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APOLOGISTAS E FALSÁRIOS DO SÉCULO XXI: NEGACIONISMO E USOS DA HISTÓRIA DA INQUISIÇÃO EM SITES CATÓLICOS BRASILEIROS (2004-2019)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo e listadas ao final.

21ST CENTURY APOLOGISTS AND FAKERS: NEGATIONISM AND USES OF THE HISTORY OF THE INQUISITION ON BRAZILIAN CATHOLIC WEBSITES (2004-2019)

Resumo

Este artigo é fruto de uma coleta e análise de textos publicados em espaços virtuais, como blogs e fóruns, voltados ao público católico e que têm como tema a história das Inquisições. Todos foram publicados entre 2004 e 2019, em sites brasileiros. A hipótese defendida é de que há neles uma escrita da história que articula negacionismo histórico e uma apologética católico-conservadora, buscando-se engajamento de grupos conservadores católicos em guerras culturais da contemporaneidade. Trata-se de usos sociais de narrativas sobre o passado, especificamente sobre os tribunais da Inquisição, por grupos vinculados à extrema direita católica, conferindo sentido histórico a polêmicas contra outros grupos religiosos e rejeições a diversos aspectos modernidade, que vão de doutrinas como liberalismo e o comunismo, a movimentos como o feminismo ou, ainda, à democracia, estados laicos, entre outros. Tais escritas do passado evidenciam alguns aspectos que trazem reflexões diversas sobre o atual papel do historiador e os usos sociais da história.

Palavras-chave
Apologética; Inquisição; negacionismo histórico; guerras culturais; usos da história

Abstract

This article is the result of a collection and analysis of texts published in virtual spaces, such as blogs and forums, aimed at the Catholic public and whose theme is the history of the Inquisitions. All these texts were published between 2004 and 2019, on Brazilian websites. The hypothesis defended is that there is in them a writing of history that articulates historical negationism and a Catholic-conservative apologetics, seeking to engage conservative catholic groups in contemporary cultural wars. These are social uses of narratives about the past, specifically about the courts of the Inquisition, made by groups linked to the Brazilian Catholic far-right, giving historical meaning to polemics against other religious groups and rejections to some aspects of modernity, since doctrines such liberalism and the communism to movements such feminism, or even democracy, secular states, and some others. This kind of writings about the past highlight some aspects that bring many different reflections on the current role of the historian and the social uses of history.

Keywords
Apologetics; Inquisition; historical negationism; cultural wars; uses of history

Introdução

O padre Paulo Ricardo Azevedo oferece, em seu site, curso online sobre a história da Inquisição. Na chamada principal, pergunta ao leitor o que dizer dessa página “obscura” (aspas do autor) da história da Igreja “sem disfarçar a verdade ou varrê-la para debaixo do tapete” (2016dAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. Apresentação. Inquisição (curso). 01/2016d. Disponível em: Disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao . Acesso em 07 mai. 2020.
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). A resposta está na conclusão da quinta e última aula. Lá, questionando o sentido de “inventar uma caricatura da Inquisição e, no fim das contas, da própria Igreja Católica” como seria feito por grande parte da historiografia e das polêmicas religiosas, diz que:

A resposta está no ódio do homem moderno à religião. A história do Santo Ofício - bem como de toda a era medieval - mostra como não é possível governar um povo sem Deus. Quando Ele é destronado, funda-se a religião do próprio homem, que passa a ser a medida de todas as coisas. Em termos práticos, portanto, não há “Estado laico”. Tirado Deus do centro de gravidade, é o ser humano quem assume o seu lugar, institucionalizando a idolatria de si próprio (AZEVEDO, 2016cAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. A lenda negra da Inquisição. Inquisição (curso, aula 5). 01/2016c. Disponível em: Disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao . Acesso em 20 abr. 2020.
https://padrepauloricardo.org/cursos/inq...
).

Azevedo diz que as narrativas históricas sobre a Inquisição dão maior atenção a seus aspectos negativos porque estão imersas numa estrutura antirreligiosa e, sobretudo, anticatólica da modernidade. Uma das referências bibliográficas que cita é Para Entender a Inquisição, livro do engenheiro, missionário e apresentador de TV e rádio católicas Felipe Aquino. Já nas suas primeiras páginas, Aquino (2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 11) diz que a crítica mais usada contra a Igreja Católica é a que recorre à história da Inquisição, que é sempre mal interpretada e mal contextualizada servindo de propaganda anticatólica. Diante disso, o autor defende a necessidade de uma contranarrativa que revele a verdade sobre o seu passado. Tal verdade seria, por via de regra, ocultada por ideologias irreligiosas, e revelá-la seria defender a própria Igreja e doutrina católicas, além de seus legados.

Ambos os autores são bastante citados dentro de uma complexa rede de espaços virtuais católicos que publicam textos sobre a história da Inquisição. Neste artigo, objetivo analisar como se formam narrativas negacionistas e apologéticas em torno da história das Inquisições nesses textos, postados entre 2004 e 2019, tendo ainda alguns não datados.

Assim, parto da hipótese de que tais escritas sobre o passado se estruturam conforme aquilo que a historiografia define por negacionismo, compreendendo diversos níveis de falsificação da história. Isso se dá em função de uma tentativa apologética presente nos textos, entendendo apologética segundo sua definição teológica de defesa do catolicismo diante de seus opositores através de argumentos, usando da razão, filosofia e/ou ciência (SPROUL, GERSTNER, LINDSLEY, 1984SPROUL, Robert Charles; GERSTNER, John Henry; LINDSLEY, Arthur. Classical Apologetics: a rational defense of the Christian Faith and critique of presuppositional apologetics. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984., p. 13). Nesse caso, tal escrita negacionista busca criar um invólucro de construção crítica da narrativa histórica de forma a construir sentidos históricos para ações no presente.

Concordando aqui com Pinha, Rangel e Perez (2020PEREZ, Rodrigo; PINHA, Daniel; RANGEL, Marcelo. Teoria, História da Historiografia e Ensino da História em tempos de crise democrática. Rio de Janeiro: Revista Transversos, nº 18, abril 2020, p. 6-16. , p. 7-10), vejo esse tipo de negacionismo como constitutivo de um projeto político-epistemológico de uma nova direita dentro de um quadro de crises de temporalidades marcante da modernidade, que afeta relações sociais com o passado e as tensões passado-presente-futuro na construção do real. Nesse sentido, tal negacionismo produzido por uma extrema-direita católica confere-lhes estabilidade às suas representações de passado, projetos no presente e ideais de futuro, além de lhes servir de elemento de coesão identitária.

A exemplo da reflexão feita por Caroline Bauer e Fernando Nicolazzi sobre o lugar do falsário e das narrativas falsas na escrita da história (2016BAUER, Caroline Silveira; NICOLAZZI, Fernando. O historiador e o falsário: Usos públicos do passado e alguns marcos da cultura histórica contemporânea. Varia Historia, 32(60), 807-835, 2016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-87752016000300009
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, p. 810-814 e p. 818-819), o que se opera nos artigos analisados é frequentemente a mobilização de alguns dados verdadeiros para a produção de algum tipo de narrativa historicamente falsa. Mas mesmo falsa ou insustentável, tais versões sobre o passado assumem um status de verdade no seu uso social na medida que tais falseamentos, visando uma construção apologética, servem para dotar de sentido uma cultura histórica segundo a qual grupos de uma extrema-direita católica se pensam ao longo do tempo.

É importante incluir essa discussão no âmbito de pesquisas sobre a produção de narrativas históricas na internet. Os artigos aqui analisados, tal como os verbetes investigados por Santana e Maynard no portal Metapedia (2017MAYNARD, Dilton; SANTANA, Diego Leonardo. O portal Metapedia: revisionismo histórico e negacionismo no tempo presente. Transversos: Revista de História, 4(11), 23-41, 2017. doi: https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
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, p. 31), se inserem num conjunto de iniciativas que visam oferecer suporte pedagógico amplo e de fácil acesso a grupos de extrema direita nos ambientes online. A produção de narrativas históricas em meio a web 2.0, como as redes sociais, portais como a Wikipedia e blogs ou, ainda, a relação da construção de narrativas sobre o passado e novas tecnologias como a inteligência artificial, algoritmos e diversas tecnologias de comunicação também mobilizam constantes reflexões acerca do fazer histórico e das humanidades, no geral (CARDOSO, NICODEMO, 2019CARDOSO, Oldimar; NICODEMO, Thiago Lima. Metahistory for (Ro)bots: Historical knowledge in the artificial intelligence era. História Da Historiografia, 12(29), 17-52, 2019. https://doi.org/10.15848/hh.v12i29.1443
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; STRICK, 2019STRICK, Simon. Right-Wing World-Building: Affect and Sexuality in the Alternative Right. In: PAUL, Heike (Ed.), The Comeback of Populism: Transatlantic Perspectives (Vol. 2019). Heidelberg, Germany: Publikationen der Bayerischen Amerika-Akademie Band 21, 2019.; PEREIRA, 2015PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de Comissão da Verdade (2012-2014). Belo Horizonte, MG. Varia História, 31, nº 57, 2015, p. 863-902. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-87752015000300008.
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; GING, 2017GING, Debbie. Alphas, Betas, and Incels: Theorizing the Masculinities of the Manosphere. Men and Masculinities, XX(X), 1-20, 2017. doi: https://doi.org/10.1177/1097184x17706401
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). Diversas questões epistêmicas, políticas e éticas são colocadas, tendo em vista os usos e sociais do passado, o papel social do historiador, dentre outros temas.

Inicialmente, este artigo terá como foco de análise alguns aspectos internos desses textos, como seus pressupostos centrais e objetivos, suas noções de verdade histórica, além de suas relações com a documentação e com a historiografia profissional. Em seguida, serão tratados seus usos e funções, analisando-se as formas como esses textos buscam produzir sentidos históricos para rejeições intervenções no presente, visível nas variadas polêmicas político-religiosas nas quais tocam ao recorrer à história das Inquisições.

Revisão, negação e usos do passado

A problemática em torno dos processos da (re)elaboração do passado perpassa muitos debates historiográficos. Conforme os objetivos aqui propostos, cabe revisitar uma parte desse debate, que ganhou bastante destaque, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Adorno (1995ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. O que significa elaborar o passado. In: Idem. Educação e emancipação. Wolfgang Leo Maar (trad.). Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1995, p. 29-49., p. 29-31) trouxe tal questão em texto clássico. Para ele, reelaborar o passado não trata, necessariamente, de disputar a realidade ou o esclarecimento sobre ele no âmbito científico-acadêmico, segundo protocolos e critérios aceitos de construção de verdade. Não raramente, reelaborar o passado envolve, de fato, encerrá-lo para contá-lo de outra maneira, esvaziando-o de culpas ou traumas, orientando assim discursos e construções de identidade do presente.

Apontamentos nesse sentido tiveram importância ressaltada na obra de Vidal-Naquet (1988VIDAL-NAQUET, Pierre. Assassinos da memória. “Um Eichman de papel” e outros ensaios sobre o revisionismo. Marina Appenzeller (trad.). Campinas (SP): Ed. Papirus, 1988., p. 9), na qual o autor problematiza como negadores do holocausto nazista agem de forma a obscurecer o debate crítico sobre o tema. Além disso, defensores desse tipo de reescrita do passado promovem verdadeiros assassinatos de memória que, de um lado, privam uma comunidade de vítimas do holocausto de sua memória histórica (VIDAL-NAQUET, 1988VIDAL-NAQUET, Pierre. Assassinos da memória. “Um Eichman de papel” e outros ensaios sobre o revisionismo. Marina Appenzeller (trad.). Campinas (SP): Ed. Papirus, 1988., p. 41) e, de outro, atuam de forma a fundar seitas em torno de tais negações do que aconteceu.

Apontamentos trazidos por Adorno e Vidal-Naquet foram bastante complexificados desde então. A começar pela necessária diferenciação entre o que deve ser uma revisão histórica e as operações problemáticas do revisionismo e negacionismo, assim como seus usos e intencionalidades. Na função de produzir mediações entre o presente e o passado, a escrita histórica a muito renunciou a qualquer pretensão de obtenção de verdades absolutas. As leituras sobre o passado encontram-se em constante demanda por atualizações metodicamente construídas conforme critérios de cientificidade, também constantemente atualizados, entre outros motivos, pelas demandas sociais de usos do passado (WHITE, 2014WHITE, Hayden V. The Practical Past. Evanson, IL: Northwestersn University press, 2014.). Dessa forma, a história é constante objeto de revisão na medida em que novas fontes, problemas e demandas surgem e chegam nos seus espaços de produção, sendo a intersubjetividade e confrontos de escolas e narrativas fundamentais nessas atualizações.

Isso difere substancialmente do revisionismo, que se caracteriza pela interpretação livre do passado, sem necessariamente negar fatos, mas os instrumentalizando para justificar combates políticos do presente, legitimando dominações e atenuando violências (PEREIRA, 2015PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de Comissão da Verdade (2012-2014). Belo Horizonte, MG. Varia História, 31, nº 57, 2015, p. 863-902. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-87752015000300008.
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, p. 865-866). Existem ainda negação e o negacionismo. A negação caracteriza-se pela contestação da realidade, podendo levar à falsificação, fantasia ou distorção da factualidade do passado, negando-se mesmo o poder de veto das fontes ou fabricando retoricamente provas discutíveis, inventadas ou manipuladas a fim sustentar suas interpretações. Já o negacionismo é uma radicalização do revisionismo, na qual tanto a intencionalidade quanto a instrumentalização dos fatos do passado para combates político-culturais do presente se funde com a negação, e falsificações/invenções da prova fundem-se na mesma narrativa histórica.

Tais formas de escrita da história encontram importante espaço de difusão na internet. No caso dos revisionismos e negacionismos, cabe ressaltar que os espaços virtuais lhes conferem possibilidades de sair de nichos. A circulação de escritos negacionistas tradicionalmente era restrita a grupos militantes, como editoras e outros circuitos de circulação de textos em públicos específicos. Porém, com a web 2.0., a disseminação desse conteúdo tornou-se mais dinâmica, pois além dos tradicionais panfletos, manifestos, livros e artigos, difundem-se informações em listas de e-mail, fóruns, blogs, redes sociais e aplicativos de mensagem. Dessa forma, produtores dos negacionismos e revisionismos conseguem inserir seus pontos de vista a audiências ampliadas, e seus espaços colaborativos formam teias complexas e muitas vezes complementares, que encadeiam seus conteúdos (PASTOR, 2016PASTOR, Bruno Leal. O negacionismo do Holocausto na internet: o caso da ‘Metapédia - a enciclopédia alternativa’. Assis, SP: Faces da História, v. 3, n. 1, 2016, p. 5-23., p. 11).

Como explica Malerba (2017MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era digital. Revista Brasileira de História, v. 37, n. 74, 2017, p. 135-54. doi: https://doi.org/10.1590/1806-93472017v37n74-06.
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, p. 136-141), o advento da internet reestruturou significativamente o trinômio composto por historiografia, historiador e públicos que acessam a escrita sobre o passado. Nesse processo, a própria autoridade do texto e do historiador profissional é posta à prova continuamente. Alteraram-se, nas últimas décadas, tanto os produtores quanto as audiências dos que acessam a escrita histórica, assim como as dinâmicas e conflitos entre eles. Assim, emerge de forma mais acentuada o caráter público da escrita do passado, não mais tão tutelada por instâncias tradicionais de produção de conhecimento.

A escrita histórica negacionista sobre os tribunais inquisitoriais se vale de alguns dos elementos acima analisados, ao que acrescento que são escritos que se vinculam a tradições historiográficas que remontam o pós-Revolução Francesa e, no Brasil, encontra terreno fértil, sobretudo, na literatura apologética católica. Aqui é importante salientar que tais textos, ainda que se vinculem a essa tradição, voltam-se a outras audiências e públicos. O que se nota é a construção, através de uma rede de ambientes virtuais, de uma comunidade de leitores, autores e textos que guarda relativa similaridade com a estrutura analisada por Bruno Pastor (2016PASTOR, Bruno Leal. O negacionismo do Holocausto na internet: o caso da ‘Metapédia - a enciclopédia alternativa’. Assis, SP: Faces da História, v. 3, n. 1, 2016, p. 5-23., p. 17) nas comunidades de negadores do holocausto nazista na Metapedia: são textos e hipertextos dispostos e organizados de maneira a retroalimentarem-se e formarem uma cadeia que envolve uma comunidade de leitores. Funcionam, grosso modo, como as seitas em torno de interpretações “alternativas” da história das quais falou Vidal-Naquet.

Ocorre aí algo próximo do que explica Rüsen (2009RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. Ouro Preto, MG. História da historiografia, v. 2, n. 2 (2009), p. 163-209. doi: https://doi.org/10.15848/hh.v0i2.12.
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, p. 169) a respeito de tais leituras sobre o passado organizarem construções de sentido histórico para ações de grupos em busca de orientação para tomadas de posição no presente, lhes fornecendo elementos com os quais constroem chaves de leitura para a realidade. Assim, esses usos do passado são elementos constitutivos de coesão identitária, nesse caso, em torno de um conservadorismo, entendido aqui como fenômeno mais complexo que a mera resistência ao moderno, sintetizando resistências articuladas, sistemáticas e organizadas às mudanças, do ponto de vista prático e teórico (HUNTINGTON, 1957HUNTINGTON, Samuel Phillips. Conservatism as an Ideology. The American Political Science Review, v. 51, n. 2, jun. 1957, p. 454-73., p. 461).

Invertendo lendas sobre a Inquisição

Uma escrita histórica que busque atenuar a imagem negativa da Inquisição remonta uma historiografia já um tanto antiga. Num primeiro momento, ela visou contrapor polêmicas anti-inquisitoriais que surgiram na Idade Moderna. Saliento que esse processo se deu no bojo de agitações religiosas na Europa, com a Reforma protestante e, ao longo dos séculos XVI e XVII, dos processos de confessionalização e de terríveis guerras decorrentes deles (RODRIGUES, 2012RODRIGUES, Rui Luís. Entre o dito e o maldito: humanismo erasmiano, ortodoxia e heresia nos processos de confessionalização do Ocidente. 1530-1685. Tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP, Universidade de São Paulo (USP), 2012., p. 372-4 e p 443-52). Nesse contexto, formaram-se os tribunais inquisitoriais português (1536) e romano (1542), décadas após o tribunal de Castela (1478). Formou-se aí terreno profícuo para polêmicas religiosas, que acompanharam a territorialização de religiões e igrejas pelo continente europeu. Nesse contexto, Bethencourt (2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 346-347) explica que as primeiras “ondas” de literatura anti-inquisitorial se deram graças ao “elemento protestante”, segundo o qual a Inquisição, nos escritos de autores como Casiodoro de Reina,3 3 Espanhol que se converteu e se tornou partidário do luteranismo no século XVI. Escreveu e assinou como Reginaldus Montanus a obra Sanctae Inquisitionis hispanicae artes aliquot detectae, ac palam traductae, em 1567, uma das principais polêmicas anti-Inquisição. convertia-se na expressão máxima da tirania praticada por Roma contra toda a orbe cristianum.

As críticas à Inquisição não restringiam-se à literatura produzida por protestantes. Yllan de Mattos (2014MATTOS, Yllan de. A Inquisição Contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Ed. Mauad/FAPERJ, 2014.) mostra que contestar o Santo Ofício como um todo, e o português em específico, foi mote central de ações de muitas figuras católicas importantes durante os séculos XVI e XVII. Henry Kamen (2014KAMEN, Henry. The Spanish Inquisition. A Historical Revision. 4th. ed. Yale University Press, New Haven, CT, 2014 (Kindle Edition)., cap. 4), mesmo citado (de maneira problemática) em alguns dos textos negacionistas analisados, mostra que os excessos da Inquisição espanhola, bem como sua própria existência foram criticados desde a sua implementação. Isso acontecia baseando-se em ideias que iam desde a memória da convivência pacífica entre católicos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica, até discordâncias sobre uso legítimo de força para manter a ortodoxia.

No século XVIII, o Iluminismo tratou de consolidar a imagem negativa da Inquisição. Pensadores como Voltaire ajudaram a transmitir a imagem de um tribunal ridículo, símbolo de fanatismo e tirania (2002, p. 42; 2005, p. 43-44). Nas vertentes católicas do Iluminismo, a tópica que associa a Inquisição ao atraso cultural e econômico ibéricos esteve presente em escritos de pensadores como Verney e de políticos como D. Luís da Cunha e o Marquês de Pombal (ROCHA, 2019bROCHA, Igor Tadeu Camilo. Entre o ‘ímpeto secularizador’ e a ‘sã teologia’: tolerância religiosa, secularização e Ilustração católica no mundo luso (séculos XVIII-XIX). Tese de doutorado em História, Programa de Pós-graduação em História da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2019b. , p. 138-162). Paralelamente, associaram-se às ideias iluministas as narrativas de ex-presos, como a do maçom John Coustos, contribuindo para a consolidação internacional da chamada lenda negra da Inquisição (ibidem, p. 259-283).

Mesmo assim, durante a maior parte da história das Inquisições não houve grande necessidade percebida por suas autoridades de escrever em defesa da instituição (BETHENCOURT, 2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 355-356). Contudo, esse tipo de produção teve importância. Feitler (2005FEITLER, Bruno. O catolicismo como ideal: produção literária antijudaica no mundo português da Idade Moderna. São Paulo: Novos Estudos - CEBRAP, nº 72, 2005, p. 137-58. doi: https://doi.org/10.1590/S0101-33002005000200008.
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), por exemplo, identificou a defesa das Inquisições nos sermões proferidos nos autos de fé portugueses do século XVII, nos quais justificava-se os tribunais em função de proteger a paz e ortodoxia dos reinos católicos. Há de se considerar, como explica Bethencourt (2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 355), que durante a maior parte da Idade Moderna esse tipo de leitura histórica positiva e elogios à Inquisição foi, sobretudo, “produção para consumo interno”, das próprias autoridades aos seus pares.

Há uma virada nesse tipo de produção após a Revolução Francesa. A partir de então, foram intensificadas as disputas de memória sobre os tribunais, estreitamente vinculadas a elogios ou detrações dos legados das monarquias absolutistas, nas primeiras décadas do século XIX. Em Portugal, por exemplo, disputar a história da Inquisição fez parte dos embates entre liberais e conservadores em torno das heranças do Antigo Regime, ligando a Inquisição a temas como a situação intelectual, cultural e política portuguesas nos séculos XIX e início do XX, dentre outras querelas (MARCOCCI; PAIVA, 2013MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: Ed. Esfera dos Livros, 2013., p. 449-459).

Nesse sentido que Joseph-Marie de Maîstre escreveu Lettres a un gentilhomme russe, sur l’Inquisition espagnole (1850MAÎSTRE, Joseph-Marie de. Lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition espagnole. Lyon: J-B. Pélagaud, 1850. Disponível em: Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k64784z.texteImage . Acesso em 06 mai. 2020.
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), uma apologia da Inquisição que, de fundo, defende um ordenamento católico de sociedade segundo valores de Antigo Regime. Ao longo do século XIX e início do XX, obras como as de Alexandre Herculano (2002HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Porto Alegre: Ed. Pradense, 2002.) e Henry Charles Lea (1993LEA, Henry Charles. Historia de la Inquisición Española. Vol. III. Traducción: Angel Alcalá y Jesús Tobio, Madrid: Fundación Universitaria Española, 1993., p. 531), que viram nas Inquisições ibéricas razões para o atraso cultural e científico de Portugal e Espanha em relação ao “mundo civilizado”, tiveram resposta em tópicas como a presente na obra de Menendez y Pelayo (1880MENENDEZ Y PELAYO, Marcelino. Historia de los heterodoxos españoles. Tomo III. Madrid: Librería católica de San José, 1880., p. 136-148), segundo a qual esses tribunais protegeram a herança da civilização católica tanto das heresias medievais quanto do protestantismo e, posteriormente, também das tendências irreligiosas modernas, como o enciclopedismo e o materialismo.

No século XX, também se publicou obras importantes em favor da Inquisição. Um exemplo é parte da obra de David Goldstein, produzida nos anos 1940 e de grande circulação em sites apologéticos modernos (CATHOLIC TRADITION, s/dCatholic Tradition. The Goldtein’s letters. Catholic Tradition. S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.catholictradition.org/Tradition/goldstein-letters.htm . Acesso em 01 mai. 2020.
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). O autor defende que a “natureza preconceituosa da documentação inquisitorial”, sobretudo quanto à culpa da perseguição judaica, representariam um problema tocante ao acesso à verdade histórica dos tribunais, mas também em relação a vitimização social das próprias comunidades judaicas do presente.

A partir da década de 1970 surgiu uma produção considerável de autores como Henningsen e Contreras (1986CONTRERAS, Jaime; HENNINGSEN, Gustav. In: HENNINGSEN, Gustav et al. The Inquisition in Early Modern Europe: Studies on Sources and Methods. Illinois: Northern Illinois University Press, 1986, p. 100-129. ) cujas pesquisas seriais mostram números de torturas, condenações e execuções dos tribunais espanhóis da Idade Moderna. Juntamente à revisão histórica publicada por Kamen, esses trabalhos são constantemente mobilizados nos textos analisados aqui como provas da brandura da Inquisição espanhola, confrontando seus números realistas à narrativa de a Inquisição ter “matado milhões” (BETHENCOURT, 2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 315).4 4 Bethencourt (2000, p. 315) fala de 1865 relaxados ao braço secular pela Inquisição portuguesa, nos tribunais de Lisboa, Coimbra e Évora, dentro de um universo de 44.807 processos datados entre 1536 e 1767. O autor ainda destaca algumas imprecisões da documentação para fazer levantamento similar no tribunal de Goa, no mesmo período. Bethencourt (2000, p. 308-315) faz levantamentos similares sobre tribunais italianos e hispânicos na Idade Moderna, cujo patamar não difere muito dos portugueses. Sobre a Espanha, Heningsen e Contreras (1986), analisando fundo documental que cobre a atividades da Inquisição de Castela entre 1560 e 1700, chegaram a 49.092 processos, dos quais 1,9% resultaram em condenação à fogueira. Esses exemplos ilustram o fato de que não existe, na produção historiográfica sobre as Inquisições, qualquer discussão sobre “milhões de mortos” pelos tribunais. Como será detalhado neste artigo, esse falso problema serve somente como um “espantalho” para textos negacionistas.

Nesse bojo, ainda há espaço para publicações como as de Horvat (1998HORVAT, Marie Therese. The Holy Inquisition: Myth or Reality. Catholic Family News. 1998.), Daniel-Rops (C. f. SORREL, 2000SORREL, Cristian. Daniel-Rops et l’Histoire de l’Église du Christ (1948-1965). Revue d’histoire de l’Église de France, v. 86, nº 217, 2000, p. 669-84. , p. 677) e outros que desenvolveram tópicas como a da importância da Inquisição em proteger a civilização de males como o catarismo, que os tribunais promoveram a modernização do processo jurídico ou que exageros quanto a imagem negativa do Santo Ofício foram fruto de campanhas de adversários do catolicismo e dos reinos ibéricos.

É importante ter em vista tais pontos para compreender tradição similar de escrita histórica que se desenvolveu no Brasil, evitando isolá-la. Um texto pioneiro dessa modalidade de escrita da história no Brasil foi publicado em 1930, por Plínio Corrêa de Oliveira, conhecido intelectual católico e catedrático em história na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No contexto da publicação, Oliveira estava no início de seu ativismo político e católico conservador, que teve seu desdobramento mais conhecido na fundação da organização de extrema-direita Tradição, Família e Propriedade (TFP) em 1967. Tal grupo apresenta-se até os dias de hoje como organização pautada pela tradição católica no combate à “maré montante do socialismo e do comunismo” (TFP, s/dTFP- Tradição, Família e Propriedade (site). Luz, água ou lenha? s/d. Disponível em: Disponível em: https://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/luz-agua-ou-lenha/ . Acesso em 01 mai. 2020.
https://www.tfp.org.br/tradicao-familia-...
).

No artigo, Oliveira (1930OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Os ‘horrores’ da Inquisição. Rio de Janeiro: A Ordem - órgão do Centro D. Vital. nº 8, vol. IV (nova série), ano X, agosto 1930, p. 83-87. ) acusa os “exploradores da história” de não somente exagerarem nos crimes e abusos da Inquisição, como também de representarem o inquisidor como a mais fiel imagem da fidelidade à fé católica. Assim, os historiadores, com ajuda das artes liberais como a literatura e o teatro, disseminam calúnias contra a Inquisição e exaltam valores da modernidade, embora, segundo Oliveira, essa última tenha produzido crimes muito mais atrozes que os tribunais católicos jamais imaginaram cometer. Como crimes da modernidade, cita a Revolução Russa (1917), a Comuna de Paris (1870) e as reformas liberais do México (1924), “desmandos sanguinários do ateísmo” que seriam historicamente piores que a Inquisição.

Pontos similares, porém, mais amplamente desenvolvidos aparecem em livro do padre José Bernard sobre a Inquisição, publicado em 1959. Nele, o autor usa tom laudatório aos tribunais católicos, exaltando o espírito de caridade observado nos seus objetivos de reconciliar os hereges, que ameaçavam a dissolução do Ocidente cristão, com a Igreja Católica (1959BERNARD, José, padre. A Inquisição: História de uma instituição controvertida. Rio de Janeiro: Ed. Vozes/Secretariado Nacional de Defesa da Fé, 1959., p. 9). Além disso, Bernard insiste na necessidade de contextualização dos tribunais conforme o pensamento das épocas Moderna e Medieval, afirmando categoricamente que mesmo seus críticos atuais os aprovariam se fossem contemporâneos deles (Ibidem).

Chama a atenção também como o religioso articula a dureza de procedimentos que poderiam, a rigor, levar réus à pena de morte, com a ideia de uma Igreja misericordiosa. Para isso, Bernard usa o exemplo do macarthismo como prova da necessidade de um sistema justo e caridoso, como aponta ser a democracia estadunidense, de perseguir doutrinas (e seus praticantes) que ameaçassem a liberdade geral (Ibidem, p. 8). Assim, comparava a caça aos comunistas da Guerra Fria com a perseguição aos cátaros medievais como ambos sendo atos benevolentes de preservação do bem coletivo.

Vários artigos sobre o tema Inquisição foram publicados na revista mensal Pergunte e Responderemos, editada pelo beneditino D. Estevão Bittencourt entre 1958 e 2008 (Católicos Online, s/dCatólicos Online (fórum). Pergunte e Responderemos, Revista. S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.pr.gonet.biz/revista.php . Acesso em 01 mai. 2020.
http://www.pr.gonet.biz/revista.php...
). No livro negacionista Para Entender a Inquisição foram citados 46 artigos do periódico que se apresenta como a primeira revista apologética do Brasil. Cabe um estudo mais aprofundado sobre o tema na revista Pergunte e Responderemos, o que não é o objetivo aqui, mas cabe mostrar que ela foi um importante nicho de circulação desse tipo de narrativa histórica.

Tem também grande importância a obra de João Bernardino Gonzaga (1993GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993. 4ª ed.), acadêmico e ex-professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), fundamental para difundir no Brasil a tópica de que a Inquisição teria antecipado procedimentos penais modernos. Segundo Gonzaga, a Igreja Católica, preservando o direito romano e a cultura antiga, teria, através da Inquisição, corrigido o direito “bárbaro” e “feudal” do medievo, no qual eram comuns e aceitos os linchamentos a hereges e bruxas, além de mesmo os julgamentos serem baseados no arbítrio do senhor feudal ou nos ordálios. Dessa maneira, a Inquisição teria sido pioneira num sistema de investigação e garantias penais aos réus.

A tese de Gonzaga da Inquisição enquanto mito fundador do direito moderno encontra ressonância em artigo acadêmico analisado nesta pesquisa, que endossa suas linhas gerais, acrescentando pontos como supostas ótimas condições humanitárias e sanitárias dos cárceres inquisitoriais (BARBOSA, 2014BARBOSA, Milton Gustavo Vasconcelos. Inquisição: a verdade por trás do mito fundador do processo penal moderno. Teresina, PI: Arquivo Jurídico, v. 1, nº 7, 2014, p. 126-41., p. 138). Gonzaga é a principal referência de Aquino na sua mencionada obra, com similaridades explícitas até na ordem e divisão de capítulos e seus temas (ROCHA, 2019aROCHA, Igor Tadeu Camilo. Entender ou defender o Santo Ofício? Negacionismo, apologética e usos da história inquisitorial em Para entender a Inquisição (2009), de Felipe Aquino. Ouro Preto, MG: História da Historiografia, v. 12, nº 29, 2019a, p. 179-213. doi: https://doi.org/10.15848/hh.v12i29.1371.
https://doi.org/https://doi.org/10.15848...
, p. 188 e p. 194).

Assim, fica claro que existe um importante arcabouço historiográfico ao qual as publicações dos sites católicos aqui analisadas recorrem. No conjunto, eles representam uma atualização das narrativas negacionista-apologéticas sobre a Inquisição, representando um elo entre elas e as guerras culturais do século XXI.

“A verdade” ocultada pelos historiadores e pelo mundo moderno

A lenda negra da Inquisição prejudica estudos históricos sobre esses tribunais por impelir às análises conclusões apriorísticas, baseadas no ponto de vista das vítimas dos processos, sem o devido cotejo com o pensamento jurídico-teológico de contextos como os das Idades Média e Moderna (FERNANDES, 2011FERNANDES, Alécio Nunes. Dos manuais e regimentos do Santo Ofício português: a longa duração de uma justiça que criminalizava o pecado (séc. XIV-XVIII). Dissertação de mestrado, História, Departamento de História/Programa de Pós-graduação em História, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2011.). Isso gera anacronismos variados e problemas metodológicos graves, sendo algo consistentemente enfrentado nas pesquisas com a documentação inquisitorial, nas suas reflexões teórico-metodológicas. Bennassar (1979BENNASSAR, Bartolomé. L’Inquisition Espagnole. XVe - XIXe siècle. Paris: Hachete, 1979., p. 105-141), por exemplo, partiu de números realistas sobre torturas e condenações à morte pela Inquisição espanhola para demonstrar que tais procedimentos, por eles mesmos, não explicavam o poderio dos tribunais ou sua duração por mais de 300 anos. Para ele, a pedagogia do medo presente na sua construção simbólica e imagética, além de sua ritualística e de seus procedimentos como o segredo processual, sacralizou a imagem dessa Inquisição de maneira significativa, formando um complexo aparato jurídico e simbólico que explica seu enraizamento social e influência. Ginzburg (1988GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem. Feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. João Batista Neto (trad.). São Paulo: Companhia das Letras , 1988. 2ª ed.) também observou além da mitologia da caça às bruxas e traçou um panorama de imposição gradual de pontos de vista religiosos dos inquisidores às sobrevivências de religiões pré-cristãs no norte da Itália moderna. Ainda como exemplo, cito análises robustas de Bethencourt (2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.) e Marcocci e Paiva (2013MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: Ed. Esfera dos Livros, 2013.) sobre procedimentos, manuais, regimentos, ritualismos e disputas de poder nas Inquisições Modernas, contextualizando-os com necessário rigor.

Porém, tais debates teórico-metodológicos são ignorados nas publicações analisadas neste artigo, e isso tem uma função muito central, pois serve, de forma instrumental, ao pressuposto falso, mais ou menos explícito nelas, de haver uma predominância das linhas gerais da lenda negra na historiografia tradicional sobre as Inquisições. Isso fica evidente em entrevista com o filósofo polonês Roman Konik, feita quando do lançamento de seu livro intitulado Em defesa da Inquisição e publicada no blog da revista Catolicismo (2006Catolicismo (site). Inquisição: mito e realidade histórica. Entrevista. Dr. Roman Konik. 2006. Disponível em: Disponível em: http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=6113500D-3048-560B-1C9A57FBCEBD780D&mes=Setembro2006.%20Acesso%20em%2001%20abr.%202020 .. Acesso em 01 abr. 2020.
http://catolicismo.com.br/materia/materi...
). O título da postagem, Inquisição: mito e realidade histórica, direciona uma leitura da entrevista no sentido de que ali se apresentará uma narrativa, no mínimo, não convencional sobre os tribunais por ir de encontro à lenda negra. Logo na apresentação, fala-se de um boicote acadêmico contra o autor vindo de “certa literatura liberal” por ele mostrar “fatos objetivos e bem documentados,” evidenciando que a Inquisição não foi composta por “carniceiros”, como seria a “visão geral”.

Reinaldo Azevedo (2012AZEVEDO, Reinaldo. E os milhões mortos pela Santa Inquisição? perguntam. E eu respondo. Revista Veja. 07/03/2012. Disponível em: <Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/e-os-milhoes-mortos-pela-santa-inquisicao-perguntam-e-eu-respondo/ >. Acesso em 04 fev. 2020.
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
), em coluna da revista Veja, publicou artigo E os milhões mortos pela Santa Inquisição? perguntam. E eu respondo. Nele, o jornalista parte do pressuposto de que a objetividade dos estudos sobre a Inquisição é nublada por ideologias, algo que os historiadores deveriam ser os primeiros a repudiar, mas, segundo ele, eles se esquecem desse rigor quando se trata de difamar a religião, sobretudo a católica. Isso os leva a repetir a mentira dos “milhões de mortos”, o que predominaria nos debates acadêmicos sobre a Inquisição, segundo publicação não assinada no site do Centro Santo Afonso de Ligório (2019):

É uma pena que as correntes históricas se pendurem aos teóricos antigos. Os «conceituados» continuam a ser as referências «fidelíssimas» na prática pedagógica e histórica; seja superior [acadêmica] ou média e fundamental [ensino básico], continua a ritualista tradição a-histórica, não transparente sobre os acontecimentos e de tom alienado, incluindo dentre destes [sic], muitos estudiosos, professores e jornalistas (aspas do original).

Já texto de Benjamim Wicker, traduzido e publicado no site Logos Apologética (2013) em seção cujo sugestivo título é “Refutações”, diz que “tanto protestantes como secularistas, visando seus próprios objetivos,” produziram narrativas que exageraram os males da Inquisição “transformando em demônios de palha inquisidores e mesmo Papas.” Fernando Petersen (2019PETERSEN, Fernando. Alguns mitos sobre a Santa Inquisição da Igreja Católica. Guardião Católico (blog). 15/02/2019. Disponível em: Disponível em: https://santaigrejacatolica.com.br/2019/02/15/alguns-mitos-sobre-santa-inquisicao-da-igreja-catolica/ . Acesso em 10 fev. 2020.
https://santaigrejacatolica.com.br/2019/...
), na apresentação de post no blog Guardião Católico que traz vídeo do padre Paulo Ricardo sobre o tema, reforça que “muita coisa sobre a Santa Inquisição Católica não é contada” pelos historiadores. O mesmo padre, em seu curso sobre a Inquisição, diz que a imagem de “máquina de moer gente” criada sobre os tribunais decorre de historiadores “anticlericais e suas narrativas mirabolantes” (AZEVEDO, 2016bAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. A Inquisição Espanhola e Romana. Inquisição (curso aula 3). 01/2016b. Disponível em: Disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao . Acesso em 20 abr. 2020.
https://padrepauloricardo.org/cursos/inq...
). Já um editorial do site Amen (2015Amen (site). A Inquisição - Editorial de 08/03/2015. Disponível em: Disponível em: http://www.amen-etm.org/Inquisicao.htm . Acesso em 31 mar. 2020.
http://www.amen-etm.org/Inquisicao.htm...
) atribui toda a imagética negativa sobre os tribunais a uma historiografia que chegou a ela antes de ser possível acessar fontes fidedignas. Assim “pseudoestudiosos” fizeram análises desonestas e anacrônicas, superdimensionando sua violência.

Decorrente dessa construção, aparece outro lugar comum a esses artigos que é a reafirmação de que questionar a premissa da “Inquisição matou milhões” também é um enfrentamento do establishment de uma historiografia dominada por historiadores ideologizados e anticatólicos. É uma retórica segundo a qual defender a Inquisição é ir contra o status-quo. Para fazer isso, é fundamental desqualificar o conhecimento histórico atribuído aos atores centrais desse establishment - historiadores, professores, sistemas educacionais, imprensa e artes. Eles se tornam alvos principais dessas narrativas, reduzidos a propagadores de anticatolicismo.

Nesse sentido, Reinaldo Azevedo (2012AZEVEDO, Reinaldo. E os milhões mortos pela Santa Inquisição? perguntam. E eu respondo. Revista Veja. 07/03/2012. Disponível em: <Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/e-os-milhoes-mortos-pela-santa-inquisicao-perguntam-e-eu-respondo/ >. Acesso em 04 fev. 2020.
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
) especifica os professores ideologizados de colégios, cursinhos e universidades como reprodutores da tópica dos “milhões de mortos pela Inquisição” a despeito dos fatos históricos. No blog Apostolado Spiritus Paraclitus (2013Apostolado Spiritus Paraclitus (blog). A lenda negra da Inquisição. 06/01/2013. Disponível em: Disponível em: https://gloria.tv/post/M6YcMGG7vVCk1P6z4AtUQmdgt . Acesso em 10 fev. 2020.
https://gloria.tv/post/M6YcMGG7vVCk1P6z4...
), um artigo sobre o tema começa dizendo que:

Infelizmente, ainda hoje, pessoas com a mentalidade formada pelo professor do Ensino Médio, que falava abobrinhas e uma porção de besteiras sobre a Inquisição continuam difundindo os velhos chavões (...), sem levar em consideração a desideologização do assunto e os recentes estudos históricos (grifos meus).

Aquino, em post no blog da editora Cléofas, reproduz artigo assinado pelo historiador Rafael Diehl de teor claramente revisionista sobre a Inquisição, acrescentando-lhe a seguinte epígrafe:

Não, o seu professor anticlerical e marxista não contou a você a história real, documentada e objetiva (AQUINO, 2019AQUINO, Felipe. Inquisição: uma breve história. Cléofas (site). Reprodução do texto: DIEHL, Rafael Mesquita. Inquisição: um olhar sem ideologia. 13/03/2019. Disponível em: Disponível em: https://cleofas.com.br/inquisicao-uma-breve-historia/ . Acesso em 02 abr. 2020.
https://cleofas.com.br/inquisicao-uma-br...
).

Algo mais detalhado de caráter acusatório contra o ensino da história das Inquisições é um post no site da Frente Estudantil Lepanto, atuante em universidades e que se descreve como “grupo de estudantes católicos brasileiros e conservadores” a fim de “defender os valores morais e culturais da Civilização Cristã e, consequentemente, combater os erros do nosso século”. Dentre os “erros”, enumeram aborto, casamento homossexual, disseminação do marxismo, entre outros (LEPANTO, s/dFrente universitária & estudantil Lepanto. Quem somos. s/d. Disponível em: Disponível em: https://lepanto.com.br/quem-somos/quem-somos/ . Acesso em 02 mai. 2020.
https://lepanto.com.br/quem-somos/quem-s...
).

No blog da Lepanto, artigo assinado por Lohan Oliveira (2019OLIVEIRA, Loham. Mentiras sobre a Igreja que são ensinadas na escola como verdades e as devidas respostas. Frente Estudantil Lepanto (site). 25/10/2019. Disponível em: Disponível em: https://lepanto.com.br/2019/10/mentiras-sobre-a-igreja-que-sao-ensinadas-na-escola-como-verdades-e-as-devidas-respostas/ . Acesso em 02 abr. 2020.
https://lepanto.com.br/2019/10/mentiras-...
) inicia seu argumento esclarecendo que o texto “foi inicialmente feito para ajudar uma amiga que tinha certas dúvidas sobre a Igreja, após o que ‘aprendeu’ (aspas do autor) da professora na escola numa aula de Filosofia”. Oliveira diz que objetivou mostrar publicamente as “inverdades que serão rebatidas”, já que elas “são apresentadas em diversos outros lugares porque está na crença popular” sobre a Inquisição. Assim, “muita gente crê realmente nelas por serem repetidas a todo tempo por todo mundo”. As questões que o autor propõe a refutar são três: que no medievo, “época cristã”, as “pessoas que não seguiam as leis da Igreja eram perseguidas e mortas, não tinham liberdade”; que “a Igreja reprimia a liberdade de expressão, não aceitavam opiniões diferentes, ‘faz isso ou vai pro inferno’. Período da escuridão (Igreja no Poder)”; por fim, que “depois que a Igreja saiu do poder a sociedade começou a se desenvolver, ou seja, ela teve avanços.”

Em tom menos polido e muito mais misógino, um post do blog O Catequista comenta o perdão que a Igreja pediu por violências históricas que tiveram seus membros envolvidos (VATICANO, 1994VATICANO. Tertio millenio adveniente. Carta Apostólica do sumo pontífice ao episcopado, ao clero e aos fiéis sobre a preparação para o jubilei do ano 2000. 10/11/1994. Disponível em: Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19941110_tertio-millennio-adveniente.html . Acesso em 06 mai. 2020.
http://www.vatican.va/content/john-paul-...
), afirmando que João Paulo II:

(...) pediu perdão pelos abusos reais cometidos durante as Inquisições, e não pelos caôs que a Tia Cocota te contava na escolinha. Nem pediu perdão pelas mentiras que o seu professor te contou na faculdade, sem apresentar nenhuma fonte decente (O CATEQUISTA, 2019aO Catequista (site). O pedido de perdão de João Paulo II não foi como dizem por aí. 28/01/2019. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18239-o-pedido-de-perdao-de-joao-paulo-ii-nao-foi-como-dizem-por-ai . Acesso em 03 abr. 2020.
https://ocatequista.com.br/historia-da-i...
, grifos meus).

Insulto similar é repetido por Edmilson Silva em post no fórum Católicos Online, dizendo que:

(...) diferente do que a Tia Cocota te ensinou na escola, o fato é que a Inquisição não nasceu da vontade de esmagar a diversidade ou oprimir o povo, era mais uma tentativa de acabar com as execuções injustas (s/d, grifos meus).

Segundo post do blog da Associação Cultural Montfort (FEDELI, 2005FEDELI, Orlando. Dúvidas preconceituosas sobre a Inquisição. Montfort - Associação cultural (site). 21/08/2005. Disponível em: Disponível em: http://www.montfort.org.br/bra/cartas/historia/20050821193706/ . Acesso em 05 mar. 2020.
http://www.montfort.org.br/bra/cartas/hi...
), além dos professores, “artiguetes de jornal” seriam responsáveis pela disseminação do que chamam de dúvidas preconceituosas sobre a Inquisição. Petersen (2019PETERSEN, Fernando. Alguns mitos sobre a Santa Inquisição da Igreja Católica. Guardião Católico (blog). 15/02/2019. Disponível em: Disponível em: https://santaigrejacatolica.com.br/2019/02/15/alguns-mitos-sobre-santa-inquisicao-da-igreja-catolica/ . Acesso em 10 fev. 2020.
https://santaigrejacatolica.com.br/2019/...
), Wicker (2013WICKER, Benjamin. A Inquisição na Igreja Católica. MENEZES, Rafael Pereira de (trad.). Logos Apologética Cristã (blog). 29/09/2013. Disponível em: Disponível em: https://logosapologetica.com/inquisicao-igreja-catolica/ . Acesso em 10 fev. 2020.
https://logosapologetica.com/inquisicao-...
) e um post não assinado do blog Ecclesia Militans (2013Ecclesia Militans: evangelizando & defendendo a fé católica (blog). A Inquisição esquecida. 03/02/2013. Disponível em: Disponível em: https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a-inquisicao-esquecida/ . Acesso em 13 fev. 2020.
https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a...
) colocam livros didáticos, cinema, imprensa e artes como difusores das visões falsas e exageradas sobre a Inquisição. Já Aquino (2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 123), ao argumentar sobre a predominância da ideia de que a “Inquisição matou milhões” na historiografia, cita Dan Brow e seu Código Da Vinci (2003), evidenciando haver distância tênue nessas construções sobre o que se produz no ofício do historiador e o que é feito noutros âmbitos, como o jornalístico e o ficcional. Mais que isso, cabe mencionar que o nome do autor de best-sellers é o único apontado nos textos analisados sobre a tese da Inquisição ter matado milhões. Geralmente, a afirmação dessa tese predominar na historiografia nunca vem acompanhada de apontamentos objetivos de historiadores ou obras que a defendam.

No conjunto, essas narrativas negacionistas constroem uma retórica em torno de haver uma suposta verdade sobre a Inquisição ocultada do público por muitos que escrevem sobre o passado. É observável nelas a contraposição entre “fatos” ou “verdades”, identificados nas narrativas apologéticas e negacionistas, e “mentiras”, “dúvidas preconceituosas”, “caôs” etc. atribuídos a historiadores, professores e livros didáticos, mas também às artes, jornalistas e cultura pop. Os primeiros, isolados e perseguidos, e os segundos, onipresentes na modernidade.

Juntamente com isso, esses artigos afirmam, direta ou indiretamente, haver certo consenso ideologicamente motivado nos espaços de produção de narrativas históricas quanto aos seus conteúdos, uma espécie de “conspiração”. A teoria crítica sobre os conspiracionismos elaborada por Byford (2011BYFORD, Jovan. Conspiracy theories: A critical introduction. Springer, UK: Palgrave McMillan, 2011., p. 34-35 e 76-79) analisa minuciosamente os elementos constitutivos das narrativas conspiratórias, e entre eles está a delimitação vaga e assertiva dos agentes de um grande plano juntamente com a presunção de haver entre eles uma harmoniosa colaboração, de forma que um grupo (os comunistas, os judeus, e no caso aqui os historiadores etc.) conseguiria agir para manipular o todo da sociedade.

Os negacionistas aqui analisados aproximam-se do conspiracionismo quando passam a ideia de que historiadores, professores e outros que produzem narrativas sobre o passado, organizadamente, esconderiam os fatos do público em função de propagar ideologias anticatólicas. Esse aspecto reforça, no negacionismo, a aparência anti-establishment, na qual o anti-intelectualismo é signo de resistência política, intelectual e moral à modernidade presumidamente anticatólica e irreligiosa.

Contudo, se uma parte dessa narrativa negacionista é constituída a partir da deslegitimação das mediações tradicionais entre instâncias de produção de conhecimento histórico e sociedade, uma outra necessita da construção de critérios de verdade próprios. Cabe menção ao conceito de regimes de verdade, de Foucault (1988FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In: Idem. Microfísica do Poder. Roberto Machado (trad. e org.). Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 1-14., p. 1-14), segundo o qual comunidades humanas possuem e elaboram políticas gerais de verdade, englobando discursos que a acolhem e validam. Assim, sociedades organizam mecanismos e instâncias que permitem-lhes distinguir enunciados verdadeiros de falsos, sancionando uns e vetando outros. Esses regimes de verdade apoiam-se em instituições que transmitem e legitimam a realidade, de maneira a produzirem e reproduzirem relações de poder e coesão identitária no seu interior. A seu modo, os artigos negacionistas analisados se valem de regimes de verdade bem delimitados. Neles, há escolhas de determinadas fontes de verdade nas quais os autores respaldam seus pressupostos.

Dentro do corpus literário que mobilizam, há importância central das atas do Simpósio Internacional sobre a Inquisição, realizado em 1998 na Cidade do Vaticano (MATTOS, 2014MATTOS, Yllan de. A Inquisição Contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Ed. Mauad/FAPERJ, 2014., p. 25). Essas atas foram publicadas em livro, organizado por Agostino Borromeo (2003BORROMEO, Agostino (org.). L’Inquisizione. Atti del Simposio Internazionale. Città del Vaticano: Biblioteca Apostolica Vaticana, 2003.). Aos objetivos deste artigo importa menos o conteúdo da obra que o uso dele pelos negacionistas analisados. Nesse sentido, nota-se que há uma abordagem comum neles, que é a adotada pelo post assinado por Leonardo Barbosa (2017BARBOSA, Leonardo. A verdade sobre a Inquisição. Apologética VII. 19/12/2017. Disponível em: Disponível em: https://apologeticavii.wordpress.com/2017/12/19/a-verdade-sobre-a-inquisicao/ . Acesso em 10 fev. 2020.
https://apologeticavii.wordpress.com/201...
) no blog Apologética VII, cujo título é A verdade sobre a Inquisição. Nele, há informações gerais sobre as datas e dados mostrados no livro, sempre na forma de citações indiretas de matérias jornalísticas sobre ele. Estrutura similar encontra-se no livro de Aquino (2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 22-23), que também faz uma apresentação por citações indiretas de dados da obra para, em seguida, concluir que aquelas informações “demoliram algumas ideias falsas sobre a Inquisição.” Nota-se que as atas do Simpósio são mobilizadas como argumento de autoridade, segundo o qual desse livro viria uma espécie de interpretação final sobre a história da Inquisição.

O blog Ecclesia Militans (2013Ecclesia Militans: evangelizando & defendendo a fé católica (blog). A Inquisição esquecida. 03/02/2013. Disponível em: Disponível em: https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a-inquisicao-esquecida/ . Acesso em 13 fev. 2020.
https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a...
) é esclarecedor quanto a essa construção. Nele, o livro de Borromeo é apresentado como argumento definitivo de comprovação de teses revisionistas e negacionistas pelo fato de ter sido feito a partir de fontes do Vaticano e, por isso, somente ele poderia trazer análises objetivas sobre os tribunais sem incorrer no tom propagandista protestante ou na apologética católica. Já em post do blog Icatólica (2013Icatólica (site). A verdade sobre a Inquisição. 08/08/2013. Disponível em Disponível em https://www.icatolica.com/2013/08/a-verdade-sobre-inquisicao.html . Acesso em 04 fev. 2020.
https://www.icatolica.com/2013/08/a-verd...
), os mesmos elementos são elencados para se defender tal livro como “prova irrefutável” de que a grande difamação contra a Inquisição e a Igreja católica, perpetrada por historiadores, livros didáticos e mídia, é resultado de anticatolicismo e falta de objetividade nos estudos. O Catequista adota um tom ainda mais eloquente:

Portanto qualquer um que se proponha a debater com ar de autoridade sobre as Inquisições, mas não teve acesso ao conteúdo do L’inquisizione (ao menos por meio de fonte secundária, como um bom livro que apresente os seus principais pontos), simplesmente não merece respeito. É um fanfarrão! Não pense duas vezes antes de desmascarar quem se põe a meter o pau na Igreja Católica, como se fosse especialista de um tema sobre o qual nunca estudou o mínimo necessário. É um jumento arrogante, sim! (O CATEQUISTA, 2019bO Catequista (site). A importância das Atas do Simpósio Internacional sobre as Inquisições. 02/05/2019. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18257-a-importancia-das-atas-do-simposio-internacional-sobre-a-inquisicao . Acesso em 14 fev. 2020.
https://ocatequista.com.br/historia-da-i...
, grifos meus).

Noutro texto do site da Montfort (2004), no qual admite-se que o autor não leu a obra, mas citações indiretas dela retiradas do site católico Zenit,5 5 Matéria de 15/06/2004. Quando da escrita deste artigo, ela está fora do ar. L’Inquisizione é apresentado como prova para refutar a afirmativa de que a Inquisição teria matado 20 milhões de pessoas. No blog Cristão Guerreiro (2017Cristão Guerreiro (blog). Entendendo a Inquisição e as Inquisições. 11/03/2017. Disponível em: Disponível em: http://cristaoguerreirooficial.blogspot.com/2017/03/entendendo-inquisicao-e-as-inquisicoes.html . Acesso em 18 fev. 2020.
http://cristaoguerreirooficial.blogspot....
), fala-se de uma superação nos estudos acadêmicos sobre a Inquisição de pontos que endossem a lenda negra devido à publicação de Borromeo.

A exaltação do dito livro articula dois pontos centrais. Em primeiro lugar, fala-se continuamente que o livro é fruto de trabalhos inéditos de análise de documentos antes restritos ao Arquivo Secreto do Vaticano. Depreende-se daí uma noção de “prova oficial” relacionada a essa documentação, como se dali se emanassem verdades definitivas e oferecedoras do passado como ele foi (LIZ, 2019LIZ, Isa Maria Moreira. A defesa da Inquisição: uma análise do discurso católico-revisionista na contemporaneidade. Monografia de graduação em História. Departamento de História, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2019., p. 41). Essa asserção desconsidera a enormidade de arquivos nos quais a documentação inquisitorial se encontra ao redor do mundo.6 6 Como os vários exemplos dessa lista de acervos e arquivos online sobre as Inquisições, organizado em site da Universidade de Notre Dame: https://inquisition.library.nd.edu/links.RBSC-INQ:COLLECTION. Acesso em 03 mai. 2020.

Em segundo lugar, há uma ênfase nos textos ao fato de que os estudos publicados no livro não foram feitos exclusivamente por historiadores católicos, usada de forma a reforçar que são estudos objetivos e científicos, não apologéticos. Assim, ao se afirmar a composição multiconfessional e ideologicamente plural do grupo de historiadores que publicaram no L’Inquiziozione busca-se um efeito de neutralidade. A necessidade de validação por essa chave explica uma ambiguidade dos textos negacionistas em buscarem referendar seus argumentos em historiadores “seculares”.

Em artigo do Apostolado Spiritus (2013), menciona-se uma desideologização recente dos estudos sobre as Inquisições. Os exemplos disso são, sobretudo, as atas organizadas por Borromeo, mas além delas as obras de Kamen e Bannassar, usadas para referenciar afirmações de que houve poucas mortes e torturas praticadas pela Inquisição espanhola. O Catequista (2018cO Catequista (site). O “Museu da Tortura” e a Inquisição: detonando um post mentiroso. 28/11/2018. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18225-o-museu-da-tortura-de-amsterda-e-a-inquisicao-detonando-um-post-mentiroso . Acesso em 02 abr. 2020.
https://ocatequista.com.br/historia-da-i...
) cita Kamen ao lado de Cecil Roth como referências para criticar o sensacionalismo de um museu da Inquisição que apresentava peças de tortura claramente não vinculadas a ela.

Kamen, Contreras e Heningsen comumente aparecem como fonte de números que atestam serem modestos os números de torturas e mortes praticadas pelos tribunais hispânicos. Contudo, tais números só são pequenos porque se estabelece a modernidade como parâmetro de comparação. Assim, nazismo e comunismo postos como responsáveis verdadeiros por milhões de mortos, e não a Inquisição, é um tópico comum em vários textos analisados (AZEVEDO, 2012AZEVEDO, Reinaldo. E os milhões mortos pela Santa Inquisição? perguntam. E eu respondo. Revista Veja. 07/03/2012. Disponível em: <Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/e-os-milhoes-mortos-pela-santa-inquisicao-perguntam-e-eu-respondo/ >. Acesso em 04 fev. 2020.
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
; ZAMORANO, s/dZAMORANO, Guido. A Inquisição e a Reforma Protestante: Mito e realidade. Trad. Rogério Hirota “SacroSanctus” (trad.). Exsurge Domini: o site de católico para católico. S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.exsurge.com.br/apologeticas/inquisicao/textosinquisicao/ainquisicaoeareformaprotestantemitoerealidade.htm . Acesso em 05 mar. 2020.
http://www.exsurge.com.br/apologeticas/i...
; AZEVEDO, 2016bAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. A Inquisição Espanhola e Romana. Inquisição (curso aula 3). 01/2016b. Disponível em: Disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao . Acesso em 20 abr. 2020.
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, AQUINO, 2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 272-277). Neles, não há qualquer problematização sobre a violência em perspectiva histórica, restringindo a análise na comparação quantitativa de mortos. Em uma delas, foi feita uma curiosa comparação dos números de mortos pela Inquisição com o por acidentes de trânsito (AMEN, 2015Amen (site). A Inquisição - Editorial de 08/03/2015. Disponível em: Disponível em: http://www.amen-etm.org/Inquisicao.htm . Acesso em 31 mar. 2020.
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).

Aquino (2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 271) sintetiza muito bem o sentido que tais textos empregam nesse tipo de construção: desvelar o “moralismo histórico” de historiadores modernos nas condenações à Inquisição, incoerente com o tratamento positivo (segundo o autor) dado aos morticínios modernos, como o Terror da Revolução Francesa, o stalinismo ou os campos de concentração. Retira-se, assim, do historiador que critica a Inquisição, qualquer autoridade moral de fazê-lo.

No post de Rafael Liberdi (2017LIBERDI, Rafael. Apontamentos sobre a Inquisição: a verdade e o mito. Estudos Nacionais (site). 31/05/2017. Disponível em: Disponível em: https://www.estudosnacionais.com/5335/apontamentos-sobre-inquisicao-verdade-e-o-mito/ . Acesso em 06 abr. 2020.
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), afirma-se de início que em “discussões entre leitores vorazes de sinopses que se decidem os rumos da humanidade”, introduzindo uma crítica sobre falta de objetividade na história que chegaria, segundo ele, na ideia de a “Inquisição ter matado 10 milhões de pessoas”. Sem comprovar qual a fonte dessa afirmação, Liberdi diz que “o próprio Jaqcues Le Goff, famoso historiador medieval [sic] ateu,” confirma a falsidade dessa declaração. É comum aparecer a menção a Lea sobre a Inquisição ter salvado o mundo do catarismo que, caso triunfasse, levaria a Europa à barbárie, trazendo junto a isso a informação de tal historiador ser protestante ou mesmo anticlerical (FEDELI, 2005FEDELI, Orlando. Dúvidas preconceituosas sobre a Inquisição. Montfort - Associação cultural (site). 21/08/2005. Disponível em: Disponível em: http://www.montfort.org.br/bra/cartas/historia/20050821193706/ . Acesso em 05 mar. 2020.
http://www.montfort.org.br/bra/cartas/hi...
; CRISTÃO GUEREIRO, 2017Cristão Guerreiro (blog). Entendendo a Inquisição e as Inquisições. 11/03/2017. Disponível em: Disponível em: http://cristaoguerreirooficial.blogspot.com/2017/03/entendendo-inquisicao-e-as-inquisicoes.html . Acesso em 18 fev. 2020.
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; ECCLESIA MILITANS, 2013Ecclesia Militans: evangelizando & defendendo a fé católica (blog). A Inquisição esquecida. 03/02/2013. Disponível em: Disponível em: https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a-inquisicao-esquecida/ . Acesso em 13 fev. 2020.
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).

Cria-se, assim, um corpus de obras legitimadas para os estudos sobre a Inquisição, mobilizadas por via de regra como viés de confirmação ou de maneira funcional, criando efeito de neutralidade. Além disso, notam-se equívocos e/ou distorções nas próprias leituras de algumas obras, como a descontextualização da mencionada afirmação de Lea ou ignorar-se todas as discussões feitas por Kamen a respeito dos números que apresenta dos tribunais hispânicos. Diehl (2014DIEHL, Rafael Mesquita. Inquisição: um olhar sem ideologia. Artigo publicado originalmente na 9ª edição da Revista Vila Nova, em dezembro de 2013. Homem Eterno (site). 26/02/2014. Disponível em: Disponível em: http://homemeterno.com/2014/02/inquisicao-uma-breve-historia/ . Acesso em 01 abr. 2020.
http://homemeterno.com/2014/02/inquisica...
), em artigo que começa mencionando que sua proposta é discutir o tema Inquisição “sem ideologias”, constrói sua argumentação seguindo um trajeto no qual transita de leituras de negacionistas até historiadores “tradicionais”, esses mobilizados como viés de confirmação. Ao fim, o texto reafirma pontos como os aqui analisados, mas tratados com aparência acadêmica, como consensos historiográficos.

Mais ousado é o post de Rafael Rodrigues (2016RODRIGUES, Rafael. Bibliografia Robusta Para Estudar a Inquisição. Apologistas Católicos (blog). 13/02/2016. Disponível em: <Disponível em: http://apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/849-uma-bibliografiarobusta-para-estudar-a-inquisicao >. Acesso em 03 abr. 2020.
http://apologistascatolicos.com.br/index...
), que prescreve uma lista bibliográfica para estudar a Inquisição. Misturando autores abertamente negacionistas, como Aquino, revisionistas, como Rops, e obras de historiadores acadêmicos comumente usadas como viés de confirmação, como a de Kamen, diz que a leitura dessas obras serve para se “refutar a lenda negra da Inquisição”. Completa que “séculos de propaganda falsa tem convencido a maioria das pessoas que a Inquisição foi uma das instituições mais más [sic] que já foram inventadas”, concluindo que quem falar algo sobre os tribunais sem ter lido metade daquela lista não passará de um “palpiteiro”.

Assim, o elemento negacionista desses textos sustenta-se numa dupla falsificação. A primeira é a articulação desses escritos a partir de um falso problema, um “espantalho” que é a predominância da lenda negra na escrita e no ensino da história da Inquisição por motivações anticatólicas. A segunda está na própria construção de critérios e sentidos de verdade nesses textos, materializadas nos vários elementos de sua escrita sobre a história das Inquisições, que são questionáveis tanto do ponto de vista metodológico quanto do ético.

Apologética, polêmicas e guerra cultural

Nos usos desse tipo de narrativa histórica se observa seu caráter apologético. Nesse sentido, dois aspectos complementam-se. O primeiro é a defesa do catolicismo conservador como verdade que transcende quaisquer realidades históricas. Assim, tais narrativas buscam esvaziar e contrapor, através desse negacionismo histórico, tudo que possa vir a significar algum desvio ou erro da Igreja e doutrina católicas. O segundo é a polêmica, ou seja, o uso desse passado como arma de ataque. Trata-se da busca por inserção desses grupos católicos conservadores num quadro maior de guerras culturais no Brasil, o que remete a tradições anteriores das direitas brasileiras e seu posicionamento nas disputas por espaço político desde a redemocratização (PIERUCCI, 1987PIERUCCI, Antônio Flávio. As Bases Da Nova Direita. São Paulo, Novos Estudos, 19, 1987, p. 26-45. ), e que nas primeiras décadas do século XXI acompanham tendências e movimentos de novas direitas (ARAÚJO, 2017ARAÚJO, Valdei. O Direito à História: o(a) Historiador(a) como Curador(a) de uma experiência histórica socialmente distribuída. In: GUIMARÃES, Géssica; BRUNO, Leonardo; PEREZ, Rodrigo (orgs.) Conversas sobre o Brasil: ensaios de crítica histórica. Rio de Janeiro: ed. Autografia, 2017, p. 191-216.).

No artigo do fundador da TFP sobre Inquisição, notam-se linhas gerais de como as narrativas negacionistas fundamentam apologias ao conservadorismo católico através de usos do passado: ressalta-se nele a santidade da Igreja em instituir a Inquisição por motivações benignas, salvando a sociedade do barbarismo; destaca-se a brandura de seus procedimentos, sobretudo comparando-a aos dos tribunais seculares contemporâneos a ela, além de suas contribuições ao direito moderno; admite-se, porém, que houve erros e abusos na sua atuação, mas que eles foram fruto de ações individuais, não da Igreja como instituição ou sua doutrina, reafirmados como infalíveis; tais erros são ainda produto da ingerência de agentes externos, como o “Estado” (OLIVEIRA, 1930OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Os ‘horrores’ da Inquisição. Rio de Janeiro: A Ordem - órgão do Centro D. Vital. nº 8, vol. IV (nova série), ano X, agosto 1930, p. 83-87. ). Azevedo (2016dAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. Apresentação. Inquisição (curso). 01/2016d. Disponível em: Disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao . Acesso em 07 mai. 2020.
https://padrepauloricardo.org/cursos/inq...
) diz que “marxistas ou liberais, protestantes ou ateus, todos estão prontos para acusar a Igreja com essa página aparentemente ‘obscura’ e ‘vergonhosa’ (aspas do autor) de sua existência”, propondo assim um curso a fim de que católicos se capacitem para responder adversários.

Exemplo importante disso se vê em artigo do historiador Jean-Claude Dupuis (2016DUPUIS, Jean-Claude. A defesa da Inquisição por um PHD em História. Apologistas Católicos. 09 mar. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/860-a-defesa-da-inquisicao-por-um-phd-em-historia . Acesso em 05 fev. 2020.
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), traduzido e publicado no blog Apologistas Católicos. O autor justifica a natureza benevolente da Inquisição descrevendo os cátaros, contra quem os tribunais medievais agiram, como contrários ao matrimônio e procriação, além de incentivarem abortos, infanticídios e suicídios. Assim, Dupuis busca ligar o combate medieval ao catarismo com as agendas políticas conservadoras atuais, como as relacionadas aos direitos de procriação. A ação inquisitorial, segundo Dupuis, foi restauradora da ordem social e religiosa rompida pela heresia. Em seguida, pondera que durante a cruzada contra os cátaros houve excessos e violências praticadas por católicos em meio ao caos social, mas provocados pelos cátaros que atraíram a ira do povo contra si devido as práticas enumeradas pelo autor.

A Inquisição, para Dupuis, não atuou como agente de um massacre contra os cátaros, mas como quem o conteve, regulando a sua perseguição, tendo ainda papel humanitário por punir os líderes da seita e perseguir os que sobreviveram e, secretamente, ameaçavam retomá-la, reinstaurando o caos na Europa. Dupuis conclui dizendo que os católicos não devem tentar reestabelecer a Inquisição na contemporaneidade, pois o tribunal jaz fora de seu contexto. Porém, devem reabilitá-la na sua história a fim de não aceitar a subserviência ou o rebaixamento da Igreja perante valores modernos.

O blog Apologistas da Fé Católica (2018Apologistas da Fé Católica (blog). A Inquisição e a Bruxaria. 24/02/2018. Disponível em Disponível em https://apologistasdafecatolica.wordpress.com/2018/02/24/a-inquisicao-e-a-bruxaria/ . Acesso em 06 fev. 2020.
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) ressalta a tolerância dos inquisidores por tratarem a bruxaria como fruto de ignorância e não como pacto com o demônio, sublinhando a razoabilidade do seu procedimento. Em trecho de artigo de D. Bettencourt publicado no site Catolicismo Romano (S/dCatolicismo Romano (site). A História não contada: cai a maior fraude sobre a História da Inquisição envolvendo o catolicismo. Trecho do artigo de D. Estevão (Bithencourt, OSB). 12/2019. Disponível em Disponível em https://www.catolicismoromano.com.br/a-historia-nao-contada-cai-a-maior-fraude-sobre-a-historia-da-inquisicao-envolvendo-o-catolicismo/ . Acesso em 06 fev. 2020.
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), defende-se que os propósitos dos tribunais inquisitoriais eram de salvar os hereges, provendo-lhes justiça e condição de emenda dos erros. Contudo, tais bons propósitos foram deturpados pela ingerência secular, exemplificada no caso dos Templários, condenados por uma trama comandada pelo então rei de França.

Petersen (2019PETERSEN, Fernando. Alguns mitos sobre a Santa Inquisição da Igreja Católica. Guardião Católico (blog). 15/02/2019. Disponível em: Disponível em: https://santaigrejacatolica.com.br/2019/02/15/alguns-mitos-sobre-santa-inquisicao-da-igreja-catolica/ . Acesso em 10 fev. 2020.
https://santaigrejacatolica.com.br/2019/...
) destaca tanto contribuições da Inquisição ao direito moderno, quanto que seus erros e abusos foram de responsabilidade de indivíduos, não da instituição. No Ecclesia Militans (2013Ecclesia Militans: evangelizando & defendendo a fé católica (blog). A Inquisição esquecida. 03/02/2013. Disponível em: Disponível em: https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a-inquisicao-esquecida/ . Acesso em 13 fev. 2020.
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), afirma-se o mesmo ponto ao alegar que o papa João Paulo II, na abertura do Simpósio de 1998, teria dito que Igreja pedia perdão somente pelos “erros de seus filhos”, mas mesmo esses ainda deveriam ser “apurados objetivamente”. Carlos Junior (2019JUNIOR, Carlos. Inverdades sobre a Inquisição. RENOVAMÍDIA. 11/2019. Disponível em: Disponível em: https://renovamidia.com.br/coluna-inverdades-sobre-a-inquisicao/ . Acesso em 18 fev.2020.
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) contrapõe uma Inquisição “santa” e moderada na Idade Média, que impediu maiores violências do Estado e da própria população contra hereges, a Inquisições “seculares” de Portugal e Espanha da Idade Moderna, “instrumentos usados pelos reis, não pela Igreja.” O Catequista (2018aO Catequista (site). A Inquisição sem mortes na fogueira - a Igreja poderia ter feito isso? 24/04/2018. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18177-inquisicao-sem-mortes-na-fogueira-a-igreja-poderia-ter-feito-isso . Acesso em 26 abr. 2020.
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) vai além, eximindo a Inquisição de culpa por mortes dos heterodoxos, já que eles eram entregues ao braço secular. Mas mesmo essa forma dela atuar foi benigna, continua, pois perseguir hereges era pelo bem comum, pois ao contrário da atualidade “os hereges tinham o poder de causar guerras e o caos e, portanto, deveriam ser mortos.” “É a vida como ela é”, conclui.

Observa-se ainda uma idealização do passado pré-moderno, sobretudo o medieval, não obstante o pouco rigor na separação dos recortes Idade Média e Moderna, o que indica que tal idealização seja generalizante quanto a realidades anteriores ao capitalismo industrial e aos valores e sistemas políticos modernos, como as democracias liberais. É comum mencionar o medievo como a época em que as pessoas viviam em “comunhão com Deus”, diferentemente da contemporaneidade (ZAMORANO, s/dZAMORANO, Guido. A Inquisição e a Reforma Protestante: Mito e realidade. Trad. Rogério Hirota “SacroSanctus” (trad.). Exsurge Domini: o site de católico para católico. S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.exsurge.com.br/apologeticas/inquisicao/textosinquisicao/ainquisicaoeareformaprotestantemitoerealidade.htm . Acesso em 05 mar. 2020.
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), ou mesmo a superioridade moral do homem pré-moderno em relação ao atual, contrapondo um senso absoluto de justiça supostamente predominante no medievo com o relativismo moral do hoje (CATOLICISMO ROMANO, 2019Catolicismo Romano (site). A História não contada: cai a maior fraude sobre a História da Inquisição envolvendo o catolicismo. Trecho do artigo de D. Estevão (Bithencourt, OSB). 12/2019. Disponível em Disponível em https://www.catolicismoromano.com.br/a-historia-nao-contada-cai-a-maior-fraude-sobre-a-historia-da-inquisicao-envolvendo-o-catolicismo/ . Acesso em 06 fev. 2020.
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).

O constante atrelar dos abusos da Inquisição à ingerência do Estado pode ser entendido como questionamento à ideia de que Estados laicos representaram avanço à humanidade. Isso aparece em artigo de Alessandro Garcia (2013GARCIA, Alessandro Barreta. Como a ideia de inquisição eclesiástica alimenta o cérebro dos idiotas úteis. 13/10/2013. UFSCon - Juventude UFSC Conservadora. Disponível em: Disponível em: https://ufscon.wordpress.com/2013/10/07/como-a-ideia-de-inquisicao-eclesiastica-alimenta-o-cerebro-dos-idiotas-uteis/ . Acesso em 18 fev. 2020.
https://ufscon.wordpress.com/2013/10/07/...
), no blog de coletivo estudantil conservador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O autor afirma que a justiça eclesiástica da Inquisição antecipou aspectos dos sistemas liberais de justiça, atrelando suas falhas aos abusos do poder estatal. O autor separa poderes secular e religioso de maneira problemática para o período analisado, mas vai além por associar os abusos da justiça estatal a seu esvaziamento religioso.

Quanto ao teor polêmico dessas narrativas, destacam-se os ataques ao protestantismo. Vários textos argumentam que a Inquisição católica matou menos que seus equivalentes protestantes usando comparações quantitativas, sem maior contextualização ou problematização. Nesse sentido, retratam tribunais luteranos e calvinistas da Idade Moderna como desumanos e violentos, sempre expondo números de presos, condenados, torturados e mortos sem qualquer esforço para contextualizar seus procedimentos, contrariamente ao que afirmam faltar à história da Inquisição católica. O blog Apologistas da Fé Católica (2014Apologistas da Fé Católica (blog). A Inquisição e a Bruxaria. 24/02/2018. Disponível em Disponível em https://apologistasdafecatolica.wordpress.com/2018/02/24/a-inquisicao-e-a-bruxaria/ . Acesso em 06 fev. 2020.
https://apologistasdafecatolica.wordpres...
) chega a comparar a caça protestante às bruxas no século XVI ao holocausto.

Essa é a abordagem de Zamorano (s/dZAMORANO, Guido. A Inquisição e a Reforma Protestante: Mito e realidade. Trad. Rogério Hirota “SacroSanctus” (trad.). Exsurge Domini: o site de católico para católico. S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.exsurge.com.br/apologeticas/inquisicao/textosinquisicao/ainquisicaoeareformaprotestantemitoerealidade.htm . Acesso em 05 mar. 2020.
http://www.exsurge.com.br/apologeticas/i...
) sobre a “inquisição protestante,” que o autor analisa sem ponderar sobre noções de direito e justiça medievais ou modernas, nem da necessidade de suprimir a heresia em nome da unidade nacional, contrariamente ao que o texto pede aos estudos sobre a Inquisição católica. Silva (s/dSILVA, Edmilson. O tribunal da Inquisição pôs um freio nos linchamentos públicos. Católicos Online (fórum). S/d. Disponível em: Disponível em: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=3645&head=0 . Acesso em 03 abr. 2020.
http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=...
), na segunda parte de artigo já citado, apresenta 10 subtítulos que tratam de massacres protestantes contra bruxas e dissidências religiosas sem mencionar qualquer necessidade de contextualizar números que chegam a centenas de milhares de execuções. O Catequista (2018bO Catequista (site). Malleus Maleficarum - Desvendado a história do Martelo das Feiticeiras. 07/05/2018. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18192-malleus-maleficarum-desvendando-a-historia-do-martelo-das-feiticeiras . Acesso em 02 abr. 2020.
https://ocatequista.com.br/historia-da-i...
) diz que protestantes verdadeiramente validaram as premissas sobre bruxaria do Malleus Malleficarum e, consequentemente, as milhares de execuções de acusadas desse ato no século XVI.

Um texto central, citado e postado em sites analisados (APOLOGISTAS CATÓLICOS, 2016) é o de Horvat, publicado originalmente no jornal católico Catholic Family News, em 1998, de tom marcadamente antiprotestante. Seu argumento central é que a Inquisição recebeu a fama de sanguinária e tirânica devido a propaganda das igrejas reformadas durante as querelas e guerras de religião do século XVI. A despeito disso, protestantes atuaram de maneira muito mais agressiva na repressão a dissidências que católicos. No texto, a própria Reforma é apresentada como parte da degradação da ordem social perfeita, harmoniosa e coesa do medievo, que visava o bem-estar espiritual e material de todos. Dupuis (2016DUPUIS, Jean-Claude. A defesa da Inquisição por um PHD em História. Apologistas Católicos. 09 mar. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/860-a-defesa-da-inquisicao-por-um-phd-em-historia . Acesso em 05 fev. 2020.
https://www.apologistascatolicos.com.br/...
) compara a desordem causada pelos cátaros no século XII com a originada pelos protestantes no XVI. No subtítulo Em resposta a protestantes e ateus em post do Catolicismo Romano, afirma-se que:

(...) se não tivesse ocorrido a inquisição e as cruzadas, talvez hoje você [protestante] não tivesse a Bíblia que usa debaixo do braço, pois o cristianismo teria morrido, devido a seitas que se formavam na época (CATOLICISMO ROMANO, 2019Catolicismo Romano (site). A História não contada: cai a maior fraude sobre a História da Inquisição envolvendo o catolicismo. Trecho do artigo de D. Estevão (Bithencourt, OSB). 12/2019. Disponível em Disponível em https://www.catolicismoromano.com.br/a-historia-nao-contada-cai-a-maior-fraude-sobre-a-historia-da-inquisicao-envolvendo-o-catolicismo/ . Acesso em 06 fev. 2020.
https://www.catolicismoromano.com.br/a-h...
).

Alvo menos frequente, mas importante, são os católicos considerados modernos ou moderados. É o caso de Azevedo (2016aAZEVEDO, Paulo Ricardo, padre. A Inquisição em seu contexto. Inquisição (curso, Introdução). 01/2016a. https://padrepauloricardo.org/cursos/inquisicao. Acesso em 28 abr. 2020.
https://padrepauloricardo.org/cursos/inq...
), comparando a Inquisição a um sistema imunológico do corpo místico da cristandade medieval, ao que contrapõe à Igreja atual “que é incapaz de identificar o seu inimigo e agir efetivamente contra ele.”

Uma crítica nesse sentido é sobre a falta de recursos de católicos moderados para responder detratores da Igreja quando mencionam a Inquisição, ponto levantado por Ecclesia Militans (2013Ecclesia Militans: evangelizando & defendendo a fé católica (blog). A Inquisição esquecida. 03/02/2013. Disponível em: Disponível em: https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a-inquisicao-esquecida/ . Acesso em 13 fev. 2020.
https://igrejamilitante.com/2013/02/03/a...
) e Cristão Guerreiro (2017Cristão Guerreiro (blog). Entendendo a Inquisição e as Inquisições. 11/03/2017. Disponível em: Disponível em: http://cristaoguerreirooficial.blogspot.com/2017/03/entendendo-inquisicao-e-as-inquisicoes.html . Acesso em 18 fev. 2020.
http://cristaoguerreirooficial.blogspot....
). Em um artigo do site ACI digital (MARINA, 2017MARINA, Diego Lopez. Inquisição: Isto recomenda especialista não crente a católicos envergonhados de sua história. 07 abr. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.acidigital.com/noticias/inquisicao-isto-recomenda-especialista-nao-crente-a-catolicos-envergonhados-de-sua-historia-63089 . Acesso em 01 abr. 2020.
https://www.acidigital.com/noticias/inqu...
), critica-se a passividade desses católicos diante das difamações à sua fé ao se recorrer à história dos tribunais. Uma crítica mais declarada a católicos moderados encontra-se no artigo de Horvat (1998HORVAT, Marie Therese. The Holy Inquisition: Myth or Reality. Catholic Family News. 1998.; 2016HORVAT, Marian. 5 mitos sobre a inquisição refutados por uma PHD em história medieval. Apologistas Católicos. 18/02/2016 Disponível em: Disponível em: https://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/851-5-mitos-sobre-a-inquisicao-refutados-por-uma-phd-em-historia-m%E2%80%A6 . Acesso em 04 fev. 2020.
https://www.apologistascatolicos.com.br/...
). Com uma crítica ao princípio do Estado laico, a autora ressalta o ideal de sociedade perfeita baseada nos princípios católicos, nos quais o “patrimônio espiritual” deve ser protegido pela autoridade civil que, por sua vez, deve viver em comunhão com a Igreja. As consequências disso vão contra quaisquer princípios liberais, como os de tolerância e pluralismo religiosos. Segundo a autora, cultivar e defender uma “admiração saudável” à Inquisição, sua memória e legados é necessário para não se abrir mão gradualmente do ideal de sociedade de acordo com a “era de ouro” do cristianismo, abrindo mão da própria essência enquanto católicos.

Por fim, ressalta-se o tom polemista contra agendas identificadas com a esquerda política. Além da atribuição ao marxismo pela lenda negra ser onipresente nos livros didáticos e historiografia (AZEVEDO, 2012AZEVEDO, Reinaldo. E os milhões mortos pela Santa Inquisição? perguntam. E eu respondo. Revista Veja. 07/03/2012. Disponível em: <Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/e-os-milhoes-mortos-pela-santa-inquisicao-perguntam-e-eu-respondo/ >. Acesso em 04 fev. 2020.
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
), é comum menções um pouco mais sutis, como referir-se aos cátaros como “seita revolucionária” (AMEN, 2015Amen (site). A Inquisição - Editorial de 08/03/2015. Disponível em: Disponível em: http://www.amen-etm.org/Inquisicao.htm . Acesso em 31 mar. 2020.
http://www.amen-etm.org/Inquisicao.htm...
) e conectá-los ao comunismo, atribuindo-lhes a crença na repulsa à riqueza material e destacando o caos social causado por tal crença que procura mudar a ordem instituída (DUPUIS, 2016DUPUIS, Jean-Claude. A defesa da Inquisição por um PHD em História. Apologistas Católicos. 09 mar. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/860-a-defesa-da-inquisicao-por-um-phd-em-historia . Acesso em 05 fev. 2020.
https://www.apologistascatolicos.com.br/...
). Mais explícita é a resposta de Konik (2006), em entrevista, sobre se as comparações feitas por ele de “seitas heréticas com comunistas” não eram exageradas, ao que diz:

Mas, de fato, não foi isso (ou seja, medidas de caráter comunista) que fizeram os irmãos dulcianianos (seita medieval, muito esquerdista, liderada por Dulcian, que atuou sobretudo na Itália), os quais lutaram para introduzir a comunidade de bens, e assim privar a todos da propriedade privada? Lembremo-nos de que a atuação dos hereges não era apenas na linha da persuasão, mas freqüentemente obrigavam as pessoas ricas a “distribuírem aos necessitados” seus bens; os quais, como sempre acontece nessas situações, eram imediatamente defraudados. A semelhança também existe na esfera da propaganda: tanto a esquerda moderna como os hereges de outrora empenhavam-se em introduzir a “justiça social”, utilizando chefes carismáticos para enganar a população. É digno de nota que os movimentos heréticos nunca tentaram arregimentar membros da classe intelectual, procurando sempre apoio nas classes mais baixas, de pouca instrução. A semelhança entre os hereges medievais e a esquerda moderna é notória também pelo fato de que ambos os movimentos dirigem-se às pessoas numa linguagem que elas querem ouvir. Nas homilias dos hereges cátaros, nunca aparece o elemento de responsabilidade pessoal. Não está presente o Juízo Final, o Purgatório não existe, mas somente o Céu, e este é destinado a todos. Como no socialismo: a visão da vida na Terra sem que se assumam responsabilidades foi, é e será sempre algo que atrai (KONIK, 2006, aspas e destaques do original).

Há ainda constante antifeminismo quando se fala sobre bruxaria (O CATEQUISTA, 2019bO Catequista (site). A importância das Atas do Simpósio Internacional sobre as Inquisições. 02/05/2019. Disponível em: Disponível em: https://ocatequista.com.br/historia-da-igreja/item/18257-a-importancia-das-atas-do-simposio-internacional-sobre-a-inquisicao . Acesso em 14 fev. 2020.
https://ocatequista.com.br/historia-da-i...
), bem como apelos ao moralismo sexual e a ideias tradicionalistas de família ao descrever heresias supressas pela Inquisição (CATOLICISMO ROMANO, 2019Catolicismo Romano (site). A História não contada: cai a maior fraude sobre a História da Inquisição envolvendo o catolicismo. Trecho do artigo de D. Estevão (Bithencourt, OSB). 12/2019. Disponível em Disponível em https://www.catolicismoromano.com.br/a-historia-nao-contada-cai-a-maior-fraude-sobre-a-historia-da-inquisicao-envolvendo-o-catolicismo/ . Acesso em 06 fev. 2020.
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; AQUINO, 2016AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. Lorena, SP: Ed. Cléofas, 2016. 9ª ed., p. 68-78).

Enfim, tal versão negacionista da história da Inquisição serve à construção de uma narrativa apologética a um catolicismo conservador, na qual se defender sua ação e legados é também defender um ordenamento de sociedade segundo esse mesmo catolicismo conservador. Junto a isso, atacam-se sistemas e doutrinas colocados como sua antítese, que são os valores modernos.

Considerações finais

Nos artigos analisados, postados em vários espaços virtuais, juntamente com uma literatura referenciada neles, há uma comunidade bastante complexa de atores no debate público que recorre à história das Inquisições para legitimar seus discursos. Nessa construção narrativa, articulam-se negacionismo histórico com uma tentativa apologética no seu uso. Seu aspecto negacionista aparece quando recorrem a constantes e variados falseamentos do passado e de estudos sobre ele. Seu caráter apologético é evidente na intencionalidade dos textos em se engajar em combates culturais e disputas políticas e/ou religiosas contemporâneas.

Nesse nicho de escrita da história se forma um corpus textual caracterizado por emular um debate crítico, que dispõe informações verdadeiras e falsificações de maneira a endossar uma narrativa ideológica, reafirmando uma identidade católico-conservadora. O ambiente virtual, que aproxima produtor e leitor das narrativas históricas aparece como ideal para a difusão dessa literatura fora de nichos antes restritos, criando comunidades de leitores e produtores de conteúdo. Nelas, é visível rejeições à historiografia tradicional, mas também a construção de critérios próprios de verdade histórica. Nesse sentido, forma-se um complexo substrato de usos da história em defesa de valores e ideias abertamente não democráticos, juntamente a um forte anti-intelectualismo, o que torna relevante a investigação dessa literatura diante de problemas contemporâneos.

É esperado, diante disso, que fique a pergunta sobre como lidar com tal problema, ficando evidente a necessidade de aprofundar-se nas investigações sobre os mecanismos de construção dessas narrativas, considerando a fluidez e a volatilidade das dinâmicas da internet, suas temporalidades e seus desafios epistêmicos. A partir daí, se viabiliza pensar ações dos historiadores nesses combates culturais que possam ir além da afirmação de uma posição (ainda?) privilegiada de construção de narrativas sobre o passado, ou seja, pensar o historiador enquanto sujeito ativo nas guerras culturais contemporâneas.

Quando me refiro ao historiador como sujeito ativo nas atuais guerras culturais, me refiro a um historiador que vise agir no debate público. E a ação engloba disputar espaços e legitimidade de exercer suas funções quanto às demandas sociais por passado com os nichos negacionistas de alcance ampliado pela web 2.0. Trata-se de combates políticos e epistemológicos.

Escrever sobre o passado nunca foi uma atividade restrita ao historiador profissional, mas aberta a todos os grupos e sujeitos sociais, incluindo aí falsários e fundamentalistas. Nas sociedades capitalistas atuais, sabemos o quanto negacionismos se imbricam em substantivas redes de financiamento e influência. Por essa via, eles são inseridos no debate público através dos grandes conglomerados de mídia ou por circuitos específicos, como os ambientes virtuais analisados aqui, trazendo a público interpretações que vão desde negar o aquecimento global (ORESKES; CONWAY, 2011ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik. Merchants of doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York/ USA: Bloomsbury Publishing, 2011.) até interpretações históricas absurdas como a de que o Brasil teria herdado o legado de uma cristandade medieval idealizada (PACHÁ, 2019PACHÁ, Paulo. Deus vult: uma velha expressão na boca da extrema direita. Entrevista concedida a Ethel Rudnitzki e Rafael Oliveira. Agência Pública. 30 de abril de 2019. Disponível em: Disponível em: https://apublica.org/2019/04/deus-vult-uma-velha-expressao-na-boca-da-extrema-direita/ . Acesso em 22 dez. 2020.
https://apublica.org/2019/04/deus-vult-u...
). É certo dizer que existe uma normalização dos negacionismos no debate público, e isso serve a interesses objetivos diversos, que vão de grupos fundamentalistas religiosos e políticos, até setores empresariais. É preciso entender os meandros pelos quais acontece esse processo e assim, de maneira organizada, ocupar os espaços de uma esfera pública reestruturada. Todavia, como fazer isso é uma questão em aberto e improvável de ser respondida sem ser coletivamente.

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Fontes

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo e listadas ao final.
  • 3
    Espanhol que se converteu e se tornou partidário do luteranismo no século XVI. Escreveu e assinou como Reginaldus Montanus a obra Sanctae Inquisitionis hispanicae artes aliquot detectae, ac palam traductae, em 1567, uma das principais polêmicas anti-Inquisição.
  • 4
    Bethencourt (2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 315) fala de 1865 relaxados ao braço secular pela Inquisição portuguesa, nos tribunais de Lisboa, Coimbra e Évora, dentro de um universo de 44.807 processos datados entre 1536 e 1767. O autor ainda destaca algumas imprecisões da documentação para fazer levantamento similar no tribunal de Goa, no mesmo período. Bethencourt (2000BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 308-315) faz levantamentos similares sobre tribunais italianos e hispânicos na Idade Moderna, cujo patamar não difere muito dos portugueses. Sobre a Espanha, Heningsen e Contreras (1986CONTRERAS, Jaime; HENNINGSEN, Gustav. In: HENNINGSEN, Gustav et al. The Inquisition in Early Modern Europe: Studies on Sources and Methods. Illinois: Northern Illinois University Press, 1986, p. 100-129. ), analisando fundo documental que cobre a atividades da Inquisição de Castela entre 1560 e 1700, chegaram a 49.092 processos, dos quais 1,9% resultaram em condenação à fogueira. Esses exemplos ilustram o fato de que não existe, na produção historiográfica sobre as Inquisições, qualquer discussão sobre “milhões de mortos” pelos tribunais. Como será detalhado neste artigo, esse falso problema serve somente como um “espantalho” para textos negacionistas.
  • 5
    Matéria de 15/06/2004. Quando da escrita deste artigo, ela está fora do ar.
  • 6
    Como os vários exemplos dessa lista de acervos e arquivos online sobre as Inquisições, organizado em site da Universidade de Notre Dame: https://inquisition.library.nd.edu/links.RBSC-INQ:COLLECTION. Acesso em 03 mai. 2020.

Editado por

Editores Responsáveis

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2020
  • Aceito
    19 Jan 2021
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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