acriticamente, os ministros acabam transformando, ainda que sutilmente, a substância da norma, por meio de uma alteração de sua finalidade.

Esse “cripto-ativismo”, ainda que involuntário, foi alimentado pela recusa dos ministros em discutir o que os formuladores da política pública tinham em mente ao criá-la. O que ela visava a promover? Quais os indicadores de que estaria servindo bem ou mal a esses fins? Essas perguntas aparecem na discussão sobre a constitucionalidade da lei que criou o ProUni. Mas nenhuma delas é respondida com referência a elementos concretos, do processo de elaboração dessa política pública, que permitam aferir qual o plano por trás do programa. Sujeito a alguns limites impostos pelo próprio texto legal, no fim das contas, o intérprete pode arbitrar qual a finalidade que ele imagina que o programa deveria servir - um cenário em que dificilmente encontraremos deferência. Em casos assim, se queremos aproximar deferência e declaração de constitucionalidade, a cautela judicial exige que as preocupações concretas dos legisladores que formularam a política pública sejam ao menos levadas em conta na hora de determinar, para fins judiciais, qual a finalidade da norma em jogo.

  • 1
    Vide, a respeito, RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck. Preferências, Estratégias e Motivações: Pressupostos institucionais de teorias sobre comportamento judicial e sua transposição para o caso brasileiro /Institutional assumptions of theories on judicial behavior and their transposition to the Brazilian case. Revista Direito e Práxis, v. 4, p. 85-121, 2013.
  • 2
    Para uma descrição do argumento, citando referências, vide VERISSIMO, Marcos P. Juízes Deferentes? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, abr./jun. 2012.. Vide também POSNER, Richard. The meaning of judicial self-restraint. Indiana Law Journal, Bloomington, vol. 59, n. 1, 1983. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2855&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017.
  • 3
    Vide, sobre o tema, SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial. Revista Direito GV, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 191-210, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/rdgv_03_p191_210.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. Vide também BRUST, L. A interpretação conforme a Constituição e as sentenças manipulativas. Revista Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 507-526, jul./dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v5n2/14.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. Sobre a discussão na literatura estrangeira, vide: VERMEULE, Adrian. Saving constructions. The Georgetown Law Journal, Washington, vol. 85, 1997.
  • 4
    Voto do Ministro Eros Grau na ADI 3.150, disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510EGrau.pdf. Acesso em 02/02/2017).
  • 5
    Vide, a esse respeito, especialmente VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998.
  • 6
    Este tópico se baseou no trabalho de conclusão de curso “Compatibilizando meios com fins: É necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso?”, apresentado à FGV Direito Rio por João Marcelo da Costa e Silva Lima para a obtenção do título de bacharel em direito. O trabalho está disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/13893. Acesso em 22/06/2017.
  • 7
    MANCEBO, Deise. “Universidade para todos”: a privatização em questão. Pro-Posições, Campinas, v. 15, n. 3, p. 75-90, set./dez. 2004. p. 80.
  • 8
    O ProUni já foi descrito como uma iniciativa que “equilibra impacto popular, atendimento às demandas do setor privado e regulagem de contas do Estado, cumprindo a meta do Plano Nacional de Educação” (CATANI, A. M.; HEY, Ana Paula; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Prouni: democratização do acesso às instituições de ensino superior? Educar em Revista, Curitiba, n. 28, p. 125-140, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n28/a09n28.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 127).
  • 9
    Para uma descrição mais detalhada do processo de expansão do ensino superior brasileiro, marcado por altas ociosidades e por um foco em cursos de baixos custos fixos e marginais, vide: RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; RIBEIRO, Leandro Molhano; LIMA, J. M. C. S. A oferta de cursos do ProUni e mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 3, p. 119-139, set./dez., 2016. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/45019>. Acesso em 09/02/2017.
  • 10
    ALMEIDA, Sergio Campos de. O avanço da privatização na educação brasileira: o ProUni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. Niterói, 2016. 123 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, 2006. Disponível em: <http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/2/TDE-2008-01-16T133941Z-1155/Publico/Dissert-Sergio%20Almeida.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 86.
  • 11
    AMARAL, D. P.; OLIVEIRA, Fatima Bayma de. O ProUni e a conclusão do ensino superior: questões introdutórias sobre os egressos do programa na zona oeste do Rio de Janeiro. Ensaio, Rio de Janeiro, v. 19, n. 70, p. 21-42, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n70/v19n70a03.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 27.
  • 12
    São eles: (i) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS; (ii) Contribuição para o Programa de Integração Social - PIS; (iii) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSSL; e (iv) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ.
  • 13
    Vide, para um histórico detalhado da desigualdade de acesso ao ensino superior no Brasil, LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015.
  • 14
    KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 570.
  • 15
    A ADI nº 3330 foi anexada à ADI 3.314, ajuizada pelo partido DEM, por ter exatamente o mesmo objeto.
  • 16
    Quanto a essa alegação, vale conferir as p. 24 e 25 da petição inicial da CONFENEN: “O único critério que o Estado está obrigado a observar, no tocante ao ensino superior, está previsto no art. 208, V (...) razão pela qual as ações afirmativas nesse campo, deveriam levar o poder público a capacitar a todos para tal acesso, dando ensino básico de igual qualidade, outorgando bolsas de estudos aos de menor possibilidade econômica, e não pretender que, no ensino universitário, se outorguem privilégios a quem não esteja capacitado a acompanhá-lo, ainda que isso tenha derivado do fato de o Estado ter falhado em dar, no ensino básico e médio, a qualificação necessária. Em outras palavras: os postulantes a cursos de nível superior, independente de sua condição sócio-econômica, racial, gênero ou credo, têm, à luz da Constituição Federal, os mesmos direitos, não podendo a lei estabelecer outras discriminações para o acesso, que não seja a baseada na capacidade de cada um, demonstrada objetivamente. Ora, a teor do que estabelece o ato impugnado - ao [de]terminar de que forma deve-se dar o preenchimento de vagas, nos dispositivos ora impugnados - o processo de seleção não será mais o da Universidade, mas outro, cm base em tais critérios discriminatórios, estabelecidos pelo Governo para o ProUni, o que nos remete às lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, supra transcritas, de violação à isonomia por falta de correlação lógica entre os critérios de discrimen (aliás, proibidos pela lei maior) e a diferenciação feita”.
  • 17
    Nesse sentido, Vojvodic et. al. Observam: “Nota-se (...) a dificuldade em se determinar, ainda que em um caso de decisão unânime, qual foi a decisão tomada pelo Tribunal como um todo. (...) A unanimidade se dá tão-somente com relação ao dispositivo da decisão, o elemento questionado por meio da ADI, mas não se reflete no momento da justificação dessa solução dada pelo Tribunal” (VOJVODIC, Adriana de Moraes; CARDOSO, E. L. C.; MACHADO, A.M.F. Escrevendo um romance, primeiro capítulo: precedentes e processo decisório do STF. Revista Direito GV, São Paulo, v. 9, p. 21-44, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/24371/23151>. Acesso em 09/02/2017. p. 31). Vide também SILVA, Virgílio Afonso da. “Um Voto Qualquer”? O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal Federal. Revista Estudos Institucionais, v.1, 2015, pp. 180-200; ALMEIDA, Danilo dos Santos; BOGOSSIAN, Andre Martins. “Nos Termos do Voto do Relator”: Considerações acerca da fundamentação coletiva dos acórdãos do STF. REI - Revista Estudos Institucionais, v. 2, n. 1, p. 263-297, jul. 2016. SILVA, Virgílio Afonso da. O relator dá voz ao STF? Uma réplica a Almeida e Bogossian, Revista Estudos Institucionais, v.2, 2016, pp 648-669.
  • 18
    Para uma discussão sobre o fenômeno “jurisprudência pessoal” nas práticas decisórias do Supremo, vide ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015. Para uma crítica à prática de tomar trechos soltos de votos e decisões como indicativo de “jurisprudência” do tribunal, ver LEAL, Fernando. “Uma jurisprudência que serve para tudo?”, in FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W.; FREIRE, Felipe Recondo (orgs.). O Supremo em 2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
  • 19
    Idem, ibidem.
  • 20
    Pelo contrário, o Ministro Marco Aurélio focou nas outras questões jurídicas em jogo no caso (vide nota de rodapé n. 51), como a falta de urgência e relevância para edição da medida provisória, a impossibilidade de se regular matéria tributária por meio de medida provisória e o desrespeito à autonomia universitária.
  • 21
    Com efeito, o Ministro Luiz Fux entendeu que: “A isonomia, no caso concreto, reclama tratamento isonômico, tratando igual os iguais e desigualmente os desiguais. Um dos subprincípios da isonomia na Constituição Federal, no seu artigo 206, é garantir a igualdade de acesso à educação’, afirmou, lembrando que há um paradoxo no Brasil no qual alunos de escolas públicas têm dificuldade de acesso às universidades federais e estaduais, que são as melhores do país, por conta da baixa qualidade dos colégios públicos”.
  • 22
    A ministra Rosa Weber, por exemplo, observou que já tinha enfrentado as questões de isonomia e autonomia universitária em seu voto na ADPF 186, que envolvia a constitucionalidade de cotas raciais no vestibular da Universidade de Brasília. De modo semelhante, Fux “sustentou que a lei que criou o ProUni não limitou o poder estatal de tributar ao conceder isenção às entidades que aderem ao programa. ‘A lei apenas estabelece critérios para que as entidades possam se enquadrar no programa. Isso nada tem a ver com o poder de tributar’, apontou”. Fux também “rebateu o argumento de que o programa fere a isonomia ao repassar verbas para universidades privadas que instituírem ações afirmativas, reservando bolsas para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, sendo que boa parte delas deve ser concedida a negros, índios e portadores de necessidades especiais”.
  • 23
    Nas palavras de Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto-vista: “Como todos sabemos, a pobreza crônica, que perpassa diversas gerações e atinge um contingente considerável de famílias do nosso país, é fruto da falta de oportunidades educacionais, o que leva, por via de consequência, a uma certa inconsistência na mobilidade social. Isto caracteriza, em essência, o que poderíamos qualificar como ‘ciclos cumulativos de desvantagens competitivas’, elemento de bloqueio sócio-econômico que confina milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza” (grifo nosso).
  • 24
    O STF não inovou ao associar, em abstrato, mobilidade social mediante o incremento de empregabilidade com o objetivo mais abrangente de redução de desigualdades sociais. E nem precisava ter feito essa associação explicitamente: ela se presume no momento em que o STF atribui ao ProUni o objetivo de reduzir desigualdades sociais. Quanto mais oportunidades de trabalho tiver um indivíduo, mais chances terá ele de “escolher” o emprego que maximize sua qualidade de vida (se o indicador principal de “qualidade de vida” for renda) (Para um trabalho que desenvolve sofisticadamente a relação entre educação e nível de renda, vide: CATANI, A.M.; HEY, A.P. A educação superior no Brasil e as tendências das políticas de ampliação de acesso. Atos de pesquisa em educação, Blumenal, v. 2, n. 3, p. 414-429, set./dez. 2007.). Se isso é verdade para todos, é especialmente certo para um beneficiário do ProUni, parte de um grupo social historicamente desfavorecido. A relação entre empregabilidade e redução de desigualdades sociais é, evidentemente, intuitiva (vide, a esse respeito, ARROYO, Miguel G. Políticas educacionais e desigualdades: à procura de novos significados. Educação e Sociedade, [s.l.], v. 31, n. 113, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/17>. Acesso em: 09/02/2017). Vide também, a respeito: SUBIRATS, Joan. Quais políticas públicas para qual crise? Transformação social e intervenção do Estado. In: COELHO, Maria Francisca Pinheiro; TAPAJÓS, Luziele Maria de Souza; RODRIGUES, Monica (Org.). Políticas sociais para o desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão. Brasília: UNESCO, 2010. p. 115).
  • 25
    A focalização como condicionalidade é aquela “no sentido de busca do foco correto para se atingir a solução de um problema social previamente especificado, portanto como um aumento de eficiência local, isto é, eficiência na solução desse problema específico (...)” (grifo no original) (KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 569).
  • 26
    Kerstenetzky observa que “parte da solução do problema [aquele previamente especificado pela política social] depende de conhecimento mais denso sobre aspectos demográficos, sociológicos e territoriais da privação que se quer atender ou do direito que se quer implementar, além dos aspectos propriamente econômicos. A avaliação de políticas públicas já experimentadas de modo incremental é também parte importante da busca de soluções. E aqui, é evidente que a eficiência do gasto é crucial; dela depende a existência de recursos para serem gastos em outras áreas carentes” (KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: Focalização ou Universalização? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, out./dez. 2006. p. 570).
  • 27
    LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss.
  • 28
    LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss.
  • 29
    LIMA, J. M. C. S. Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do ProUni por curso? Coleção Jovem Jurista, Rio de Janeiro, v. 5, p. 147-200. nov. 2015. p. 179 e ss (citando dados de NÉRI, Marcelo Cortes. Escolhas universitárias e performance trabalhista. In: IPEA. Radar: tecnologia, produção e comércio exterior. Brasília: IPEA, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/130703_radar27.pdf>. Acesso em 05 fev. 2017).
  • 30
    A esse respeito, vide RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; RIBEIRO, Leandro Molhano; LIMA, J. M. C. S. A oferta de cursos do ProUni e mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 3, p. 119-139, set./dez., 2016. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/45019>. Acesso em 09/02/2017.
  • 31
    BARAK, Aharon. The Judge in a Democracy. New Jersey: Princeton University Press, 2006, pp. 124/125.
  • 32
    HERZ, Michael. Purposivism and institutional competence in statutory interpretation. Michigan State Law Review, East Lansing, n. 89, p. 89-122, 2009. p. 92.
  • 33
    NOURSE, Victoria. Elementary Statutory Interpretation: Rethinking Legislative Intent and History. Boston College Law Review, vol. 55, p. 1613-1614. 2014.
  • 34
    Nas palavras de Vermeule, “First, whatever its other defects, consulting legislative history for evidence of specific intent fits more comfortably with judges’ traditional training and experience. Evidence of specific intent in the legislative history usually embodies a distinct legal command, prohibition or standard that relates to a particular provision of statutory text. Evidence of specific intent, therefore, at least bears more directly upon the types of specific legal questions that judges typically decide. By contrast, evidence of general purpose in the legislative history often involves political social or economic problems that are nonlegal and highly controversial, and in which most generalist judges claim no particular expertise. Restricting the use of legislative history to consultation of such evidence may alleviate the salience problem, yet it simultaneously heightens the risk that judges will fundamentally misunderstand the problems at issue in the legislative record” (VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998.p. 1884).
  • 35
    Na p. 2 de seu voto, o Ministro Ayres Britto cita o art. 208 e, em seguida, diz que “da conexão de todos os dispositivos constitucionais até agora citados avulta a compreensão de que a educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade. Mas uma política pública necessariamente imbricada com ações da sociedade civil, pois o fato é que também da Constituição figuram normas que: a) impõem às famílias deveres para com ela, educação (caput do art. 205); b) fazem do ensino uma atividade franqueada à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de “cumprimento das normas gerais da educação nacional”, mais a “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, coerentemente, aliás, com o princípio igualmente constitucional da “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”); c) ainda admitem a prestação do ensino por “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”, mediante o preenchimento de requisitos também expressamente indicados (incisos I e II do art. 213)”. Em seu esclarecimento de voto, o Ministro Ayres Britto é ainda mais incisivo quanto à ideia de que a educação superior é um direito de todos, que o Estado deve garantir à população: “Também de modo coerente com a Constituição, que, no artigo 208, ao falar do dever do Estado para com a educação, dispõe: “Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;”.
  • 36
    VERMEULE, Adrian. Legislative history and the limits of judicial competence: the untold story of Holy Trinity Church. Stanford Law Review, vol. 50, n. 6, p. 1833-1896, jul. 1998. p. 1885.
  • 37
    Vide, e.g., ZELINSKY, Edward. Commentary, Text, Purpose, Capacity and Albertson’s: A Response to Professor Geier. Florida Tax Review, n. 2, 1996.
  • 38
    Vide, e.g., EASTERBROOK, Frank. What’s so special about judges? University of Colorado Law Review, Boulder, vol. 61, p. 774-782, 1990. Disponível: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2050&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017; BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, A. R. Entre política e expertise: a repartição de competências entre o governo e a Anatel na Lei Geral de Telecomunicações. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 6, n. 21, p. 127-152, abr./jun. 2008.
  • 39
    Art. 10 do CPC, in verbis: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
  • 40
    Art. 141 do CPC.
  • 41
    Embora em sede de controle difuso, em certa medida, o julgamento do STF no caso Raposa do Sol (Pet 3388 AgR/RR, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, de 06/04/2006) ilustra como o tribunal enxerga decisões extra petita, i.e., que não se limitam à moldura jurídica estabelecida pelas partes. Naquela ocasião, o Ministro Menezes Direito proferiu um voto em que estabeleceu 18 condicionantes aplicáveis não apenas para o processo de demarcação da reserva Raposa do Sol, mas também para outras terras indígena. Ocorre que essas condicionantes não foram apresentadas pelo Estado de Roraima, autor da ação popular que originou o caso. Assim, a postura do Ministro Menezes Direito, que poderia ser classificada como ativista, provocou fortes reações de outros membros do tribunal, como, por exemplo, o relator Ministro Ayres Britto, que disse o seguinte: Só tenho dúvida - mas isso também será objeto de uma rediscussão - se o julgamento como proposto pelo Ministro Direito de procedência parcial da ação não caracteriza uma decisão extra petita, porque nada disso foi pedido na ação popular, nada do que está aqui foi pedido” (trecho extraído de SUNDFELD, Carlos et. al. Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente às sociedade e aos Poderes. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010. Disponível em: <http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/sites/default/files/controle_de_constitucionalidade_e_judicializacao.pdf>. Acesso em: 08/02/2017. p. 62). Há, na literatura, que defendam que uma das características do juiz ativista é justamente aquele que decide extra petita (vide TEIXEIRA, Anderson V. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 8, n. 1, p. 37-58, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v8n1/v8n1a02.pdf>. Acesso em 09/02/2017. p. 51). Por fim, vale também notar que a doutrina vem também defendendo que o julgamento extra petita em sede de controle abstrato de constitucionalidade é vedado, o que também pode contribuir para que o tribunal tente tomar medidas para não julgar além do que foi pedido pela parte autora na inicial. Binenbojm, por exemplo, é categórico em afirmar que, em sede de controle abstrato, “Não pode o Supremo Tribunal Federal, no entanto, julgar além ou diferentemente do que foi pedido pelo autor da ação direta de inconstitucionalidade. Com efeito, não está a Corte autorizada a agir ex officio, uma vez que não está incluída no rol de legitimados para a deflagração do controle abstrato da constitucionalidade estabelecido no art. 103 da Constituição Federal” (BINENBOJM, Gustavo. Aspectos processuais do controle abstrato da constitucionalidade no Brasil. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 5, n. 6, p. 15-36, jul./dez. 1999. Disponível: <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc1999/revdireito1999B/art_aspectosprocess.pdf>. Acesso em: 09/02/2017. p. 30).
  • 42
    Vide, em especial, o voto do relator do caso, Ministro Ayres Britto. Outros ministros também recorreram a um raciocínio argumentativo semelhante. Ver, p.ex., as seguintes passagens do voto do Ministro Luiz Fux: “Uma Constituição Federal que traz, no seu preâmbulo, a promessa de construção de uma sociedade justa, solidária, com erradicação de desigualdades, não pode ser fundamento para se declarar inconstitucional um programa político, editado pelo Poder Público, que visa o acesso de todos ao ensino universitário”; “Entendo que o ProUni é um exemplo eloquente de fomento público de atividades particulares relevantes, tanto mais que consentâneo com o ideário da Nação, que promete essa sociedade justa e solidária, com a erradicação das desigualdades”.
  • 43
    Vide, e.g., BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 132-1333: “Apesar de desfrutar de certa reputação nos países que adotam o common law, o elemento histórico tem sido o menos prestigiado na moderna interpretação levada a efeito nos sistemas jurídicos da tradição romano-germânica. A maior parte da doutrina minimiza o papel dos projetos de lei, das discussões nas comissões, relatórios, debates em plenário. Alguns autores condenam de forma radical a sua utilização (...), e a jurisprudência também a tem em baixa conta (...). Sem embargo dessa visão crítica, o elemento histórico desempenha na interpretação constitucional um papel mais destacado do que na interpretação das leis. Isso se torna especialmente verdadeiro em relação a Constituições ainda recentes. Fórmulas e institutos aparentemente incompreensíveis encontram explicitação na identificação de sua causa histórica” (sublinhado).
  • 44
    AI 401337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 02-09-2005 PP-00036 EMENT VOL-02203-03 PP-00472 RTJ VOL-00201-03 PP-01168.
  • 45
    Vide, e.g., RE 258.088-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO (“A interpretação, qualquer que seja o método hermenêutica utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa.”); RE 258088 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 18/04/2000, DJ 30-06-2000 PP-00079. Vide também: RE 20102, Relator(a): Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 27/01/1953, DJ 31-12-1953 PP-16099 EMENT VOL-00158-01 PP-00274 ADJ 07-03-1955 PP-00884 (“[...] o que vale verificar é a mens legis e não a vontade, a mente do legislador, de que a lei se desprende para adquirir conteúdo próprio. Nenhuma dúvida, por outro lado, em que a lei reside na parte do mandamento do legislador e não na em que se expõem considerações e motivações. Estas apenas valem, relativamente, para a inteligência da lei, do texto que encerra a ordem, a regra de conduta. Valem apenas relativamente porque interpretar a lei não é indagar a vontade subjetiva do legislador, sendo o significado real e objetivo da norma [...])”. Vide também: AI 401337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 02-09-2005 PP-00036 EMENT VOL-02203-03 PP-00472 RTJ VOL-00201-03 PP-01168 (“É preciso advertir, neste ponto, que a ‘mens legislatoris’ representa fator secundário no processo hermenêutica, pois, neste, o que se mostra relevante é a indagação em torno da “mens legis”, vale dizer, a definição exegética do sentido que resulta, objetivamente, do texto da lei”). Vide também: RE 20102, Relator(a): Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 27/01/1953, DJ 31-12-1953 PP-16099 EMENT VOL-00158-01 PP-00274 ADJ 07-03-1955 PP-00884 (““[...] o que vale verificar é a mens legis e não a vontade, a mente do legislador, de que a lei se desprende para adquirir conteúdo próprio. Nenhuma dúvida, por outro lado, em que a lei reside na parte do mandamento do legislador e não na em que se expõem considerações e motivações. Estas apenas valem, relativamente, para a inteligência da lei, do texto que encerra a ordem, a regra de conduta. Valem apenas relativamente porque interpretar a lei não é indagar a vontade subjetiva do legislador, sendo o significado real e objetivo da norma [...]”).
  • 46
    ATALIBA, Geraldo. Revisão Constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 28, n. 110, abr./jun., pp. 87-90, 1991. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175836/000453390.pdf?sequence=1>. Acesso em: 09/02/2017. p. 87.
  • 47
    PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 25. Ed., 2012, pp. 168 e 169.
  • 48
    De acordo com Barroso, “Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social. A Constituição brasileira de 1988, em seu Título I, dedicado aos princípios fundamentais, abriu um artigo específico paras as finalidades do Estado brasileiro, cuja consecução deve figurar como vetor interpretativo de toda a atuação dos órgãos públicos. É o que decorre do art. 3 e seus incisos (...)” (BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 132-133).
  • 49
    BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3 ed., 1999, p. 137.
  • 50
    BARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 3 ed., 1999, p. 137.
  • 51
    GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 106-107.
  • 52
    MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direto. Rio de Janeiro: Forense, 19 Ed., 2010, p. 23-25.
  • 53
    MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. T. VI. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1960. p. 478-479.
  • 54
    Vide, e.g., POSNER, Richard. The meaning of judicial self-restraint. Indiana Law Journal, Bloomington, vol. 59, n. 1, 1983. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2855&context=journal_articles>. Acesso em: 09/02/2017. (De acordo com o referido autor, o termo pode ser atribuído a pelo menos cinco conceitos diferentes: “(1) a self-restrained judge does not allow his own views of policy to influence his decisions; (2) He is cautious, circumspect, hesitant about intruding those views; (3) He is mindful of the practical political constraints on the exercise of judicial power; (4) His decisions are influenced by a concern lest promiscuous judicial creation of rights result in so swamping the courts in litigation that they cannot function effectively; (5) He wants to reduce the power of his court system relative to that of other branches of government.”)
  • 55
    VERISSIMO, Marcos P. Juízes Deferentes? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, abr./jun. 2012.
  • 56
    Vide, a respeito, BARBER, N. A prelude to the separation of powers. Cambridge Law Journal, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 59-88, mar. 2001. Vide também ARGUELHES, Diego W. LEAL, Fernando A. O argumento das capacidades institucionais: entre a banalidade, a irrelevância e o absurdo. Direito, Estado e Sociedade, n. 38, p. 6-50, jan./jun. 2011. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/01_Arguelhes_Leal.pdf>. Acesso em: 09/02/2017.
  • 57
    Vide JORDÃO, Eduardo Ferreira; ROSE-ACKERMAN, Susan. Judicial Review of Executive Policymaking in AdvancedDemocracies: Beyond Rights Review. Administrative Law Review, Washington, v. 66, p. 1-72, 2014. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5955&context=fss_papers>. Acesso em: 09/02/2017.
  • 58
    Vide, e.g., ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015. Para uma crítica à prática de tomar trechos soltos de votos e decisões como indicativo de “jurisprudência” do tribunal, ver LEAL, Fernando. “Uma jurisprudência que serve para tudo?”, in FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W.; FREIRE, Felipe Recondo (orgs.). O Supremo em 2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
  • 59
    Essas implicações exigem que se compreenda o comportamento dos atores políticos ao redor do tribunal a partir de um modelo “estratégico”. Para uma discussão detalhada, vide ARGUELHES, Diego W.; RIBEIRO, Leandro M. O Supremo Individual: Mecanismos de atuação individual dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, v.46, 2015.
  • *
    Os autores gostariam de agradecer a Fernando Leal pelas valiosas críticas e sugestões a uma versão anterior deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2017
  • Aceito
    22 Maio 2017
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