Acessibilidade / Reportar erro

O Manuscrito da Henriada: A Trajetória do Poema de Voltaire Traduzido Na Vila Rica dos Inconfidentes (1788-2016)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidas no artigo.

The Henriada Manuscript: The Journey Of The Voltaire’s Poem Translated In Vila Rica Dos Incofidentes (1788-2016)

Resumo

O presente estudo tem como objetivo analisar o códice manuscrito com a tradução da Henriada, de Voltaire, feita pelo médico Thomaz de Aquino Bello e Freitas, na capitania de Minas Gerais, em 1788. A versão primitiva desta tradução, desaparecida por dois séculos, foi remetida para a Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros em 1789, onde foi lhe facultada a impressão, seguida pela ordem de supressão do livro, em 1790. O códice original, recentemente identificado, apresenta um conjunto de ideias e expressões que permite revisitar a circulação de ideias da Ilustração entre os círculos intelectuais de Vila Rica às vésperas da Inconfidência Mineira.

Palavras-chave
Capitania de Minas Gerais; Censura; Iluminismo; Inconfidência Mineira; Arcádia Ultramarina

Abstract

The present study aims to analyze the manuscript codex with the translation of Henriada, by Voltaire, made by the doctor Thomaz de Aquino Bello e Freitas, in the captaincy of Minas Gerais, in 1788. The primitive version of this translation, disappeared for two centuries, was sent to the Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros in 1789, where it was given the print license, followed by the order to suppress the book, in 1790. The original codex, recently identified, presents a set of ideas and expressions which make it possible to revisit the circulation of Illustration ideas among intellectual circles in Vila Rica on the eve of Inconfidência Mineira.

Keywords
Captaincy of Minas Gerais; Censorship; Enlightenment; Inconfidence of Minas; Arcádia Ultramarina

“Primeiro que os Reis, Cidadãos houveram”.

(Freitas, Henriada, 1788FREITAS, Thomas de Aquino Bello e (trad.). Henriada Poêma Epico Composto na Lingoa Franceza por M.r de Voltaire &.a &.a Traduzido e ilustrado com varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas Medico formado pela Vniversd.e de Coimbra. 1788. Manuscrito na coleção do autor., fólio 96).

Londres, dezembro de 1813. Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, influente pedreiro-livre brasílico estabelecido na Inglaterra (MAGALHÃES, 2017bMAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. O caçador de pedreiros-livres: José Anastácio Lopes Cardoso e sua ação contra a maçonaria luso-brasílica (1799-1804). Revista de História (USP), v. 176, p. 01-48, 2017b. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/111602 . Acesso em: 08 jul. 2020. Doi. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.111602
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
), a propósito de um poema de Voltaire, a Henriada, registrou as seguintes linhas no Correio Braziliense:

Ha dez annos, estando a Corte em Lisboa, que ninguém se atreveria a dar a um jornal o nome de Patriota; e a Henriada de Voltaire entrava no numero dos livros que se não podiam ler sem correr o risco de passar por atheo, pelo menos por Jacobino. E temos agora que em tão curto espaço já se assenta, que o povo do Brazil pode ler a Henriada de Voltaire; e pode ter um jornal com o titulo de Patriota, termo que estava proscripto, como um dos que tinham o cunho revolucionário. Por mais insignificante que pareça a circunstancia de se deixar correr um jornal com o nome de Patriota, ou permittir-se uma traducção da Henriada; nós julgamos isto matéria de importancia; porque é seguro indicio, de que o terror inspirado pela revolução Franceza, que fazia desattender a toda a proposição de reformas, principia a abater-se, e já se não olha para as idéas de melhoramento das instituições publicas, como tendentes á anarchia, em vez de servirem á firmeza do Governo (COSTA, v. XI, 1813COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense ou Armazem Literario. Vol. XI. Londres: W. Lewis, 1813., p. 924).

A reimpressão fluminense da Henriada, em 1812, de acordo com Hipólito da Costa, seria um parâmetro para perceber as transformações ocorridas no cenário político e intelectual na América Portuguesa após a transferência da Corte para o Rio de Janeiro em 1808. Apesar de bem conhecido e repetido, em vários seguimentos da historiografia brasileira, as palavras de Hipólito da Costa sobre a Henriada foram compreendidas de maneira superficial. Por qual razão teria percebido a reimpressão de a Henriada, feita pela própria Impressão Régia, como um sinal das mudanças no Brasil joanino? Para responder essa questão, que se constitui em um dos objetivos deste estudo, é necessário investigar a trajetória da tradução do referido poema épico, feita em Vila Rica, nos anos imediatamente anteriores à Inconfidência Mineira (1789), bem como o acidentado percurso da primeira edição, que foi suprimida pela censura portuguesa, após a sua impressão na cidade do Porto.

La Henriade em Minas Gerais

O poema La Henriade tem uma história controversa.3 3 Foi mantida a grafia original de todos os impressos e manuscritos consultados. Por essa razão, Henríada permanece sem o acento agudo na vogal tônica, conforme registrado no códice (1788) e nas edições impressas (1789 / 1812). Também o nome do tradutor, Thomaz Aquino de Bello e Freitas, foi mantido de acordo com sua assinatura e registro impresso setecentista. No frontispício do códice manuscrito consta, não obstante, Thomas de Aquino Belo e Freitaz. Agradeço à Dra. Walmira Costa pela revisão do artigo. O jovem François-Marie Arouet, Voltaire, (1694-1778), notável personagem da Ilustração francesa, foi colocado preso na Bastilha em 16 de maio de 1717. Na prisão, compôs os dois primeiros cantos do poema épico La Henriade, cuja primitiva versão chamava-se La Ligue (1723). O livro era uma crítica ao extremismo religioso encarnado no personagem de Henrique IV (1553-1610).4 4 Elogio de Mr. de Voltaire, feito no Campo de Schatzar por Frederico-O-Grande, Rei da Prússia. In: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, n. 244, Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1855. A sua publicação, com o título definitivo de La Henriade, só foi possível após Voltaire ser posto em liberdade e teve lugar em Londres, no ano de 1728. Não era possível publicá-lo na França, visto que o autor possuía muitos adversários no seu país de origem, a exemplo do nobre Guy-Auguste de Rohan, conde de Chabot.

Apesar das dificuldades iniciais para sua escrita e publicação, La Henriade é considerado um dos mais importantes poemas épicos do Ocidente escrito na Era Moderna, alcançando diversas reedições, mesmo na França pré-revolucionária, e sendo traduzida para outros idiomas europeus, incluindo a língua portuguesa. Um dos biógrafos de Voltaire reconhece que “In fact, the publication of La Henriade marked the moment when Voltaire was finally recognised by his contemporaries as France’s leading poet”5 5 Na verdade, a publicação de La Henriade marcou o momento em que Voltaire foi finalmente reconhecido por seus contemporâneos como o principal poeta da França. (DAVIDSON, 2010DAVIDSON, Ian. Voltaire: A Life. New York: Pegasus Books, 2010., p. 42).

A história apresentada no poema ocorre entre os anos de 1588 e 1594, tendo seu início no Cerco a Paris, chefiado por Henrique III e seu cunhado, o protestante Henrique Bourbon, rei de Navarra. O primeiro nasceu em 1551, filho de Henrique II e Catarina di Médici, e passou a governar a França em 1574. Paris era uma das fortalezas da Liga Católica ou Santa Liga, formada em oposição à União Protestante. A Liga, apoiada pelos nobres católicos da França e pela monarquia espanhola, instigou o povo a se rebelar contra Henrique III, obrigando-o, por meio da Jornada das Barricadas, a fugir de Paris e convocar os Estados Gerais em Blois. Não obtendo sucesso em reestabelecer sua autoridade, o soberano articula o assassinato de Henrique (o Balafré), Duque de Guise, fundador e chefe da Liga Católica (1576), a 23 de dezembro de 1588, e do seu irmão Luís, Cardeal de Guise, a 24 de dezembro. Em 2 agosto de 1589, Henrique III seria assassinado a facadas pelo dominicano Jacques Clément, um agente da Liga Católica. Antes de morrer, porém, o monarca designou Henrique de Navarra, casado com sua irmã Margarida de Valois, como seu sucessor.

Henrique de Bourbon, rei de Navarra desde 1572, tornou-se, de jure, rei da França, com o título de Henrique IV, protagonista de La Henriade de Voltaire. Na campanha que se seguiu contra a Liga Católica, as forças militares de Henrique IV derrotaram os espanhóis e as tropas de Mayenne, novo chefe da Liga, em Arques (1589) e, pela segunda vez, em Ivry (1590). Apesar dos sucessos militares iniciais, Henrique IV não conseguiu entrar em Paris. Em Saint-Denis, em meados de 1593, abjurou da fé protestante e converteu-se ao catolicismo, assegurando o apoio pela maioria dos súditos católicos, sendo coroado a 7 de fevereiro de 1594, na Catedral de Chartres. Em 1598, proclamou o Édito de Nantes, confirmando o catolicismo como religião do Estado francês, garantindo aos huguenotes tolerância religiosa, após 36 anos de perseguições e carnificinas. A tolerância religiosa é a principal linha que orienta o discurso presente em La Henriade. Tolerância que, contudo, não era bem recebida pelas instituições ibéricas, notadamente o Santo Ofício.

Das obras de autores da Ilustração, foram as de Voltaire que tiveram maior circulação em Portugal e no Brasil colonial. Apesar da já referida edição fluminense, a Mesa do Desembargo do Paço, no Rio de Janeiro, recebeu oito pedidos de liberação de La Henriade, no período de 1808 a 1820, colocando-a na lista dos dez livros mais pedidos pelos leitores da Corte (ABREU, 2003ABREU, Márcia. Os Caminhos do Livro. Campinas: Mercado da Letras, 2003., p. 115).

Ressalta-se que a circulação das ideias de Voltaire não se restringia aos ambientes das elites intelectuais, formada por magistrados, religiosos, médicos ou professores, sendo discutidas em botequins, boticas e outros espaços de sociabilidade nas capitanias brasílicas. Exemplo disso estava na botica de José Luís Mendes, à Rua Direita, no Rio de Janeiro, que foi comparada, em denúncia datada de dezembro de 1794, a uma “luciferina assembleia” e que levara seu tio, diante do teor das proposições discutidas, a crer que todos os que ali frequentavam estavam infectados pelas “falsas doutrinas de Voltaire e outros libertinos”. Essas suspeitas foram reforçadas em razão de ele “ter visto na casa de José Luis Mendes estampas em gesso de Voltaire e do rei da Prússia” (NUNES, 2019NUNES, Rossana Agostinho. Discursos libertinos, iluminismo e cultura religiosa no mundo luso-brasileiro ao final do século XVIII. Varia História, Belo Horizonte, vol. 35, n. 69, p. 723-752, set/dez 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v35n69/0104-8775-vh-35-69-0723.pdf . Acesso em: 08 jul. 2020
http://www.scielo.br/pdf/vh/v35n69/0104-...
, p. 744).

Traduzir e imprimir uma obra como La Henriade exigia, não obstante, esmerada formação, poder aquisitivo e uma influente rede de pessoas que não poderiam ser encontradas em espaços mais populares. Reconstituir a trajetória do manuscrito da Henriada traduzido na Vila Rica dos Inconfidentes, submetido a Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros em Lisboa, a impressão na cidade Porto, seu desaparecimento no século XIX e seu reaparecimento no mercado de livros raros em 2016 é o principal objetivo do presente estudo. Para isso é necessário, também, investigar os elementos intrínsecos ao texto do referido códice manuscrito.

La Henriade demoraria mais de seis décadas para ser traduzida em português, sendo executada por diligência do médico Thomaz de Aquino Bello e Freitas. Esse é um personagem secundário, ou mesmo esquecido, na História da Literatura Brasileira, mas cuja obra exerceu profunda influência intelectual entre os principais partícipes da Inconfidência Mineira. Essa afirmação pode ser percebida, particularmente, nos poemas de Cláudio Manoel da Costa e Tomás António Gonzaga.

De acordo com o censo de 1804, Thomaz de Aquino Bello e Freitas nasceu em Vila Rica em 1725 e provinha de uma família abastada, permanecendo solteiro durante toda sua vida. À época do censo, tinha 79 anos e ainda vivia no mesmo local, com sua irmã Ângela de 69 anos. A medicina, possivelmente, “lhe dera bons recursos, pois contava nada menos de 19 escravos em sua casa” (MATHIAS, 1969MATHIAS, Herculano Gomes (ed.). Um recenseamento na capitania de Minas Gerais: Vila Rica 1804. Publicações do Arquivo Nacional, 1a. série, no. 63. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1969., pp. XXIII e 100).

O cônego Raimundo Trindade, no início da década de 1940, publicou uma genealogia da família Bello de Minas Gerais, contemplando os da “Zona do Carmo”, que era onde se encontrava as origens familiares de Tomaz de Aquino de Bello e Freitas. Segundo Trindade, o pai do referido médico era “André de Freitas Bello, licenciado em medicina, natural de Setúbal, pátria de seus pais - Tomé de Freitas Bello e D. Joana da Trindade. Nascido em 1699.” André de Freitas Bello, “Em 22 de janeiro de 1724 casou-se em António Pereira com D. Micaela da Silva, natural da vila do Ribeirão do Carmo, filha do Sargento mor Manuel da Silva Miranda, natural de Cobelos, concelho de Baião, nascido em 1681, e de D. Josefa do Carmo, natural da ilha do Faial.” Ainda de acordo com Trindade, o casal André de Freitas Bello e Micaela da Silva tiveram sete filhos, sendo cinco meninos e duas meninas, sendo o primogênito Thomaz de Aquino Bello e Freitas (TRINDADE, 1943TRINDADE, Raimundo. Genealogias da Zona do Carmo. Ponte Nova: Irmãos Penna & C., 1943, p. 393).6 6 Os outros filhos do casal foram: 1- Nicolau da Silva Bello, nascido no Furquim, batizado a 1o. de junho de 1728. Cursou latinidades, em Vila Rica, e formou-se em cânones na Universidade de Coimbra, serviu como vigário da vara da comarca do Serro Frio; 2- Padre Inácio Bello de Freitas. Em 1790, era escrivão na vara eclesiástica do Serro Frio; 3- Angela Micaela da Trindade nasceu em 1736 e morreu solteira em Vila Rica, em casa do seu irmão; 4- Cirurgião Mor José da Silva Bello, nascido em Mariana, batizado na Sé a 4 de dezembro de 1750. Esteve três anos no Rio de Janeiro, praticando medicina em que se licenciou. Em 1796, habilitou-se de genere e tomou ordens de presbítero na diocese de Mariana; 5- Maria Joaquina da Piedade, nascida em 1756. Morava com o Dr. Tomás em Vila Rica. Solteira; 6- Joaquim Antonio Bello. Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos (1758-1812) afirmou, equivocadamente, em 1806, que o tradutor da Henriada foi Romão de Aquino Bello (VASCONCELOS, 1994, p. 163).

Nota-se a orientação intelectual dos homens da família, que foram preparados para seguir carreiras médica ou eclesiástica. De acordo com Borba de Moraes, Thomaz de Aquino Bello e Freitas “estudou em Évora e em Coimbra, onde se formou em Artes, Filosofia (1744) e Medicina (1746)” (MORAES, 1993MORAES, Rubens Borba de. Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: 1993. 2 v., p. 102). Na verdade, em medicina formou-se no ano de 1747.7 7 Arquivo da Universidade de Coimbra, Matrícula(s): 01.10.1743; 01.10.1744; 01.10.1745; 01.10.1746; 01.10.1747 [ PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/B/003066]. pesquisa.auc.uc.pt/details?id=185294Acesso em: 08 jul. 2020. Também em Coimbra, prestou exames para licenciado em Artes a 25 de junho de 1744, colando grau a 26 de junho de 1744.8 8 Arquivo da Universidade de Coimbra, Atos e Graus 78, fl. 187. Além disso, na mesma Universidade, foi incorporado Bacharel em Filosofia em 28 de maio de 1745.9 9 Arquivo da Universidade de Coimbra, Atos 79, fl. 198v. Bello e Freitas teve, portanto, a mais esmerada formação intelectual que um brasílico poderia alcançar à sua época. O médico, após retornar ao Brasil, serviu como “assistente de Dom Frei Manuel da Cruz, primeiro bispo de Mariana (1690-1764)” (TRINDADE, 1943TRINDADE, Raimundo. Genealogias da Zona do Carmo. Ponte Nova: Irmãos Penna & C., 1943, p. 393).

Apesar da sua primorosa formação intelectual e da tradução da Henriada, Thomaz de Aquino Bello e Freitas só não desapareceu da História da Literatura por ser mencionado nas Cartas Chilenas, atribuídas a Tomás António Gonzaga, com o apelido de “Frondélio”, “bom doutor” ou “sábio professor”, presente nos versos abaixo:

242 - Há, nesta grande terra, um homem 260 - Por ser seu inimigo e, desta sorte, sábio Tirar-lhe, da botica, o bom conceito. E o único formado em medicina. Manda o chefe chamar aos boticários A este bom doutor estimam todos E manda que examinem a garrafa; Concordam os doutores que não tinha. 245 - Por sua profissão, por seus talentos, 265 - Ainda, corrupção, talvez por verem Por seu afável modo e, mais que tudo, Que ainda conservava algum amargo. Pelas muitas virtudes que respira. Então, então o chefe, enfurecido, Curava o nosso sábio a certo enfermo Ordena ao ajudante que, ali mesmo, E, vendo a vária febre e os mais sintomas Avise ao professor que ele tem ferros, 250 - Ordena que ele tome um copo d'água 270 - Cadeias e galés, com que reprima, A que dá de Inglaterra o povo o nome. Se neles prosseguir, os seus excessos. Manda-lhe o boticário uma botelha, Maldita sejas tu, pouca vergonha, Que já servido tinha; o sábio, atento Que tanto influxo tens sobre este leso! A que ela poderia ter perdido Pensavas, Doroteu, que o nosso chefe [...] 255 - A força natural, a não aprova 275 - Passasse à insolência, que refiro, E passa a receitar outro composto, De insultar, por amor de um vil mulato, Que possa produzir o mesmo efeito. Um velho professor tão bem aceito , Chorando, o boticário sobe ao chefe Um velho professor, além de sábio, E diz-lhe que o doutor a rejeitara. Na terra singular, no seu oficio?

Os estudiosos da poesia setecentista em Minas Gerais concordam que Frondélio é o nome árcade de Thomaz de Aquino Bello e Freitas. Em 1958, Manoel Rodrigues Lapa, estudando as Cartas Chilenas colocou a seguinte questão:

Se entre 1783 e 1788 não foi provido outro médico no partido de Vila Rica, como é de presumir, o velho professor, tão grosseiramente maltratado por Fanfarrão Minésio, era sem dúvida o Dr. Tomás de Aquino Belo e Freitas, natural do Brasil e [...] o Dr. Belo e Freitas andaria traduzindo em decassílabos brancos o poema de Voltaire, a Henríada, publicado no Pôrto em 1789 (LAPA, 1958LAPA, Manuel Rodrigues. As “Cartas chilenas”: um problema histórico e filológico. Rio de Janeiro: INL, 1958., p. 170).

Em 1972, Tarquínio de Oliveira, ao estudar as Cartas Chilenas, ratifica a identidade de Frondélio como sendo o médico Freitas:

O SIMPLICIO caloteiro é António da Costa Coelho, boticário; e o FRONDÉLIO usurário supomos ser o Dr. Tomás de Aquino Belo e Freitas, tradutor de Henriade. [...] Chegamos afinal ao último caso da sátira. Critilo é extremamente parcial em favor do Dr. Tomás de Aquino Belo e Freitas, poeta excelente, tradutor primoroso de Voltaire. Silencia um fato culminante nas relações literárias de ambos: são os decassílabos brancos de Tomás de Aquino. (OLIVEIRA, 1972OLIVEIRA, Tarquínio J. B. de Oliveira. Cartas chilenas: fontes textuais. Editora Referência, 1972., pp. 244 e 265).

Há registros de que o tradutor da Henriada manteve uma relação de proximidade com outros poetas de renome. Em 1767, Cláudio Manoel da Costa e Thomaz de Aquino Bello e Freitas viajaram juntos pelos sertões de Minas Gerais, quando o médico foi prestar socorro a um amigo do magistrado, José Gomes de Araújo (o “Arúncio”), que faleceu na ocasião. Em seguida à morte de Arúncio, de acordo com Laura de Mello e Souza, Cláudio Manoel da Costa talvez tenha começado a conceber a Écloga V, das suas Orbas [sic], impressas em 1768 (SOUZA, 2011SOUZA, Laura de Mello e. Cláudio Manuel da Costa. São Paulo: Cia das Letras, 2011.).

Sobre Thomaz de Aquino Bello e Freitas, Adelto Gonçalves, biógrafo de Tomás António Gonzaga, afirma que “era chefe do hospital militar, médico do partido da Câmara, usurário e bom poeta (...) estudante entusiasmado da história da França, frequentava junto com Cláudio [Manuel da Costa] e outros letrados ao Palácio do Governador D. Rodrigo”. Assevera também que “Sua versão da Henriada, em versos decassílabos brancos teria inspirado Tomás Gonzaga na composição das Cartas Chilenas” (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, Adelto. Gonzaga, um poeta do iluminismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2000., p. 126).

É bastante significativo que a primeira edição da Henriada tenha sido impressa no mesmo ano em que a Inconfidência Mineira estava projetada para ocorrer. Para além de Cláudio Manuel da Costa e Tomás António Gonzaga, há indícios de que havia algum tipo de diálogo político entre Thomaz de Aquino Bello e Freitas e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (FIGUEIREDO, 2018FIGUEREDO, Lucas. O Tiradentes: uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.). O médico e tradutor foi citado no processo investigativo que levou ao cadafalso Silva Xavier:

(...) tinha dito que o Alferes Tiradentes andava falando publicamente no levante, porque todo o povo de Vila Rica assim o dizia; e que não sabia de pessoas particulares, de quem fosse sócio, ou que as tivesse convidado; tanto assim, que em uma ocasião, segundo o seu parecer depois das prisões, o médico Bello, falando-se nas ditas prisões, dissera em sua casa, que o dito Alferes era tão louco, que até pelas tavernas andava falando em República e liberdade de Minas (AUTOS DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., v. 5, p. 410).

É correto afirmar Thomaz de Aquino Bello e Freitas integrava as redes de sociabilidade intelectual de Vila Rica setecentista e, consequentemente, talvez até suas agremiações políticas clandestinas, ao tempo em que esse grupo letrado estava “eivado de potencial disruptivo” (SILVA, 2006SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: Intelectuais Ilustrados e Estadistas Luso-Brasileiros na Crise do Antigo Regime Português (1750-1822). São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2006., p. 167). Diante disso, cumpre colocar outra questão, posto que está confirmada a existência da Arcádia Ultramarina, que congregava intelectuais das capitanias brasílicas, destacadamente de Minas Gerais: Frondélio não seria o nome árcade de Thomaz de Aquino Bello e Freitas? Essa pergunta, infelizmente, não alcança uma resposta no presente estudo.

Essa “República das Letras” prosperou no governo de D. Rodrigo de Menezes (1780-83), personagem que estimulou um renascimento da antiga Arcadia Ultramarina. À época da chegada de Menezes, residiam na capitania de Minas Gerais os poetas Inácio José de Alvarenga Peixoto, então Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes; Manuel Inácio da Silva Alvarenga (Alcindo Palmireno), advogando na Vila de São João Del Rey; Cláudio Manoel da Costa (Glaucester Saturnio), advogado, ex-secretário de governo (1781), foi, em Vila Rica, o camarista mais atuante em todo o século XVIII, tendo sido também vereador em 1758, juiz ordinário em 1771, 1773, 1783, 1786 e eleito, mas não empossado, para a mesma função no agitado ano de 1789 (REZENDE, 2020REZENDE, Luiz Alberto Ornellas. Poder local, agentes régios e controle camarário em Vila Rica, 1711-1789. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 160). A estes juntara-se, em fins de 1782, o poeta Tomás Antônio Gonzaga (Dirceu), então nomeado como Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica. Naquele conjunto, estava presente o médico Thomaz de Aquino Bello e Freitas (Frondélio), exercendo sua profissão em Vila Rica (ALCIDES, 2004ALCIDES, Sérgio. Seixas Brandão e o malogro da Arcádia Ultramarina. Oficina da Inconfidência: Revista de Trabalho, Ouro Preto, ano 4, n. 3, p. 81-103, dez. 2004.).

Outros membros da Arcádia Ultramarina traduziram obras de Voltaire do francês para a língua portuguesa. Adrien Balbi registrou que “l’Alzire et de la Zaire de Voltaire, traduites par le médecin Seixas”, foram representadas no Teatro da Rua dos Condes, Lisboa, em fins da década de 1760 (BALBI, 1822BALBI, Adien. Essai statistique sur le royaume de Portugal et D’Algarve. Paris: Rey et Gravier, 1822. 2 v. , p. CCXIX).10 10 Um dos documentos que confirmam a existência de uma Arcadia Ultramarina é o diploma concedido ao médico Seixas, hoje na Biblioteca Guita e José Mindlin. O médico Seixas referido por Balbi é Joaquim Inácio de Seixas Brandão (Driasio Erimanteu), parente de Maria Doroteia de Seixas Brandão (Marília de Dirceu), célebre musa de Gonzaga.

José Basílio da Gama (1741-1795), também poeta árcade, traduziu Voltaire. Em 26 de Abril, foi entregue a Antonio Pereira de Figueiredo um requerimento de Basílio da Gama (Termindo Sipílio) com uma tragédia intitulada O Fanatismo. A resposta veio em 7 de maio de 1770: “Suprimida” (CAMÕES e PINTO, 2012CAMÕES, José; PINTO, Isabel. As traduções de Le Fanatisme ou Mahomet le Prophète na cena e na página: um caso de voltairomania nas últimas décadas do século XVIII português. EHumanista, vol. 22, 2012. , p. 21).11 11 Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Real Mesa Censória, Livro 4, fl. 215v. Seis anos depois, em 1776, a mesma obra seria liberada.12 12 Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Real Mesa Censória, Livro 21, [f. 29v].

Suprimida também fora a tradução da Henriada de Freitas e, possivelmente pela sua escassez no mercado de livros, visto que não foi possível encontrar o seu anúncio em gazetas lisboetas ou portuenses, outros personagens animaram-se a fazer novas traduções daquela obra. O poeta brasílico Domingos Caldas Barbosa fez a sua versão, intitulada Henrique IV, Poema épico (1807). Inocêncio Francisco da Silva acusou o Marquês de Bellas, José de Vasconcellos e Sousa, de apropriar-se desta tradução, pois “não faltou quem julgasse, e talvez com fundamento, que ella não era obra sua, e sim do seu amigo e protegido Domingos Caldas Barbosa”. O bibliógrafo observou “que morrendo este sem a ter publicado, o marquez dela se apossára, dando-a á luz anonyma”. Além de Caldas Barbosa, o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage “também traduziu varios episódios d’aquelle celebrado poema, os quaes se podem ver na edição geral das suas Poesias feita em 1853” (SILVA, 1858SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858. 23 v., p. 151).

Ao que parece, a tradução de a Henriada não foi a única obra poética da lavra de Bello e Freitas. Sacramento Blake registrou, em 1902BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1883-1902. 7 v., que o médico mineiro deixou algumas “Poesias Inéditas, que não sei onde pairam” (BLAKE, 1883BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1883-1902. 7 v., v. 7, p. 282). Seis anos antes, em 1896, um redator da Revista do Arquivo Público Mineiro escreveu que “Thomaz de Aquino Bello, Médico, que foi do Partido da Câmara de Villa Rica, o maior Pratico nesta Faculdade, não merece menos por suas Obras Poeticas, entre as quaes tem preferencia a traducção da Henriada que chegou a dar ao prelo” (REVISTA, 1896REVISTA do Arquivo Público Mineiro, Imprensa Official de Minas Geraes, 1896., p. 452). Essa deve ser a fonte de Blake. Não foi possível encontrar mais informações sobre essas “Obras Poéticas” ou “Poesias Inéditas”.

A crer nos historiadores das letras luso-brasílicas, La Henriade ou a Henriada, tanto na sua versão francesa quanto na portuguesa, teriam influenciado de sobremaneira as letras e a política de Minas Gerais no tempo da Inconfidência. Alfredo de Aguiar afirma que o épico de Voltaire “é um precursor pouco feliz do poema heróico brasileiro (Vila Rica, onde se nota a influência de Henriade de Voltaire)” (AGUIAR, 1976AGUIAR, Alfredo de. História da literatura portuguesa. 1976., p. 697). Antonio Candido também asseverou que “Na Henriade [Voltaire] hauriu estímulo para o tratamento do tema nativista: lá, conflito de liguenses e realistas; no Vila Rica, de mineiros rebeldes e fiéis à autoridade régia, terminando ambos com o triunfo da autoridade legítima” (CANDIDO, 1971CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira (1750-1836). São Paulo: Martins, 1971., p. 104).

Diante de tanta controvérsia em torno da Henriade, onde Bello e Freitas encontrou um exemplar do texto francês para realizar a sua tradução? Em Vila Rica, possivelmente. Os Autos da Inconfidência registram que o conspirador José Resende da Costa, quando teve seus bens sequestrados, possuía um exemplar “Henriade de Voltaire, um volume em oitavo” (AUTOS, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., v. 6, p. 428), além de onze volumes do Teatro de Voltaire. Se a tradução da Henriade foi feita a partir do exemplar de José Resende da Costa, poder-se-ia afirmar que Bello e Freitas mantivera contatos intelectuais com pelo menos quatro inconfidentes: o referido Resende da Costa, Cláudio Manuel da Costa, o ouvidor Tomás António Gonzaga e o próprio Tiradentes, a quem escutara as ideias em uma taverna.

Não é novidade que textos de Voltaire circularam entre os inconfidentes. Eduardo Frieiro já registrara que “volumes de Voltaire foram encontrados entre os livros de Luís Vieira, Alvarenga Peixoto e Coronel José Resende Costa. Seu Essai sur la Poésie Épique foi (...) o evangelho de Cláudio Manuel na composição do poema Vila Rica, artificioso e coriáceo exercício poético de um lírico já sem veia” (FRIEIRO, 1981FRIEIRO, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. Belo Horizonte: Itatiaia , 1981, 2ª ed. , p. 29).13 13 Na coleção do autor existe outro códice manuscrito, intitulado Ensaio sobre a poesia épica por Francisco de Voltaire, com 150 páginas. Trata-se de uma tradução inédita de autoria do poeta mineiro José de Santa Rita Durão (1722-1784). Traz um parecer da Real Mesa, aprovando-o e datado de 1783.

Um aluno do cônego Luís Vieira da Silva, no Seminário de Mariana, o padre Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas, natural de Sabará, além de pregador e poeta, também era tradutor dos escritos de autores da Ilustração, incluindo os de Voltaire. De acordo com Sacramento Blake, Silva Mascarenhas “Quando estudante, taes foram sua inteligência e applicação, que o intendente geral do ouro, João Fernandes Vianna, tomou-o sob sua protecção e em sua casa adquiriu elle completo conhecimento em bellas-lettras latinas, portuguezas, francezas e italianas”. Ainda segundo o bibliógrafo baiano, Mascarenhas, que faleceu jovem, “Deixou muitas traducções em verso de poetas latinos, assim como de Corneille, Racine, Voltaire, Ariosto, Tasso e Metastasio, as quaes inutilisou, segundo diz-se, era sua loucura” (BLAKE, 1883BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1883-1902. 7 v., v. 6, p. 277-278). Qual obra de Voltaire foi traduzida por Silva Mascarenhas? Não foi possível apurar as afirmações de Blake acerca de suas traduções, mas a sua fonte são os estudos realizados por Joaquim Norberto de Souza, um dos primeiros investigadores da Inconfidência Mineira. Referindo-se à Silva Mascarenhas, ressalta que “de tantas obras que transmettir nos devia, so escapou a seus desvarios a paraphrase da sequencia da missa dos mortos” (SILVA, 1841SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Modulacoens poeticas. Precedidas de um bosquejo da historia da poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Typographia Franceza, 1841., p. 33).

Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas, aos 31 anos, foi a 44a. testemunha nos Autos da Inconfidência. Em um só golpe, Mascarenhas demonstra que não só conhecia os principais intelectuais da conspiração, como interagia com eles:

disse que dois dias antes de ser preso nesta Capital o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, falando ele testemunha com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, com quem tinha alguma amizade, lhe contou este que se dizia que tinham dado dele, dito Doutor, uma denúncia de fomentar uma sedição; e que Sua Excelência indagara este ponto, ainda a respeito do referido Desembargador e do Cônego de Mariana, Luís Vieira; acrescentando aquele Doutor que isto o desassossegava porque, considerando esta diligência sem maior fundamento, sucedia contudo muitas vezes de uma pequena faísca levantar-se um grande incêndio [...]. Recolhendo-se porém a Sabará, e já depois de preso nesta Vila o dito Desembargador, e em São João o Vigário de São José e o Coronel Alvarenga, ouviu ele testemunha discorrer com variedade sobre os motivos de que poderiam derivar aquelas prisões, discorrendo porém que teriam também princípio no mesmo que lhe tinha contado o Doutor Cláudio; mas nunca ouviu formar geralmente conceito fixo nesta matéria, ainda que algumas pessoas, de que especificamente se não lembra, atribuíam aquele procedimento à recontada sublevação. (...) Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas (AUTOS, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., v. 1, 243-244).

O nome de Thomaz de Aquino Bello e Freitas não apareceu nesse rol, mas não foi possível confirmar se permaneceu em Vila Rica ao tempo em que o manuscrito seguiu para impressão em Portugal. Geraldo Dutra de Morais, durante pesquisas no Arquivo Público Mineiro, encontrou um “relatório juramentado” de Bello e Freitas e do também médico Manuel Ferreira Santiago, assegurando que “fizeram confinar, sob escolta, no arraial de São Bartolomeu, a 18 de maio de 1788, todos os doentes portadores do mal de São Lázaro, incluindo os de aparência suposta ou duvidosa, moradores de Vila Rica, sem exceção alguma” (BARBOSA, 1985BARBOSA, Waldemar de. O Aleijadinho de Vila Rica. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985., p. 64). Se o tradutor de a Henriada saiu de Vila Rica foi, portanto, após a data supra.

Em 1792, é possível confirmar que Bello e Freitas estava em Vila Rica. Cobrou, em 27 de agosto de 1794, os serviços extraordinários prestados aos soldados dos regimentos do Rio de Janeiro que se deslocaram para a Capitania de Minas Gerais, de 1789 em diante, pertencentes aos regimentos de Moura, de Bragança e do Chichorro. Recebeu 400 mil réis, de acordo com o despacho favorável da Junta da Real Fazenda, em processo informado pelo Escrivão Carlos José da Silva:

Diz Tomás de Aquino Belo e Freitas, médico formado pela Universidade de Coimbra e do partido do Hospital dos Dragões desta Capitania, como consta a provisão junta, que ele, Suplicante, no referido Hospital, há assistido a curativos dos soldados enfermos das Companhias que subiram a estas Minas dos Regimentos de Moura e de Bragança - que aqui existiram por tempo de um ano - aos quais sucedeu o Regimento inteiro do Chichorro - que nesta Vila permaneceu por tempo de catorze meses, - com cuja ocorrência de enfermidades em soldados, que nunca saíram em destacamentos como é bem notório, teve o Suplicante dobrado trabalho ao que tem pelo seu partido atual por V. Majestade conferido, termos em que se faz digno de atenção no que implora da real grandeza; e vem a ser que seja V. Majestade servida mandar que, pela sua Real Fazenda, se satisfaça ao Suplicante o que bem merecer pelo referido trabalho e assistência; para o que pede a V. Majestade se digne assim o mandar. E. R. M. (MATHIAS, 1966MATHIAS, Herculano Gomes (ed.). Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, 1966., p. 51 e 149; AUTOS, v. IX, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., p. 300).

A Tropa do Rio, realmente, constituiu-se de uma Companhia do Esquadrão do Vice-Rei, em Vila Rica, de 24 de junho de 1792 a 12 de outubro de 1792, data em que partiu seu último destacamento de regresso ao Rio, além das duas Companhias de infantaria referidas, entradas em Vila Rica a 03 de julho de 1789 e cujo regresso a seus quartéis no Rio de Janeiro ter-se-á concluído em julho de 1790. O Regimento do Chichorro, também denominado de Extremos, estava de marcha para Vila Rica a 15 de junho de 1792, data em que soldados se utilizaram dos três cavalos de Basílio Pereira dos Santos, alugados aos oficiais de justiça que trouxeram os despojos de Tiradentes, devolvidos do Registro do Paraibuna. Os ditos cavalos entraram em Vila Rica a 25 de junho de 1792. Pelo documento supra, verifica-se que o Regimento de Extremos regressou ao Rio em fins de agosto de 1793, não se cumprindo a expectativa de mantê-lo em Minas um triênio (AUTOS, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., v. 9, p. 300). Um pedido dos oficiais da Câmara de Vila Rica demonstra, contudo, que, em 1799, o peso da idade recaíra sobre o seu trabalho:

Convencidos pela experiencia, que os Povos d’esta V.a, e seu Termo não são completam.e socorridos em suas enfermidades, o que procede da parte do Medico do partido, cuja idade decrepita o priva de assistir a todos com a promptidão, que muitas vezes a gravid.e das doenças exige, alem de se ter aumentado a população, accorda-mos chamar p.a supprir ás necessidades do mesmo Povo o Medico Luis Joze de Godoes, taxando-lhe p.a sua subsistencia a quantia de duzentos mil reiz p.r anno, que he a que vence o Medico actual Thomaz de Aquino Bello.14 14 AHU, Minas Gerais. Caixa 147, Doc. 50, Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, para D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Vila Rica, 13 de Fevereiro de 1799.

Um mês depois, a 13 de março de 1799, Bernardo José de Lorena reforça o pedido, destacando “a quazi decrepita idade do Medico actual Thomas d’Aquino Bello, tendo aliás servido muito bem, quando podia”.15 15 AHU, Minas Gerais. Caixa 148, Doc. 8. Carta de Bernardo José de Lorena, governador das Minas, para D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Vila Rica, 13 de Março de 1799. Ainda não foi possível apurar informações precisas de quando exatamente faleceu o tradutor de a Henriada.

Sua principal tradução, contudo, permanece, ainda que nas sombras da literatura. Em 2016, o manuscrito original de a Henriada ressurgiria.16 16 O códice foi adquirido a 18 de Outubro de 2016 em leilão organizado pela Livraria Olissipo, realizado no Palácio da Independência - Largo de São Domingos, 11 (ao Rossio), 1150-320, Lisboa. Lote no 819 do Catálogo, com a seguinte descrição: “VOLTAIRE. M. de. - HENRIADA POÊMA EPICO. Composto na Lingoa Franceza por M. de Voltaire. Traduzido e iluminado com Varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas. Médico formado pela Universidade de Coimbra. S. data. Séc. XIX. In-8º de [6], 259, [16] págs. Enc.”. Antes de examinar a trajetória desse códice manuscrito são necessárias algumas considerações sobre a circulação dos escritos de Voltaire, particularmente de La Henriade, em Portugal e no Brasil após a criação da Real Mesa Censória em 1768.

A censura de A Henríada

Há algumas notas sobre a circulação da Henriada e da obra de Voltaire no Brasil. Sérgio Paulo Rouanet escreveu um breve prefácio para a terceira edição da tradução do poema épico de Voltaire (2008), que manteve o texto de Bello e Freitas, a partir de exemplar da edição fluminense de 1812. Seu objetivo foi comentar o poema em si e reconstruir o histórico da recepção no Brasil da obra de Voltaire em geral e de a Henriada em particular (ROUANET, 2008ROUANET, Sérgio Paulo. A Henriada no Brasil. In: VOLTAIRE. Henriada. Tradução de Thomaz de Aquino Bello de Freitas. Rio de Janeiro: Nova. Fronteira, 2008., p. 36).

Em Portugal, duas décadas antes da tradução de a Henriada por Bello e Freitas, em 1768, tanto os escritos de Voltaire quanto dos outros autores da Ilustração, no geral, eram observados com suspeição pela Real Mesa Censória, aparato burocrático instituído pelo ministério do poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782). Dois anos depois, em 1770, parte dos escritos e livros de Voltaire foi destinada à fogueira em praça pública em Lisboa.

A censura aos escritos de Voltaire em Portugal ganhou força a partir da criação da Real Mesa Censória em1768, e a La Henriade foi um dos principais alvos dos censores. Ainda neste ano, o censor Antonio Pereira de Figueiredo (1725-1797) realizou a leitura minuciosa das obras de Voltaire. O oratoriano, mais conhecido por traduzir a Bíblia para a língua portuguesa, “provavelmente o mais ferrenho defensor do pombalismo, tanto em sua atuação como censor” (DENIPOTI , 2019DENIPOTI, Cláudio. Escrita, Luzes, Nação e Império nos textos e paratextos de escritores e tradutores luso-brasileiros no século XVIII. História (São Paulo. Online), v. 38, p. 11, 2019. Disponível mem: Disponível mem: https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4369-his-38-e2019002.pdf . Acesso em: 08 jul. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4...
, p. 11), elaborou um parecer que revela muito de como os livros do filósofo francês estavam sendo recebidos pelos intelectuais portugueses:

Para ninguem julgar precipitado meo juizo, gastei mais de dois mezes em ler, ponderar, e examinar cada hum dos Tratados ou Peças Litterarias desde Escritor. E o que desta applicação e discussão tirei foi admirarme de que estando as Obras de Mr. de Voltaire cheias de tanto veneno e de doutrinas tão perniciozas, como logo veremos, seja ainda assim este Autor, o que ordinariamente anda nas mãos da mocidade Portugueza, e o que forma o gosto e base dos seus primeiros estudos (...). 17 17 ANTT, Real Mesa Censória, caixa 4, n.º 123, fl. 1v. Parecer de António Pereira de Figueiredo relativo às obras de Voltaire. Lisboa, 19 de outubro de 1768.

Antonio Pereira de Figueiredo resumiu sua impressão das leituras afirmando que “de livros que tenho lido (e he notorio que tenho lido muitos, e de diversas materias) posso e devo affirmar, que ainda não achei outros mais impios, mais capciozos, mais nocivos, que os de Mr. de Voltaire”.18 18 Idem. Ele examinou as ideias de Voltaire particularmente no tocante aos seus elementos religiosos. É possível, contudo, depreender que Figueiredo compreendeu uma estratégia de estilo nos escritos de Voltaire, que consistia em difundir suas ideias sob a capa de críticas a elas. De acordo com o censor português:

Elle he pessimo, ainda quando parece bom: elle difunde o veneno, ainda quando faz oraçõens a Deos: elle inspira insensivelmente hum desprezo de tudo o que he Religião e piedade, ainda quando quer persuadir que só a pied[ad]e e a Religião o obriga a manifestar os seos sentimentos: elle em fim he impio e blasfemo até quando se lamenta de o perseguirem por impio e blasfemo.19 19 Ibidem, fl. 2.

Isso é a essência do Canto IV de a Henriada. Ao tempo em que parece criticar determinadas ideias, ele as expõe e interroga sua natureza.

Na sua Demonstração Segunda, António Pereira buscava demonstrar que “Mr. Voltaire não é somente Tolerantista, mas tão bem Indiferentista de todas as Religioens” e cita uma estrofe da Henriade, na sua língua original, para corroborar seu parecer:

Deste espirito de Tolenrantismo e de Indiferentismo nasceo o implacavel odio e ouzada petulancia, com que Mr. de Voltaire trata sempre o Tribunal da Inquisição e os seos Ministros. E no Canto Sexto da Henriade Qu’on érige à Paris ce sanglant tribunal,Ce monument affreux du pouvoir monachal, Que l’Espagne a reçu, mais qu’elle-même abhorre, Qui vengeles autels, & qui les deshonore Qui tout couvert de sang, de flammes entouré Egorge les mortels avec un ser sacre. 20 20 Ibidem, fl. 24.

António Pereira de Figueiredo não estava equivocado em sua proposição. Examinando detalhadamente a Henriada, mesmo na versão portuguesa de Bello e Freitas, percebe-se que suas estrofes estão inçadas de discursos que são libelos contra o absolutismo e a corrupção dos sacerdotes:

Com tudo os Sacerdotes, esses impios Fanaticos Doutores, que bem longe De terem tambem parte nas miserias Publicas, dirigindo seus paternos Cuidados tão somente para as proprias Necessidades, todos na abundancia Vivião sempre, á sombra dos Altares, Attestando a pacidencia do Deos, que elles Tanto ultrajavão (FREITAS, 1789FREITAS, Thomaz de Aquino Bello e (trad.). Henriada. Porto: Antonio Alvarez, 1789., p. 247).

Naquele mesmo ano, 1768, La Henriade sofreu, pela segunda vez, censura em Portugal. Não foi só a Real Mesa Censória que a proibiu. Também o fizera o bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, por meio de uma Pastoral na qual se referiu “a esta corrente inundante de doutrinas varias e peregrinas, que se tem derramado n’esta cidade” (ANUNCIAÇÃO, 1869ANUNCIAÇÃO, Miguel da. Pastoral. Conimbricense, n.° 2, Coimbra, 1869. , p. 268). Alerta aos seus diocesanos para “evitar a lição d’estes auctores, que persuadem com maior efficacia, por meio de textos artificiosamente applicados, de razões e da força, ou suavidade do estilo, as abominações, os erros e as mentiras”. Ainda segundo o prelado, são “os livros, que n’estes últimos tempos se tem composto contra a religião revelada, contra a pureza dos costumes, contra a obediência devida aos soberanos, que queremos que eviteis como peste”. Apresenta, em seguida, a sua lista de livros perigosos:

Abrégé de l’Histoire, de Mr. Voltaire; Essai sur la Réligion naturelle, do mesmo autor; Poeme sur la Réligion naturelle, do mesmo autor; L’Henriade, do mesmo; Precis de L’Ecclesiaste et du Cantique; d’Esprit, de Mr. Voltaire; L’Encyclopedie, ou Dictionnaire raisonné des Sciences, des Arts, et des métiers de L’esprit; La Pucelle d’Orleans, de Mr. Voltaire.21 21 Idem.

Ali estava a La Henriade, junto com outras obras de Voltaire. O bispo de Coimbra encerrou sua Pastoral afirmando que “Estes apóstolos da mentira tem causado na cidade santa maior ruina que os gentios nos primeiros séculos, e nos seguintes os hereges, sendo para a egreja mais amarga a paz que agora gosa, que foi a guerra que então a combatia”. A proibição desses livros filosóficos desencadeou uma controvérsia sobre a Pastoral do bispo de Coimbra datada de 8 de novembro de 1768. Segundo Teófilo Braga, o Marquês de Pombal, que acabara de instituir a Real Mesa Censória “achou no acto do bispo de Coimbra uma invasão de autoridade ligada a manejos jesuíticos, e mandou vir o bispo debaixo de prisão para o cárcere da Junqueira em 8 de dezembro.” Ordenou se entregasse o documento à Mesa Censória, determinando que dessem parecer sobre ele o Desembargador João Pereira Ramos, Frei Manuel do Cenáculo e Frei Ignacio de Sam Caetano, aos quais foi notificada a escolha em 9 de dezembro de 1768. A sentença contra a Pastoral de D. Miguel da Anunciação foi proferida em 23 de dezembro.

A recepção das obras de Voltaire pelo aparato censório português ficou mais avessa após a publicação de Candide (1759), que trazia profundas críticas ao Tribunal do Santo Ofício e aos inquisidores de Portugal, colocando esse livro no rol dos que foram proibidos pelo Edital de 24 de Setembro de 1770 (ANDRADE, 1965ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura do seu tempo. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1965. , p. 403). Ainda neste ano, apenas dois anos após as censuras de António Pereira de Figueiredo e D. Miguel da Anunciação, teve lugar mais duas censuras contra a obra de Voltaire e ambas teceram considerações sobre a Henriade. A primeira foi de frei Francisco Xavier de Santa Anna, feita no Convento de São Francisco de Xabregas, a 19 de maio de 1770:

He bem certo que sendo Mons. de Voltaire um homem dos mais raros talentos, tãobem não tem duvida que nenhum outro homem usou tão mal d’elles; o que evidentemente se conhece ainda com a mais leve attenção que se applica ás suas obras; porque estando ellas tão cheias de erros, que se houvessemos de os impugnar todos, seria preciso fazer outros tantos volumes quantos os que elle compoz. - ... que este Escriptor, apesar da sua grande penetração e das suas luzes, todo o seu empenho é arrancar dos corações dos homens os mais nobres sentimentos de que elles se podem possuir; pretendendo ao mesmo tempo justificar e defender quantos absurdos e imposturas ensinaram Bayle, Hobbes, Collins, Spinosa, de Moyllet, Telliamed, e os outros Authores os mais satyricos e calumniadores da Religião, da Igreja e dos seus Ministros (BRAGA, 1898BRAGA, Teophilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instucção publica portugueza. Tomo III, 1700 a 1800. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1898., p. 70-71).

O censor cita trechos do poema da Lei natural, das Mélanges de Litterature, do sexto Discurso philosophico, da Historia geral, da Henriada e Carta ao Rei da Prússia. Frei Francisco Xavier de Santa Anna arremata sua censura afirmando que “parece-me necessário que se escureça a memoria de um homem que podendo ser a admiração do seu século, será pela sua impiedade e falta de Religião o horror e escândalo de todos”.

A segunda censura, datada de 1770, foi colocada por uma junta formada por Fr. Francisco de São Bento, Frei Luiz do Monte Carmelo e Fr. Francisco de Sá:

A sua Henriada é o único poema épico que tem os Francezes, e é na verdade um chefe d’obra, que tem estimação em toda a Europa: o trazer uns versos contra a Inquisição de Espanha não é bastante motivo para probibir uma obra d’este merecimento. A passagem que lhe notou o P.e M. Deputado Fr. Francisco Xavier, no Canto 1°, é mui digna de attenção por affirmar que Deus seria tirano se castigasse com penas eternas um peccado de fragilidades que dura um momento; como porém riscando-se esta decima fica o Poema sem defeito, não é justo se prohiba toda a obra; a não dizer-se que uma proposição sem fundamento que a persuada não causa prejuízo algum, e só serve de mostrar a pouca religião do seu Author [...] Assentou-se se prohibissem os livros todos, excepto os que hão de ir no catalogo que se há de imprimir. Meza, 3 de Julho de 1770. - Fr. Francisco de S. Bento. - Fr. Luiz do Monte Carmello. - Fr. Francisco de Sá. (BRAGA, 1898BRAGA, Teophilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instucção publica portugueza. Tomo III, 1700 a 1800. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1898., p. 70; MARTINS, 2005MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A censura literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005., p. 373 e 436-437).

Interessante notar que todos os cinco censores acima, entre 1768 e 1770, bem como o Bispo de Coimbra, por via da sua controversa pastoral, censuraram La Henriade. Entretanto, individualmente ou em conjunto, todos fizeram uma estrita leitura das suas implicações religiosas, observando elementos como o discurso inçado de tolerantismo e as críticas ao Santo Ofício de Portugal. Naquele contexto, o elemento religioso era tão determinante que mesmo o dispositivo político que materializou a censura das obras de Voltaire, o Edital da Real Mesa de 24 de setembro de 1770, justificava-se buscando sujeitar “as suas fracas luzes ás superiores verdades da Revelação Divina”, com vistas a combater os “horrorosos estragos, que neste seculo, mais que em todos os outros, tem causado na maior parte da Europa, o Espirito da Irreligião” (EDITAL, 1770EDITAL da Real Mesa de 24 de setembro de 1770. Lisboa: Impressão Regia, 1770.).

A impressão de La Henriade, em língua portuguesa, somente foi possível quando a rigorosa Real Mesa Censória foi substituída, em 1787, pela Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, politicamente mais frouxa, apesar de instituída ao tempo do recrudescimento religioso e devocional que caracterizou o espírito da “Viradeira”, no governo de D. Maria I. Naquele contexto, dois anos depois, em 1789, Thomaz de Aquino Bello e Freitas conseguiu obter as licenças para a impressão da sua tradução de a Henriada, publicada no Porto, pela Officina de António Alvares Ribeiro, com 264 páginas. Apesar da contínua má recepção das obras de Voltaire pelas autoridades portuguesas, três censores, que atuavam na Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, aprovaram a publicação da referida tradução. Em seguida, a Mesa da Comissão, em uma demonstração da sua fragilidade institucional, instada por pressões políticas emanadas do governo, mandou recolher os seus exemplares, depois de emitir a licença para impressão. Ao mesmo tempo, as autoridades inquisitoriais continuavam cerceando, com pouco sucesso, a entrada de exemplares franceses de La Henriade. Luiz Carlos Villalta, investigando registros da circulação de livros proibidos na Inquisição de Coimbra, identificou que o cirurgião José Luís tivera acesso a exemplar de la “Henriade de Vulter”, dentre outros livros condenados (VILLALTA, 2009VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Letters and reading practices in the Luso-Brazilian World. In: PAQUETTE, Gabriel. (Org.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies 1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009, p. 119-141., p. 130).

Em 1768, após a instituição da Real Mesa Censória, seus agentes se limitaram a observar mais detidamente os aspectos religiosos de La Henriade. Vinte e um anos depois, já na iminência da Revolução Francesa, que assombrava a monarquias europeias, a as implicações da circulação das obras de Voltaire passaram a ganhar contornos de ameaça política. Decerto que a desconfiança de natureza religiosa permaneceria, em alguma medida, até meados do século XIX e isto pode ser percebido nas anotações do bibliotecário da Congregação do Oratório de Braga, padre José Correia, que sobre as obras de Voltaire registrou que “A Lição de muitas delas é perigosa: ataca a religião, metendo tudo a ridículo, os Sacerdotes, as funções sagradas, os Mistérios, os Concílios, as suas decisões, (...): não só ataca o Cristianismo, mas destrói todos os fundamentos da Moral”. 22 22 Bibliotecæ Congregationis Oratorii Bracharensi Index Alphabeticus notis historicis atque criticis illustratus (1809/1826), fls. 197-198. Apud: (BRITO, 1990, p. 24). Sobre a Henriade, o bibliotecário Correia anotou que era “Um Poema Épico cheio de infinitas belezas, e também de inúmeros defeitos”. Em duas décadas, contudo, a suspeita das autoridades portuguesas com as obras de Voltaire migrou do campo religioso para o elemento político. As autoridades precisavam lidar não mais com La Henriade, mas com a Henriada, traduzida para o português e que seria comercializada nas livrarias das principais cidades do Reino, alcançando também, para além da capitania de Minas Gerais, as redes intelectuais das outras capitanias da América Portuguesa.

Essa maior preocupação com os elementos políticos materializa-se no fato consumado de que a censura de a Henriada, em 1790, emana das autoridades políticas do Reino e deve ser compreendida na perspectiva da razão de Estado, dentro dos quadros da governabilidade de Portugal e do seu Império ultramarino, que na América Portuguesa começava a ter questionada sua legitimidade. Por quais motivos o governo português temia o poema de Voltaire? A resposta está diametralmente oposta à mesma razão pelas quais figuras que se ligariam aos movimentos sediciosos de Minas Gerais e da Bahia desejavam possuir exemplares da referida obra: questionamentos, ainda que velados, ao poder monárquico em oposição à força do “povo” ou dos “cidadãos”, que, apesar de não aparecer como conceitos bem definidos ao longo do poema, poderiam muito bem ser reconfigurados de acordo com as percepções e anseios políticos insurgentes que começavam a ganhar espaço no Atlântico sul.

Decerto que a Henriada não era o único texto de Voltaire que os agentes contrários ao Antigo Regime circulavam em Portugal e no Atlântico Sul. É o caso de Bruto, tragédia que circulava manuscrita em fins do século XVIII, sendo impressa clandestinamente em Lisboa, em 1806. A sua tradução foi realizada pelo principal divulgador de Voltaire em língua portuguesa, o magistrado José Pedro de Azevedo de Sousa Câmara, que se manteve sempre sob anonimato, tendo seu nome revelado postumamente, em 1821, ao tempo da Revolução Liberal e Constitucional do Porto (MAGALHÃES, 2016MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. O tradutor dos abomináveis princípios: José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara e a circulação dos escritos de Voltaire em Portugal e no Brasil (1790-1834). História (UNESP. Assis), v. 35, p. 22, 2016. Dispobível em: Dispobível em: https://www.scielo.br/j/his/a/ZqkFSgd8JFJfWbt99cyjPXP/?lang=pt . Acesso em: 08 jul. 2020. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920160000000101.
https://www.scielo.br/j/his/a/ZqkFSgd8JF...
).

A Henriada foi, contudo, o texto que os rebeldes políticos de então desejavam ler. Não foi à toa que outro brasílico, Cipriano José Barata de Almeida, um dos articuladores da Conjuração Baiana (1798), teve retido um exemplar de La Henriade (VILLALTA, 1999VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo ilustrado, censura e práticas de leitura: usos do livro na América Portuguesa Tese (USP), 1999. Disponível em: Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/publico/LUIZ_CARLOS_VILLATA.pdf . Acesso em: 08 jul. 2020
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 208). Onde, então, está o elemento de questionamento da ordem política, observado pelos rebeldes do fim o século XVIII? Há uma passagem de a Henriada, na tradução de Bello e Freitas, que, invertendo a orientação do discurso, pode ser percebido como um manifesto contra os constantes abusos por parte das autoridades régias:

Que tutores dos Reis pensais ser sempre, Frouxos, que collocais a vergonhosa Vangloria das venaes grandezas vossas Na facção, na desordem, na caballa; Na paz tyrannos, timidos na guerra, Ao Povo obedecei, e aos seus decretos: Antes dos Reis, já Cidadãos havia: Os direitos perdidos pelos nossos Antepassados, hoje recobramos; D’este Povo abusastes muito tempo, Elle do Sceptro se acha aborrecido, E o Sceptro se há quebrado: os grandes nomes Riscai, que vos molestão certamente; Sim, = de pleno poder = essas palavras, Que temem todos, todos aborrece, Se julgais, seja em nome só do Povo; (FREITAS, 1789FREITAS, Thomaz de Aquino Bello e (trad.). Henriada. Porto: Antonio Alvarez, 1789., p. 98).

Era essa a estratégia que o censor Antonio Pereira de Figueiredo bem percebeu ao observar que Voltaire “he pessimo, ainda quando parece bom: elle difunde o veneno, ainda quando faz oraçõens a Deos”. Ele ataca os princípios do absolutismo quando parece legitimá-los. O tradutor mineiro também percebeu isso e dezenas de correções foram improvisadas com o objetivo de suavizar as palavras. Os versos do canto VII, “Os Principes e os Reis; vede esses ímpios, // E inumanos que forão adorados” (FREITAS, 1788FREITAS, Thomas de Aquino Bello e (trad.). Henriada Poêma Epico Composto na Lingoa Franceza por M.r de Voltaire &.a &.a Traduzido e ilustrado com varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas Medico formado pela Vniversd.e de Coimbra. 1788. Manuscrito na coleção do autor., fl. 157), possuía no manuscrito original, a grafia “tiranos”, que foi substituída por “inumanos”, na versão impressa em 1789. No canto VIII, foi impresso “O Rei na maior força do conflito”; mas no original manuscrito está grafado “O Rei na maior força da carnage”, emprestando o sentido de carnificina (FREITAS, 1788FREITAS, Thomas de Aquino Bello e (trad.). Henriada Poêma Epico Composto na Lingoa Franceza por M.r de Voltaire &.a &.a Traduzido e ilustrado com varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas Medico formado pela Vniversd.e de Coimbra. 1788. Manuscrito na coleção do autor., fl. 176). A associação entre monarquia e tirania/carnage foi suavizada com a substituição de palavras na versão impressa. Isso, sublinha-se, às vésperas da Inconfidência em Vila Rica, em 1789.

Não é o objetivo do presente estudo, ainda em estado inicial, reestabelecer as palavras utilizadas no manuscrito original, sobrepostas por emendas coladas, ou mesmo discutir os significados dos conceitos em voga à época, mas demonstrar que os agentes políticos brasílicos, ao fim do século XVIII, certamente notaram a força política nos versos do poema épico de Voltaire. O próprio clima político de Vila Rica às vésperas de 1789 pode ter inspirado Thomaz de Aquino Bello e Freitas a fazer sua tradução de La Henriade. Isso pode ser inferido em algumas passagens do códice. Há um remendo manuscrito colado, cuja primitiva versão, onde nos versos impressos em 1789 está posto “Antes dos Reis, já Cidadãos havia”, a frase original por Bello e Freitas em 1788: “Primeiro q’ os Reys, Cidadoens houverão” (FREITAS, 1788FREITAS, Thomas de Aquino Bello e (trad.). Henriada Poêma Epico Composto na Lingoa Franceza por M.r de Voltaire &.a &.a Traduzido e ilustrado com varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas Medico formado pela Vniversd.e de Coimbra. 1788. Manuscrito na coleção do autor., fl. 96).

Essa passagem do poema é essencial para compreender tanto a natureza política do poema de Voltaire, quanto, ainda mais, da sua tradução executada em Minas Gerais. Essa estrofe não consta na primeira edição de La Henriade contendo os dez cantos, impressa em Londres em 1728. Foi acrescentada em edições posteriores pelo próprio Voltaire. “Il fut des citoyens avant qu’il fût des maîtres”.

O tradutor da primeira versão espanhola de La Henriada, impressa em 1816, seria muito mais cuidadoso na escolha dessas palavras, dispondo: “Antes hubo sin duda Ciudadanos, // Húbolos antes, sí, que hubo Señores” (VOLTAIRE, 1816VOLTAIRE. La Henriada: poema épico francés traducido en verso español por el doctor D. Pedro Bazán de Mendoza. Alais: Imprenta de Martín, 1816., p. 113). Comparar o manuscrito de 1788, a edição portuense de 1789, o texto francês e a tradução espanhola de Pedro Bazan de 1816, na qual a palavra maîtres é substituída por Señores, indica o ânimo político que ela continha e como poderia ser interpretada, por determinados leitores, na turbulenta conjuntura da década de 1790. Na primitiva tradução de Thomaz Aquino de Bello e Freitas, a Henriada assume a natureza de um manifesto implícito, que pode ser lido nas entrelinhas dos conceitos e palavras. No manuscrito de 1788, a palavra maîtres foi substituída por Reys, afirmando que “primeiro (...) cidadãos haviam”. O uso da palavra “primeiro”, substituída por “antes” no impresso de 1789, vai de encontro ao conceito de primus inter pares (primeiro entre os iguais), conferindo aos cidadãos a primazia da palavra em uma assembleia onde todos têm voz ativa.

Essa leitura dos versos de La Henriade, Il fut des citoyens avant qu’il fût des maîtres, como expressão da subversão da ordem política estabelecida foi compreendida, decerto, também pelos jacobinos durante o período mais agudo da Revolução Francesa (1789-1799). No processo de supressão dos símbolos feudais, por novas representações mais adequadas ao novo momento, os versos do poema de Voltaire foram gravados em uma tábua de mármore e colocados sobre a porta da Comuna Revolucionária. O historiador François-Alphonse Aulard registrou que em

Le 21 [août], la Commune [révolutionnaire] ordonne de démolir les portes Saint-Denis et Saint-Martin, de supprimer des boutiques et des maisons tous les emblèmes royaux et féodaux, etc. , et elle adopte «avec enthousiasme» la motion de Manuel, de «remplacer le cheval de bronze qui est sur la porte de la Commune par une table de marbre portant cette inscription : Obéissez au peuple, écoutez ses décrets ; Il fut des citoyens avant qu’il fût des maîtres. Nous rentrons dans les droits qu’ont perdus nos ancêtres. Le peuple par les rois fut longtemps abusé ; Il s’est lassé su sceptre, et le sceptre est brisé. Le 10 août 1792, l’an IV de la Liberté et le premier de l’Égalité (AULARD, 1926AULARD, François-Alphonse. Histoire politique de la révolution française: origines et développement de la démocratie et de la république (1789-1804). Paris: Librairie A. Colin, 1926., p. 232)

A natureza política do poema de Voltaire foi percebida também pelas autoridades espanholas, em Madrid. O aparato de censura, motivado pelos elementos políticos de a Henriada, impediu sua circulação não apenas em Portugal, mas, pela mesma razão, também na Espanha, onde o percurso de La Enriada, traduzida na língua espanhola, foi tão acidentada quanto na língua portuguesa. De acordo com Francisco Lafarga que investigou um manuscrito e as edições espanholas impressas entre 1816 e 1842:

La más antigua de las versiones, titulada La Enriada, fue realizada por José de Viera y Clavijo, está fechada en 1800, pero no llegó a publicarse y se conserva manuscrita en la B[iblioteca] Municipal de Santa Cruz de Tenerife. Del primer tercio del siglo XIX son las otras dos traducciones del poema, la que José Joaquín de Virués y Espínola dió en 1821 (Madrid, Imprenta de Miguel de Burgos) con el título La Enriada y sin mencionar el nombre de Voltaire, y la anterior a ésta, es decir, la primera traducción publicada, realizada por el afrancesado Pedro Bazán de Mendoza y publicada en 1816 en la imprenta de Martin de la pequeña localidad de Alais o Alès (departamento del Gard) con el título La Henriada, poema épico francês traducido en verso español. Tampoco se mencionaba el nombre del autor en esta edición, aunque sí en las dos ediciones posteriores, realizadas ya en España en 1836 y 1842 por el impresor barcelonés Ignacio Oliveres, en las que, por el contrario, el nombre del traductor se oculta bajo las iniciales D. B. M. La ausencia del nombre de Voltaire está justificada por la prohibición inquisitorial que pesaba sobre todas las obras del autor, y aunque no regía para Francia, el hecho obvio que la edición estaba pensada para ser vendida en España desaconsejó mencionarlo, evitando así cualquier problema con la distribuición, venta y lectura del libro. La situación había cambiado ya con ocasión de la segunda edición, puesto que en 1834 la Inquisición fue definitivamente abolida. (LAFARGA, 2011LAFARGA, Francisco. La Henriada de Voltaire, en la traducción de Pedro Bazán de Mendoza (1816). in: LAFARGA, F.; PEGENAUTE, L. (eds.). Cincuenta estudios sobre traducciones españolas. Berna: Peter Lang, 2011, pp. 207-210., pp. 207-210; 1981LAFARGA, Francisco. Sur la fortune de la Henriade en Espagne. Studies on Voltaire and the Eighteenth Century, no. 199, 1981, 131-153., pp. 131-153).

Assim, somente cinco anos após as Cortes de Cádiz, iniciadas em 1811, que a tradução espanhola foi impressa, ainda assim com o subterfúgio de não declarar que era um poema da autoria de Voltaire, evitando maior atenção por parte das autoridades. Apesar desse expediente para omitir o autor, em 26 de novembro 1816, uma Ordem Régia determinou que “Se prohibe la introduccion del poema titulado La Enriada, recogiéndose los ejemplares que se hallen” (SOL, 1841SOL, Léon Carbonero y. Estracto alfabético de cuanto contienen todos los tomos de Decretos por el doctor Don León Carbonero y Sol. Madrid: Roix Editor, 1841., p. 115). Três anos antes, porém, ainda no contexto das guerras napoleônicas, cuja ameaça recaiu sobre as fronteiras de Espanha e Portugal, continuava perceptível em parte da elite intelectual ibérica o sentimento de que Voltaire “nos ridicularizó en su poema Henrriada, diciéndonos bárbaros, que conservamos aún residuos del gentilismo: que nuestra Inquisicion repetía con frecuencia en Lisboa y Madrid las víctimas humanas, que Cartago sacrificaba anualmente á sus ídolos” (VELEZ, 1813VELEZ, Rafael. Preservativo contra la irreligión: ó, los planes de la filosofía contra la Religion y el Estado, realizados por la Francia para subyugar la Europa. Granada: Imprenta del Ejército, 1813., p. 77).

As obras de Voltaire só passaram a circular na Península Ibérica com mais facilidade após 1834, seja pela extinção da Inquisição espanhola, seja pela derrota das forças miguelistas em Portugal. Foi naquele mesmo contexto, entre o fim do Primeiro Império (1822-1831) e Regência (1831-1840), que traduções de Voltaire começaram a ser impressas também no Brasil, nas províncias da Bahia e do Rio de Janeiro.

É notável, contudo, que o aparato censório português teve algum sucesso em conter a ampla circulação de a Henriada, traduzida por Bello e Freitas. Poucos exemplares sobreviveram, sendo que a maior parte deles está conservada na Biblioteca Nacional de Portugal. Ainda sobre essa tradução, impressa em 1789, para afirmá-la raríssima, basta dizer que a coleção de José Mindlin ou a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro não possuem exemplar. Borba Moraes não descreveu esse livro na Bibliografia Brasileira do Período Colonial (1969), fazendo somente na segunda edição da sua Bibliografia Brasiliana (1983). A escassez de exemplares indica que a censura emanada do governo surtiu efeito, limitando a circulação dos mais de 2.000 exemplares impressos.

FIGURA 1
Frontispício da 1a ed. de a Henriada, 1789

Na versão portuguesa, Thomaz de Aquino Bello e Freitas teve que inserir muitas notas explicativas para driblar a censura imposta pela Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros. O manuscrito original ainda traz o carimbo a óleo, em todas as folhas, inclusive nas folhas das notas, com as iniciais RMC: Real Mesa Censória.

O manuscrito da Henriada

Thomaz de Aquino Bello e Freitas deve ter concluído sua tradução por volta de 1787. O manuscrito, que ressurgiu em um catálogo de livros raros, em 2016, permanece em excelente estado de conservação, é o original do próprio punho de Bello Freitas e possui as notas exigidas pelos censores. O manuscrito registra no seu frontispício as seguintes informações:

Henriada // [Carimbo a óleo da Real Mesa Censória] // Poêma Epico // Composto na Lingoa Franceza // por M.r de Voltaire // &.a &.a // Traduzido e ilustrado com varias notas // na Lingoa Portugueza por Thomas de // Aquino Bello e Freitaz // Medico formado pela Vniversd.e de // Coimbra

FIGURA 2
Frontispício do manuscrito da Henriada.

A identificação da autoria do manuscrito foi possível por meio de um exame da caligrafia, comparando-a com a letra em um atestado médico assinado por Thomaz de Aquino Bello e Freitas, datado de 1779 e conservado no Arquivo Público Mineiro.23 23 Arquivo Público Mineiro. Fundo: Secretaria de Governo da Capitania (Seção Colonial), SG-CX.09-DOC.28, Atestado passado por Tomás de Aquino Bello e Freitas, para João Domingos dos Santos referente a uma doença que o impede de trabalhar. Vila Rica, 13/01/1779. Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtacervo/brtacervo.php?cid=801. Acesso em: 08 jul. 2020. O exame das caligrafias empregadas no manuscrito da Henriada e no atestado não deixa margem para dúvidas de que se trata do original, preparado cerca de um ano antes da Inconfidência Mineira e levado para a impressão em Portugal, muito possivelmente entre 1787 e 1788.

Se a Real Mesa Censória pombalina foi implacável contra a circulação das traduções de Voltaire, o mesmo não pode ser dito sobre a Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros. A instituição reformada por D. Maria I, por Decreto de 21 de junho de 1787, funcionou até 1794, sendo mais permissiva em relação às obras teatrais de Voltaire.

A existência dessas notas com a caligrafia do tradutor permite inferir que esse manuscrito estava em Portugal em 1789, mesmo ano da Inconfidência Mineira “Imprima-se, com declaração q’ as suas Notas se ajuntem immediatamt.e abaicho da lauda a que pertencem, como tambem aquellas q’ se referem aos numeros marginaes, e volte a conferir: Meza 7 de Maio de 1789”. A referida anotação tem a letra do secretário da Real Mesa, Felix José Leal Arnaut, apresentando, em seguida, três rubricas, cujas autorias ainda não foram identificadas.

FIGURA 3
Parecer dos censores de a Henriada, anexo ao códice.

Além das notas, conforme anteriormente observado, também existem correções feitas sobre o texto original, na qual algumas palavras foram substituídas por novas, grafadas sobre pequenos pedaços de papéis fixados com algum tipo de goma adesiva. Esses papelitos colados também possuem a mesma letra do resto do manuscrito, que confirma terem sido as emendas feitas pela mão do próprio tradutor. Essas alterações, aparentemente, foram realizadas por iniciativa do tradutor e não por imposição dos censores. Apesar disso, conforme já demonstrado, não foram realizadas por questões meramente estéticas, mas com o fim de suavizar palavras que lhe poderiam trazer problemas junto à Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros.

Esse manuscrito deve ter sido impresso entre os últimos dias de novembro e o mês de dezembro, pois a editio princeps apresenta o registro de que “Foi taixado este livro em papel a 400 réis. Meza 26 de Novembro de 1789. Com tres Rubricas.” Somente após essa data, portanto, o manuscrito pôde ir para o prelo. De Lisboa, o manuscrito ainda seguiu para a o Porto, onde seria impresso, na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, um dos principais impressores da cidade àquela época.

Não são da autoria de Thomaz de Aquino Bello e Freitas a Prefação do Editor e a Historia Abbreviada dos accontecimentos, em que se funda a Fabula do Poema da Henriada. Nenhuma das duas partes, aliás, constam no manuscrito original, sendo, muito possivelmente, inserida pelo experiente editor Antonio Alvarez Ribeiro com o objetivo de suavizar o conteúdo do poema e angariar a licença necessária para impressão. Na prefação, o editor reconhece que “no contexto do mesmo Poema se encontrão algumas censuras, que á primeira vista parecem temerárias”, mas que “he preciso prevenir o Leitor menos intelligente, com os motivos, que formarão o seu objecto”. Na prática, Alvarez Ribeiro precisava explicar a natureza dos ataques de Voltaire ao Santo Ofício, que permaneceriam ipsis litteris na tradução de Bello e Freitas:

Finalmente e todas aquellas passagens, onde o A. discorre com liberdade [...] se acharão as notas competentes; assim como sobre a imputação, que elle, e quasi todos os Estrangeiros fazem ao supremo Tribunal do Santo Officio, nas quaes se manifestão os erroneos sentimentos da maior parte dos Escriptores. (FREITAS, 1789FREITAS, Thomaz de Aquino Bello e (trad.). Henriada. Porto: Antonio Alvarez, 1789., p. VI).

Impresso e suprimido em seguida. A trajetória da Henriada de Tomaz de Aquino de Bello e Freitas não estava, entretanto, encerrada após a sua impressão. O manuscrito desapareceria e só voltaria a ser mencionado 179 anos depois, conforme adiante se demonstrará. Os exemplares já impressos, contudo, não obtiveram a licença para serem postos à venda.

Tal sucedeu com Luís António das Neves a quem, em agosto de 1790, foi ordenado o pagamento de toda a despesa que tinha feito com a impressão de La Henriade de Voltaire, obra primeiramente autorizada e depois sequestrada (BASTOS, 1926BASTOS, José Timóteo da Silva. História da censura intelectual em Portugal. Coimbra, Imp. da Universidade, 1926., p. 145). 24 24 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Real Comissão, 3, 364, fl. 57.

Diz Luis Antonio das Neves, da Cidade do Porto, que ele requereu a V. Majestade a última licença para fazer publicar a edição de uma obra intitulada Henriade, a qual se achar completa há muitos meses: e como não tem obtido o despacho decisivo, e pode suceder que algum novo incidente demore por ora a publicação do mencionado livro, com notável prejuízo do suplicante que se acha nesta Corte fazendo crescidos gastos: Recorre a V. Majestade para que se digne e facultar-lhe a licença de costume, ou se sirva manda-lo indemnizar das despesas que fez constantes da conta junta, equidade já outras vezes praticada por este tribunal em casos semelhantes.25 25 ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves.

Em anexo ao requerimento supra, consta uma folha discriminando as despesas feitas com a impressão de a Henriada. A Mesa respondeu, em nota registrada na parte superior do requerimento de Luís António Neves, e dirigida ao Juiz da Cidade do Porto:

Obrigue ao Impressor, não tendo o mesmo licença para correr a obra intitulada a Henriade de Voltaire, lhe entregue os dois mil exemplares e seus acréscimos que na mesma officina se imprimiram, e não dando conta deles, o prenderá à ordem desta Mesa. Lisboa, 14 de Maio de 1790.26 26 ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves.

Em seguida, Luís António das Neves enviou novo requerimento à Mesa solicitando, em razão do sequestro de 2075 exemplares da Henriada, após já ter alcançado licença para impressão, que lhe fosse feita a devida indenização. Anexou uma cópia da primeira conta das despesas realizadas no total de 300$705 réis.27 27 ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves. Timóteo Bastos já observara o estabelecimento do princípio da indenização para aqueles que tivessem arcado com as despesas feitas na impressão de livros, primeiro autorizados e depois suprimidos. Laureano Carreira ressaltou que “Este sistema de indemnização aos impressores, quando a obra não obtinha licença para correr, parece que era frequente e aceite facilmente pelo governo” (CARREIRA, 1988CARREIRA, Laureano. O Teatro e a censura em Portugal na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Imp. Nacional, 1988., p. 89). Apesar da significativa tiragem para os padrões editoriais da época, o sequestro tornou raros os exemplares da primeira edição da tradução feita por Thomaz de Aquino Bello e Freitas.

A Henriada foi suprimida por ordem expedida pela própria rainha D. Maria I através de José Seabra da Silva, no Palácio de Queluz em agosto de 1790.28 28 ANTT. Real Comissão, 3, 364, fl. 57. Não foi possível apurar a motivação do governo para censurar a Henriada, mas uma anônima carta em francês foi a dirigida a rainha, na qual o autor solicitava que lhe fossem fornecidos meios de impedir a impresão e distribuição, em Portugal e nos seus territórios ultramarinos, de obras heréticas e antimonarquistas, de Rousseau e Voltaire.29 29 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Coleção Linhares, I-29,15,27, Doc.73 (cópia). Carta do mesmo teor foi dirigida também a Carlos III, rei da Espanha.

Após ter sido impresso com as notas exigidas, obtendo a licença da Real Comissão, a tradução da Henriada feita pelo médico de Vila Rica foi suprimida. Foi registrado no Catalogo dos Livros Defesos neste Reyno desde o dia da criação da Real Mesa Censoria athe ao prezente: “Aquino / Thomaz d’ / a sua Traducção de Henriada de Voltaire, impressa no Porto 1789, in 12.o = Sup.” (MARQUES, 1964MARQUES, Maria Adelaide. A Real Mesa Censória e a Cultura Nacional. In Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, V. 26, Coimbra, 1964., p. 123).30 30 ANTT. Real Mesa Censória. Catalogo dos Livros Defesos neste Reyno desde o dia da criação da Real Mesa Cençoria athe ao prezente Para servir no Expediente da Caza da Revizão. Livro no. 811 (1768 a 1814).

Apesar do sequestro, é correto afirmar que alguns exemplares escaparam da censura e o autor da Biblioteca Ultramarina (1801) chegou a comentar a edição em português de a Henriada: “seu modo de pensar sobre a Religião, e ardente genio o obrigarão a emigrar para Inglaterra, aonde fez imprimir o seu Poema intitulado La Henriade, muito elogiado por huns, e reprovado por outros, cujo objecto he demonstrar ser o Assassinio de Henrique III, de França, effeito da iniquidade dos Fanaticos, e dos Socios da chamada Santa Liga” (SOUSA, 1801SOUSA, José Carlos Pinto de. Bibliotheca historica de Portugal, e seus dominios ultramarinos. Lisboa: Typ. do Arco do Cego, 1801., p. 350-351).

Exemplares da edição de 1789, que escaparam ao sequestro, também alcançaram a capitania de Minas Gerais. O Cônego da Sé de Mariana, João Luiz de Souza Sayão, denunciou ao Santo Ofício, em 2 de novembro de 1795, diversos indivíduos por posse de livros proibidos e, entre eles, registrou que

O anno passado em Villa Rica vi com o Padre Jozé Martins Machado a traducção Portugueza por Thomas de Aquino Bello da Henriade de Voltaire; que o tribunal então competente, e hoje extincto, não tinha permittido correr, depois de ter facultado a impressão, e este volume me disse o dito P.e ser do Ex.mo Visconde de Barbacena, General deste Capitania, a quem sei que offertarão em 1789, ou 1790, quando esperavão a licença de poder correr, e antecipadamente houverão a mão este (JOBIM, 1987JOBIM, Leopoldo Collor. O Santo Ofício da inquisição no Brasil setecentista: estudo de uma denúncia. Estudos Íbero-americanos, v. 13, n. 2, PUC do Rio Grande do Sul, Dept. de História, 1987., p. 202).31 31 ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício, ms. 41.

O Cônego Sayão era bem-informado. Sabendo que o livro só fora impresso em finais de 1789, é factível que o exemplar que pertenceu ao governador, e que estava em posse do Padre José Martins Machado, só tivesse chegado a Minas Gerais no ano seguinte. O Padre Machado (n. Ouro Preto, 1748) é conhecido nas Cartas Chilenas como Josefino e foi arrolado nos autos da Inconfidência como uma “das pessoas suspeitas a Barbacena como sabedor do destino de papéis comprometedores pertencentes a Gonzaga, razão de ter sido inquirido com os familiares do poeta” (OLIVEIRA, 1972OLIVEIRA, Tarquínio J. B. de Oliveira. Cartas chilenas: fontes textuais. Editora Referência, 1972., p. 96; AUTOS, 1974AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v., v. 7, p. 194). É importante, contudo, essa informação de que exemplares da Henriada escaparam antecipadamente do sequestro executado pela Mesa Real. Deve-se considerar também que a tradução circulara ultracopiada pela capitania de Minas Gerais:

A vontade de escrever aquelas diatribes contra Cunha Meneses nascera, provavelmente, em meados de 1787, pouco depois de o médico Tomás de Aquino Bello e Freitas ter presenteado Gonzaga com uma cópia da tradução que fizera do poema A Henríada (sic) de Voltaire. (...) Foi a tradução do poema A Henríada, de Voltaire, por Bello e Freitas em versos decassílabos brancos, que influiu decisivamente na escolha da forma da sátira com que o ouvidor pensou vingar-se da opressão de cunha Meneses (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, Adelto. Gonzaga, um poeta do iluminismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2000., p. 212 e 213).

Há algumas notícias esparsas sobre outras traduções da Henriade que ficaram manuscritas (RAMOS, 2003RAMOS, Luís Antonio de Oliveira. Inéditos do Cardeal Saraiva (historiografia Monástica) II. Bracara Augusta, Vol. LI, n.º 106 (119), 2003., p. 263), mas até o presente não foi localizada outra cópia da tradução da Henriada, de Freitas. 32 32 Ramos registra a existência de outro manuscrito com a tradução da Henriade, que, aparentemente, não guarda relação com a tradução de Feitas: “Henriade de Voltaire traduzida do Francez com o Ensaio sobre Poezia Epica. Ms.”. Além de manter o nome francês, estava acompanhado do Ensaio. Notável, não obstante, é o reaparecimento do códice original, cuja trajetória ainda possui elementos obscuros, considerando também que desaparece dos registros bibliográficos ao longo de todo século XIX. Após 179 anos sem notícia do manuscrito da Henriada, em 1969, um breve artigo que denunciava as práticas da censura Portugal, contemplando desde o Santo Ofício até o regime salazarista, publicado no II Congresso Republicano de Aveiro, revela que o referido manuscrito, junto com outro códice com tradução de autor brasílico, estava em poder de Raul de Assunção Pimenta Rego (Macedo de Cavaleiros, 15 de Abril de 1913 - Lisboa, 1 de Fevereiro de 2002). Jornalista e político português, o antigo proprietário dos dois códices, era maçom e alcançou o cargo de Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano entre 1988 e 1990. De acordo com o próprio Pimenta Rego:

Temos também dois originais de volumes enviados à Real Mesa Censória e com os carimbos desta em todas as folhas. [O primeiro] Trata-se da traducção da Henríada de Voltaire, feita e anotada por Thomas de Aquino Bello e Freitas. As notas do tradutor encontram-se todas no final do Volume. Na última página, o despacho, com três assinaturas ilegíveis: “Imprima-se com declaração que as notas se ajuntem imediatamente abaixo da lauda a que pertencem: como também aquelas que se referem aos números marginais, e volte a conferir. Mesa, 7 de Maio de 1789” (...) Temos depois o volume, em oitavo pequeno, impresso no Porto, no mesmo ano, na oficina de António Alvarez Ribeiro, com as notas de facto colocadas no fundo da página a que dizem respeito. E no fundo do frontispício: «Com Licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame, e Censura dos Livros» (REGO, 1969REGO, Raul. A censura prévia administrativa. In: Teses e documentos: textos integrais / II Congresso Republicano de Aveiro. Braga, 1969., p. 164).

Ainda não foi possível descobrir quando, exatamente, esses dois códices foram adquiridos pelo antigo proprietário, mas não há dúvida de que o códice acima descrito é o mesmo exemplar arrematado em 2016. Ainda em abono a isso, o leiloeiro José Ferreira Vicente (1947-2017), então proprietário da Livraria Olissipo, também disponibilizou o segundo manuscrito que Rego registrou no seu artigo de 1969REGO, Raul. A censura prévia administrativa. In: Teses e documentos: textos integrais / II Congresso Republicano de Aveiro. Braga, 1969., um Tratado da Educação das Meninas posto em Português por Domingos Caldas Barbosa (1810), adquirido pelo Museu de Arte do Rio de Janeiro, que traz assinado, no frontispício, uma declaração de posse de certa “D. Maria Joze Guilhermina de Moraes”. O bibliófilo e diplomata Frederico Francisco Stuart de Figanière (1827-1908) afirmou a Inocêncio Francisco da Silva que examinara, em meados do século XIX, esse códice autógrafo da tradução feita por Caldas, sem oferecer mais detalhes ou circunstâncias. Não foi possível, contudo, obter a informação sobre o tempo em que os dois códices permaneceram juntos.

A (re)descoberta do códice permite, agora, restituir o original de uma das mais importantes traduções executadas na América Portuguesa setecentista. Sem poder justificar-se a tradução da Henriada pelo utilitarismo e serventia ao Estado português, a exemplo de um amplo conjunto de traduções feitas a partir da década de 1790, o aparato censor português lhe manteve no esquecimento. Naquele contexto, a Henriada se apresentava, na verdade, em oposição ao projeto do Estado português, questionando seus fundamentos políticos e religiosos. Manifesta oposição começaria a se materializar em Vila Rica, no episódio da Inconfidência Mineira. Em 1813, 25 anos depois de concluída a tradução da Henriada, Hipólito José da Costa a percebeu, após a edição fluminense, um instrumento que lhe permitia medir o grau de transformação das instituições portuguesas à época. O Santo Ofício, enfraquecido, sequer foi transferido para o Brasil. A censura de livros seguia funcionando em Lisboa, Coimbra, Rio de Janeiro (1808) e Salvador (1811) (MAGALHÃES, 2017MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. Luzes e Sombras: A Censura de Livros na Capitania da Bahia (1811-1821). Revista Complutense de Historia da América, v. 43, p. 203-236, 2017. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ucm.es/index.php/RCHA/article/view/56732 . Acesso em: 08 jul. 2020. Doi: http://dx.doi.org/10.5209/RCHA.56732
https://revistas.ucm.es/index.php/RCHA/a...
), mas, no caso das duas últimas cidades, era realizada por personagens envolvidos em articulações políticas contra o governo português desde fins do século XVIII, a exemplo de Mariano José Pereira da Fonseca, José da Silva Lisboa e José Francisco Cardoso de Moraes. Hipólito José da Costa teve razão em ver na Henriada “matéria de importância”, visto que ela espelhou uma conjuntura de transformações institucionais na Europa e no Brasil.

Referências Bibliográficas

  • ABREU, Márcia. Os Caminhos do Livro. Campinas: Mercado da Letras, 2003.
  • AGUIAR, Alfredo de. História da literatura portuguesa. 1976.
  • ALCIDES, Sérgio. Seixas Brandão e o malogro da Arcádia Ultramarina. Oficina da Inconfidência: Revista de Trabalho, Ouro Preto, ano 4, n. 3, p. 81-103, dez. 2004.
  • ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura do seu tempo. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1965.
  • ANUNCIAÇÃO, Miguel da. Pastoral. Conimbricense, n.° 2, Coimbra, 1869.
  • AULARD, François-Alphonse. Histoire politique de la révolution française: origines et développement de la démocratie et de la république (1789-1804). Paris: Librairie A. Colin, 1926.
  • AUTOS da devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte; Ouro Preto: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de Minas; Museu da Inconfidência, 1974-2001. 11 v.
  • BALBI, Adien. Essai statistique sur le royaume de Portugal et D’Algarve. Paris: Rey et Gravier, 1822. 2 v.
  • BARBOSA, Waldemar de. O Aleijadinho de Vila Rica. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985.
  • BASTOS, José Timóteo da Silva. História da censura intelectual em Portugal. Coimbra, Imp. da Universidade, 1926.
  • BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1883-1902. 7 v.
  • BRAGA, Teophilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instucção publica portugueza. Tomo III, 1700 a 1800. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1898.
  • BRITO, António Ferreira de. Voltairofobia e voltairofilia na cultura portuguesa dos séculos XVIII e XIX: os tempos e os modos. Intercâmbio. Porto: Universidade do Porto, Fac. de Letras, pp. 9-40, 1990.
  • CAMÕES, José; PINTO, Isabel. As traduções de Le Fanatisme ou Mahomet le Prophète na cena e na página: um caso de voltairomania nas últimas décadas do século XVIII português. EHumanista, vol. 22, 2012.
  • CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira (1750-1836). São Paulo: Martins, 1971.
  • CARREIRA, Laureano. O Teatro e a censura em Portugal na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Imp. Nacional, 1988.
  • COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense ou Armazem Literario. Vol. XI. Londres: W. Lewis, 1813.
  • DAVIDSON, Ian. Voltaire: A Life. New York: Pegasus Books, 2010.
  • DENIPOTI, Cláudio. Escrita, Luzes, Nação e Império nos textos e paratextos de escritores e tradutores luso-brasileiros no século XVIII. História (São Paulo. Online), v. 38, p. 11, 2019. Disponível mem: Disponível mem: https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4369-his-38-e2019002.pdf Acesso em: 08 jul. 2020.
    » https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4369-his-38-e2019002.pdf
  • EDITAL da Real Mesa de 24 de setembro de 1770. Lisboa: Impressão Regia, 1770.
  • FIGUEREDO, Lucas. O Tiradentes: uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.
  • FREITAS, Thomas de Aquino Bello e (trad.). Henriada Poêma Epico Composto na Lingoa Franceza por M.r de Voltaire &.a &.a Traduzido e ilustrado com varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas Medico formado pela Vniversd.e de Coimbra. 1788. Manuscrito na coleção do autor.
  • FREITAS, Thomaz de Aquino Bello e (trad.). Henriada. Porto: Antonio Alvarez, 1789.
  • FRIEIRO, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. Belo Horizonte: Itatiaia , 1981, 2ª ed.
  • GONÇALVES, Adelto. Gonzaga, um poeta do iluminismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2000.
  • JOBIM, Leopoldo Collor. O Santo Ofício da inquisição no Brasil setecentista: estudo de uma denúncia. Estudos Íbero-americanos, v. 13, n. 2, PUC do Rio Grande do Sul, Dept. de História, 1987.
  • LAFARGA, Francisco. Sur la fortune de la Henriade en Espagne. Studies on Voltaire and the Eighteenth Century, no. 199, 1981, 131-153.
  • LAFARGA, Francisco. La Henriada de Voltaire, en la traducción de Pedro Bazán de Mendoza (1816). in: LAFARGA, F.; PEGENAUTE, L. (eds.). Cincuenta estudios sobre traducciones españolas. Berna: Peter Lang, 2011, pp. 207-210.
  • LAPA, Manuel Rodrigues. As “Cartas chilenas”: um problema histórico e filológico. Rio de Janeiro: INL, 1958.
  • MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. O tradutor dos abomináveis princípios: José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara e a circulação dos escritos de Voltaire em Portugal e no Brasil (1790-1834). História (UNESP. Assis), v. 35, p. 22, 2016. Dispobível em: Dispobível em: https://www.scielo.br/j/his/a/ZqkFSgd8JFJfWbt99cyjPXP/?lang=pt Acesso em: 08 jul. 2020. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920160000000101.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920160000000101» https://www.scielo.br/j/his/a/ZqkFSgd8JFJfWbt99cyjPXP/?lang=pt
  • MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. Luzes e Sombras: A Censura de Livros na Capitania da Bahia (1811-1821). Revista Complutense de Historia da América, v. 43, p. 203-236, 2017. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ucm.es/index.php/RCHA/article/view/56732 Acesso em: 08 jul. 2020. Doi: http://dx.doi.org/10.5209/RCHA.56732
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5209/RCHA.56732» https://revistas.ucm.es/index.php/RCHA/article/view/56732
  • MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. O caçador de pedreiros-livres: José Anastácio Lopes Cardoso e sua ação contra a maçonaria luso-brasílica (1799-1804). Revista de História (USP), v. 176, p. 01-48, 2017b. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/111602 Acesso em: 08 jul. 2020. Doi. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.111602
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.111602» https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/111602
  • MARQUES, Maria Adelaide. A Real Mesa Censória e a Cultura Nacional. In Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, V. 26, Coimbra, 1964.
  • MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A censura literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005.
  • MATHIAS, Herculano Gomes (ed.). Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, 1966.
  • MATHIAS, Herculano Gomes (ed.). Um recenseamento na capitania de Minas Gerais: Vila Rica 1804. Publicações do Arquivo Nacional, 1a. série, no. 63. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1969.
  • MORAES, Rubens Borba de. Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: 1993. 2 v.
  • NUNES, Rossana Agostinho. Discursos libertinos, iluminismo e cultura religiosa no mundo luso-brasileiro ao final do século XVIII. Varia História, Belo Horizonte, vol. 35, n. 69, p. 723-752, set/dez 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v35n69/0104-8775-vh-35-69-0723.pdf Acesso em: 08 jul. 2020
    » http://www.scielo.br/pdf/vh/v35n69/0104-8775-vh-35-69-0723.pdf
  • OLIVEIRA, Tarquínio J. B. de Oliveira. Cartas chilenas: fontes textuais. Editora Referência, 1972.
  • RAMOS, Luís Antonio de Oliveira. Inéditos do Cardeal Saraiva (historiografia Monástica) II. Bracara Augusta, Vol. LI, n.º 106 (119), 2003.
  • REGO, Raul. A censura prévia administrativa. In: Teses e documentos: textos integrais / II Congresso Republicano de Aveiro. Braga, 1969.
  • REVISTA do Arquivo Público Mineiro, Imprensa Official de Minas Geraes, 1896.
  • REZENDE, Luiz Alberto Ornellas. Poder local, agentes régios e controle camarário em Vila Rica, 1711-1789. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.
  • ROUANET, Sérgio Paulo. A Henriada no Brasil. In: VOLTAIRE. Henriada. Tradução de Thomaz de Aquino Bello de Freitas. Rio de Janeiro: Nova. Fronteira, 2008.
  • SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: Intelectuais Ilustrados e Estadistas Luso-Brasileiros na Crise do Antigo Regime Português (1750-1822). São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2006.
  • SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858. 23 v.
  • SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Modulacoens poeticas. Precedidas de um bosquejo da historia da poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Typographia Franceza, 1841.
  • SOL, Léon Carbonero y. Estracto alfabético de cuanto contienen todos los tomos de Decretos por el doctor Don León Carbonero y Sol. Madrid: Roix Editor, 1841.
  • SOUSA, José Carlos Pinto de. Bibliotheca historica de Portugal, e seus dominios ultramarinos. Lisboa: Typ. do Arco do Cego, 1801.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Cláudio Manuel da Costa. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
  • STARLING, Heloísa. Ser Republicano na Colônia. São Paulo: Cia das Letras , 2019.
  • TRINDADE, Raimundo. Genealogias da Zona do Carmo. Ponte Nova: Irmãos Penna & C., 1943
  • VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, física e política da capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994.
  • VELEZ, Rafael. Preservativo contra la irreligión: ó, los planes de la filosofía contra la Religion y el Estado, realizados por la Francia para subyugar la Europa. Granada: Imprenta del Ejército, 1813.
  • VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo ilustrado, censura e práticas de leitura: usos do livro na América Portuguesa Tese (USP), 1999. Disponível em: Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/publico/LUIZ_CARLOS_VILLATA.pdf Acesso em: 08 jul. 2020
    » https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/publico/LUIZ_CARLOS_VILLATA.pdf
  • VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Letters and reading practices in the Luso-Brazilian World. In: PAQUETTE, Gabriel. (Org.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies 1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009, p. 119-141.
  • VOLTAIRE. La Henriada: poema épico francés traducido en verso español por el doctor D. Pedro Bazán de Mendoza. Alais: Imprenta de Martín, 1816.
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidas no artigo.
  • 3
    Foi mantida a grafia original de todos os impressos e manuscritos consultados. Por essa razão, Henríada permanece sem o acento agudo na vogal tônica, conforme registrado no códice (1788) e nas edições impressas (1789 / 1812). Também o nome do tradutor, Thomaz Aquino de Bello e Freitas, foi mantido de acordo com sua assinatura e registro impresso setecentista. No frontispício do códice manuscrito consta, não obstante, Thomas de Aquino Belo e Freitaz. Agradeço à Dra. Walmira Costa pela revisão do artigo.
  • 4
    Elogio de Mr. de Voltaire, feito no Campo de Schatzar por Frederico-O-Grande, Rei da Prússia. In: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, n. 244, Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1855.
  • 5
    Na verdade, a publicação de La Henriade marcou o momento em que Voltaire foi finalmente reconhecido por seus contemporâneos como o principal poeta da França.
  • 6
    Os outros filhos do casal foram: 1- Nicolau da Silva Bello, nascido no Furquim, batizado a 1o. de junho de 1728. Cursou latinidades, em Vila Rica, e formou-se em cânones na Universidade de Coimbra, serviu como vigário da vara da comarca do Serro Frio; 2- Padre Inácio Bello de Freitas. Em 1790, era escrivão na vara eclesiástica do Serro Frio; 3- Angela Micaela da Trindade nasceu em 1736 e morreu solteira em Vila Rica, em casa do seu irmão; 4- Cirurgião Mor José da Silva Bello, nascido em Mariana, batizado na Sé a 4 de dezembro de 1750. Esteve três anos no Rio de Janeiro, praticando medicina em que se licenciou. Em 1796, habilitou-se de genere e tomou ordens de presbítero na diocese de Mariana; 5- Maria Joaquina da Piedade, nascida em 1756. Morava com o Dr. Tomás em Vila Rica. Solteira; 6- Joaquim Antonio Bello. Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos (1758-1812) afirmou, equivocadamente, em 1806, que o tradutor da Henriada foi Romão de Aquino Bello (VASCONCELOS, 1994VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, física e política da capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994., p. 163).
  • 7
    Arquivo da Universidade de Coimbra, Matrícula(s): 01.10.1743; 01.10.1744; 01.10.1745; 01.10.1746; 01.10.1747 [ PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/B/003066]. pesquisa.auc.uc.pt/details?id=185294Acesso em: 08 jul. 2020.
  • 8
    Arquivo da Universidade de Coimbra, Atos e Graus 78, fl. 187.
  • 9
    Arquivo da Universidade de Coimbra, Atos 79, fl. 198v.
  • 10
    Um dos documentos que confirmam a existência de uma Arcadia Ultramarina é o diploma concedido ao médico Seixas, hoje na Biblioteca Guita e José Mindlin.
  • 11
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Real Mesa Censória, Livro 4, fl. 215v.
  • 12
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Real Mesa Censória, Livro 21, [f. 29v].
  • 13
    Na coleção do autor existe outro códice manuscrito, intitulado Ensaio sobre a poesia épica por Francisco de Voltaire, com 150 páginas. Trata-se de uma tradução inédita de autoria do poeta mineiro José de Santa Rita Durão (1722-1784). Traz um parecer da Real Mesa, aprovando-o e datado de 1783.
  • 14
    AHU, Minas Gerais. Caixa 147, Doc. 50, Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, para D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Vila Rica, 13 de Fevereiro de 1799.
  • 15
    AHU, Minas Gerais. Caixa 148, Doc. 8. Carta de Bernardo José de Lorena, governador das Minas, para D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Vila Rica, 13 de Março de 1799.
  • 16
    O códice foi adquirido a 18 de Outubro de 2016 em leilão organizado pela Livraria Olissipo, realizado no Palácio da Independência - Largo de São Domingos, 11 (ao Rossio), 1150-320, Lisboa. Lote no 819 do Catálogo, com a seguinte descrição: “VOLTAIRE. M. de. - HENRIADA POÊMA EPICO. Composto na Lingoa Franceza por M. de Voltaire. Traduzido e iluminado com Varias notas na Lingoa Portugueza por Thomas de Aquino Bello e Freitas. Médico formado pela Universidade de Coimbra. S. data. Séc. XIX. In-8º de [6], 259, [16] págs. Enc.”.
  • 17
    ANTT, Real Mesa Censória, caixa 4, n.º 123, fl. 1v. Parecer de António Pereira de Figueiredo relativo às obras de Voltaire. Lisboa, 19 de outubro de 1768.
  • 18
    Idem.
  • 19
    Ibidem, fl. 2.
  • 20
    Ibidem, fl. 24.
  • 21
    Idem.
  • 22
    Bibliotecæ Congregationis Oratorii Bracharensi Index Alphabeticus notis historicis atque criticis illustratus (1809/1826), fls. 197-198. Apud: (BRITO, 1990BRITO, António Ferreira de. Voltairofobia e voltairofilia na cultura portuguesa dos séculos XVIII e XIX: os tempos e os modos. Intercâmbio. Porto: Universidade do Porto, Fac. de Letras, pp. 9-40, 1990., p. 24). Sobre a Henriade, o bibliotecário Correia anotou que era “Um Poema Épico cheio de infinitas belezas, e também de inúmeros defeitos”.
  • 23
    Arquivo Público Mineiro. Fundo: Secretaria de Governo da Capitania (Seção Colonial), SG-CX.09-DOC.28, Atestado passado por Tomás de Aquino Bello e Freitas, para João Domingos dos Santos referente a uma doença que o impede de trabalhar. Vila Rica, 13/01/1779. Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtacervo/brtacervo.php?cid=801. Acesso em: 08 jul. 2020.
  • 24
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Real Comissão, 3, 364, fl. 57.
  • 25
    ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves.
  • 26
    ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves.
  • 27
    ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos, 1790, Luís António Neves.
  • 28
    ANTT. Real Comissão, 3, 364, fl. 57.
  • 29
    Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Coleção Linhares, I-29,15,27, Doc.73 (cópia).
  • 30
    ANTT. Real Mesa Censória. Catalogo dos Livros Defesos neste Reyno desde o dia da criação da Real Mesa Cençoria athe ao prezente Para servir no Expediente da Caza da Revizão. Livro no. 811 (1768 a 1814).
  • 31
    ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício, ms. 41.
  • 32
    Ramos registra a existência de outro manuscrito com a tradução da Henriade, que, aparentemente, não guarda relação com a tradução de Feitas: “Henriade de Voltaire traduzida do Francez com o Ensaio sobre Poezia Epica. Ms.”. Além de manter o nome francês, estava acompanhado do Ensaio.

Editado por

Editores Responsáveis

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Aceito
    08 Dez 2020
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br