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NATIONAL REVIEW, O MODERNO CONSERVADORISMO AMERICANO E A LUTA PARA “SALVAR” OS EUA DO COMUNISMO, DO LIBERALISMO E DA INTEGRAÇÃO RACIAL (1955-1959)1 1 Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas encontram-se referenciadas no artigo.

NATIONAL REVIEW, MODERN AMERICAN CONSERVATISM AND THE STRUGGLE TO “SAVE” THE U.S.A. FROM COMMUNISM, LIBERALISM AND RACIAL INTEGRATION (1955-1959)

Resumo

O movimento conhecido como moderno conservadorismo americano toma forma na década de 1950 com pelo menos dois objetivos primordiais: no plano externo, combater a ameaça representada pelo comunismo internacional e, no plano doméstico, subverter a dominância exercida pelo liberalismo do New Deal, cuja influência no governo, na sociedade e na cultura fragilizaria a posição dos EUA na Guerra Fria e poria em risco os melhores valores nacionais. Este artigo examina algumas das premissas desse conservadorismo tomando como amostragem a revista National Review, fundada por William F. Buckley Jr. Em particular, analisa-se como a publicação abordou o fim da segregação racial nas escolas públicas, determinada pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1954.

Palavras-chave
Estados Unidos; conservadorismo; liberalismo; segregação racial; Guerra Fria

Abstract

The movement known as modern American conservatism takes shape in the 1950s with at least two main objectives: in the international arena, to fight the threat come from international communism; at home, to subvert the dominance of New Deal liberalism, whose influence on government, society and culture allegedly weakened the United States’ position in the Cold War and put its best national values at risk. This article analyzes some of the premises of this conservatism, based on the main conservative periodical of this era, National Review, founded by William F. Buckley, Jr. In particular, it examines how the magazine treated the end of the racial segregation in public schools, decreed by the U.S. Supreme Court in 1954.

Keywords
United States; conservatism; liberalism; racial segregation; Cold War

Introdução

Quando a pesquisa que deu origem a este artigo foi iniciada, em 2008, a América Latina ainda estava atravessando a sua “maré rosa” de governos de esquerda; os Estados Unidos estavam para eleger seu primeiro presidente negro (e com nome árabe) e a maior crise financeira desde 1929 trazia Karl Marx de volta às listas de best-sellers em países desenvolvidos. No Brasil, embora sempre tenham existido conservadores, o uso popular desse rótulo como uma identidade política era relativamente discreto: alguns fóruns, escritores e websites, mas sem muito alcance mesmo entre os segmentos mais intelectualizados. Popularmente, o termo “conservadorismo” ainda parecia mais associado a uma política tradicional e pragmática ou a segmentos religiosos, em vez de a uma ideologia política específica.

Doze anos depois, o contraste não poderia ser maior. A “maré rosa”, em vários países, terminou em golpe de Estado, escândalos de corrupção, impeachment ou degeneração autoritária. Nos Estados Unidos, o presidente eleito em 2008 com um discurso de esperança e união suprapartidária enfrentou uma oposição agressiva e radicalizada que boicotou suas iniciativas mais ambiciosas e suas tentativas de superar a polarização politica - até ser sucedido em 2016 por um candidato que encarnava como poucos a divisão, o tensionamento institucional e técnicas questionáveis de mobilização das bases. Não demorou muito e o Brasil foi pelo mesmo caminho, elegendo um novo governo dado a métodos parecidos, e o primeiro desde a redemocratização a se identificar como ideologicamente conservador, ou “liberal na economia e conservador nos costumes”. Mais que um mero fenômeno eleitoral, tratava-se antes de um sinal dos tempos: fora das altas esferas do poder, em sites, caixas de comentários, canais de vídeo e fóruns virtuais de todo tipo, um novo panteão de referências intelectuais já vinha se popularizando - nomes como o filósofo inglês Roger Scruton e os economistas austríacos Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, pouco conhecidos na academia brasileira, mas citados como autoridades por um número crescente de não especialistas. Ao mesmo tempo, as grandes livrarias exibiam títulos como A esquerda caviar: a hipocrisia dos artistas e intelectuais progressistas em todo o mundo, de Rodrigo Constantino e Não, Sr. Comuna! Guia para desmascarar as falácias esquerdistas, de Evandro Sinotti, além de “guias politicamente incorretos” sobre os mais variados assuntos. Hoje, tais processos parecem longe de acabar: os jornais e as redes sociais dão conta do crescimento da popularidade de teses históricas peculiares, divulgadas inclusive por ministros de Estado e parlamentares, como a de que “o nazismo é de esquerda” (JORNAL NACIONAL, 2019). Nas artes e nos debates sobre educação e costumes, conceitos como “marxismo cultural” e “guerra cultural” têm sido cada vez mais usados entre as lideranças dos “conservadores nos costumes”, de religiosos ativistas3 3 Cf., por exemplo, o curso oferecido pelo Pe. Paulo Ricardo em: https://padrepauloricardo.org/cursos/revolucao-e-marxismo-cultural. [Acesso em: 24 fev. 2020.] a porta-vozes informais do presidente da República4 4 Cf. SANTOS, Allan dos. Palestra: Allan Santos - A Guerra Cultural. Disponível em: https://youtu.be/XlKXO5qG_XU [Acesso em: 11 fev. 2020.] , ao passo que o termo “comunismo” voltou a frequentar o vocabulário de muita gente, quase sempre com um sentido negativo e uma amplitude de aplicações como não se via desde a Guerra Fria.

A estupefação (não raro o alarme) que tal virada criou entre analistas e formadores de opinião, tem suscitado uma torrente de produções editoriais que mostram o esforço para entender o que está acontecendo, seja no Brasil ou no resto do mundo. Mas pouco se tem falado da relação específica entre Brasil e Estados Unidos nesse particular, embora haja certa continuidade e referências comuns entre elementos importantes do discurso da nova direita nacional e o movimento conservador norte-americano5 5 Para evitar confusões, é preciso esclarecer que a expressão “nova direita”, no Brasil, embora careça de uma definição precisa e consensual, costuma ser atribuída a uma série de movimentos e correntes - nem todos identificados como conservadores - mais visíveis principalmente a partir dos anos 2010, e que têm em comum uma forte crítica à esquerda e em especial aos governos do PT, a cuja sombra ela despontou no debate público. Para o caso dos EUA, cf. a nota 8. . Por exemplo, o libertarianismo, visível em think tanks como o Instituto Mises Brasil e organizações como os Estudantes pela Liberdade e o Movimento Brasil Livre (MBL), engajados na defesa pública do liberalismo econômico e, no caso do último, também em causas políticas como o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2015-2016 (BARBOSA, 2017BARBOSA, Jefferson Rodrigues. “Movimento Brasil Livre (MBL)” e “Estudantes pela Liberdade (EPL)”: ativismo político, think tanks e protestos da direita no Brasil contemporâneo. Anais do 41º Encontro Anual da Anpocs. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/41-encontro-anual-da-anpocs/gt-30/gt11-15/11078-movimento-brasil-livre-mbl-e-estudantes-pela-liberdade-epl-ativismo-politico-think-tanks-e-protestos-da-direita-no-brasil-contemporaneo/file. Acesso em: 11 fev.2020.
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), e o lançamento de candidaturas próprias a cargos parlamentares. Outro exemplo é o anticomunismo, um traço que, mesmo a três décadas de distância do fim da Guerra Fria, tem servido tanto para a denúncia de uma suposta conspiração internacional da esquerda latino-americana para impor o socialismo - o Foro de S. Paulo (CARVALHO, 2006CARVALHO, Olavo de. Monumento às vaidades. Jornal do Brasil, 06 de abril de 2006. Disponível em: http://olavodecarvalho.org/monumento-as-vaidades. Acesso em: 11 fev. 2020.
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) - quanto para a luta contra uma alegada hegemonia da esquerda no plano dos costumes, da cultura e da educação - o já citado “marxismo cultural”, termo originalmente cunhado pelo direitista americano William Lind nos anos 1990 e hoje largamente utilizado por lideranças conservadoras brasileiras6 6 Vale notar que o uso do “marxismo cultural” é muito recente. Ainda nos anos 2000, seu equivalente funcional era a “revolução cultural gramsciana”, conceito que aparentemente se limitou ao círculo do escritor Olavo de Carvalho (2016, cap. II). . E essa apropriação de temas e referências não é de todo inconsciente: desde os anos 2000, autores renomados da direita americana frequentam os catálogos de editoras e websites brasileiros, como Thomas Sowell, Ayn Rand, Russell Kirk e Murray Rothbard, para citar apenas alguns clássicos.

Para melhor entender essas influências, um maior conhecimento da história do moderno movimento conservador dos Estados Unidos7 7 Por esse termo nos referimos a um segmento específico da direita americana do pós-Segunda Guerra Mundial, que veio a se tornar a sua principal corrente e a mais importante identidade política do país desde fins do século XX. Um indício de seu peso no cenário americano é que, de acordo com o instituto de pesquisas de opinião Gallup, em 2019, 37% dos americanos se identificavam como “conservadores”. Em comparação com os dois outros rótulos políticos mais citados, “moderados” (35%) e “liberais” (24%), tem-se que o conservadorismo é a identidade política de maior peso no espectro político atual, fenômeno que, em uma série de levantamentos iniciados em 1992, se consolidou em fins dos anos 2000 e vem se mantendo constante até o presente. Cf. SAAD, 2020. pode ser de grande valia. No Brasil, há poucos estudos a seu respeito, e a historiografia que explora as eventuais relações entre ele e a sua contraparte brasileira ainda é muito recente (por exemplo, ONOFRE, 2018ONOFRE, Gabriel. O papel dos intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo econômico na segunda metade do século XX. Tese de doutorado. 368 fl. Niterói: Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2018.). Por isso, tomamos como pressuposto que a história desse movimento, e de suas bases teóricas estabelecidas em meados do século passado, na Guerra Fria, é útil não apenas para especialistas, mas também para todos os interessados em compreender o atual momento brasileiro e algumas das referências intelectuais mobilizadas pela nova direita nacional.

Neste artigo, a contribuição para o debate historiográfico a esse respeito seguirá duas vias: primeiro, uma breve caracterização e contextualização desse conservadorismo, a partir de uma publicação reconhecida pela historiografia norte-americana como importante para a formação de uma identidade conservadora intelectualmente estabelecida, a National Review. Em seguida, a análise de como esse movimento ainda incipiente lidou com uma das grandes questões da sua época: a decisão da Suprema Corte conhecida como Brown v. Board of Education of Topeka (ou simplesmente Brown v. Board), de 1954, que determinou a inconstitucionalidade da segregação racial nas escolas públicas e causou comoção nos estados do sul dos EUA onde essa era prática vigente e legalizada há décadas. A escolha desse recorte não é fruto de acaso: a decisão de 1954, ao envolver um conflito entre uma determinação federal e tradições locais, incluía também um debate sobre igualdade perante a lei, federalismo, liberdade individual versus autoridade estatal, e até que ponto a lei poderia ser usada como solução de problemas sociais. Ao examinar um recorte da cobertura da National Review sobre Brown v. Board e seus efeitos, veremos não apenas como ela articulou alguns dos princípios conservadores para interpretar e se posicionar frente ao assunto, mas também algumas das premissas implícitas de sua visão de um dos grandes problemas americanos.

O nascimento do moderno conservadorismo e a National Review

A narrativa clássica do nascimento do moderno conservadorismo americano é uma história intelectual: The conservative intellectual movement in America since 1945, de George H. Nash (1976)NASH, George H. The conservative intelectual movement in America since 1945. Basic Books, 1976., retrata os conservadores como um grupo de pensadores e ativistas dissidentes que, com esforço, brilhantismo e paixão, saem das margens de uma sociedade dominada pelo liberalismo do New Deal8 8 No vocabulário político dos Estados Unidos, liberalismo não tem o mesmo sentido que em outras partes do mundo. Genericamente falando, ele corresponde a um posicionamento de centro-esquerda, mais moderado que a social-democracia europeia, caracterizado pela defesa de uma economia capitalista regulamentada, políticas de proteção a minorias e a defesa de direitos individuais. Na história americana, o liberalismo (ou moderno liberalismo, em oposição ao liberalismo clássico do século XIX) nasce do reformismo do movimento progressista do início do século XX e do intervencionismo econômico posto em prática pelo New Deal do governo de Franklin Roosevelt (1933-1945). No período de que tratamos neste artigo, existiam liberais no Partido Democrata como também no Republicano, e eram vistos pelos conservadores como a epítome do status quo. Não devem, portanto, ser confundidos com os radicais, mais à esquerda no espectro, não raro socialistas, e os comunistas, especificamente alinhados ao marxismo-leninismo e suas variações. Para um panorama histórico dessa corrente, cf. GERSTLE, 1994. para uma posição de destaque no espectro político dos Estados Unidos. Quase meio século depois de sua publicação, e apesar do grande crescimento da historiografia sobre o assunto, a obra ainda é o mais importante estudo sobre a elaboração e difusão das ideias conservadoras do pós-Segunda Guerra Mundial. Um de seus méritos é metodológico: em vez de buscar uma essência conservadora, Nash reconhece de pronto a multiplicidade de correntes que viriam a formar o chamado moderno conservadorismo americano9 9 Assim como acontece com o liberalismo, o adjetivo “moderno” distingue o conservadorismo de que falamos, surgido nos EUA do pós-Segunda Guerra, de outros movimentos que possam levar esse nome. Trata-se, pois, de uma identidade específica dos atores históricos, e não um rótulo atribuído de fora. e as tensões entre elas, unidas mais por aquilo a que se opunham do que propriamente por uma identidade absoluta de princípios. Assim, adota um critério prático: conservadores são aqueles que se identificaram e foram reconhecidos como tais no período. Esse compósito político não abrangia todas as forças da direita americana, mas uma seleção delas: os libertários, preocupados com a máxima liberdade individual e econômica frente a um governo intervencionista de cunho keynesiano; os tradicionalistas, focados na área cultural, não raro religiosos e influenciados por ideias europeias; e os anticomunistas, envolvidos com as disputas político-ideológicas da Guerra Fria. Da junção desses três grupos nasceria o “fusionismo”, uma síntese que se tornou a base do que viria a se chamar de movimento conservador, cujo porta-voz mais sofisticado era a revista National Review, fundada por William F. Buckley Jr. em 1955. Mais que um canal de opiniões conservadoras, a NR cumpria também uma função de “curadoria” do movimento, ou seja, a seleção de quem seria aceito como membro dele: ao fim de algum tempo, antissemitas declarados e conspiracionistas como a John Birch Society, por exemplo, foram expurgados das fileiras do que a revista - e o movimento que liderava - consideravam uma direita respeitável.

Apesar de a historiografia mais recente do moderno conservadorismo não mais dar à NR e à atuação dos pensadores que escreviam nela a mesma centralidade que Nash - preferindo, por exemplo, focar no papel de grandes empresários na ascensão do movimento (PHILLIPS-FEIN, 2009PHILLIPS-FEIN, Kim. Invisible hands: the businessmen’s crusade against the New Deal. W.W. Norton Company, 2008.), na mobilização de base para ganhar espaço no Partido Republicano (MCGIRR, 2001MCGIRR, Lisa. Suburban warriors: the origins of the American New Right. 1st edition. Princeton University Press, 2001.; PERLSTEIN, 2001PERLSTEIN, Rick. Before the storm: Barry Goldwater and the unmaking of the American consensus. Reprint edition. Bold Type, 2009.) ou nos setores remanescentes da “Velha Direita” isolacionista do período anterior à Segunda Guerra (RAIMONDO, 2008RAIMONDO, Justin. Reclaiming the American Right: the lost legacy of the conservative movement. 2nd edition. Intercollegiate Studies Institute, 2008.) -, a revista ainda é uma fonte extremamente rica no que concerne à franja mais intelectualizada do movimento. A NR não tinha pretensões de ser uma revista jornalística clássica no estilo da Time, com uma grande equipe de repórteres fazendo apuração contínua; mais modesta e quinzenal, suas especialidades eram análises e comentários sobre as questões do dia, sobretudo em questões de política e cultura. O objetivo era ser para os recém-batizados conservadores - no sentido abrangente que o fusionismo permitia - o que The New Republic e The Nation eram para as esquerdas liberal e radical: um veículo sofisticado e influente entre formadores de opinião, comentando os assuntos do momento, mas também com espaço para questões mais profundas de filosofia, artes, relações internacionais, religião, entre outras.

Apesar de crônicas dificuldades financeiras, em fins dos anos 1960, a NR alcançou uma circulação paga de cerca de 100.000 exemplares, o que era expressivo para uma publicação de sua espécie, voltada para um público politizado e mais culto. Nenhuma outra revista explicitamente conservadora alcançou, nos Estados Unidos do período, a mesma penetração e alcance. Concebida como um veículo de combate de uma minoria dissidente contra o Establishment liberal, ela dá uma boa medida de como as lideranças intelectuais do movimento foram construindo um pensamento distintamente conservador que, embora dialogasse principalmente com alas do Partido Republicano, ainda não era uma exclusividade dele e tampouco capaz de direcioná-lo. A polarização partidária acirrada que hoje se observa entre os dois grandes partidos americanos, com liberais e demais correntes reformistas necessariamente agrupadas no Democrata e conservadores no Republicano, ainda não estava estabelecida, de modo que havia mais pontos de intercessão ideológica e programática entre eles (KABASERVICE, 2012KABASERVICE, Geoffrey. Rule and ruin: the downfall of moderation and the destruction of the Republican Party, from Eisenhower to the Tea Party. Oxford University Press, 2012.). Destarte, a NR não era um instrumento partidário, propriamente, mas um meio de criar um espaço alternativo de debate e divulgação de ideias que seriam mais condizentes com os princípios americanos - em oposição a um status quo liberal que não atendia às necessidades reais de uma América ameaçada pelo espectro da União Soviética. Como dizia o próprio Buckley na sua “Declaração do Editor”, logo no primeiro número da revista, em 19 de novembro de 195510 10 Todas as traduções presentes neste artigo foram feitas pelo autor. :

O lançamento de um semanário conservador de opinião em um país largamente visto como um bastião do conservadorismo parece à primeira vista uma obra de exagero, tal como publicar um semanário monarquista dentro dos muros do Palácio de Buckingham. Não se trata disso, é claro; se national review é supérflua, ela o é por razões muito diferentes: ela vai na contramão da história, gritando Pare, em uma época em que ninguém se inclina a fazer isso, ou a ter muita paciência com os que encorajam tal coisa. NATIONAL REVIEW está fora do lugar, no sentido em que as Nações Unidas e a Liga das Mulheres Votantes11 11 A League of Women Voters é uma associação fundada em 1920 com o intuito de aumentar a participação política das mulheres, um pouco antes da conquista do sufrágio feminino. Depois que este foi instituído por meio da Décima-Nona Emenda, a Liga continuou atuando, tomando posição sobre questões políticas, não raro em sintonia com posicionamentos liberais. e o New York Times e Henry Steele Commager12 12 Historiador e autor prolífico (1902-1998), conhecido por seu ativismo liberal. estão no lugar. Ela está fora do lugar porque, em sua maturidade, a América letrada rejeitou o conservadorismo em favor da experimentação social radical. Em vez de avidamente consolidar suas premissas, os Estados Unidos parecem atormentados por sua tradição de postulados fixos relacionados ao significado da existência, com a relação do Estado com o indivíduo, do indivíduo com seu próximo, tão claramente enunciadas nos documentos fundadores de nossa República.13 13 Publisher’s Statement. National Review. 19/11/1955. [Acesso em: 26 de fevereiro de 2012.]

Ou seja, os Estados Unidos estariam vivendo um momento de alienação em relação à sua própria herança nacional, e os principais beneficiários desse processo - não necessariamente consciente, como Buckley reiteraria por anos - seriam os membros de um determinado Establishment, objeto favorito das invectivas da NR, especialmente nos primeiros anos. As universidades, a imprensa (especialmente o New York Times e outros veículos da Costa Leste), associações como a American Civil Liberties Union (ACLU14 14 A União Americana pelas Liberdade Civis, fundada em 1920, dedica-se à defesa das liberdades previstas na Constituição americana, em particular a liberdade de expressão. ) e alguns dos nomes mais reconhecidos e celebrados da intelectualidade nacional - como o historiador Arthur Schlesinger Jr. e o poeta Archibald McLeish - formavam uma espécie de rede de solidariedade mútua, levando aos diversos setores da sociedade e da cultura as ideias e a defesa ativa dos princípios encarnados na política do New Deal. Juntos, eles impunham um “consenso” que sutilmente excluía do debate público tudo que não se encaixasse no que eles consideravam aceitável ou conveniente, mesmo quando se tratasse de ideias tradicionais como o individualismo, a valorização da religião na esfera pública ou a limitação da capacidade de intervenção do Estado na sociedade e na economia - pautas que cabia aos conservadores reafirmar e defender. Essa correlação de forças levava a uma situação curiosa: para Buckley e seus companheiros, os conservadores eram “não conformistas sem licença”, outsiders de uma subcultura sem lugar entre formadores de opinião e detentores do poder. Não era uma questão de classe ou recursos materiais, e sim de reconhecimento social e influência.

Aliás, o próprio Buckley era um bom exemplo de conservador excluído que descrevia: nascido em 1925, filho de um empresário do petróleo, criado em meio a todos os confortos que o dinheiro podia comprar e educado com tutores de hipismo a esgrima até ingressar na Universidade de Yale, seu primeiro passo rumo à fama foi o livro-denúncia God and Man at Yale, de 1951. Nele, Buckley descrevia minuciosamente departamentos, cursos e professores de sua alma-máter, procurando demonstrar como as tradições americanas de individualismo, livre mercado e cristianismo eram sistematicamente ignoradas pelo currículo, em prol de ideias tipicamente liberais como o keynesianismo e o secularismo. O livro concluía com um apelo para que os ex-alunos financiadores de Yale interviessem, fazendo com que a universidade voltasse a honrar os ideais que em teoria professava e sobre os quais teria sido construída. Como era de se esperar, a obra gerou reações pouco amistosas, ao passo que ajudou a lançar um dos temas recorrentes do discurso conservador até hoje: o enviesamento ideológico na educação, particularmente nas universidades.15 15 Jeremiadas contra esse tipo de tendenciosidade curricular seriam frequentes tanto na NR - onde Buckley teve uma coluna especializada em ensino superior durante alguns anos -, quanto, bem mais tarde, no mercado editorial conservador americano. Entre alguns títulos clássicos do gênero, podem ser citados The closing of the American mind, de Allan Bloom (1987), e Tenured radicals (1990), de Roger Kimball.- ambos com traduções brasileiras.

O que é notável na NR, contudo, é a minúcia com que os membros do status quo são identificados - uma expansão do catálogo de docentes, referências bibliográficas e disciplinas universitárias que Buckley já apresentava em seu livro sobre Yale. O Establishment liberal, tal como era entendido pela revista, não era uma coletividade vaga e amorfa, mas tinha nomes, endereços e meios de comunicação claramente identificados. Em comum, eles

tendem a crer que o ser humano é perfectível e o progresso social previsível, e que o instrumento para efetivar ambas as coisas é a razão; que as verdades são transitória e empiricamente determinadas; que a igualdade é desejável e conquistável por meio da ação do poder do Estado; que as diferenças sociais e individuais, se não forem racionais, são objetáveis e devem ser eliminadas cientificamente; que todos os povos e sociedades devem lutar para se organizarem sob um paradigma racionalista e científico. (BUCKLEY, 1959BUCKLEY JR., William F. Up from Liberalism. Introduction by Senator Barry Goldwater. Foreword by John dos Passos. New York: Hillman Books, 1959., pp. 22-3)

Tais pessoas formavam, segundo Buckley, um grupo relativamente coeso, pronto a reagir a quem fugisse a seus parâmetros de bom gosto (nas artes) ou bom senso (na política e economia, por exemplo), ao mesmo tempo que gozavam - estamos falando dos anos 1950 - da hegemonia política e cultural na sociedade americana. Tal poderio era exatamente o que a National Review nascera para contestar.

Ao denunciar a “experimentação social radical” dos liberais (inaugurada, subentende-se, com o New Deal), o que a NR propunha? Isso foi explicitado numa declaração publicada logo no primeiro número, intitulada “Credo”. Dos setes itens, destacaremos três:

A - É trabalho do governo centralizado (em tempos de paz) proteger as vidas, a liberdade e a propriedade dos seus cidadãos. Todas as outras atividades do governo tendem a diminuir a liberdade e atrapalhar o progresso. O crescimento do governo (o traço social dominante deste século) deve ser combatido sem tréguas. Neste grande conflito social de nossa era, nós estamos, sem reservas, do lado libertário.

B - A profunda crise de nossa era é, em essência, o conflito entre os Engenheiros Sociais, que buscam ajustar a humanidade de acordo com utopias científicas, e os discípulos da Verdade, que defendem a ordem moral orgânica. Nós acreditamos que não se alcança a verdade nem se a ilumina pelo monitoramento de resultados eleitorais, por mais impositivos que eles sejam para outros propósitos, mas por outros meios, incluindo um estudo da experiência humana. Neste ponto, estamos, sem reservas, do lado conservador.

Esses dois primeiros itens ecoam duas das correntes que compunham a perspectiva fusionista. No primeiro, trata-se da crítica ao crescimento estatal, impulsionado pelo keynesianismo e também pelo estabelecimento do Estado de bem-estar social, vistos como passos iniciais numa escalada de planejamento econômico centralizado e controle burocrático que levaria ao totalitarismo - um argumento famosamente formulado pelo economista austríaco Friedrich Hayek no seu best-seller de 1944, O caminho da servidão. É uma visão libertária, no jargão americano, também chamada à época de “individualista” ou “liberal clássica”. No segundo, atualiza-se o velho argumento de Edmund Burke contra a Revolução Francesa, sobre os perigos de tentar transformar a realidade com base em idealismos e esquemas teóricos. Sendo a realidade intrinsecamente mais complexa do que a capacidade humana de compreendê-la e controlá-la, aquilo que, em uma dada sociedade, sobreviveu ao teste do tempo tem mais valor do que formulações e receitas racionalistas saídas das cabeças de intelectuais. Noutras palavras, o que existe pesa mais do que o que gostaríamos que existisse, e, embora se admitam mudanças e reformas, elas devem ser cautelosas, graduais e respeitosas para com as instituições e costumes já estabelecidos. Tal é a quintessência da corrente conservadora burkeana, representada na NR especialmente por tradicionalistas como Russell Kirk.

Essas duas premissas levam naturalmente à terceira, particularmente importante no contexto geopolítico da época e um dos pilares da orientação editorial da revista:

C - A mais flagrante força de utopismo satânico deste século é o comunismo. Nós não consideramos a “coexistência” com o comunismo nem desejável nem possível, nem honrosa; achamo-nos irrevogavelmente em guerra com o comunismo e nos oporemos a qualquer substituto que não a vitória. (NATIONAL REVIEW, 19 nov. 1955NATIONAL REVIEW. Edições diversas. Disponível no EBSCO host National Review Archive, via New York University Library: http://library.nyu.edu. Acesso em: julho de 2012.], e na coleção de volumes encadernados do Russell Kirk Center for Cultural Renewal, de Mecosta, Michigan.
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)

Na análise de George Nash, o anticomunismo era o grande elemento unificador entre os conservadores do pós-1945. Graças a ele, correntes muito diferentes, com ideais mesmo contrários, como os libertários e os tradicionalistas, mantinham-se em aliança contra o inimigo comum. O liberalismo era um problema, sem dúvida, mas não uma ameaça existencial e imediata como a União Soviética e seu império. Na verdade, uma das mais graves críticas conservadoras aos liberais era justamente a de que eles atrapalhavam o combate adequado ao perigo comunista, fosse fazendo concessões indevidas a uma força essencialmente imoral e hostil, fosse pela crônica relutância em enfrentar seus apoiadores e cúmplices no plano doméstico - não por acaso, em 1954, Buckley fora coautor de um livro em defesa do Senador Joseph McCarthy (BUCKLEY JR. & BOZELL, 1954).

Não obstante, vale ressaltar que Buckley sempre insistia na distinção entre comunistas e liberais. Ao contrário de figuras como o industrial Robert Welch, fundador da organização de extrema-direita John Birch Society e autor de um livro em que acusava o presidente Dwight Eisenhower de ser um agente soviético, Buckley e sua revista não costumavam acusar seus inimigos liberais de “comunismo”. Para eles, dos muitos defeitos do liberalismo, o mais grave era justamente uma espécie de cegueira seletiva para com o perigo comunista, ou seja, a incapacidade de avaliar sua verdadeira extensão. Nisso, a NR refletia particularmente a perspectiva de dois dos principais auxiliares (e mentores) de Buckley, James Burnham e Frank Meyer. O primeiro era um ex-trotskista e intelectual renomado, depois convertido à direita; o segundo, ex-membro do Partido Comunista americano que se tornou libertário, foi o formulador do “fusionismo”. Em comum, uma visão da Guerra Fria e do inimigo comunista que podia ser entendida quase como sobre-humana16 16 A rigor, tal visão do comunismo vinha também de outro inspirador de Buckley, Whittaker Chambers, ex-espião comunista e testemunha-chave em um famoso caso de espionagem contra um funcionário do Departamento de Estado, Alger Hiss. Autor de uma autobiografia que se tornou um clássico da literatura anticomunista, Witness (1951), Chambers chegou a colaborar ocasionalmente com a NR, mas por pouco tempo e sempre mantendo certa distância. Burnham e Meyer, ao contrário, estavam entre os principais quadros da revista e interferiam cotidianamente em sua linha editorial. . Por exemplo, o ponto de vista de Burnham foi assim definido por um seu biógrafo:

O comunismo constituía um inimigo formidável [...]. Uma conspiração global visando à dominação do mundo, o movimento possuía uma “estrutura monolítica”, uma “disciplina de aço”, o “cimento do terror”, a “ideologia rígida e total”, e seguidores “devotamente” compromissados com a causa. O comunista não tinha “nenhuma vida separada da sua organização e de seu conjunto de ideias rigidamente sistemático. Tudo o que ele faz, tudo o que ele tem, família, emprego, dinheiro, crença, amigos, talentos, vida, tudo se subordina ao seu comunismo. Ele não é um comunista apenas no dia da eleição ou na sede do Partido. Ele é um comunista sempre. Ele come, lê, faz amor, pensa, vai a festas, muda de residência, ri, insulta, sempre como um comunista”. O que inspirava tal vida era uma única paixão, da qual nada, “nem esposa nem criança nem amigo, nem beleza nem amor nem prazer nem conhecimento, apreciados por si mesmos”, podiam distraí-lo.

[...]

Mais ainda, o comunismo roubava o indivíduo de “sua consciência, sua honra”, e o forçava a “mentir e humilhar-se, enganar e informar e trair” a mando de seus mestres. A ameaça deste abismo moral, não o medo de um padrão de vida mais baixo, era o que tornava a resistência ao comunismo urgente. (KELLY, 2002KELLY, Daniel. James Burnham and the struggle for the world: a life. Wilmington, Delaware: ISI Books, 2002., p. 123.)

De Meyer, é eloquente um texto de sua coluna Principles and Heresies (“Princípios e heresias”), publicado na National Review de 14 de junho de 1958. Sob o título The meaning of McCarthyism (“O significado do macarthismo”), o autor diz que as características predominantes do liberalismo em sua época “são tais que nossa presente liderança não pode nem resistir à infiltração dos comunistas internamente nem coordenar uma estratégia efetiva contra os comunistas externamente”. Em seguida, ele enumera algumas “verdades” que teriam vindo à tona com o macarthismo:

1 - que o Liberalismo17 17 Era comum na NR do período usar maiúsculas para se referir aos liberais e ao liberalismo, o que não se fazia com os próprios conservadores. Aqui respeitamos a grafia dos autores. contemporâneo está em concordância com o comunismo no ponto mais essencial - a necessidade e desejabilidade do socialismo; 2) que ele considera todo valor herdado - teológico, filosófico, político - como desprovido de virtude ou autoridade intrínseca; 3) que, portanto, nenhuma diferença irreconciliável existe entre ele e o comunismo - só diferenças quanto ao métodos e aos meios; e 4) que, em vista destas características da sua ideologia, os Liberais são inadequados para a liderança de uma sociedade livre, e intrinsecamente incapazes de oferecer oposição séria à ofensiva comunista.18 18 Note-se que ele escreveu isso quando Eisenhower, um republicano, era presidente.

Portanto, o perigo de se ter uma hegemonia liberal era duplo: de um lado, o risco intrínseco por conta do crescimento das atribuições e poderes do Estado; de outro, a fraqueza diante de um inimigo externo ativo e determinado, que contava com agentes e simpatizantes dentro do próprio território americano. Quando alguém mais corajoso ousava denunciar o risco e a negligência diante da infiltração inimiga, como o Senador McCarthy, era objeto da oposição feroz dos liberais. Não à toa, quando McCarthy faleceu, em maio de 1957, a NR publicou um editorial e dois longos artigos em sua homenagem, sem qualquer menção às falsas acusações, as listas discrepantes de alegados comunistas no governo, a intimidação de depoentes e outros métodos que levaram o senador a cair em desgraça frente à opinião pública.

Tem-se aí, portanto, em linhas gerais, um desenho do diagnóstico conservador sobre a situação política do país e do papel do próprio movimento nela: havia uma situação de perigo iminente e os americanos estariam, graças às ilusões ideológicas do liberalismo, mal preparados para ela. A fim de dar conta das reais responsabilidades pela manutenção da liberdade representada pelos EUA num mundo infectado pelo “totalitarismo” de esquerda, os conservadores assumiram o papel de contestação e denúncia da ordem estabelecida. Em suma, para melhor conservar, eles se tornaram, nas palavras do próprio Buckley, “revolucionários intelectuais” (HALE, 2001HALE, Elizabeth Grace. A nation of outsiders: how the white middle class fell in love with rebellion in postwar America. New York & Oxford: Oxford University Press, 2011., p. 132).

A integração racial nas escolas

Apesar de a ordem liberal ser usualmente descrita pelos conservadores de National Review como conformista, o que punha eles próprios na paradoxal condição de radicais, foi sob sua vigência que ganhou novo destaque a luta contra um dos mais antigos problemas americanos: a discriminação racial. Embora ações e campanhas contra o racismo ocorressem desde muito tempo, é nos anos 1950 que dois eventos porão o assunto no centro do debate público americano, causando um verdadeiro terremoto político e cultural: a já citada decisão Brown v. Board (1954) e o boicote ao transporte público de Montgomery, Alabama (1955). Ambos abrem o caminho para a ascensão de um novo movimento social americano, o dos direitos civis, que constituiria uma prova de fogo para a capacidade de reforma das relações raciais da democracia americana, um processo que hoje, mais de seis décadas depois, ainda está em curso. Como não poderia deixar de ser, National Review tomou nota de ambos, mas foi com Brown v. Board que ela teve sua primeira grande controvérsia interna, e uma das raras ocasiões em que isso transpareceu nas páginas da revista. Da perspectiva do historiador, além disso, a cobertura dada ao assunto é particularmente instrutiva sobre as contradições e limites da visão conservadora frente a uma questão concreta para a qual ela não tinha, a princípio, uma resposta doutrinária definida.

Brown v. Board considerou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas da nação, pondo abaixo um dos pilares da ordem social dos estados sulistas. A partir de um grupo de casos patrocinados pela NAACP19 19 A National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor”), fundada em 1909, é a maior organização pelos direitos dos negros nos EUA. , unidos depois numa ação única, a Suprema Corte revogou seu entendimento anterior - a doutrina de “separados, mas iguais”20 20 Resumidamente, essa doutrina estipulava que a segregação racial não violava os direitos constitucionais dos cidadãos americanos, desde que as condições oferecidas a cada grupo racial fossem as mesmas. Esse entendimento foi consagrado na decisão conhecida como Plessy v. Ferguson, de 1896, que tinha como objeto a segregação nos trens do estado da Louisiana. O texto da decisão pode ser lido em https://www.ourdocuments.gov/doc.php?flash=false&doc=52&page=transcript. [Acesso em: 21 fev. 2020.] - e aceitou a alegação de que a segregação em si mesma já era causa de prejuízos às crianças negras e violava a 14.ª Emenda da Constituição. A decisão não estabelecia um cronograma específico para os estados se adaptarem, mas teve o efeito de uma bomba nas regiões afetadas. Até então, o que havia na prática eram duas redes escolares, uma para brancos e outra para os “de cor”21 21 A rigor, a categoria das “pessoas de cor” incluía “não brancos” em geral, o que poderia abranger de latino-americanos a chineses. Aqui nos referimos tão somente aos negros por constituírem a imensa maioria dos casos nos estados segregacionistas. (CLOTFELTER, 2004CLOTFELTER, Charles T. After Brown: the rise and retreat of school desegregation. Princeton: Princeton University Press, 2004. [Edição Kindle.]), financiadas muito desigualmente com recursos locais. Era comum que, numa mesma cidade, as escolas “brancas” tivessem melhor estrutura e muito maior atenção por parte dos gestores, ao passo que as suas contrapartes “negras” quase sempre eram mais precárias. Dadas as condições da vida sob as leis segregacionistas (apelidadas de “Jim Crow”22 22 O termo também serve para designar a ordem racial sulista como um todo, para além do aspecto jurídico. Cf. WOODWARD, 2001. ), não havia muito que a população negra da localidade pudesse fazer a respeito: sujeita a uma gama variada de constrangimentos formais e informais, ela tinha muito pouca representação política em comparação ao que seu número permitiria num regime democrático normal. As figuras de poder nessa sociedade, de chefes do Executivo ao xerife, o juiz de paz e os membros do júri, eram habitualmente brancos e comprometidos com a manutenção do status quo. Portanto, havia não apenas problemas logísticos a superar - onde alocar os estudantes, como redistribuir os recursos e profissionais existentes etc. -, mas também, e acima de tudo, dificuldades de ordem política e cultural. Por décadas, brancos e negros haviam seguido um “modo de vida sulista” baseado em castas raciais, inscrito nos menores detalhes da vida e naturalizado por gerações. Agora que um fiat judicial ameaçava suas tradições e reavivava os velhos temores brancos da mistura com a casta inferior (DOLLARD, 1957DOLLARD, John. Caste and class in a Southern town. 3rd edition. Doubleday Anchor, 1957.), houve resistência - feroz, multifacetada e, no dizer da época, massiva (BARTLEY, 1999BARTLEY, Numan V. The rise of massive resistance: race and politics in the South during the 1950’s. Baton Rouge: LSU Press, 1999.).

Para os conservadores, a questão da raça não dispunha de um consenso como a repulsa às esquerdas ou a defesa do livre mercado frente ao intervencionismo estatal. Na verdade, tratava-se de um desafio espinhoso por razões evidentes: as reivindicações por igualdade racial, nesse momento, eram baseadas justamente nos ideais americanos de igualdade perante a lei e - palavra-chave na retórica conservadora - liberdade. Tratava-se de pedir a efetivação do que a Constituição já garantia - para não mencionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais relevante para os liberais que para a direita. Ao mesmo tempo, a estratégia da NAACP de combater a segregação por meio da justiça, que vinha desde os anos 1930 e só agora chegava a uma vitória de amplo alcance, implicava o recurso a um poder central para interferir nas esferas local e estadual. Isso feria diretamente a sensibilidade libertária dos conservadores, sempre desconfiados do que julgavam ser um Estado perigosamente agigantado e ativista, e trazia de volta uma velha controvérsia americana sobre os direitos dos estados frente às decisões da União - algo que remontava à Questão da Nulificação, do primeiro terço do século XIX, passando pelo trauma da Guerra Civil. Quando a oposição a Brown v. Board começou a se organizar, incluindo desde senadores e deputados à formação de grupos abertamente supremacistas como os White Citizens Councils (“Conselhos de Cidadãos Brancos”), esse foi um dos principais argumentos utilizados. Como, a partir de uma perspectiva que se pretendia conservadora, conciliar essas duas reivindicações? Aliás, era necessário mesmo conciliá-las ou havia um lado a tomar?

A análise das maneiras como a NR tratou do assunto ao longo da década de 1950 mostra uma sequência de interpretações. Como dito anteriormente, o conservadorismo não tinha uma visão predefinida sobre relações raciais - talvez pelo fato de seus fundadores terem sido fundamentalmente homens brancos instruídos, para quem “racismo” não era uma questão próxima ou prioritária. Assim, o que se observa é a tentativa de enquadrar as novas controvérsias sobre raça em termos dos princípios ideológicos já aceitos pelo movimento, começando pelo anticomunismo.

O exemplo mais contundente dessa abordagem, que foi breve, foi o do sulista Richard Weaver, considerado um dos grandes intelectuais conservadores do pós-guerra e um dos ícones da corrente tradicionalista. Conhecido principalmente pelo livro Ideas have consequences (1948), Weaver, professor da Universidade de Chicago, era um defensor apaixonado das tradições sulistas. Em 13/07/1957, a NR publicou uma resenha sua cujo título já era uma síntese do conteúdo: Integration is communization (“Integração é comunização”), um libelo feroz e um grande exemplo do red baiting, isto é, a deslegitimação de um grupo, indivíduo ou causa por uma suposta associação com o comunismo. Diz ele:

Podemos observar em um certo número de áreas como o “coletivismo racial” está sendo usado como um pé-de-cabra para afrouxar os direitos sobre a propriedade privada. Houve um tempo quando a posse de uma propriedade dava ao dono o direito de dizer para quem ele queria ou não vender e alugar. Mas agora, com a proibição dos pactos restritivos23 23 Pactos restritivos eram obrigações contratuais que impediam que um imóvel fosse alugado, cedido ou comprado por alguém de um grupo específico, geralmente negros. Eles tiveram parte importante no processo de segregação espacial das cidades americanas e muitos perduram até os dias de hoje. pela Suprema Corte (especialmente em Shelley v. Kraemer24 24 Decisão da Suprema Corte proferida em 1948, segundo a qual os tribunais não podiam mais fazer valer os pactos restritivos quanto à questão de raça, uma vez que, embora tais acordos pudessem ser legais na qualidade de contratos privados, exigir na justiça o seu cumprimento equivaleria a requerer do Estado que entrasse em contradição com a Décima-Quarta Emenda. Detalhes do caso podem ser encontrados em http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0334_0001_ZO.html. [Acesso em: 19 de junho de 2013. ] ), este direito foi invadido, se não efetivamente tirado. Houve um tempo em que os proprietários tinham completa liberdade de decisão quanto a quem iriam ou não empregar em seus negócios privados. Agora esse direito foi invadido por vários tipos de leis FEPC, que dizem a ele que não pode levar em consideração as diferenças de raça ao selecionar os seus empregados.25 25 Sigla de Fair Employment Practice Committee (“Comitê de Prática Empregatícia Justa”), órgão criado em 1941 pelo governo de Franklin Roosevelt para combater práticas discriminatórias em agências federais e em sindicatos e empresas envolvidas com o esforço de guerra. Houve um tempo quando instituições educacionais privadas tinham o direito de estabelecer quaisquer padrões que escolhessem para a admissão de estudantes.26 26 Um exemplo célebre desses critérios era a rejeição a judeus em universidades de prestígio, ainda em uso pelo menos até os anos 30 (e que, em Nova York, levou uma constelação de futuros intelectuais renomados de origem judaica a se concentrar no City College, CCNY, por ser uma das poucas instituições de ensino superior a não discriminá-los). Agora pelo menos um estado tem uma lei que proíbe qualquer instituição de até mesmo aceitar candidaturas com dados relacionados à raça e à religião do estudante em questão. [...] É preciso ter uma educação muito sofisticada para não ver nisto uma erosão firme e até o momento bastante avançada dos direitos sobre a propriedade privada em conformidade com uma teoria racial comunista. Em boa parte deste processo, a Suprema Corte tem sido [...] o “cão corredor” do Kremlin.

Em um único parágrafo, Weaver enquadra quase todas as principais medidas de combate à discriminação racial dos 15 anos anteriores como um ataque ao direito fundamental à propriedade privada, base do capitalismo e um dos principais alvos dos comunistas. Mas o fundamento da sua crítica, a saber, a oposição entre leis antidiscriminatórias e a liberdade individual, teria vida longa. Nos anos 60, o próprio William Buckley apontaria essa contradição frente às novas leis de direitos civis que vinham sendo aprovadas no período. Mais recentemente, em 2018, a Suprema Corte americana tratou do caso de uma confeitaria no Colorado, de proprietários evangélicos, processada por discriminação ao se recusar a fazer um bolo para um casal homossexual. Embora o caso tenha girado em torno da liberdade religiosa e não do direito de propriedade, a tensão de fundo é similar - e não foi resolvida pelos juízes, que se prenderam a outros aspectos da disputa.27 27 O caso é Masterpiece Cakes v. Colorado Civil Rights Comission, julgado em 2018. Cf. DE VOGUE, 2020.

Weaver, contudo, é taxativo: “‘Integração’ e ‘comunização’ são praticamente sinônimos. À luz do que está acontecendo hoje, a primeira pode ser pouco mais que um eufemismo para a segunda”, diz ele, acrescentando que não ia grande distância entre “a ‘integração’ de instalações para a ‘comunização’ de instalações”. Ele, contudo, não apresenta nenhum dado empírico para essa relação no caso americano. O livro resenhado no texto, que versava sobre o apartheid na África do Sul, apenas constatava que o movimento comunista local havia se redefinido em termos raciais, considerando o contexto do país. Pela lógica de Weaver, portanto, a integração racial era como que “culpada por associação”, já que teria sido adotada por comunistas em outro país.

O artigo vem acompanhado de uma charge assinada pelo cartunista John Kreuttner, presença frequente na National Review. Neste caso, porém, incrustado no texto de Weaver, o que se vê é sugestivo: encimada pela inscrição “Antropologia ‘56”, uma figura vestida como um acadêmico, com beca e capelo, segura uma varinha professoral e aponta para um cartaz onde se lê: “As raças do homem”. Neste veem-se três figuras absolutamente iguais, identificadas, respectivamente, como “Caucasiano”, “Negro” e “Mongol”. Na legenda, tem-se uma fala do personagem: “Primeiramente, eu quero pagar tributo à exaustiva pesquisa que nosso time de cientistas preparou para este cartaz, permitindo-nos esclarecer nosso pensamento e eliminar certas concepções errôneas”. Por mais que o argumento do texto evoque questões políticas e constitucionais, a charge claramente ironiza a ideia de igualdade racial em tons racialistas, evocando as tipologias raciais que estiveram tão em voga no século XIX e no começo do XX, mas já tinham sido rejeitadas pela comunidade científica desde algum tempo.28 28 MYRDAL, 1944, discute com profundidade as teorias racialistas que circularam pelos EUA e os seus pontos fracos. Cf. os capítulos 4 (“Racial beliefs”), 5 (“Race and ancestry”) e 6 (“Racial characteristics”).

Não seria a última vez que esse tipo de sugestão seria encontrado em National Review, embora fosse muito raro vê-la com tanta clareza. Nos anos 1960, algumas discussões sobre a biologia da raça apareceriam nas páginas da revista, ainda que de forma um tanto oblíqua (SOUSA, 2013SOUSA, Rodrigo Farias de. William F. Buckley Jr., National Review e a crítica conservadora ao liberalismo e os direitos civis nos EUA, 1955-1968. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2013. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/184. Acesso em: 23 fev. 2020.
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, cap. 5); nos 1950, porém, o que se observa é a prevalência de argumentos políticos, numa linguagem muito próxima da crítica ao centralismo do Estado liberal - outro eixo da visão conservadora. As premissas dessa abordagem já podem ser encontradas, por exemplo, na ideia de James Burnham acerca de uma “ditadura nordestina que por tanto tempo tem governado a nação”,29 29 Vide “Notes from the Gulf Coast” (NATIONAL REVIEW, 06 jun. 1956). e que se opunha ao modo de vida tradicional que os segregacionistas - e National Review com eles - julgavam ser seu direito preservar a qualquer custo. Dessa maneira, mesmo quando cobria as agitações e protestos violentos que marcaram as primeiras tentativas de integração racial nas escolas sulistas - em que o padrão era uma multidão hostil de brancos cercando escolas a fim de evitar a entrada dos novos alunos negros, como em Clinton, Tennessee, em setembro de 1956, e depois em Little Rock, Arkansas, em setembro de 1957 -, a tendência da revista, mesmo quando desaprovava os métodos dos manifestantes, era responsabilizar diretamente a Suprema Corte e/ou as autoridades que tentavam fazer cumprir Brown. A questão do direito à educação das crianças envolvidas não recebe qualquer prioridade, pois suas desventuras nesses episódios são também atribuídas à inconsequência dos altos poderes ou dos ativistas da NAACP, muito mais que aos cidadãos que, em plena luz do dia e não raro diante de câmeras e repórteres, se davam ao trabalho de hostilizá-las à porta de uma escola. A hipótese de deixar a integração acontecer, mesmo que de forma experimental, não é cogitada, e a reação segregacionista é tomada como um fato da vida, previsível e até lamentável, mas não algo a combater e mudar. Afinal, isso seria dar razão à intervenção federal e abrir exceção na percepção conservadora de que o respeito às maneiras locais e a políticas descentralizadas era sempre preferível.

O ano de 1957, no entanto, representa um marco na abordagem do problema racial pela NR - por isso é frequentemente lembrado por seus críticos (SCHULTZ, 2015SCHULTZ, Kevin M. William F. Buckley and National Review’s vile race stance: Everything you need to know about conservatives and civil rights. Salon. 07 de junho de 2015. Disponível em: https://www.salon.com/2015/06/07/william_f_buckley_and_national_reviews_vile_race_stance_everything_you_need_to_know_about_conservatives_and_civil_rights/. Acesso em: 22 fev. 2020.
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). Em 27 de julho, a revista publicou uma longa entrevista com o senador Richard Russell, democrata da Geórgia e líder da oposição a um projeto de direitos civis encaminhado pelo governo Eisenhower. A entrevista se destaca da cobertura habitual primeiro pelo tamanho: duas páginas, o que era incomum na revista. Além disso, não há qualquer contraponto, mesmo quando Russell faz afirmações em contradição com fatos conhecidos da realidade sulista. Por exemplo, após dizer enfaticamente que problemas raciais se resolviam por “evolução e não pela revolução”, que as escolas negras, não raro, eram melhores do que as brancas, que não havia “nenhum outro lugar do mundo em que o negro tenha alcançado tanto como no Sul”, inclusive em comparação com o norte dos Estados Unidos, Russell é questionado pelo repórter Sam Jones sobre os temores sulistas (grifos nossos):

P. [...] As pessoas do Sul temem a dominação política por parte do negro ou a miscigenação ou ambos?

R. Ambos. Como o senhor sabe, Sr. Jones, existem algumas comunidades e alguns estados onde o potencial de votação do negro é muito grande. Nós desejamos evitar a todo custo uma repetição do período da Reconstrução, quando escravos recém-libertos faziam as leis e impunham a obediência a elas. Nós temos sentimentos ainda mais fortes quanto à miscigenação ou amalgamação racial.

A experiência de outros países e civilizações tem demonstrado que a separação das raças, biologicamente, é altamente preferível à amalgamação.

Eu não sei de nada na história humana que nos leve a concluir que a miscigenação é desejável.

[...]

P. O senhor acredita que a integração escolar seria um passo rumo à miscigenação em massa no Sul?

R. Sim, um longo e insidioso passo em direção a ela. [...]

A descrição de Russell para fundamentar a imagem de negros sulistas prósperos em uma sociedade racialmente harmônica poderia ser facilmente confrontada. Havia, por exemplo, estatísticas do início da década constatando que o gasto por aluno nos estados segregacionistas era desproporcionalmente maior com brancos do que com negros, o que era incompatível com a ideia de que a segregação consistia apenas numa mera separação física sem maiores consequências (CLOTFELTER, 2004CLOTFELTER, Charles T. After Brown: the rise and retreat of school desegregation. Princeton: Princeton University Press, 2004. [Edição Kindle.], pp. 15-6). Um pouco antes, o estudo clássico de Gunnar Myrdal, An American dilema (1944), havia feito uma descrição minuciosa a situação da população negra nos Estados Unidos, marcada por condições inferiores à da média dos brancos. Mas nada disso era algo que um sulista razoavelmente observador já não soubesse pela observação do dia a dia. O que chama a atenção, em se tratando de uma revista jornalística (ainda que com um perfil mais opinativo), é a inexistência de réplica ou verificação factual, seja na entrevista ou em alguma matéria posterior. Nem o apelo à miscigenação de raças, um velho argumento do racismo “científico” e um dos grandes terrores do imaginário segregacionista (HEARD, 2008HEARD, Danielle C. Miscigenation. In: BROWN, Nikki L.M.; STENTIFORD, Barry M. (ed.). The Jim Crow Encylopedia. Vol. 2: K-Z. Westport & London: 2008, pp. 526-535.), causa qualquer comentário.

O assunto voltou menos de um mês depois, motivado não apenas por Brown em si, mas pela questão dos direitos dos negros no Sul. O mote era novamente o projeto de direito civis de Eisenhower, especificamente a cláusula que cassava o direito a um julgamento por júri em casos de desobediência a ordens judiciais federais. Isso impediria, por exemplo, que os acusados de resistência ilegal à integração fossem beneficiados pela tradição sulista de jurados brancos invariavelmente inocentarem os réus em tudo que dissesse respeito a infrações ou crimes contra negros - um dos aspectos mais graves da segregação. Com esse tema em vista, Buckley escreveu um editorial sem assinatura, publicado em 24 de agosto, sugestivamente intitulado Why the South must prevail (“Por que o Sul deve prevalecer”). O texto começa com a questão do júri, mas logo trata de representação política30 30 Sob Jim Crow, apenas uma parcela muito pequena dos negros sulistas conseguia exercer o direito ao voto, fosse por meio de regras especiosas, cobrança de taxas ou a intimidação por parte da comunidade branca. :

O evento mais importante das últimas três semanas foi a notável e inesperada votação pelo Senado a favor de garantir aos réus numa ação criminal de desacato o privilégio de um julgamento por júri. [...]

... Nesse sentido, a votação foi uma vitória conservadora. Pois seu efeito é - e vamos ser diretos sobre isso - permitir a um júri modificar ou descartar a lei em circunstâncias tais que, no julgamento do júri, requeiram uma interposição [...] entre a lei e o seu violador.

De que tipo de circunstâncias estamos falando? Mais uma vez, falemos francamente. O Sul não quer privar o negro de um voto pelo prazer de privá-lo do voto. [...]

Se isso é verdade, o Sul não irá criar obstáculos para que o negro vote - e por que o faria, se o voto negro meramente infla o volume, mas não afeta a proporção dos votos? Em algumas partes do Sul, a comunidade branca tenciona meramente prevalecer em qualquer questão na qual haja discordância coletiva entre negro e branco. A comunidade branca tomará quaisquer medidas que forem necessárias para se certificar de que obterá o que quer.

Quais são as questões? É a integração escolar uma delas? A NAACP e outros insistem que os negros, como uma unidade, querem escolas integradas. Outros discordam, alegando que a maioria dos negros aprova a separação social das raças. E se a NAACP tiver razão, e o assunto for votado em uma comunidade na qual os negros predominam? Os negros iriam, de acordo com os processos democráticos, vencer a eleição; mas este é o tipo de situação que a comunidade branca não irá permitir. A comunidade branca não contabilizará o voto marginal negro. O homem que não o contabilizou será apresentado a um júri, alegará inocência, e o júri, após deliberação, o declarará inocente. Um juiz federal, em situação similar, pode julgar o réu culpado, um julgamento que afirmaria a lei e seria conforme as abstrações políticas relevantes, mas cujas consequências poderiam ser violentas e anárquicas.

É curioso notar, nesse prólogo, como Buckley trata a questão da segregação em termos neutros, não prescritivos. Não discute a validade dos motivos dessa determinação branca em não deixar os negros “prevalecerem”, ou o risco que ela poderia representar para a manutenção da ordem pública ou da democracia. Seu raciocínio apenas toma isso como um dado, sem problematização.

Ele prossegue (grifos nossos):

A questão central que emerge [...] é se a comunidade branca do Sul tem o direito de tomar tais medidas quais sejam necessárias para prevalecer, política e culturalmente, em áreas nas quais ela não predomina numericamente. A resposta realista é Sim - a comunidade branca tem esse direito porque, no momento, ela é a raça avançada. Não é fácil, e é desagradável, reunir estatísticas evidenciando a superioridade cultural média do branco sobre o negro: mas é um fato que salta aos olhos, que não pode ser ocultado por igualitaristas e antropólogos, sempre tão ocupados. A questão, até onde diz respeito à comunidade branca, é se as exigências da civilização superam aquelas do sufrágio universal. [...]

NATIONAL REVIEW acredita que as premissas do Sul estão corretas. Se a maioria quer o que é socialmente atávico, então impedir a maioria pode ser, embora antidemocrático, lúcido. É mais importante para qualquer comunidade, em qualquer lugar do mundo, afirmar e seguir padrões civilizados do que se curvar às demandas da maioria numérica. [...]

O axioma sobre o qual muitos dos argumentos em apoio da versão original do projeto dos Direitos Civis foram baseados foi o do Sufrágio Universal. Todos na América têm direito ao voto, ponto. [...].

Isto, é claro, é demagogia. Pessoas de vinte anos geralmente não votam, e não se argumenta seriamente que a diferença entre as pessoas de 20 e de 21 anos é a diferença entre a escravidão e a liberdade.31 31 Antes da aprovação da Vigésima-Sexta Emenda à Constituição americana, em 1971, a idade mínima de votação na maioria dos estados era de 21 anos. A partir de então, nenhum estado poderia impor limites maiores que os 18 anos de idade. Os residentes no Distrito de Columbia não votam: e a população de D.C. aumenta em razão geométrica. Milhões que têm o voto não se importam em exercê-lo; milhões que o têm não sabem como exercê-lo e não se importam em aprender. A grande maioria dos negros do Sul que não votam não se importam em votar, e não saberiam por que votar se pudessem fazê-lo. Números imensos de brancos no Sul não votam. [...] O problema no Sul não é como obter o voto para o negro, mas como equipar o negro - e um grande número de brancos - para depositar um voto lúcido e responsável.

O Sul confronta um desafio moral grave. Ele não deve explorar o fato do atraso do negro para mantê-lo como uma classe servil. É tentador e conveniente bloquear o progresso de uma minoria cujos serviços, como subempregados, são economicamente úteis. Que o Sul nunca se permita fazer isso. Enquanto ele estiver meramente afirmando o direito de impor costumes superiores durante o período que for preciso para efetivar uma igualdade cultural genuína entre as raças, e enquanto ele o faz por meios humanos e caridosos, o Sul anda no mesmo passo que a civilização, assim como o Congresso que o deixa agir.

Isso excedia as teses conservadoras habituais, e, ao falar em nome da revista, Buckley a alinhava categoricamente com o supremacismo branco tão em evidência nas mobilizações do Sul contra Brown v. Board e novas leis federais de direitos civis. E embora um dos estudiosos da vida de Buckley viesse a dizer que ele tinha reagido com fúria à publicação da já citada entrevista com o senador Russell, por aproximar a NR dos grupos segregacionistas (TANENHAUS, 2013TANENHAUS, Sam. Original sin: why the GOP is and will continue to be the party of white people. The New Republic. 10 de fevereiro de 2013. Disponível em: http://www.newrepublic.com/article/112365/why-republicans-are-party-white-people. Acesso em: 15 jul. de 2013.
http://www.newrepublic.com/article/11236...
), Why the South must prevail sugere uma forma de adesão, ao ponto mesmo de atacar um dos pilares da democracia americana: o sufrágio universal.

Buckley nunca chegou a detalhar a questão do “avanço” dos brancos sulistas em relação a seus conterrâneos negros, talvez porque seu editorial tenha sido contestado nas páginas da própria NR por L. Brent Bozell, velho amigo de faculdade, membro da equipe editorial e marido de sua irmã Patricia Buckley. Foi um raro caso de controvérsia pública entre membros da NR, iniciada na ocasional seção de debates da revista, The Open Question (“A Questão Aberta”), de 7 de setembro de 1957. Nela, Bozell escreveu (grifos nossos):

A revista expressou pontos de vista sobre a questão racial que considero totalmente errados, e capazes de fazer um grave dano à promoção de causas conservadoras. O editorial, Why the South must prevail, na edição de 24 de agosto, defendeu que, visto que a “superioridade cultural” da raça branca sobre a negra é “um fato”, a comunidade branca no Sul pode, portanto, “tomar quaisquer medidas que sejam necessárias” - concretamente, a limitação do direito de voto do negro - “para se certificar de que obterá o que quer” [...]

Reconhecendo que o problema do Sul é de pesar um conjunto de alegações contra outro,32 32 Há uma nota de rodapé no texto, que diz: “Por razões de espaço, devo evitar comentário sobre algumas das premissas do editorial das quais discordo profundamente”. a National Review definiu de forma justa as respectivas alegações? De um lado, a evidência está longe de ser conclusiva quanto à civilização sulista depender da negação do direito do negro ao voto, ou mesmo quanto à crença dos sulistas brancos nisso. Não estamos convencidos de que os negros, assim como os brancos, endossam o princípio da segregação racial? E graças às mesmas pessoas que, na maior parte, citam o voto negro como uma ameaça ao sistema da segregação? [...]

Agora, para permitir ao Sul evitar riscos, que alegações conflitantes devem ceder? Aquelas do sufrágio universal, sugere National Review. Se isso fosse verdade, eu ficaria em paz, mas apenas um momento antes o editorial reconhece que muito mais está em jogo do que a teoria do sufrágio universal. Existe uma lei envolvida, e uma Constituição, e o editorial dá licença aos sulistas brancos para violar ambas a fim de manterem o negro politicamente impotente. Se um negro vota - isto é, se testes de qualificação especiosos e o assédio pessoal (também aprovados, presume-se) não conseguem impedi-lo de ir às urnas - o oficial eleitoral branco pode se recusar a contar o seu voto; se o oficial é pego e apresentado a um tribunal, o juiz e o júri podem “modificar ou descartar a lei”, como for necessário, para absolvê-lo. A Constituição, o editorial está dizendo, deve também ser suspensa - a Décima-Quinta Emenda33 33 A Décima-Quinta Emenda, aprovada em 1870, reza: “O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquer Estado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão.” Disponível em: http://www.usconstitution.net/const.html. [Acesso em: 27 jun. 2013.] não é mencionada, mas a familiaridade com ela pode ser presumida.

Para os parâmetros da revista, Bozell estava sendo muito enfático. Embora a linha central de seu texto, mais adiante, fosse mais legalista - usando a Constituição como parâmetro maior -, ele não deixa de citar os meios pelos quais o direito ao voto dos negros era inibido pelas práticas segregacionistas. E também aponta a contradição de, numa publicação que se considerava conservadora - logo, devotada à preservação das tradições americanas - defender-se uma espécie de atualização da “questão da nulificação” dos anos 1820-30, com uma parte do país podendo escolher as leis e emendas constitucionais que gostaria de seguir. “Eu sempre pensei que a nossa posição fosse a de que a observância e o respeito” pela lei e a Constituição são um pré-requisito para uma sociedade bem ordenada e para os valores conservadores. Acrescenta ainda que a violação das normas legais, seja por oficiais ou cidadãos comuns, nunca deve ser encorajada por órgãos de comunicação de massa (um argumento conservador por excelência, cabe ressaltar). E conclui (grifo nosso): “Eu espero que a National Review assim [o] afirme. Pois eu duvido que possamos ter sucesso na batalha contra o Establishment enquanto nossa lealdade à Constituição for uma ‘questão aberta’”.

Intitulada A clarification (“Um esclarecimento”), a tréplica de Buckley saiu na mesma edição. Novamente falando em nome da revista, ela foi lacônica, pouco acrescentando ao que fora dito no editorial anterior.

Em resposta à coluna “A Questão Aberta” do Sr. Bozell na página 209: National Review acredita que a) a doutrina de que todos têm o direito de votar pode, concebivelmente, e de fato o faz, conflitar com o direito de poucos de preservar, contra os desejos de muitos, uma ordem social superior àquela que os muitos, se deixados à vontade, poderiam promulgar; que b) uma distinção válida existe entre uma cultura proeminentemente branca e outra que surgiria da predominância política dos negros do Sul em seu presente estádio de desenvolvimento; que é para se proteger da emergência desta última por meio de mecanismos eleitorais sensíveis apenas à pressão quantitativa que muitos sulistas responsáveis se recusam a dar o direito de voto ao negro marginal; que c) a Décima-Quarta e a Décima-Quinta Emendas à Constituição são consideradas por grande parte do Sul como acréscimos inorgânicos ao documento original, enxertados à força nele pelos vencedores da guerra; que d) o Sul deve, se se resolver a suspender os direitos políticos do negro marginal, fazer isso por meio de leis que se aplicam igualmente a negros e brancos, mantendo-se assim no espírito da Constituição, e na letra da Décima-Quinta Emenda a ela.

Apesar da linguagem algo distante, subentende-se a concordância com as crenças do Sul a respeito da Décima-Quarta e Décima-Quinta Emendas, e com o argumento da tirania da maioria. Mas a maneira encontrada para justificar o Sul é também curiosa: já que não se podiam cassar os direitos só dos negros, então que se cassassem os direitos também dos brancos, com critérios unificados para o exercício eleitoral. Essa seria uma proposta recorrente de Buckley nos anos seguintes, cético com a democracia de massas. Entretanto, no citado “Esclarecimento”, ele não detalha quais os critérios de filtragem, e tampouco toca numa questão fundamental mencionada por Bozell: a de que o sistema pelo qual os estados do Sul intimidavam os cidadãos negros que buscavam o registro eleitoral era viciado não apenas por leis, mas também por uma série de práticas informais e extralegais, incluindo a violência pura e simples. Buckley, um homem culto nascido no Texas, parecia ignorar o fato de que a questão do voto fazia parte de um sistema muito maior que exigia o tratamento diferenciado entre brancos e negros. Jim Crow não existia para fazer progredir uma população negra atrasada com a ajuda de uma população branca mais avançada e benevolente, não era um paliativo para uma diferença cultural prévia e indesejável: manter os negros em inferioridade já era o objetivo.

Pelo resto da década e também na seguinte, não mais haveria um manifesto tão contundente e explícito quanto Why the South must prevail sobre a questão racial, afirmando o direito intrínseco de uma camada “mais avançada” ao domínio sobre outra “mais atrasada”. A posição geral da revista sobre a integração, no entanto, não mudaria substancialmente nesse período. Praticamente não havia artigos pró-integração, e polêmicas internas como a de 1957 não mais se repetiriam. Se havia conservadores pró-integração, não seria na National Review que expressariam seus pontos de vista.

Considerações finais

Em abril de 2004, William Buckley, já aposentado da editoria da National Review e prestes a publicar uma autobiografia, concedeu uma breve entrevista a James Carney, da revista Time. Entre vários assuntos, como a Guerra do Iraque e as eleições presidenciais daquele ano, Carney lhe perguntou se, depois de ter participado de virtualmente todos os grandes debates na política e na cultura americanas, Buckley se arrependia de algum dos posicionamentos que tomara. A resposta foi concisa: “Sim. Eu acreditei que nós poderíamos evoluir até superar Jim Crow. Eu estava errado: era necessária a intervenção federal” (CARNEY, 2004CARNEY, James. 10 questions for William F. Buckley. Time. 5 de abril de 2004. Disponível em: http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,607805,00.html. [Acesso em: 23 fev. 2020.]
http://content.time.com/time/magazine/ar...
). Buckley viria a falecer em 2008 e, em 2010, Ramesh Ponnuru, um dos editores da NR, publicou na revista um artigo chamado “The Right’s Civil Wrongs” (“Os Erros Civis da Direita”). Nele, reconhecia que o posicionamento de muitos líderes conservadores nos debates sobre direitos civis nas décadas de 1950 e 60 era motivo de lamentação e constrangimento por parte dos conservadores atuais. Ao se referir às frequentes justificativas de caráter libertário empregadas contra o uso de medidas federais contra a segregação, Ponnuru afirma que uma filosofia política que restringe o governo ao ponto de este não poder interferir em condições como as da segregação racial praticada no Sul nos anos 1960 é “defeituosa”. As condições vergonhosas da ordem racial americana na época, e no Sul em particular, bem como a existência de emendas constitucionais proibindo a discriminação desde o século XIX, deveriam ter superado os escrúpulos federalistas da direita da época (PONNURU, 2010PONNURU, Ramesh. The Right’s civil wrongs. National Review. 21 de junho de 2010. Disponível em: http://www.nationalreview.com/2010/06/rights-civil-wrongs-ramesh-ponnuru/. Acesso em: 24 fev. de 2020.
http://www.nationalreview.com/2010/06/ri...
). Como se viu no caso da NR, não foi o que aconteceu, via de regra.

E por que não? No caso em pauta, da cobertura do impacto de Brown v. Board, parece claro que havia mais do que a preocupação com argumentos constitucionais. Estes, assim como o temor do comunismo e dos abusos do liberalismo - todos pontos de doutrina para o conservadorismo do pós-guerra - de fato aparecem. Contudo, os textos mostram mais do que esses fatores na cobertura. A simpatia pelas premissas dos segregacionistas do Sul a respeito da suposta inferioridade ou atraso dos negros - mesmo que afirmada em termos de “cultura” ou circunstância - é perceptível em vários dos textos, mesmo que sua manutenção significasse, no caso do editorial Why the South must prevail, a cassação de direitos políticos também de alguns brancos. A naturalização da resistência segregacionista, a exposição ocasional de argumentos racistas que iam além da divergência sobre a legitimidade ou não da decisão da Suprema Corte, mostram que a NR não fazia questão de imparcialidade nesse caso, por mais que sua retórica sugerisse um certo distanciamento crítico. Se ela jamais chegou a endossar atos de violência, e eventualmente os condenava, também nunca deu espaço à perspectiva dos opositores da segregação. O estado de coisas que condenava os negros americanos a uma cidadania de segunda classe - mais grave e explícita no Sul, e presente em menor grau noutras regiões do país - não parecia ter a mesma urgência que os perigos atribuídos à inclinação liberal por reformas promovidas pelo Estado, ou à sua política externa. Não há, no período em que Brown v. Board esteve na ordem do dia, um esforço de propor alternativas ou uma consideração séria e jornalística pelo “outro lado” da questão. Exceto pela réplica pontual do L.Brent Bozell, um membro importante da equipe desde a fundação, o leitor que se informasse sobre a questão apenas pela NR não teria dúvida de que, qualquer que fosse a solução para os conflitos raciais no Sul, ela não passava pela interferência de instituições “de fora”, e de que mesmo a Suprema Corte dos Estados Unidos não teria legitimidade para impor aos estados da região o respeito aos direitos constitucionais de parte expressiva de sua própria população - cujos constrangimentos cotidianos não eram segredo para nenhuma pessoa informada, e menos ainda para os sulistas.

O mea-culpa de Buckley e a crítica retrospectiva de Ponnuru - um conservador de ascendência indiana, de pele escura e nascido em 1974 - foram publicados quando Martin Luther King e o movimento dos direitos civis já haviam sido integrados ao panteão de heróis e triunfos da nação. A própria justaposição do retrato dos dois jornalistas já sugere uma mudança na NR rumo a uma maior diversidade étnica ou racial. Seria uma surpresa se o mainstream do conservadorismo de hoje questionasse as lutas por direitos civis de meados do século XX ou procurasse relegitimar os argumentos de seus antecessores da época - isso ficou para as franjas radicais, repletas de neonazistas e “etnonacionalistas” que os conservadores de então rejeitaram e hoje se agrupam na chamada alt-right. Mas seria também temerário afirmar que o conservadorismo dos EUA do século XXI tenha transcendido a questão racial em sua visão de mundo ou da sociedade americana. No exato momento em que estas linhas estão sendo escritas, o país passa por um novo momento de intensa mobilização popular contra o racismo, o maior em décadas, e isso a despeito do isolamento imposto pela pandemia de Covid-19. A reação do movimento Black Lives Matter ao problema recorrente da brutalidade de policiais e vigilantes contra a população negra; o surgimento de propostas de releitura da história americana, seja em iniciativas como o Project 1619, do New York Times, ou o ataque de manifestantes a monumentos de figuras históricas associadas à escravidão ou ao racismo de forma geral; os próprios efeitos da pandemia, cuja letalidade e impacto econômico são sensivelmente maiores sobre minorias; a aparente retomada de guerras culturais em torno de questões de raça, privilégios e liberdade de expressão nas universidades, nas redes sociais e na mídia -tudo isso tem se dado durante uma presidência de direita, com considerável apoio do Partido Republicano e de parte dos conservadores de hoje (embora não da NR). Terá o movimento conservador do século XXI, diante desses novos conflitos e à luz de experiências como a da National Review do pós-Segunda Guerra, uma posição que não seja motivo de novo mea-culpa décadas depois? A questão está em aberto.

  • Coordenação do Dossiê Direitas nos Estados Unidos e Brasil durante a Guerra Fria
    Mary Anne Junqueira e Marcos Napolitano
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas encontram-se referenciadas no artigo.
  • 3
    Cf., por exemplo, o curso oferecido pelo Pe. Paulo Ricardo em: https://padrepauloricardo.org/cursos/revolucao-e-marxismo-cultural. [Acesso em: 24 fev. 2020.]
  • 4
    Cf. SANTOS, Allan dos. Palestra: Allan Santos - A Guerra Cultural. Disponível em: https://youtu.be/XlKXO5qG_XU [Acesso em: 11 fev. 2020.]
  • 5
    Para evitar confusões, é preciso esclarecer que a expressão “nova direita”, no Brasil, embora careça de uma definição precisa e consensual, costuma ser atribuída a uma série de movimentos e correntes - nem todos identificados como conservadores - mais visíveis principalmente a partir dos anos 2010, e que têm em comum uma forte crítica à esquerda e em especial aos governos do PT, a cuja sombra ela despontou no debate público. Para o caso dos EUA, cf. a nota 8.
  • 6
    Vale notar que o uso do “marxismo cultural” é muito recente. Ainda nos anos 2000, seu equivalente funcional era a “revolução cultural gramsciana”, conceito que aparentemente se limitou ao círculo do escritor Olavo de Carvalho (2016, cap. II)CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a revolução cultural. Fritjof Capra e Antonio Gramsci. Campinas: Vide, 2016..
  • 7
    Por esse termo nos referimos a um segmento específico da direita americana do pós-Segunda Guerra Mundial, que veio a se tornar a sua principal corrente e a mais importante identidade política do país desde fins do século XX. Um indício de seu peso no cenário americano é que, de acordo com o instituto de pesquisas de opinião Gallup, em 2019, 37% dos americanos se identificavam como “conservadores”. Em comparação com os dois outros rótulos políticos mais citados, “moderados” (35%) e “liberais” (24%), tem-se que o conservadorismo é a identidade política de maior peso no espectro político atual, fenômeno que, em uma série de levantamentos iniciados em 1992, se consolidou em fins dos anos 2000 e vem se mantendo constante até o presente. Cf. SAAD, 2020SAAD, Lydia. The U.S. Remained Center-Right, Ideologically, in 2019. Gallup, 09 de janeiro de 2020. Disponível em: https://news.gallup.com/poll/275792/remained-center-right-ideologically-2019.aspx. Acesso em: 10 fev. 2020.
    https://news.gallup.com/poll/275792/rema...
    .
  • 8
    No vocabulário político dos Estados Unidos, liberalismo não tem o mesmo sentido que em outras partes do mundo. Genericamente falando, ele corresponde a um posicionamento de centro-esquerda, mais moderado que a social-democracia europeia, caracterizado pela defesa de uma economia capitalista regulamentada, políticas de proteção a minorias e a defesa de direitos individuais. Na história americana, o liberalismo (ou moderno liberalismo, em oposição ao liberalismo clássico do século XIX) nasce do reformismo do movimento progressista do início do século XX e do intervencionismo econômico posto em prática pelo New Deal do governo de Franklin Roosevelt (1933-1945). No período de que tratamos neste artigo, existiam liberais no Partido Democrata como também no Republicano, e eram vistos pelos conservadores como a epítome do status quo. Não devem, portanto, ser confundidos com os radicais, mais à esquerda no espectro, não raro socialistas, e os comunistas, especificamente alinhados ao marxismo-leninismo e suas variações. Para um panorama histórico dessa corrente, cf. GERSTLE, 1994GERSTLE, Gary. The protean character of American liberalism. The American Historical Review. Vol. 99, n. 4, pp. 1043-1073, outubro de 1994..
  • 9
    Assim como acontece com o liberalismo, o adjetivo “moderno” distingue o conservadorismo de que falamos, surgido nos EUA do pós-Segunda Guerra, de outros movimentos que possam levar esse nome. Trata-se, pois, de uma identidade específica dos atores históricos, e não um rótulo atribuído de fora.
  • 10
    Todas as traduções presentes neste artigo foram feitas pelo autor.
  • 11
    A League of Women Voters é uma associação fundada em 1920 com o intuito de aumentar a participação política das mulheres, um pouco antes da conquista do sufrágio feminino. Depois que este foi instituído por meio da Décima-Nona Emenda, a Liga continuou atuando, tomando posição sobre questões políticas, não raro em sintonia com posicionamentos liberais.
  • 12
    Historiador e autor prolífico (1902-1998), conhecido por seu ativismo liberal.
  • 13
    Publisher’s Statement. National Review. 19/11/1955. [Acesso em: 26 de fevereiro de 2012.]
  • 14
    A União Americana pelas Liberdade Civis, fundada em 1920, dedica-se à defesa das liberdades previstas na Constituição americana, em particular a liberdade de expressão.
  • 15
    Jeremiadas contra esse tipo de tendenciosidade curricular seriam frequentes tanto na NR - onde Buckley teve uma coluna especializada em ensino superior durante alguns anos -, quanto, bem mais tarde, no mercado editorial conservador americano. Entre alguns títulos clássicos do gênero, podem ser citados The closing of the American mind, de Allan Bloom (1987), e Tenured radicals (1990), de Roger Kimball.- ambos com traduções brasileiras.
  • 16
    A rigor, tal visão do comunismo vinha também de outro inspirador de Buckley, Whittaker Chambers, ex-espião comunista e testemunha-chave em um famoso caso de espionagem contra um funcionário do Departamento de Estado, Alger Hiss. Autor de uma autobiografia que se tornou um clássico da literatura anticomunista, Witness (1951), Chambers chegou a colaborar ocasionalmente com a NR, mas por pouco tempo e sempre mantendo certa distância. Burnham e Meyer, ao contrário, estavam entre os principais quadros da revista e interferiam cotidianamente em sua linha editorial.
  • 17
    Era comum na NR do período usar maiúsculas para se referir aos liberais e ao liberalismo, o que não se fazia com os próprios conservadores. Aqui respeitamos a grafia dos autores.
  • 18
    Note-se que ele escreveu isso quando Eisenhower, um republicano, era presidente.
  • 19
    A National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor”), fundada em 1909, é a maior organização pelos direitos dos negros nos EUA.
  • 20
    Resumidamente, essa doutrina estipulava que a segregação racial não violava os direitos constitucionais dos cidadãos americanos, desde que as condições oferecidas a cada grupo racial fossem as mesmas. Esse entendimento foi consagrado na decisão conhecida como Plessy v. Ferguson, de 1896, que tinha como objeto a segregação nos trens do estado da Louisiana. O texto da decisão pode ser lido em https://www.ourdocuments.gov/doc.php?flash=false&doc=52&page=transcript. [Acesso em: 21 fev. 2020.]
  • 21
    A rigor, a categoria das “pessoas de cor” incluía “não brancos” em geral, o que poderia abranger de latino-americanos a chineses. Aqui nos referimos tão somente aos negros por constituírem a imensa maioria dos casos nos estados segregacionistas.
  • 22
    O termo também serve para designar a ordem racial sulista como um todo, para além do aspecto jurídico. Cf. WOODWARD, 2001WOODWARD, C. Vann. The strange career of Jim Crow. New York & Oxford: Oxford University Press, 2001. 272 p.
  • 23
    Pactos restritivos eram obrigações contratuais que impediam que um imóvel fosse alugado, cedido ou comprado por alguém de um grupo específico, geralmente negros. Eles tiveram parte importante no processo de segregação espacial das cidades americanas e muitos perduram até os dias de hoje.
  • 24
    Decisão da Suprema Corte proferida em 1948, segundo a qual os tribunais não podiam mais fazer valer os pactos restritivos quanto à questão de raça, uma vez que, embora tais acordos pudessem ser legais na qualidade de contratos privados, exigir na justiça o seu cumprimento equivaleria a requerer do Estado que entrasse em contradição com a Décima-Quarta Emenda. Detalhes do caso podem ser encontrados em http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0334_0001_ZO.html. [Acesso em: 19 de junho de 2013. ]
  • 25
    Sigla de Fair Employment Practice Committee (“Comitê de Prática Empregatícia Justa”), órgão criado em 1941 pelo governo de Franklin Roosevelt para combater práticas discriminatórias em agências federais e em sindicatos e empresas envolvidas com o esforço de guerra.
  • 26
    Um exemplo célebre desses critérios era a rejeição a judeus em universidades de prestígio, ainda em uso pelo menos até os anos 30 (e que, em Nova York, levou uma constelação de futuros intelectuais renomados de origem judaica a se concentrar no City College, CCNY, por ser uma das poucas instituições de ensino superior a não discriminá-los).
  • 27
    O caso é Masterpiece Cakes v. Colorado Civil Rights Comission, julgado em 2018. Cf. DE VOGUE, 2020DE VOGUE, Arianne. Supreme Court rules for Colorado baker in same-sex wedding cake case. CNN. 04 de junho de 2018. Disponível em: https://edition.cnn.com/2018/06/04/politics/masterpiece-colorado-gay-marriage-cake-supreme-court/index.html. Acesso em: 21 fev. 2020.
    https://edition.cnn.com/2018/06/04/polit...
    .
  • 28
    MYRDAL, 1944, discute com profundidade as teorias racialistas que circularam pelos EUA e os seus pontos fracos. Cf. os capítulos 4 (“Racial beliefs”), 5 (“Race and ancestry”) e 6 (“Racial characteristics”).
  • 29
    Vide “Notes from the Gulf Coast” (NATIONAL REVIEW, 06 jun. 1956).
  • 30
    Sob Jim Crow, apenas uma parcela muito pequena dos negros sulistas conseguia exercer o direito ao voto, fosse por meio de regras especiosas, cobrança de taxas ou a intimidação por parte da comunidade branca.
  • 31
    Antes da aprovação da Vigésima-Sexta Emenda à Constituição americana, em 1971, a idade mínima de votação na maioria dos estados era de 21 anos. A partir de então, nenhum estado poderia impor limites maiores que os 18 anos de idade.
  • 32
    Há uma nota de rodapé no texto, que diz: “Por razões de espaço, devo evitar comentário sobre algumas das premissas do editorial das quais discordo profundamente”.
  • 33
    A Décima-Quinta Emenda, aprovada em 1870, reza: “O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquer Estado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão.” Disponível em: http://www.usconstitution.net/const.html. [Acesso em: 27 jun. 2013.]

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Editado por

Editores Responsáveis
Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2020
  • Aceito
    11 Ago 2020
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