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Políticas públicas e o direito fundamental à adequada administração penitenciária

Public policies and the fundamental right to appropriate penitentiary administration

Resumo

Propõe-se tratar do controle judicial das políticas públicas de Administração Penitenciária. Defende-se o reconhecimento do direito fundamental à adequada administração penitenciária com fundamento no art. 5o, XLVIII e XLIX, da Constituição Federal. O procedimento de ponderação de princípios jurídicos permite, ao se confrontarem argumentos contrários e favoráveis ao controle judicial da função administrativa, reconhecer, diante de casos concretos, a eventual intervenção judicial.

Palavras-chave:
controle judicial; políticas públicas; discricionariedade; direito fundamental à administração penitenciária; políticas públicas de administração penitenciária

Abstract

It intends to discuss about judicial control of public policies in penitentiary administration. It argues in favor of recognition of the fundamental right to appropriate penitentiary administration on the basis of Article 5o, XLVIII and XLIX, Federal Constitution. The weighting of legal principles enables, confronting opposing and in favor arguments to the judicial control of administrative function, the recognition of, upon specific cases, a possible judicial intervention.

Keywords:
judicial control; public policies; discretion; fundamental right to penitentiary administration; public policies in penitentiary administration

1. INTRODUÇÃO

O meu propósito é tratar do controle judicial das políticas públicas de administração penitenciária1 1 De modo mais amplo - do controle judicial das políticas públicas - cuidei em obra específica: PIRES, Luis Manuel Fonseca. Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Dos conceitos jurídicos indeterminados às políticas públicas. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. . Mas é claro que antes de dele cuidar preciso esclarecer - ou melhor, estabelecer - o significado de algumas premissas conceituais, até porque seria lídimo que se me inquirissem, caso açodadamente ingressasse no tema principal, como defino “política pública”? Ou ainda: como é possível o controle judicial de um âmbito tão amplamente discricionário das competências da Administração Pública, a administração penitenciária?

Por isto é que antes de enfrentar o objeto nuclear deste artigo - o controle judicial das políticas públicas de administração penitenciária (ponto 5) - pretendo antes expor a definição que acolho sobre “política pública” (pontos 2 e 3), e em seguida pretendo pontuar os argumentos contrários e favoráveis ao controle judicial das políticas públicas, replicar os primeiros, e propor parâmetros, baseados no procedimento de ponderação da teoria dos princípios, que permitam a solução dos casos concretos - isto é, arquétipos de equacionamento para a solução da colisão concreta de princípios jurídicos (ponto 4).

Apenas então é que conseguirei ingressar no tema políticas públicas de administração penitenciária (ponto 5).

Apresentados estes esclarecimentos sobre o plano de estudo, inicio-o.

2. AS POLÍTICAS

A palavra “política” é de uma polissemia incontrastável, e o é de épocas priscas, pois na filosofia, na sociologia, no direito e em tantas outras áreas do saber humano a palavra “política” sempre foi invocada sob significados os mais diversos. Acepções e empregos os mais variegados, a etimologia encontra-se tanto no latim, politicus, quanto no grego, polis.

Aristóteles anuncia que o Estado é uma criação da natureza e o homem, por conseguinte, é um “animal político”, e Jean-Jaques Rousseau, ainda na introdução à clássica obra Do Contrato social, afirma que se sente à vontade para escrever sobre “política” justamente porque não é príncipe ou legislador2 2 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: Princípios de Direito Político. Trad. Antônio P. Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 21-40. . De que “política” falam estes pensadores? Aristóteles, por exemplo, usa a palavra “política” ora como a ciência que cuida da atividade moral dos homens vistos como cidadãos, ora como teoria do Estado3 3 Conforme REALE, Giovanni. Introdução a Aristóteles. 10 ed. Lisboa: Edições 70, 1997. p. 83. - as dimensões significativas, portanto, são imensas.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello4 4 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. 2. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 100 e seguintes; p. 120. , em páginas lapidares, enfatiza as divergências encontradas na delimitação do objeto da política. Para uns, diz ele, cuida-se do estudo sobre os meios de realizar os fins do Estado, enquanto outros a tratam também como os próprios fins, e ainda há os que entendem que se trata de compreender o próprio Estado; de tal sorte, alguns a vêem como verdadeira ciência, outros como simples arte, como há quem lhe atribua dupla natureza.

Dentre as diversas acepções possíveis, Miguel Reale5 5 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 126-127. define, em sentido amplo, a política enquanto a ciência do Estado, verdadeira “ciência superior ou de síntese” que integra os variados e complexos elementos envolvidos, isto é, trata-se da ciência conhecida por teoria geral do Estado; e em sentido estrito utiliza a palavra política para definir uma parte da teoria geral do Estado, a ciência prática dos fins e da arte de alcançá-los.

Nota-se, pois, que infindos são os empregos e as definições da palavra “política”. A depender do campo do conhecimento humano - filosofia, sociologia, direito etc -, a depender da época, e mesmo quando se converge a uma mesma área e a um mesmo átimo - o que é o caso presente: o estudo jurídico dos problemas contemporâneos do controle judicial das políticas públicas -, ainda assim se proliferam os significados possíveis, as intelecções que podem ser adotadas.

Por esta realidade é que urge, para tratar-se do tema central deste estudo, explicitar a definição que acolho, e a tenho como pressuposto, de política pública. É o que faço a seguir.

3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Em lição de Fábio Konder Comparato, a política pública é antes de tudo uma “(...) ‘atividade’, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”, é dizer, unificados por uma “finalidade”6 6 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 86, n. 737, mar. 1997. p. 353. De modo semelhante, Américo Bedê Freire Júnior diz que é “(...) um conjunto ou medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito” (FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 47). E ainda Maria Paula Dallari Bucci: “Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são ‘metas coletivas conscientes’ e, como tais, um problema de direito público, em sentido lato” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 241. A expressão “metas coletivas conscientes” é de Hugo Assman, citado pela autora ). .

Acolho, portanto, a identificação feita por Marília Lourido dos Santos dos três elementos que compõem a noção de política pública: a) as metas; b) os instrumentos legais; c) a temporalidade, isto é, “(...) o prolongamento no tempo, que implica na realização de uma atividade e não de um simples ato”7 7 SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 80. .

As políticas públicas, diz Maria Paula Dallari Bucci, “(...) devem ser vistas também como processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição dos interesses públicos reconhecidos pelo direito”, e por isto, como “processo de formação do interesse público”, o tema inexoravelmente relaciona-se com a discricionariedade administrativa8 8 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 264-265. .

Sem dúvida alguma, então, o temário políticas públicas encontra-se entre as competências discricionárias da Administração Pública - o que enseja, como se verá logo adiante (ponto 4 e seguintes), as acerbas críticas e teorizações extremadas com o afã de tentar excluir, em absoluto, qualquer possibilidade de controle judicial das políticas públicas.

O que para este tópico, no entanto, devo-me ater são as definições acima anunciadas que, em um epítome, fazem-me asseverar que as políticas públicas são programas traçados de modo cogente, imperativo, pela Constituição e por leis ordinárias, de execução a priori atribuída ao Poder Executivo do ente federal competente à sua realização material que deve realizá-los (os programas) por si ou transferi-los à execução - mas mantê-los em fiscalização - por terceiros.

4. O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Opositores ao controle judicial das políticas públicas relacionam os seus fundamentos jurídicos; os que vislumbram - ao menos em alguma medida - a possibilidade de intervenção judicial contrapõem com outros argumentos.

O que farei a partir do próximo tópico é relacionar os argumentos contrários ao controle, rebatê-los de pronto ao menos para esclarecer a impropriedade de concebê-los como razões suficientes, como motivos absolutos, e em seguida acrescentar mais alguns fundamentos jurídicos que legitimam a possibilidade de tutelas judiciais determinarem ao Executivo a condução de políticas públicas.

Ao final talvez pareça que a exposição empreendida assemelha-se a verdadeiro catálogo de topoi9 9 Theodor Viehweg, com a obra Tópica y filosofia del derecho, foi o principal expoente e precursor do pensamento tópico junto à ciência jurídica. . Se esta sensação causar, então devo considerar, inicialmente, que a tópica é mesmo orientada aos problemas, o que portanto a torna pertinente a estas reflexões, pois de acordo com Theodor Viehweg10 10 VIEHWEG, Theodor. Tópica y Filosofia del Derecho. 2 ed. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 127 e seguintes. para a solução dos problemas deve-se oferecer uma “(...) combinação de pontos de vista (topoi)” a serem discutidos, e o agrupamento dos topoi em relação aos problemas torna-se o sistema básico do direito que permanece em constante movimento - o que o caracteriza como um sistema aberto na medida em que o método de argumentação não procede dedutivamente, mas sim dialogicamente.

Mas não pretendo me deter na sugestão de uma relação de argumentos, e sim avançar um pouco mais, apoiado no procedimento de ponderação da teoria dos princípios (ponto 4.2), para formular alguns critérios que sirvam de balizas ao julgador, que sirvam, por conseguinte, como mecanismos de aferição da racionalidade das decisões judiciais que definem os casos concretos - o que, em última análise, serve à constrição da liberdade do julgador, à inibição de um tentame de arbitrariedade judicial, mas isto sem se conduzir o Judiciário ao outro extremo, à inadmissível renúncia de seu papel constitucional de julgar e resolver conflitos.

A escusa que desde logo me compete adiantar é em relação à brevidade e máxima objetividade que conferi aos próximos tópicos, pois a natural limitação a qual um artigo está sujeito exige-me a devida concisão na exposição dos temas preliminares sob pena de não haver espaço ao desfecho do objeto central do estudo - o controle judicial das políticas públicas de administração penitenciária.

Feitas estas anotações, prossigo.

4.1. A legitimidade do controle

De um modo geral, as refutações ao controle judicial podem ser sintetizadas sob o título de teoria das reservas do possível. Teoria esta que se desmembra em aspectos fáticos e aspectos jurídicos.

Sob os aspectos fáticos diz-se que não há como o Judiciário exigir a implementação de políticas públicas porque há limites materiais aos recursos do Estado, como a falta de dinheiro, de profissionais nos quadros da Administração Pública, a ausência de equipamentos etc.

No entanto, a impropriedade deste argumento como motivo bastante é a própria constatação - igualmente fática - da contradição entre este discurso e o empenho de exorbitantes recursos públicos - financeiros, de pessoal e de material - em campanhas de propaganda das realizações do governo, em novas obras, na criação de centenas de novos cargos para novéis Ministérios, na criação de televisão pública, no patrocínio de eventos esportivos e outros tantos projetos que, mesmo de relevância reconhecida, são de discutível prioridade quando se deixa ao largo o atendimento mínimo à saúde, educação, segurança pública e outros bens mais prementes e estreitamente relacionados à manutenção e desenvolvimento do ser humano.

Quanto aos aspectos jurídicos, são formuladas as seguintes objeções: a) a necessidade de prévia disposição orçamentária; b) a teoria da separação dos Poderes; c) e que apenas os Poderes Executivo e Legislativo têm os seus respectivos representantes eleitos pelo povo.

Mas estas teses igualmente não servem, por si sós, para abstratamente impedir o controle judicial. Quanto à primeira (a), certo é que o orçamento público deve ser previsto em leis11 11 Art. 165 e seguintes da Constituição Federal. , no entanto, como anota Ana Paula de Barcellos, estes orçamentos apenas aprovam uma verba geral para as despesas12 12 BARCELLOS. Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direito Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./mar. 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. p. 25. . Não há, em outras palavras, rubricas minimamente detalhadas, e sim uma significativa margem de discricionariedade administrativa a ser exercida pelo Poder Público - e cuja omissão ou desvio ensejam o controle judicial. No que se refere à segunda objeção (b), nunca a teoria da separação dos Poderes foi formulada ou concebida no direito posto dos países que a acolheram como uma separação absolutamente hermética, e é mesmo o caso da nossa Constituição que prevê inúmeras situações de interação e controle entre os Poderes, além de expressamente assegurar, sem ressalvas em relação aos Poderes, o direito fundamental de apreciação pelo Judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito13 13 Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. . Por fim, a terceira objeção (c) não se sustenta porque a legitimidade do Judiciário - apesar de não ter os seus integrantes eleitos pelo povo - decorre do reconhecimento que a própria Constituição atribui-lhe como um dos Poderes que compõem os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil14 14 Art. 2º e art. 92 e seguintes da Constituição Federal. .

Se é insuficiente a teoria das reservas do possível como argumento bastante a afastar o controle judicial das políticas públicas, de outro lado há ao menos dois relevantes fundamentos a juridicamente justificar a intervenção. Refiro-me: a) à teoria do núcleo essencial do direito fundamental; e b) ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

De acordo com o primeiro (a), porque é posição pacífica - ao menos para a teoria constitucional das últimas décadas - que as normas constitucionais não são simples recomendações políticas, mas antes são comandos imperativos que servem de fundamento de validade para toda a ordem jurídica posta, então a despeito da vagueza das palavras que são usadas no texto constitucional, apesar do cunho programático que se revestem muitos dispositivos constitucionais, ainda assim se deve reconhecer a necessidade de que algo e em alguma medida mínima seja exigível judicialmente contra o próprio Estado quando as normas constitucionais são completamente descumpridas. Sobretudo se cuida de algum direito fundamental não há como deixá-lo ao arbítrio do Executivo cumpri-lo, realizá-lo parcialmente ou simplesmente ignorá-lo, pois como ensina J. J. Gomes Canotilho, os “(...) os direitos fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que encontram reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se derivem conseqüências jurídicas”15 15 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina Editora, 2003. p. 377 e seguintes. .

Muitos destes direitos fundamentais - previstos na Constituição Federal - não se realizam apenas enquanto direitos individuais, mas ainda - principalmente em um Estado Social e Democrático de Direito - como direitos a prestações16 16 São direitos sociais que exigem prestações positivas (SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 73-74), e dependem, portanto, de um comportamento positivo do Poder Público (GOUVÊA, Marco Maselli. Balizamentos da discricionariedade administrativa na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: GARCIA, Emerson (Coord.). Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 311). , como é o caso da saúde17 17 Art. 196 da Constituição Federal. , da educação18 18 Art. 205 da Constituição Federal. e tantos outros - e dentre estes, como oportunamente se verá (IV), da administração penitenciária.

Ora, se assim o é - se a Constituição prescreve direitos fundamentais, se muitos destes direitos dependem de uma prestação do Estado e por isto se definem como direitos a prestações -, então um mínimo é necessário ser oferecido pelo Poder Público sob pena de violação do núcleo essencial do direito fundamental anunciado. Se o Estado promete assegurar a educação, não há como não haver escolas; se se compromete em oferecer a saúde, não há como inexistir hospitais e os seus profissionais; se reconhece o dever de promover o saneamento básico, não pode deixar de estruturar o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e outros serviços congêneres.

Algo, um mínimo, deve ser feito. Não há discricionariedade administrativa ao Poder Público em desatender o mínimo, o núcleo essencial do direito fundamental - seja um direito individual, seja um direito à prestação. Não pode a Administração Pública, não pode o Legislativo, e é claro que não pode o Judiciário recusarem-se ou se omitirem de realizar o mínimo que qualifique o próprio bem da vida agasalhado pela norma constitucional; cada qual em sua função, o Legislativo ao discipliná-lo por uma formulação abstrata, o Executivo ao materializá-lo, e o Judiciário ao coibir eventuais omissões e desvios dos demais Poderes, o núcleo essencial dos direitos fundamentais deve ser sempre e incondicionalmente efetivado.

Só assim é que se cumpre o princípio constitucional que constitui o segundo argumento favorável ao controle judicial (b), pois apenas há que se admitir o atendimento ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais se ao menos o núcleo essencial do direito à prestação é observado. Trata-se, em última análise, de verdadeiro reforço ao primeiro argumento: se é reconhecida, na hermenêutica constitucional, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais como o axioma que orienta a interpretação dos dispositivos constitucionais de modo a que seja eleita a intelecção que mais potencialize os efeitos ideados pela Constituição, então, ao se tratar dos direitos fundamentais é imperioso que no mínimo seja atendido o núcleo essencial - sem o qual não há sequer sentido ao bem da vida que se pretende tutelar.

Mas do que formulo até então é necessário acrescentar um método que permita, diante de casos concretos, equacionar todos estes argumentos - contrários e favoráveis -, um método que contribua para identificar o que qualifica o núcleo essencial - o que depende sempre e sempre do caso concreto. É preciso um método que assegure aferir se há que ocorrer a intervenção do Judiciário junto ao Executivo - e em qual medida -, ou se se deve reconhecer que o núcleo essencial do direito fundamental tem sido cumprido e, por isto, encontra-se a Administração Pública em seu legítimo espaço de discricionariedade administrativa. E o método que escolho é o procedimento de ponderação da teoria dos princípios, como a seguir esclareço.

4.2. O procedimento de ponderação como mecanismo de aferição da racionalidade das decisões judiciais no controle judicial das políticas públicas

Se o estágio atual da ciência jurídica definitivamente já superou a leitura estritamente positivista do direito, se hodiernamente é comum a preocupação em identificar os valores eleitos e assegurados pela ordem jurídica, se indiscutivelmente é reconhecido que os princípios jurídicos compõem a estrutura e o cerne do ordenamento positivo, e se é constatado que os enunciados dos princípios normalmente se valem de conceitos indeterminados, vagos, fluidos, então é natural que igualmente se intensifique a preocupação com o controle da racionalidade das decisões judiciais.

Pois se a pretexto de efetivar a “isonomia”, a “segurança jurídica”, o “interesse público” e outros tantos bens jurídicos não é admissível que o Poder Público aja como bem queira, mas sim que haja real pertinência entre o comportamento ou a declaração eleita e o bem jurídico alegado, da mesma forma é necessário que o Judiciário, provocado a resolver um conflito, decida com racionalidade, isto é, que as decisões judiciais apresentem claramente os critérios e a linha de raciocínio palmilhada a coerentemente esclarecer o entendimento externado na decisão.

Neste sentido que Cláudio Pereira de Souza Neto apresenta, sinteticamente, algumas propostas doutrinárias que se propõem a oferecer estes critérios de controle da racionalidade das decisões judiciais. Refere-se ele: a) à ponderação e coerência: com a referência, entre outros, a Dworkin, e com a menção aos postulados de “unidade da constituição”, “harmonização” e “concordância prática”, tudo a - resumidamente - encarecer a necessidade de que “(...) o sistema de princípios, abstratamente considerado, seja interpretado de modo a se conformar uma unidade coerente”19 19 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Ponderação de Princípios e Racionalidade das Decisões Judiciais: Coerência, Razão Pública, Decomposição Analítica e ‘Standards” de Ponderação. Revista Virtual de Filosofia Jurídica e Teoria Constitucional, n. 1, mar./mai. 2007. p. 2. ; b) à ponderação e razão pública: que se preocupa em atribuir conteúdo aos princípios de acordo com a “razão pública”, sobretudo conforme a doutrina de John Rawls que a compreende como o campo do consensual, do que conta com o comum às variadas “doutrinas abrangentes razoáveis” junto às sociedades, principalmente no que concerne à democracia, aos direitos humanos e às “teorias científicas incontroversas”; c) à decomposição analítica dos elementos envolvidos na ponderação: por um sistema de prioridades que se inicia prima facie, conforme a doutrina de Robert Alexy; d) aos parâmetros ou standards de ponderação: são relações de “precedência condicionada” que não obrigam os magistrados, mas impõem um “ônus argumentativo” mais intenso às decisões que se afastam destes parâmetros.

Enfim, estas referências são mera exemplificação da preocupação que toma conta da ciência jurídica de buscar métodos e meios de controle da racionalidade das decisões judiciais, mormente em época como a que vivemos na qual a dialética jurídica realiza-se com a invocação de termos vagos e indeterminados. E ao considerar que neste estudo pretendo formular critérios que permitam o controle judicial das políticas públicas, notadamente das políticas públicas de administração penitenciária, então é fundamental definir uma técnica clara e coerente que permita laborar com os argumentos vistos anteriormente, os favoráveis e os contrários ao controle judicial das políticas públicas (ponto 4.1), de modo a tornar evidente qual solução deve prevalecer perante o caso concreto, quando é necessário admitir que há uma reserva do possível que impede a intervenção judicial, quando é premente a intervenção judicial para assegurar o núcleo essencial de um direito fundamental e, por conseguinte, realizar o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Em vista deste propósito é que me refiro à teoria dos princípios, de Robert Alexy, o procedimento de ponderação, como forma de alcançar o que o próprio jurista referido denomina de uma pretensão de correção, isto é, a intenção de o direito ser corretamente aplicado. A fundamentação deve ser articulada por um procedimento de argumentação fundada em princípios, e de tal modo que almeje a realização de cada princípio na melhor medida das possibilidades fáticas e jurídicas - o que se denomina de mandamento de otimização. Com este compromisso - de realização dos princípios como mandamentos de otimização - é necessário um procedimento de ponderação com o fim de resolver as colisões que naturalmente surgem, nos casos concretos, entre os princípios jurídicos20 20 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 37. .

Com este intento, propõe Robert Alexy21 21 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 133. o procedimento de ponderação em três passos: inicialmente, deve ser avaliado o grau do não-cumprimento ou prejuízo de um princípio (se leve, médio ou grave), em seguida, deve haver a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido contrário, e por último se deve comprovar que o cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o não-cumprimento do outro princípio.

E são estes “passos” que adoto em busca da solução do controle judicial das políticas públicas. Passo a um exemplo:

Se certo Município possui uma tímida verba para investir na proteção da criança e do adolescente, e se deixa de edificar e estruturar uma Casa de Abrigo para acolher menores órfãos e em outras situações de risco, e isto quando não há no Município nenhum local público que cumpra esta finalidade, e ao mesmo tempo existe ou o contingenciamento desta verba pública, sem qualquer aplicação, ou o emprego na construção de um parque público, então é possível aferir, por meio do procedimento de ponderação da teoria dos princípios, que a Administração Pública exerce mal a discricionariedade administrativa que lhe é atribuída na definição das políticas públicas. Isto porque os princípios da dignidade da pessoa humana e da absoluta prioridade do direito à vida e à dignidade da criança e do adolescente22 22 Arts. 1º, III, e 227, caput, da Constituição Federal. apresentam-se em severo grau de não-cumprimento, e apesar da construção do parque justificar-se como meio de promoção do princípio da absoluta prioridade da criança e do adolescente ao “lazer”23 23 Art. 227 da Constituição Federal. , não há a comprovação da importância do cumprimento deste último princípio em sentido contrário em prejuízo do não-cumprimento dos demais princípios (dignidade da pessoa humana e absoluta prioridade do direito à vida e à dignidade da criança e do adolescente). Sem dúvida alguma, nesta colisão em concreto são os dois primeiros princípios mencionados que asseguram a melhor e mais efetiva proteção das crianças e dos adolescentes.

Compreenda-se bem o exemplo: é gravíssimo (e não “leve”, nem “médio”) o grau de não-cumprimento, por parte do Poder Público, dos princípios da dignidade da pessoa humana e da absoluta prioridade do direito à vida e à dignidade da criança e do adolescente, e embora seja comprovada a importância do cumprimento do princípio da absoluta prioridade da criança e do adolescente ao lazer, e que este princípio seria atendido com a construção de um parque, é consensualmente perceptível (isto é, de acordo com um sentimento comum extraível da sociedade, e não conforme alguma impressão personalíssima do julgador), é consensualmente perceptível que não se justifica o cumprimento do princípio em sentido contrário (promoção do lazer às crianças e aos adolescentes) em detrimento dos demais princípios (vida e dignidade das crianças e dos adolescentes).

O procedimento de ponderação permite aferir e concluir que, neste caso, o Poder Público elegeu mal a política pública. E se assim o fez, não há argumento, calcado na teoria das reservas do possível, que justifique a não implementação de uma política pública que resulte na construção de uma Casa de Abrigo no Município. A expectativa de uma, ao menos uma Casa de Abrigo atende ao núcleo essencial do direito fundamental à vida, o que representa, por conseqüência, a própria manifestação do princípio da máxima efetividade dos artigos 1º, III, e 227, caput, ambos da Constituição Federal.

Perceba-se, portanto, a contribuição significativa do procedimento de ponderação da teoria dos princípios na solução da equação que apresenta argumentos contrários e favoráveis ao controle judicial das políticas públicas. Pois se fosse outra a realidade concreta, se fosse acrescido a este exemplo que já existem, no referido Município, três Casas de Abrigo, e que todas trabalham em sua adequada capacidade de atendimento, então o procedimento de ponderação conduziria à conclusão bem diversa: não haveria um grave grau de não-cumprimento dos princípios da dignidade da pessoa humana e da absoluta prioridade do direito à vida e à dignidade da criança e do adolescente (no máximo, um grau “leve”), e além de manter-se comprovada a importância do cumprimento do princípio da absoluta prioridade da criança e do adolescente ao lazer, assim o seria para justificar o não-cumprimento dos outros princípios. Neste novo contexto, uma vez que não haveria comprometimento do núcleo essencial do direito fundamental à vida das crianças e dos adolescentes, então seriam legítimas as objeções que o Poder Público porventura formulasse no sentido de que não pode expandir o número de Casas de Abrigo porque há reservas do possível - fossem os fundamentos alegados sob o aspecto fático ou sob o jurídico (ponto 4.1).

Ao desfecho, e em síntese necessária a ser aplicada no tópico seguinte, concluo que o núcleo essencial de todo e qualquer direito fundamental, principalmente ao se apresentar como um direito à prestação do Estado (pois não basta a simples abstenção, mas é fundamental que o Estado aja), deve ser sempre oferecido sob pena de o controle judicial intervir para recompor a ordem jurídica e assegurar, ao menos pelo mínimo dos valores consagrados no sistema jurídico, algum significado à máxima efetividade que deveriam concretamente contemplar.

5. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA

De onde se deve partir, da Constituição Federal: o art. 5º, núcleo dos direitos fundamentais, em seu inciso XLVIII, em relação às políticas públicas de administração penitenciária, prescreve, na qualidade de direito fundamental, que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, e o inciso XLIX complementa o que seria suficiente concluir da noção de dignidade da pessoa humana, mas para distinções inusitadas não se elaborarem, de fato é conveniente a norma explícita afirmar ser “(...) assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

União e Estados, concorrentemente, devem legislar sobre direito penitenciário, assegura-se no art. 24, I, da Constituição Federal, para concretizar as diretrizes traçadas entre os direitos fundamentais acima referidos.

O que é feito - ao menos no plano normativo. Pois o art. 40 da Lei Federal n. 7.214/84, Lei de Execução Penal, impõe a todas as autoridade “(...) o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”. Especifica-se mais adiante:

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.

Art. 90. A penitenciária de homens será construída, em local afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação.

Até prazo à efetivação destas obrigações jurídicas do Estado - contado da edição da lei, nos idos de 1984 - foi assinalado:

Art. 203. No prazo de 6 (seis) meses, a contar da publicação desta Lei, serão editadas as normas complementares ou regulamentares, necessárias à eficácia dos dispositivos não auto-aplicáveis.

§ 1º Dentro do mesmo prazo deverão as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta Lei.

§ 2º Também, no mesmo prazo, deverá ser providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de casas de albergados.

§ 3º O prazo a que se refere o caput deste artigo poderá ser ampliado, por ato do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mediante justificada solicitação, instruída com os projetos de reforma ou de construção de estabelecimentos.

§ 4º O descumprimento injustificado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará na suspensão de qualquer ajuda financeira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança.

O Código Penal, em seu art. 38, repete a necessidade - comando imperativo - de que em relação ao preso haja o respeito à sua integridade física e moral, o que é reiterado e detalhado pela Resolução n. 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP/MJ):

Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.

§ 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios.

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos.

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:

I - janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II - quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;

III - instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade.

IV - instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a frequência que exigem os princípios básicos de higiene.

Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único - A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

A Lei Complementar n. 79/1994 (Fundo Penitenciário Nacional - Funpen) determina que os seus recursos sejam aplicados na “construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais” (I), “aquisição de material permanente, equipamentos e veículos especializados, imprescindíveis ao funcionamento dos estabelecimentos penais” (IV).

Especificamente no Estado de São Paulo, a Constituição estadual reforça o compromisso com os direitos fundamentais dos presos:

Artigo 105 - O Poder Executivo manterá, no sistema prisional e nos distritos policiais, instalações destinadas ao contato privado do advogado com o cliente preso.

Artigo 143 - A legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, a defesa técnica nas infrações disciplinares e definirá a composição e competência do Conselho Estadual de Política Penitenciária.

Artigo 286 - Fica assegurada a criação de creches nos presídios femininos e, às mães presidiárias, a adequada assistência aos seus filhos durante o período de amamentação.

Mas do plano normativo - ideal - às práticas administrativas - realidade - a distância não é pouca. O Conselho Nacional de Justiça apresenta dados que contradizem em absoluto os comandos jurídicos24 24 CNJ - 2014 - www.cnj.jus.br/geopresidios. :


Quadro Nacional – número de presos

Quadro Nacional – Quantitativo

Quadro Estado de São Paulo – número de presos

Quadro Estado de São Paulo – Quantitativo

O Ministério da Justiça confirma a dramática situação em política pública de administração penitenciária. Do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen - Ministério da Justiça - Junho/2014:


Número de unidades prisionais por taxa de ocupação

Número de pessoas privadas de liberdade por situação de lotação da unidade

Diante deste estado falimentar das políticas públicas de administração penitenciária o Supremo Tribunal Federal, em RE 592.581/RS, reconheceu a repercussão geral da possibilidade de controle judicial deste âmbito da função administrativa. A ementa:

CONSTITUCIONAL. INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS. DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE REALIZAÇÃO DE OBRAS EM PRESÍDIO. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. RELEVÂNCIA JURÍDICA, ECONÔMICA E SOCIAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 592581 RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 22/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT VOL-02383-06 PP-01173 RDDP n. 84, 2010, p. 125-128 )

O julgamento do RE 592.581/RS ocorreu em 13 de agosto de 2015, precedente recente que deve sinalizar novo rumo - necessário - do controle judicial da Administração Pública. A certidão de julgamento apresenta a seguinte decisão:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 220 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fim de que se mantenha a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau. Ainda por unanimidade, o Tribunal assentou a seguinte tese: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5o, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”. Ausente, justificadamente, o Ministro Teori Zavascki. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República; pelo Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Luís Carlos Kothe Hagemann, e, pela União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 13.08.2015.

Do voto do Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, destaca-se:

O fato é que a sujeição dos presos às condições até aqui descritas mostra, com clareza meridiana, que o Estado os está sujeitando a uma pena que ultrapassa a mera privação de liberdade prevista na sentença, porquanto acresce a ela um sofrimento físico, psicológico e moral, o qual, além de atentar contra toda a noção que se possa ter de respeito à dignidade humana, retira da sanção qualquer potencial de ressocialização.”

“Outro aspecto a sublinhar é que os juízes são adotados do poder geral de cautela consistente em uma competência, mediante o qual lhes é permitido conceder medidas cautelares atípicas, que não estão explicitadas em lei, sempre que estas se mostrarem necessárias para assegurar, nos casos concretos submetidos à jurisdição, a efetividade do direito buscado.”

“No caso dos autos, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção.”

“(...) a partir do momento em que o Brasil adere a um tratado ou a uma convenção internacional, sobretudo àqueles que dizem respeito aos direitos humanos, a União assume as obrigações nele pactuadas, sujeitando-se, inclusive, à supervisão dos órgãos internacionais de controle, porquanto somente ela possui personalidade jurídica no plano externo.”

“(...) existe todo um complexo normativo de índole interna e internacional, que exige a pronta ação do Judiciário para recompor a ordem jurídica violada, em especial para fazer valer os direitos fundamentais - de eficácia plena e aplicabilidade imediata - daqueles que se encontram, temporariamente, repita-se, sob custódia do Estado.”

Em maio de 2015 foi proposta a ADPF 347 que tem por objetivo o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. Pede-se a elaboração de um Plano Nacional, e posteriormente planos estaduais e distrital, com propostas e metas específicas para a superação das graves violações aos direitos fundamentais dos presos em todo o país. Pretende-se que o Plano contenha propostas para promover a redução da superlotação dos presídios, adequação das instalações e alojamentos dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros normativos vigentes no que tange a aspectos como espaço mínimo, lotação máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança, efetiva separação dos detentos de acordo com critérios como sexo, idade, situação processual e natureza do delito, e outros planos estratégicos à administração penitenciária.

O pedido liminar foi parcialmente deferido - destaca-se a alínea ‘h’ do pedido - em 9 de setembro de 2015:

Pedido: h) Imponha o imediato descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN, e vede à União Federal a realização de novos contingenciamentos, até que se reconheça a superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro.

Decisão: deferiu a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos

Com esta exposição dos paradoxos entre as normas jurídicas e a realidade fenomênica pode-se perceber que as políticas públicas de administração penitenciária são programas imperativamente traçados pela Constituição Federal e normas inferiores que a detalham, de execução a priori atribuída ao Poder Executivo da União, dos Estados e do Distrito Federal, cuja sistemática frustração de sua eficiência25 25 A eficiência é princípio constitucional da Administração Pública - art. 37, caput. enseja a necessidade - um dever, não faculdade - de o Judiciário intervir de modo a exigir a realização dos comandos constitucionais.

Do quanto foi visto acima, após se definir a noção jurídica de políticas públicas (ponto 3), depois de reconhecer-se a possibilidade de controle judicial das políticas públicas (pontos 4 e 4.1), sobretudo com a utilização do procedimento de ponderação da teoria dos princípios como meio apto a equacionar os argumentos contrários e favoráveis ao controle e determinar, para o caso concreto, sobre a possibilidade (e a sua dimensão), ou não, da intervenção judicial a impor à Administração Pública a realização de políticas públicas (ponto 4.2), e depois de igualmente se definir as políticas públicas de administração penitenciária nos parágrafos precedentes, resta-me alinhavar estas considerações de modo a permitir algumas conclusões sobre o controle judicial das políticas públicas de administração penitenciária.

As políticas públicas de administração penitenciária são programas imperativos - de cumprimento obrigatório - impostos pela Constituição Federal (enquanto direito fundamental do preso) e por leis editadas pela União, Estados e Distrito Federal, e que a despeito da competência discricionária que reside na definição concreta destes planos de ação, a teoria das reservas do possível (reservas fática e jurídica) não é suficiente, por si só, para impedir o controle judicial. Ao contrário, o núcleo essencial dos direitos fundamentais deve sempre ser atendido porque além de representar o mínimo a ser feito para realizar os respectivos bens acolhidos pela Constituição como dignos de proteção jurídica, é ainda o mínimo a ser feito para que se possa reconhecer alguma eficácia ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Portanto, todo direito à prestação que veicule direitos fundamentais - tal como o direito à adequada administração penitenciária - deve ser cumprido em seu núcleo essencial, sob pena de a Administração Pública ser coagida a prestá-lo por ordem judicial.

Acolhido o procedimento de ponderação da teoria dos princípios (ponto 4.2) é inevitável a percepção de que a precária condição existente nos presídios representa um gravíssimo grau de não-cumprimento do direito à adequada administração penitenciária, o que diretamente atinge o núcleo essencial deste direito e, inclusive, torna sem efeito o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais - pois se compromete integralmente a eficácia do art. 5º, XLVIII e XLIX, da Constituição Federal. Logo, não há como se sobrepor em comprovação de importância qualquer outro princípio em sentido contrário, não há como, sob a teoria das reservas do possível, a Administração Pública escusar-se ao cumprimento do direito à adequada administração penitenciária sob a genérica alegação de que não tem recursos financeiros, que investe seus recursos em outros programas de governo etc. Não há, em última análise, qualquer discricionariedade administrativa se o núcleo essencial de direitos fundamentais não é atendido.

Sem a ilusória pretensão de exaustão do tema, até mesmo porque a solução depende da análise de cada caso concreto, com todos os informes e peculiaridades que particularizam cada conflito, a proposta deste estudo consistiu, primeiro, em formular os contornos possíveis do controle judicial das políticas públicas, e sem desprezar os argumentos contrários (a teoria das reservas do possível), mas com o devido esclarecimento e destaque aos argumentos favoráveis (o núcleo essencial do direito fundamental e o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais); segundo, oferecer critérios de ponderação destes argumentos que permitam, diante do caso concreto, e especificamente em relação ao direito à adequada administração penitenciária, resolver-se pela intervenção judicial na hipótese - como é recorrente - de aferir-se que o grau de não-cumprimento dos direitos fundamentais do preso atinge o seu núcleo essencial.

O que não mais é possível admitir é a simplista assertiva - e absolutamente desconectada da pertinente interpretação tópico-sistemática da Constituição Federal - de que não há legitimidade ao controle judicial das políticas públicas. O labor do intérprete é ingente, mas é possível - fundamental - proceder de modo a buscar, em cada caso concreto, os contornos e o alcance legítimos da intervenção judicial quando há a necessidade de efetivar o núcleo essencial do direito à adequada administração penitenciária por intermédio de políticas públicas eficientes.

  • 1
    De modo mais amplo - do controle judicial das políticas públicas - cuidei em obra específica: PIRES, Luis Manuel Fonseca. Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Dos conceitos jurídicos indeterminados às políticas públicas. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
  • 2
    ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: Princípios de Direito Político. Trad. Antônio P. Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 21-40.
  • 3
    Conforme REALE, Giovanni. Introdução a Aristóteles. 10 ed. Lisboa: Edições 70, 1997. p. 83.
  • 4
    MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. 2. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 100 e seguintes; p. 120.
  • 5
    REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 126-127.
  • 6
    COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 86, n. 737, mar. 1997. p. 353. De modo semelhante, Américo Bedê Freire Júnior diz que é “(...) um conjunto ou medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito” (FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 47). E ainda Maria Paula Dallari Bucci: “Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são ‘metas coletivas conscientes’ e, como tais, um problema de direito público, em sentido lato” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 241. A expressão “metas coletivas conscientes” é de Hugo Assman, citado pela autora ).
  • 7
    SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 80.
  • 8
    BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 264-265.
  • 9
    Theodor Viehweg, com a obra Tópica y filosofia del derecho, foi o principal expoente e precursor do pensamento tópico junto à ciência jurídica.
  • 10
    VIEHWEG, Theodor. Tópica y Filosofia del Derecho. 2 ed. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 127 e seguintes.
  • 11
    Art. 165 e seguintes da Constituição Federal.
  • 12
    BARCELLOS. Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direito Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./mar. 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. p. 25.
  • 13
    Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
  • 14
    Art. 2º e art. 92 e seguintes da Constituição Federal.
  • 15
    CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina Editora, 2003. p. 377 e seguintes.
  • 16
    São direitos sociais que exigem prestações positivas (SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 73-74), e dependem, portanto, de um comportamento positivo do Poder Público (GOUVÊA, Marco Maselli. Balizamentos da discricionariedade administrativa na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: GARCIA, Emerson (Coord.). Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 311).
  • 17
    Art. 196 da Constituição Federal.
  • 18
    Art. 205 da Constituição Federal.
  • 19
    SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Ponderação de Princípios e Racionalidade das Decisões Judiciais: Coerência, Razão Pública, Decomposição Analítica e ‘Standards” de Ponderação. Revista Virtual de Filosofia Jurídica e Teoria Constitucional, n. 1, mar./mai. 2007. p. 2.
  • 20
    ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 37.
  • 21
    ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 133.
  • 22
    Arts. 1º, III, e 227, caput, da Constituição Federal.
  • 23
    Art. 227 da Constituição Federal.
  • 24
  • 25
    A eficiência é princípio constitucional da Administração Pública - art. 37, caput.

6. REFERÊNCIAS

  • ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  • BARCELLOS. Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direito Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./mar. 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>.
    » http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf
  • BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas São Paulo: Saraiva, 2006.
  • CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7 ed. Coimbra: Almedina Editora, 2003.
  • COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 86, n. 737, mar. 1997.
  • FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
  • GOUVÊA, Marco Maselli. Balizamentos da discricionariedade administrativa na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: GARCIA, Emerson (Coord.). Discricionariedade Administrativa Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  • MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo v. 2. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
  • PAIXÃO, Leonardo André. A Função Política do Supremo Tribunal Federal São Paulo, 2007. 258 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado) - Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade de São Paulo.
  • PIRES, Luis Manuel Fonseca. Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Dos conceitos jurídicos indeterminados às políticas públicas. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
  • REALE, Giovanni. Introdução a Aristóteles 10 ed. Lisboa: Edições 70, 1997.
  • REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
  • ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: Princípios de Direito Político. Trad. Antônio P. Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
  • SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006.
  • SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Ponderação de Princípios e Racionalidade das Decisões Judiciais: Coerência, Razão Pública, Decomposição Analítica e ‘Standards” de Ponderação. Revista Virtual de Filosofia Jurídica e Teoria Constitucional, n. 1, mar./mai. 2007.
  • VIEHWEG, Theodor. Tópica y Filosofia del Derecho 2 ed. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2015
  • Aceito
    17 Dez 2015
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