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EÇA DE QUEIROZ, A “GERAÇÃO DE 1870” E A UNIVERSIDADE DE COIMBRA: ENTRE VIVÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo

EÇA DE QUEIROZ, THE “GENERATION OF 1870” AND THE UNIVERSITY OF COIMBRA: BETWEEN EXPERIENCES AND REPRESENTATIONS

Resumo

Por meio deste artigo, objetiva-se analisar as experiências da “geração de 1870” na (e sobre a) Universidade de Coimbra. Para tanto, discute-se a historiografia pertinente, bem como as cartas e os textos de cunho memorialístico de Eça de Queiroz (1845-1900), um dos mais importantes membros do referido grupo. Almeja-se demonstrar a importância dessas trajetórias e experiências, vividas e recriadas por Eça e sua geração, para a constituição da intelligentsia portuguesa e o debate intelectual do século XIX.

Palavras-chave
História intelectual; Eça de Queiroz; Geração de 1870; Universidade de Coimbra; Portugal no século XIX

Abstract

This article aims to analyze the experiences of the “generation of 1870” at (and about) the University of Coimbra. For this purpose, the pertinent historiography is discussed, as well as the letters and texts of a memorialistic nature by one of the most important members of that group, Eça de Queiroz (1845-1900). It is aimed to demonstrate the importance of these trajectories and experiences, lived and recreated by Eça and his generation, for the constitution of the Portuguese intelligentsia and the intellectual debate of the 19th century.

Keywords
Intellectual history; Eça de Queiroz; 1870 Generation; University of Coimbra; Portugal in the 19th century

Em três de novembro de 1867, menos de um ano após a sua formatura na Universidade de Coimbra, Eça de Queiroz escreveu uma carta, direcionada ao seu amigo Carlos Mayer (1846-1910), na qual tratava de rememorar as suas vivências e a de seus companheiros naquela instituição. Na missiva, publicada na Gazeta de Portugal3 3 Posteriormente, o documento compôs a edição de Prosas Bárbaras, de 1903. A versão citada neste artigo provém da coletânea organizada por Alfredo Campos Matos (2008). , o escritor afirmou:

Tínhamos um hemiciclo de poetas. Colocados sobre um ponto de vista exclusivo, só era admitido à nossa comunhão o que derivasse da força, do rugido da natureza, da palpitação selvagem da vida e da paixão. Tínhamos, ao mesmo tempo, ocultamente, um idealismo doentio e dissolvente. [...] Mas, naquela época de espontaneidade, só víamos o que era verdadeiramente e incontestavelmente sol! Discutíamos largamente a natureza, e lembro-me de te ouvir falar, diante daquela luz que cai desferida em tristeza no Penedo da Saudade, acerca da formação das nebulosas, e, partindo daí, descrever o homem e Deus, até à procissão da véspera (QUEIROZ, 2008 [1867], p.34QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.).

A citação acima está grafada com um forte traço de idealização. O escritor trata das experiências coimbrãs com o seu interlocutor (outro ex-estudante da Universidade à época), como se estivesse a falar de um passado distante, quase épico. Juntamente com esse distanciamento retórico, pode-se perceber uma poetização daquela existência, muito embora, em alguns trechos da carta pública, o autor também tenha explicitado certo niilismo sobre um cotidiano que não se restringia às farras, aos sarais e às elocubrações: “Diante da anatomia das ideias havia uma coragem magnífica, e, na vida real, eram todos contemplativos, melancólicos e tímidos” (QUEIROZ, 2008 [1867], p.35QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.). As contradições entre as ideias apregoadas na instituição de ensino e o pragmatismo da vida parecem se acentuar quando o escritor trata do momento contemporâneo à elaboração da missiva. Momento esse em que muitos dos companheiros de Coimbra já estavam formados.

Todos se perderam. Uns estão bem longe, para além do mar. Outros sofrem os tédios da vida oficial. Outros vivem nas castas serenidades do lar. Outros apodrecem debaixo da erva, e o que nós amávamos neles - a alma - dissipou-se, e o que víamos - o corpo - anda em redor de nós, nas mentempsicoses, no ar, nas plantas, e nas pedras; mas nós não compreendemos ainda o seu silêncio, como eles já não percebem o nosso ruído (QUEIROZ, 2008 [1867], p.35QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.).

Estabelece-se, assim, uma dicotomia entre as vivências dos tempos de universidade (no caso da carta citada, em um passado muito recente ao da interlocução) e a realidade lusitana pragmática, do dia a dia. Os tempos de Coimbra são evocados como um momento especial, de grandes lirismos, sonhos, expectativas e euforias, em contraposição ao que se vivia na sociedade portuguesa, para além dos muros da instituição de ensino. Partindo do pressuposto de que esse tipo de (re)significação realizada por Eça de Queiroz não é desinteressada e que cumpre, isto sim, uma função de orientação e construção de sentidos sobre a realidade, interroga-se: quais os significados das elaborações ecianas sobre as vivências protagonizadas pelo próprio autor e pela geração de intelectuais da qual fazia parte? Quais eram os debates, as discussões e as realizações que esses sujeitos construíam em Coimbra? Qual a relação entre tais feitos e a formação da “geração de 1870”? Como a experiência coimbrã ajudava a compreender a forma como essa geração pensou a realidade lusitana oitocentista? Essas são as questões que norteiam este artigo. Para tentar contemplá-las, será discutido o papel da Universidade de Coimbra no contexto oitocentista para que, em seguida, seja possível caracterizar a atuação da “geração de 1870” na instituição e as narrativas elaboradas por Eça de Queiroz sobre tais experiências.

A Universidade de Coimbra no século XIX: alguns apontamentos

No contexto oitocentista, a Universidade de Coimbra foi colada diante de um duplo desafio: era preciso consolidar as reformas que foram elaboradas entre o final do século XVIII4 4 Virgínia Valadares (2004, p.49;136), valendo-se da análise dos estatutos da Universidade de Coimbra (1559, 1653 e 1772) e do arcabouço teórico weberiano, afirma que a referida instituição se estruturou, historicamente, como instrumento de “dominação tradicional, caracteristicamente patrimonial, estatal e burocrática”. Nesse sentido, as reformas pombalinas estariam ligadas a uma dinâmica de poder centralista e regalista. A autora lembra ainda que essas reformas introduziram “mudanças periféricas no curso de Teologia; uma roupagem diferente, mas com o mesmo tecido, nos cursos de Leis e Cânones; uma criação adaptativa no curso de Medicina. Filosofia e Matemática foram cursos novos, mas, praticamente, sem a presença de alunos ordinários, até ao final do século XVIII”. e as primeiras décadas do século XIX5 5 De acordo com Rui Marcos (2005, p.30-32), as reformas desenvolvidas na Universidade nas primeiras décadas do século XIX não foram consolidadas. O autor lembra que, em função do contexto político de enorme intranquilidade, o ensino universitário chegou a ser suspenso. , e, ao mesmo tempo, (re) pensar o processo de formação ofertado pela instituição, em meio às demandas que se colocavam com o advento das sociedades liberais. Especialmente em relação a Portugal, ratificou-se o entendimento de que a formação coimbrã era essencial para a constituição dos quadros administrativos e políticos, além das elites letradas que conduziriam o destino da monarquia constitucional. Por essa razão – mas não só por ela –, a Universidade foi lócus de discussões e disputas acaloradas. Afinal, em função das relações umbilicais entre a instituição de ensino e as estruturas de poder, era preciso cuidar da educação daqueles que poderiam compor tais engrenagens, mantendo ou alterando o status quo. Essa preocupação se renovou em função das promessas de liberdade inerentes ao novo ordenamento político que se consolidava. Não por acaso, as tensões entre as inovações e as permanências, tão significativas na sociedade lusitana oitocentista, encontraram abrigo fértil na Universidade.

Ao longo do século XIX, desenvolveu-se um conjunto importante de transformações na educação portuguesa. Concomitantemente ao processo de consolidação dos liceus, criados em 1836, articulou-se a expansão da rede escolar de educação pública. Além disso, o monopólio coimbrão passou a ser questionado (NOVA, 1991, p.283NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.). Essa pressão se deu pela reivindicação de acesso ao ensino superior, por uma parcela da sociedade, bem como por causa da demanda por uma diversificação na oferta educativa. Ambas as pautas se relacionam à gestação de uma nova sociedade e ajudam a explicar algumas mudanças levadas a cabo na Universidade coimbrã.

Em primeiro lugar, pode-se citar a criação da Faculdade de Direito, em 05 de dezembro de 1836, em substituição à Faculdade de Leis e Cânones (MERÊA, 1961, p.151MERÊA, Paulo. Como nasceu a Faculdade de Direito. In: Boletim da Faculdade de Direito, suplemento XV – Homenagem ao Doutor José Alberto dos Reis. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1961, vol. 1, p.132-155.). Essa unificação, no seio da política liberal, representava a relativização da importância do ensino de direito canônico e eclesiástico. A reforma pombalina, de 1772, já havia esboçado a junção dos cursos, com a criação de um conjunto de cadeiras comuns, entretanto, foi a partir dos oitocentos que a união se concretizou (MARCOS, 2005, p.32MARCOS, Rui de Figueiredo. Eça de Queirós, a Europa e a Faculdade de Direito de Coimbra no século XIX. Lisboa: Almedina, 2005.). Realizaram-se, adicionalmente, significativas mudanças curriculares nas faculdades que compunham a universidade: Direito, Medicina, Matemática e Filosofia. Em 1859, foi criada ainda a Faculdade de Letras (ROQUE, 1991, 259-260).

A própria cidade de Coimbra não ficou incólume às mudanças realizadas na Universidade. A iluminação pública a gás (1856), o telégrafo elétrico (1856), os caminhos de ferro (1864), a ponte da Portela (1873) a nova ponte de Santa Clara (1875), os carros americanos (substituídos, em 1911, pelos elétricos), são alguns exemplos de obras que se efetivaram no período (ROQUE, 1991, p.258-259). Contudo, é possível relativizar os impactos desse processo de modernização – dentro ou fora da Universidade – no cotidiano de Coimbra.

A cidade, com cerca de 13.000 habitantes em 18646 6 Segundo João Lourenço Roque (1991, p.259), não foram contabilizados os habitantes das áreas periféricas, como Santa Clara e Santo Antônio dos Olivais. Em 1900, a população teria atingido 18.000 habitantes e, em 1911, 20.000. , seguiu relativamente pacata: cercada, segundo João Lourenço Roque (1991, p.260), por uma “ruralidade física e mental” e estratificada horizontalmente (com uma vida predominantemente estudantil, no Bairro Alto, e outra artesanal e mercantil, no Bairro Baixo). Havia uma importante pluralidade social e profissional, demarcada por eclesiásticos (influentes dentro e fora da Universidade), proprietários, negociantes, profissionais liberais, criados, aguadeiras, lavadeiras, engomadeiras, mendigos, entre outros. Embora houvesse momentos de confraternização entre estudantes e “futricas”7 7 De caráter pejorativo, esse era o nome dado pelos estudantes universitários aos naturais da cidade de Coimbra. Foi também empregado, talvez até pela própria designação coimbrã, como forma de nomear os sujeitos que só tinham a formação mais elementar da educação (COIMBRA, 1991, p.321-330). , como nas ocasiões das festas e eventos religiosos, uma grande hierarquização ainda predominava: a qual era explicitada pelo contraste entre as pompas acadêmicas e o cotidiano da maior parte da população coimbrense (que levava uma vida simples); mas também em função das interações sociais tecidas entre acadêmicos e não acadêmicos (como as relações, muitas vezes, física e simbolicamente violentas, entre os estudantes e as “tricanas”)8 8 “Tricanas” eram as mulheres de Coimbra, que, geralmente, tinham uma origem humilde. No que se refere à violência praticada contra as mulheres da cidade, Margarida Coimbra analisa, por exemplo, o processo de um estudante do preparatório, que teria estuprado uma menor de idade em 1871. (COIMBRA,1991, p.323-324; 325-326). . A Universidade teria ganhado um papel ainda mais proeminente na urbes a partir do século XIX. A “cidade distinguir-se-ia pela sua dimensão universitária, tanto mais que o liberalismo reduziu ou eliminou outras influentes áreas de expressão social e de poder – casos das corporações de artes e ofícios e, mais ainda, das comunidades religiosas” (ROQUE, 1991, p.259).

No que tange às hierarquizações no interior da instituição de ensino, vale considerar alguns dos seus significados. Ao se debruçar sobre as dinâmicas de poder na Universidade de Coimbra no século XVIII, Virgínia Valadares, valendo-se do referencial teórico de Pierre Bourdieu, destacou a relevância de se pensar em dois espaços: o geográfico e o social. Explicita-se, por conseguinte, a pertinência da análise das aproximações e distanciamentos (físicos e sociais), considerando que uma dimensão não coincide com a outra, isto é: a proximidade física não implica necessariamente a proximidade social, sendo esta alicerçada por um espaço com caracteres próprios. Indivíduos socialmente apartados podem até se aproximar em um determinado espaço geograficamente localizável, pertencendo, por exemplo, a uma mesma instituição (em si, agente de distinção), mas, nem por isso, as distâncias sociais serão vencidas. Muito pelo contrário9 9 Manuel Henriques (1991, p.345-354), por meio de um texto memorialístico sobre a Universidade de Coimbra do século XIX, afirma que a praxe (conjunto de rituais e tradições a que os estudantes se submetiam na universidade e que, em alguns casos, ainda se submetem na atualidade) teria como referência um livro publicado no final do século XVIII, O Palito Métrico. Entretanto, no século XIX, muitos elementos foram acrescentados à praxe, que se tornou, em tese, mais hierarquizante, com alguns casos de franca violência e segregação. Para o autor citado, muito do que se afirmou ser parte de uma tradição secular dos processos de iniciação foram, na verdade, criações contemporâneas. Trata-se de um tema que ainda hoje merece maior atenção dos historiadores. . Segundo a autora, no que tange à Universidade de Coimbra setecentista:

As distâncias existentes no espaço social global eram provocadas pelo volume de capital que se possuía, fosse ele econômico, cultural ou simbólico. O aluno que possuía capital simbólico (título de família) distanciava-se do aluno que possuía capital econômico (bens materiais); este, por sua vez, distanciava-se do aluno que possuía capital cultural (conhecimento). Enfim, apesar da partilha do espaço geográfico, ocorria o distanciamento no espaço social (...) (VALADARES, 2004, p.63-64VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri; Portimão: Instituto de Cultura Ibero-Americana, 2004.).

Os processos de demarcação ou ratificação dos diferentes espaços sociais na Universidade de Coimbra são significativos para se pensar como era a instituição no século XVIII, e igualmente relevantes para a análise do contexto acadêmico oitocentista. Entretanto, a conformação dos distanciamentos sociais, dentro e fora da instituição de ensino, ganhou um novo sentido a partir da estruturação da sociedade liberal. Esse ordenamento político tendia a possibilitar maior mobilidade, com a aproximação “objetiva” de sujeitos, a priori, socialmente estratificados. Essa dinâmica, em si, demandava a reformulação dos processos de distinção, em alguns casos, intensificando-os. Além do mais, é preciso levar em conta o papel que a formação universitária passou a ter em uma sociedade em que as origens e os nascimentos mantinham suas relevâncias, mas eram progressivamente relativizados.

Conforme lembra Pedro Almeida, o século XIX marcou um processo de “racionalização e burocratização” do aparato administrativo do Estado. Essa tendência pode ser considerada como o produto, mas também a produtora dos regimes liberais em gestação. Com efeito, para o autor, no que tange a Portugal, evidenciam-se três fases importantes para a referida transformação:

(...) a revolução vintista, que proclamou a divisão dos poderes do Estado e o fim da patrimonialização dos cargos públicos, as reformas decretadas entre 1832 e 1834, sob a égide de Mouzinho da Silveira, que desmantelaram definitivamente a rede institucional herdada do Antigo Regime (...) e estabeleceram o duplo princípio da diferenciação e centralização funcionais (dissociando as funções administrativas e judiciais, por um lado, hierarquizando competências e pondo cobro aos particularismos coorporativos, por outro); o advento da Regeneração, que criou as condições de estabilidade política propicias à consolidação e à expansão das capacidades administrativas do Estado (...) (ALMEIDA, 1995, p.251ALMEIDA, Pedro Tavares de. A construção do estado liberal. Elite política e burocracia na “Regeneração” (1851-1890). Dissertação (Doutoramento) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1995.).

Pedro Almeida explica que a lei de 12 de junho de 1822 estabelecia a reorganização das secretarias de Estado (ALMEIDA, 1995, p.263ALMEIDA, Pedro Tavares de. A construção do estado liberal. Elite política e burocracia na “Regeneração” (1851-1890). Dissertação (Doutoramento) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1995.). Todavia, o autor destaca que a sistematização dos concursos públicos só se efetivou nos anos 1830, após a guerra civil entre liberais e absolutistas. A partir de então, o acesso aos empregos públicos se tornou um dos principais componentes do debate político. Nessa época, articulavam-se algumas tentativas de regularização dos certames, sendo os critérios de seleção mais claramente definidos a partir de 1852, já no início do período intitulado de “Regeneração”. Considerava-se, com efeito, principalmente, a idade e a instrução. Essa regra foi aplicada, primeiramente, para algumas categorias administrativas, consulares e diplomáticas. No entanto, a partir das reformas administrativas de 1859, ela foi estendida a todas as repartições centrais dos Ministérios, que também passaram a se organizar por concurso público. Com o tempo, esse processo de ingresso chegou também a outros serviços da administração central (ALMEIDA, 1995, 264-265ALMEIDA, Pedro Tavares de. A construção do estado liberal. Elite política e burocracia na “Regeneração” (1851-1890). Dissertação (Doutoramento) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1995.).

Embora seja necessário considerar que esses concursos poderiam ser marcados por fraudes, vale destacar que o acesso à burocracia estatal estava mudando. Aos poucos, as origens e nascimentos deixavam de ser, em si, determinantes. Essa nova realidade fez com que a obtenção do diploma coimbrão não fosse apenas mais um emblema dos privilégios de estamento, em alguns casos, até dispensável. As “boas famílias”, sobretudo as das províncias, dependiam dos empregos do Estado para seus descendentes (RAMOS, 2001, p.323). Por outro lado, a influência dessas famílias foi definitiva para a implantação e a consolidação do regime liberal. Não é fortuito que alguns dos nomes mais tradicionais da sociedade portuguesa tenham sido os primeiros a apoiar o então novo sistema político: teceram-se rearranjos para que se pudesse evitar uma ruptura mais efetiva e, ao mesmo tempo, para que fosse factível garantir a estruturação da monarquia liberal (RAMOS, 2001, p.323-324).

Seja como for, o acesso à boa parte das atividades públicas se dava por meio de concorrência, que passava a exigir a realização de provas10 10 O próprio Eça de Queiroz se submeteu a um concurso para o cargo de cônsul, em 24 de setembro de 1870, competindo, por exemplo, com Jaime Batalha Reis, seu amigo de boêmia. . Em muitos casos, os sujeitos, igualmente formados, tiveram que demonstrar suas aptidões, já que nem tudo mais se resolvia com as influências, as redes de sociabilidade, os nomes e as indicações. Pelo menos não como outrora. Para além dessa dinâmica que se estabelecia, é importante não ignorar o fato de que, desde a Independência do Brasil, em 1822, as classes dirigentes portuguesas haviam perdido uma relevante demanda por quadros políticos e administrativos. Por tudo isso, a tendência era de que, na Universidade, se intensificasse um clima de grande competição – inclusive entre corpo docente e discente –, com o acirramento de conflitos. Essa disputa, em si, não era necessariamente uma novidade, mas, ao que tudo indica, ganhou outras motivações a partir das novas formas de ingresso na administração pública. O diploma de bacharel, embora não deixasse de ser um importante símbolo de distinção, não era mais salvaguarda ou confirmação, mas a condição para o acesso à determinadas ocupações e às escalas sociais. O estudante que tivesse capital social, mas não o econômico, continuava tendo possibilidades interessantes, e até certas facilidades, mas necessitava da formação coimbrã e, dependo do caso, teria de demonstrar seus conhecimentos e suas habilidades. Estudar em Coimbra, principalmente a partir do final dos anos 1850, poderia significar a perpetuação de certo ethos de classe, mas também a manutenção de uma posição social ou mesmo a busca por ascensão.

Isso explica, em parte, porque se acreditava ser necessário, mais do que nunca, manter o rigor da disciplina acadêmica, pois, afinal, a formação ofertada poderia representar o acesso à determinadas posições, até então destinadas para, quase que exclusivamente, alguns sujeitos. Nesse sentido, as liberdades e os direitos que vinham se estruturando, aos poucos, desde o “Vintismo”, contrastavam com um cotidiano acadêmico marcado pelos cerceamentos, controles, punições e vigilâncias. Essa possível contradição colaborou para o desenvolvimento de várias revoltas e contestações dos estudantes, que passaram a considerar a instituição coimbrã uma portadora de arcaísmos intoleráveis e inconciliáveis “com os tempos de liberdade” (ROQUE, 1991, p.264). Não obstante, os universitários detratores afirmavam que o zelo com as questões disciplinares não era acompanhado pela observância da qualidade do ensino.

O rigor na regulação dos comportamentos se explicaria, nesse sentido, em função de uma questão pragmática: a preocupação com a formação dos quadros administrativos, intelectuais e políticos do país. Não era possível ignorar “as liberdades do século”, já, àquela altura, avaliadas como sinônimas de uma sociedade que se pretendia “moderna e civilizada”. Entretanto, exatamente em função do potencial libertador desses novos tempos, urgia formar sujeitos que não fossem “insurretos”, isto é, indivíduos que pudessem colocar em risco a ordem alcançada (principalmente a partir do fim dos conflitos entre “liberais” e “absolutistas”), em nome de algum “excesso revolucionário”. Virgínia Valadares, dessa vez dialogando com Foucault, afirmou que:

A disciplina exercida pela Universidade de Coimbra inseria-se numa nova microfísica do poder, no adestramento, na pedagogia do treinamento em que a “minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo darão, no quadro da escola, o conteúdo laicizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito” (VALADARES, 2004, p.78VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri; Portimão: Instituto de Cultura Ibero-Americana, 2004.).

Mantiveram-se, no século XIX, a polícia universitária e os bedeus. A Cabra, um sino localizado na torre da Universidade, demarcava os horários das aulas, do descanso, ritmando o cotidiano. Conforme destacou Vianna Moog, os estudantes, ainda na segunda metade do século XIX,

(...) deveriam entrar em aula com o cabeção eclesiástico, batina abotoada, meia preta e sapatos pretos. A loba desabotoada ou a bota de elástico constituíam transgressões puníveis. Da mesma sorte, as troças aos calouros. Tinham sido também proibidas as manifestações estrondosas de alegria, em véspera de feriado. Qualquer contravenção aos estatutos, por menor que fosse, dava lugar à prisão na cadeia universitária (MOOG, 1938, p.33-34MOOG, Vianna. Eça de Queiroz e o século XIX. Porto Alegre: Globo, 1938.).

Secularmente, a instituição coimbrã formava sujeitos para que estivessem aptos a exercer o controle sobre os seus atos e, consequentemente, sobre o corpo social que ajudariam a governar (VALADARES, 2004, p.78-79VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri; Portimão: Instituto de Cultura Ibero-Americana, 2004.). Se até o século XVIII, essa condição deveria ser conjugada com as premissas do humanismo, em tese, inerentes ao homem moderno, no contexto do liberalismo, era necessário que se levassem em conta as liberdades essenciais, garantidoras do bem-estar – individual e coletivo – inexistentes, por sua vez, sem ordem. A instituição, que se forjou tendo como bases de poder “o trono, o altar e o saber”11 11 A tríade elencada por Virgínia Valadares (2004), sintetiza as relações clientelares, próprias do Antigo Regime, que a Universidade de Coimbra cultivava. Destaca-se, assim, a construção de um saber diretivo, legitimador e repressivo. , manteve relações estreitas com o Estado, tanto no contexto do Antigo Regime, quanto na época do regalismo ilustrado pombalino. De acordo com Antônio Ferrer Correia, ademais, essa ligação não chegou ao fim com as reformas liberais. O antigo reitor da Universidade de Coimbra, na ocasião das comemorações do sétimo centenário da instituição, destacou:

Poderia esperar-se da Revolução Liberal que restituísse[,] à universidade, as prerrogativas perdidas. Mas não é o que acontece (...) em Coimbra, a universidade portuguesa do constitucionalismo, tanto na vertente do setembrismo, com Passos Manuel, como na reforma cartista, com Costa Cabral, é uma instituição claramente vazada nos moldes pedagógicos e organizacionais daquela que, nos princípios do século, Napoleão concebeu e impôs à França. É, pois, uma universidade inteiramente subordinada ao poder central – no caso, o ministro do reino –, sem autonomia e liberdade de governo, e[,] por outra via[,] apenas destinada ao ensino profissional (CORREIA, 1991, p.28CORREIA, Antônio Ferrer. Introdução (solenidade de abertura). In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol. 1, p.15-29.).

O regime liberal não garantiu, portanto, uma maior autonomia da universidade em relação ao aparato estatal. A manutenção do controle sobre o estabelecimento de ensino se deu, como destacado, exatamente devido às liberdades potencialmente inerentes ao sistema erigido. Temia-se a possível autonomia da Universidade, considerada tão estratégica para a formação daqueles que poderiam governar a sociedade lusitana ou influir sobre o seu destino12 12 Desde o reformismo setecentista, a relevância da Universidade para a formação dos quadros administrativos e políticos pôde ser verificada. Observa-se, igualmente, a relação entre o Estado e a Universidade, encarada como salutar e necessária. “A ebulição intelectual[,] favorecida pelo reformismo, iniciado no reinado de D. José I e continuado por D. Maria I e pelo príncipe regente D. João, teve limites. Se[,] com Pombal[,] a Universidade de Coimbra, livrou-se da tutela dos jesuítas, permaneceu sob o jugo eclesiástico e religioso. O reitor das reformas, D. Francisco de Lemos (1735- 1822), que era clérigo, sintetizou[,] com perfeição[,] as diretrizes e os limites da reforma da Universidade, que se fariam presentes de Pombal até a regência joanina: ‘as Ciênciasnão podem crescer na Universidade sem que o Estado cresça, se melhore e se aper-feiçoe, assim como não podem decair e arruinarem-se sem que o Estado igualmentedecaia e se arruíne’. Mais do que se embasar [em uma] visão segundo a qual o progressodas ciências na Universidade e o crescimento do Estado estariam interligados e, da mesma forma, a ruína de ambos, a reforma educacional pombalina, como assinala Kenneth Maxwell, ‘teve um objetivo altamente utilitário: produzir um novo corpo de funcionários ilustrados para fornecer pessoal à burocracia estatal e hierarquia da Igreja reformadas” (VILLALTA, 2015, p. 146-147) . Por outro lado, a instituição procurava garantir o seu prestígio, monopólio e poder, mantendo-se atrelada ao Estado, mesmo que, internamente e na prática, negasse grande parte dos preceitos da ordem a que se associava.

Para despertar Minerva: a “geração de 1870”, entre a “Sociedade do Raio” e a questão coimbrã

Os interesses e os jogos de poder inerentes à formação coimbrã não eram estranhos aos estudantes. Muitos deles se posicionavam contrários ao que consideravam como uma postura despótica da instituição. Essas possíveis arbitrariedades, em tese, não estariam de acordo com o “progresso” da época. Em nome da liberdade, vários deles, agremiados ou não, rebelaram-se contra os processos de formação a que estavam submetidos e os seus agentes reguladores.

Esse tipo de movimentação estudantil, todavia, nem sempre se conformou como uma resposta a alguma arbitrariedade inequivocamente cometida pela instituição e seus membros. Ou, pelo menos, essa nem sempre foi a questão central dos conflitos (embora assim fosse alegado). Principalmente nos casos mais expressivos de contestação, o que estava em jogo era a própria condução do processo de formação intelectual, moral e política. Batalhar pela definição de um modelo formativo seria garantir “um lugar ao sol”. Um bom exemplo para a compreensão dessas possíveis pretensões, foi a agremiação que se intitulava: Sociedade do Raio. O movimento foi liderado por Antero de Quental (1842-1891) e teve as suas bases amalgamadas entre os anos de 1858 e 1861 (NOVA, 1991, p.282NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.). No entanto, foi entre 1861 e 1863 que a dita sociedade se consolidou. Tratava-se de uma organização que agia sob certo sigilo13 13 Antônio Nova (1991, p.288) relativiza a possibilidade de uma ligação direta entre o movimento e a maçonaria. Para o autor, a ideia de uma “carbonária estudantil” é uma elaboração a posteriori, já que uma parte do movimento, quando do seu desfecho, acabou se associando à maçonaria. O sigilo, que não era tão bem articulado, tratar-se-ia de uma estratégia de organização. Além do mais, o movimento recrutava o máximo de estudantes possível, sendo difícil identificar um perfil ou critério para o ingresso na organização. A maçonaria poderia ser, no máximo, uma inspiração. , recrutando estudantes (inicialmente, do ensino superior, muito embora fossem admitidos membros dos liceus), organizando reuniões, impedindo a realização de alguns eventos da universidade14 14 Quanto à interdição de determinadas atividades acadêmicas, pode-se dar como exemplo a desarticulação de uma récita organizada por grupos antiliberais em 1861. e promovendo manifestações públicas.

A Sociedade do Raio chegou a contar com cerca de 200 membros em seu período de apogeu (dezembro de 1862), frente a uma população estudantil de 725 indivíduos, inclusos 345 estudantes liceais (NOVA, 1991, p.286NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.). A maioria dos componentes da organização não era oriunda de Coimbra, sendo a menor adesão, entre os cursos da Universidade, a da Faculdade de Teologia. O feito mais expressivo do movimento se deu em 08 de dezembro de 1862, quando, em meio a uma solenidade na Sala dos Capelos, grande parte dos estudantes presentes abandonou o recinto, exatamente no momento em que o reitor, Basílio Alberto de Sousa Pinto (1793-1881) – Visconde de São Jerônimo – tomou a palavra. O reitor continuou o seu discurso para os “lentes e doutores indignados (...) enquanto do lado do pátio chegavam os gritos e urros dos estudantes em revolta” (MOOG, 1938, p.38MOOG, Vianna. Eça de Queiroz e o século XIX. Porto Alegre: Globo, 1938.). O ato foi o estopim de uma crise acadêmica que se prolongava desde 1861, quando a Sociedade do Raio passou a canalizar o descontentamento de muitos estudantes com a instituição, suas hierarquias e seus ditames. Além disso, vale salientar que o acontecimento desencadeou a substituição do reitor e do vice-reitor, ainda em dezembro de 1862, e, finalmente, a exoneração de ambos em 22 de julho de 1863. As ações levadas a termo antes desse desfecho foram articuladas em reuniões em que eram firmados os compromissos. Cada novo membro deveria fazer um juramento, como o seguinte:

Convencido da necessidade de elevar, pela educação liberal[,] a mocidade portuguesa à altura da missão regeneradora do nosso século. Convencido ainda mais de que não podemos preparar-nos para as grandes lutas da liberdade sob o jugo aviltante das leis opressivas e bárbaros preconceitos da Universidade. Convencido de que isto só por um pacto secreto de aliança se alcançará. (...) Juro por Deus, pela minha honra, pelo que tenho de mais sagrado, combater todo o despotismo universitário (...) (NOVA, 1991, p.278-279NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.).15 15 Antônio Nova descobriu, nos anos 1990, junto ao Espólio de Alberto e José da Cunha Sampaio, alguns documentos até então inéditos, que apresentam características importantes da organização do Raio, bem como da vida acadêmica coimbrã entre 1861 e 1863. Dentre esses achados, estão alguns juramentos e um balanço das atividades da Sociedade do Raio. Este, redigido por Antero de Quental.

Os objetivos explicitamente assumidos pela referida organização estudantil tratam do combate ao autoritarismo universitário e da atualização do ensino. Por outro lado, almejava-se também “elevar, pela educação liberal, a mocidade portuguesa”, ou seja, não estava em jogo somente uma reforma intramuros. Os estudantes envolvidos na questão, principalmente as suas lideranças, tinham propósitos mais alargados: criticar o projeto político vigente e articular uma possível alternativa que colocasse Portugal à “altura do século”. Trata-se de uma ambição que não era necessariamente estranha à proposta coimbrã de formar os homens que dirigiriam os rumos do país, ainda que essa possível elite não compactuasse com a agenda política ordeira daqueles que estavam no poder, dentro e fora da universidade. A Sociedade do Raio acabou ficando conhecida após os acontecimentos de 1862, extinguindo-se, portanto, o seu caráter secreto e suas ações sigilosas. Foi articulada uma campanha para a persuasão da opinião pública em relação às causas do movimento e houve também a busca por apoio de políticos e de partidos, mas não se conseguiu nem uma coisa, nem outra (NOVA, 1991, p.301NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.). A Sociedade do Raio não garantiu a sua perenidade, mas foi um importante marco.

As reivindicações estudantis e os conflitos delas decorrentes, nesse sentido, podem ser pensados como parte da gestação de uma nova sensibilidade política, marcada por um inconformismo não apenas com a universidade e seu ensino, mas com os próprios caminhos da monarquia liberal e seu projeto regenerador. Colocar em xeque os lentes e as demais autoridades de Coimbra foi importante para a formação de uma atitude de contestação que acabou por se desdobrar em outros movimentos. No que tange a essas primeiras intentonas de oposição realizadas em Coimbra, além da Sociedade do Raio e do certo desdobramento dos seus objetivos, destacam-se os debates literários que eclodiram em 1865.

Tais discussões ficaram conhecidas como a “questão Coimbrã” e representam uma das origens para a formação da chamada “geração de 1870”. A pugna literária foi deflagrada a partir dos embates travados entre dois grupos acadêmicos. O primeiro, liderado por Antero de Quental, o segundo, apadrinhado por António Feliciano de Castilho (1800-1875). Este, na ocasião, era um importante lente da Universidade de Coimbra. O grupo de Castilho, que foi considerado pejorativamente como uma “teocracia literária”, contou com a participação de Pinheiro Chagas (1842-1895), Antônio Teixeira de Vasconcelos (1816-1878), Pedro de Brito Aranha (1833-1914), entre outros.

Castilho dispunha dos capitais simbólicos e sociais relevantes para o reconhecimento de um escritor iniciante junto ao “campo literário”16 16 O conceito de campo empregado é de Pierre Bourdieu (2008, p.98). O campo seria um “espaço social”, resultado das relações, das interações e das ações dos sujeitos. Ao tratar desse conceito, Bourdieu realizou uma análise das disputas simbólicas entre dominantes e vanguardas pelo exercício da hegemonia no “campo literário”. da época. Essa possibilidade de iniciação fez com que fosse criado, em torno do professor, um grupo de escritores, que, de acordo com a concepção de Antero e seus companheiros, formava a “escola do elogio mútuo”, pautada pelas bajulações literárias, mas também pelas produções vazias, esterilmente ornamentadas e humanamente indiferentes. Em 1865, Castilho foi convidado para escrever um posfácio para o Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. O lente aproveitou a oportunidade e teceu uma contundente crítica ao grupo dos jovens de Coimbra, que ele acusava de exibicionismo, inconsistência propositiva, desconhecimento das regras básicas da escrita poética, além da falta de “bom senso e de bom gosto”. O escritor fez uma consideração mais obsequiosa em relação às publicações de José Cardoso Vieira de Castro (1837-1872), mas não poupou Teófilo Braga (1943-1924) – que tinha publicado os poemas Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras – e Antero de Quental, na ocasião, autor de Odes Modernas.

Antero respondeu a essas apreciações por meio de uma carta aberta, publicada em folheto pela Imprensa da Universidade. O documento, intitulado Bom senso e bom gosto (1865), apresenta um tom tão beligerante quanto a crítica que o motivou. Nele, o autor afirmou que os românticos estavam a realizar um contrassenso ao reproduzirem uma literatura marcadamente ultrapassada e fútil. Uma produção que se privaria de tratar dos problemas da sociedade. Solidarizando-se com Antero, Teófilo publicou o folheto Theocracias Litterarias (1865), no qual teceu um argumento ad hominem: Castilho só recebia alguma atenção pelo fato de ser cego e sua produção, com efeito, não se destacava pela qualidade. Em A Dignidade das Letras e Litteraturas Officiaes (1865), Antero reafirmou a importância de uma nova literatura mais atenta às demandas do mundo moderno, e que não se limitasse ao culto à forma.

Nesse mesmo texto, o escritor se referiu jocosamente aos cabelos brancos de Castilho, o que gerou certa repercussão. Ramalho Ortigão (1836-1915), no opúsculo A Litteratura de Hoje (1945), posicionou-se contra a maneira como Castilho estava sendo tratado pelos jovens detratores. Além disso, colocou em xeque a validade daquele debate. Em função dessa polêmica, Ramalho Ortigão e Antero de Quental acabaram duelando. Camilo Castelo Branco (1825-1890), em Vaidades Irritadas e Irritantes (1866), também se posicionou favoravelmente a Castilho, mas seu texto, diferentemente do escrito do Ramalho, não gerou maiores polêmicas.

As críticas destinadas a Castilho e seus seguidores, confundiam-se com as apreciações negativas direcionadas ao Romantismo. É importante mencionar, entretanto, que essas avaliações se endereçavam à segunda fase do Romantismo português, que ficou conhecida como “Ultrarromantismo”. Muitos dos estudantes, que se diziam favoráveis à criação de uma literatura nova – a exemplo de Antero e, depois, de Eça de Queiroz (1845-1900) –, tinham sido fortemente impactados pela produção de autores como Almeida Garret (1799-1854) e Alexandre Herculano (1810-1877). Estes escritores representavam uma fase dita “heroica” do Romantismo (a primeira fase). Eles escreveram em um momento em que a corrente literária guardava maiores afinidades com o processo emancipatório burguês e com as ideias liberais (CATROGA, 1993, p.546).

Em Portugal, alguns desses primeiros representantes da corrente literária, como os dois citados, envolveram-se diretamente com as causas oriundas da Revolução de 1820. Garret e Herculano, mobilizarem-se, além do mais, em torno da ideia de que era necessário pensar culturalmente a sociedade portuguesa; mas foram criticados, posteriormente, por terem se limitado demasiadamente aos problemas tidos como nacionais, produzindo mais estereotipias e idealizações, do que propriamente reflexões. Buscando romper com a tendência aristocrática de valorização da história e da cultura “clássica”, os primeiros autores do Romantismo português acreditavam que

(...) os cânones e os gêneros estéticos evoluíam de acordo com as condições sociais. Assim, se a poesia, nomeadamente em Bocage, passou – dos corrilhos e salões aristocráticos para a praça pública –, o romance e[,] principalmente[,] o teatro (esse espetáculo das multidões) seriam gêneros apropriados à concretização de um projeto cultural que se pretendia mais democratizado (CATROGA, 1993b, p.547CATROGA, Fernando. Romantismo, literatura e história. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal: Volume 5: O Liberalismo (1807-1890). Lisboa: Estampa, 1993b, p.545-562.).

Com o passar do tempo, sobretudo a partir da consolidação da monarquia constitucional, muitos dos escritores românticos que se seguiram, deixaram de se envolver de forma mais direta com as questões de cunho político ou social, articulando uma nova escrita poética (MACHADO, 1981, p.22MACHADO, Álvaro Manuel. A Geração de 70: uma revolução cultural e literária. 2a ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1981.). Essa segunda fase do Romantismo foi eclipsada por certo sentimentalismo bucólico, com manifestações estéticas que:

(...) limitar-se-iam a repetir modelos e lugares comuns, numa sociedade liberal em que, passada a fase revolucionária, ser literato acrescentava prestígio, sem se achar incompatível poetar ultra romanticamente à noite e de dia ser-se um prosaico funcionário público. De certo modo, o progressismo esteve na moda na década de 1860, só que[,] desta atitude[,] não se pretendia tirar qualquer lição que apontasse para a necessidade de articular os conteúdos humanistas da arte com um projeto global de transformação revolucionária. Pelo contrário, aqueles desempenhavam um imaginário social que só dentro da ordem monárquico-constitucional poderia ir sendo concretizado (CATROGA, 1993b, p.560CATROGA, Fernando. Romantismo, literatura e história. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal: Volume 5: O Liberalismo (1807-1890). Lisboa: Estampa, 1993b, p.545-562.).

Castilho, um dos principais representantes da segunda fase do Romantismo, era amigo do Duque de Saldanha, desde 1849, e procurava amalgamar grupos políticos distintos, como “Setembristas” e “Cabralistas”. Ele defendia o ensino pragmático do alfabeto, opondo-se ao que chamava de elucubrações metafísicas, personalizando, assim, o utilitarismo que os regeneradores vislumbravam. O literato preteria os princípios ideológicos em favor de realizações ditas práticas, acreditando que, em literatura, tudo era moda. Isso explicaria o fato de que ele tenha se predisposto a trabalhar com os mais diferentes estilos. Nesse sentido, vale ressaltar que:

Nas décadas de 40 e 50, muitos dos jovens escritores tinham acreditado na decadência da literatura. Rebelo da Silva achava que[,] nas letras[,] a ‘revolução estava feita’, por Garret e Herculano, e que o que restava às gerações modernas era cuidar da língua de ‘Filinto e de Bocage’. Era o equivalente literário do ordeirismo regenerador, que achava que a revolução estava feita com a igualdade política e que agora se tratava apenas de construir estradas e caminhos de ferro (RAMOS, 1992, p.488RAMOS, Rui. A formação da intelligentsia portuguesa (1860-1880). In: Análise Social, v. 27, n.116-117, p.483-528, 1992.).

Com efeito, o grupo de literatos que se rebelou contra Castilho destacou a necessidade de se formular outro tipo de produção literária, menos sensível à questão formal (no seu sentido mais estrito) e mais dedicada a uma tendência reflexiva. Era preciso, de acordo com esses escritores, romper com a literatura “ultrarromântica”, que seria limitada, conformada e conformista.

Inicialmente, esses jovens, que propunham uma nova forma de pensar e criar artística e literariamente, procuravam reabilitar a tendência do chamado primeiro Romantismo português. Foram claramente influenciados, principalmente, por Alexandre Herculano. No entanto, com o passar do tempo, eles iriam se associar, pelo menos parcialmente, a uma nova referência literária e estética: o Realismo. Repensar a sociedade portuguesa, discutindo o seu lugar junto à Europa “moderna”, seria um esforço que deveria se fazer também por meio de uma atualização cultural, que só se realizaria através da problematização da literatura nacional frente ao debate que ultrapassava as fronteiras ibéricas. O Romantismo, em suas diferentes modalidades, aos poucos, figurava-se como ultrapassado (MACHADO, 1981, p.27-28MACHADO, Álvaro Manuel. A Geração de 70: uma revolução cultural e literária. 2a ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1981.).

Embora considere a tendência “fusionista” de Castilho e seus apadrinhados, Rui Ramos evidencia que o escritor nem sempre esteve em conflito com os propositores de uma “literatura nova”. Ele era amigo da família do Antero e, até então, mantinha boas relações com alguns dos estudantes que o criticaram. Além disso, seria possível discutir a noção de literatura de “elogio mútuo”. Para Ramos, os textos de Antero e seus companheiros eram tão herméticos e autorreferentes como os dos “ultrarromânticos” (RAMOS, 1992, p.487RAMOS, Rui. A formação da intelligentsia portuguesa (1860-1880). In: Análise Social, v. 27, n.116-117, p.483-528, 1992.). Os que se arvoravam como formuladores de uma nova literatura endereçavam suas produções literárias aos seus pares, buscando, muitas vezes, mais a legitimação do que propriamente a ruptura com uma proposta socialmente elitizada e esteticamente limitada. Nesse sentido, pode-se dizer que havia uma ligação entre a “geração nova”, defensora de uma literatura de ideias, e a “teocracia do fontismo literário”, que advogava a favor de uma literatura de estilo, a saber: a relativa incomunicabilidade de ambas as propostas. Em função de uma literatura pouco prestigiada, ou, pelo menos, que não era necessariamente lida por um grande público, o elogio mútuo era uma prática comum e essencial para o reconhecimento dos escritores e para a sobrevivência no mundo das letras. Não se limitava aos românticos, naquele contexto, dominantes no “campo literário” (RAMOS, 1992, p. 489-490RAMOS, Rui. A formação da intelligentsia portuguesa (1860-1880). In: Análise Social, v. 27, n.116-117, p.483-528, 1992.).

É preciso lembrar, ainda, que os estudantes que se indispuseram com Castilho pertenciam aos mesmos estratos e círculos sociais que o professor. Eles eram filhos de proprietários rurais, altos funcionários públicos, integrando famílias que tinham um lugar de distinção naquela sociedade. Seus pais já tinham frequentado a Universidade e seus avós tinham provado a limpeza de sangue e a vida honrada na leitura de bacharéis (RAMOS, 1992, p.491RAMOS, Rui. A formação da intelligentsia portuguesa (1860-1880). In: Análise Social, v. 27, n.116-117, p.483-528, 1992.). Por esse motivo, vale questionar: até que ponto eles estavam fundamentalmente preocupados em construir uma literatura que representasse uma transgressão cultural e social? A mobilização desses estudantes não estaria relacionada também com as suas aspirações? Quais eram as relações entre tais pretensões e os horizontes vislumbrados após o advento do liberalismo? Não há dúvida de que a proposta estética-intelectual, levada a cabo por Antero e seus companheiros, marcou uma distinção importante para a história das letras e, mesmo para as formas de se pensar a sociedade portuguesa, entretanto, é preciso não reproduzir o discurso de autolegitimação que esses escritores elaboraram. Mais do isso: é interessante problematizar os conflitos entre os dois grupos, pensando nos seus possíveis significados frente às transformações sociais desenvolvidas a partir da consolidação do estado liberal.

Contestar um “pontífice das letras” como Castilho, ou mesmo a instituição coimbrã por ele representada, era uma forma de buscar se firmar junto ao “campo literário”, galgando os capitais culturais, simbólicos e sociais importantes para fazer parte do staff político e intelectual da época. Como bem destacou Rui Ramos, o liberalismo foi entendido como a “cultura política do século”, o destino em que “fatalmente deveriam chegar todas as sociedades modernas e civilizadas” (RAMOS, 2001, p.102). Principalmente na segunda metade dos oitocentos, essa noção havia se tornado razoavelmente consensual. Bastava definir, entretanto, qual seria o caminho para se atingir esse fim necessário. Nesse sentido, a monarquia constitucional portuguesa se estruturou por meio da premissa de que era necessário criar uma “comunidade cívica”, composta por homens letrados, proprietários e com a capacidade de atuar politicamente. Para a formação dessa comunidade, o escritor (ou o intelectual) teria um papel fundamental. Caberia a ele representar e dar voz aos interesses públicos, ocupando um lugar especial junto ao corpo do estado cívico almejado (RAMOS, 2001, p.102-103).

Por essa razão, o processo de contestação à ordem vigente, iniciado na Universidade de Coimbra, pode ser relacionado com as disputas pela condução de uma atividade crucial para o liberalismo: a formação daqueles que poderiam ser incluídos nessa nova sociedade. Na ausência de uma preparação adequada para a transformação social em curso, era preciso providenciar uma “autêntica” educação liberal. Os debates estético-literários, que estão na base da “geração de 1870”, nesse sentido, não podem ser desvinculados dos projetos políticos em gestação. Isso significa reconhecer que a contraposição ao “Ultrarromantismo”, encarnado por Castilho e seus seguidores, era, a um só tempo, a construção de uma nova sensibilidade estética, a busca pela afirmação junto à cena literária da época e a disputa pela condução dos processos de mediação e formação cultural, indispensáveis para a estruturação/manutenção do regime. Conforme afirmou Fernando Catroga, a “geração nova” reconhecia, nas artes e nas letras, um caráter explicitamente militante.

Caberia ao intelectual e particularmente ao poeta – pensavam nesta altura –, a missão profética de tornar visível a opacidade, para os não eleitos, do sentido da história, a fim de lhes anunciar a proximidade da realização da ‘ideia nova’, isto é, a eminente entrada na libertação no reino de todas as opressões (políticas, econômicas, religiosas). A degenerância romântica, ao contrário, (...), ter-se-ia transformado num fontismo literário. Como se vê, prosseguiam com um objetivo mais radical e totalizante: o escritor tinha por missão semear a ‘seara nova’, a fim de educar os educadores, de elevar a cultura a instrumento reformador da sociedade (CATROGA, 1993a, p.569CATROGA, Fernando. Os caminhos polémicos da geração nova. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1993a, p.569-582.).

Alcançar o propósito de conquistar um lugar de destaque nas letras e no cenário político implicava a busca pelo reconhecimento, por seu turno, construído, dentre outras maneiras, por uma autopromoção. Nesse sentido, a “questão coimbrã”, bem como a própria experiência da “geração nova” na universidade, e para além dela, foi alvo de um processo de mitificação iniciado pelos próprios integrantes da geração, depois desdobrado por amigos, simpatizantes e seguidores (estes, atestando a importância do grupo e o sucesso de sua estratégia). No que tange ao contexto oitocentista, Eça de Queiroz foi um dos mais destacados agentes de tal operação. Coimbra foi um cenário com alguma recorrência na sua obra ficcional, destacando-se, entretanto, as críticas e as odes articuladas por meio dos textos de cunho memorialístico publicados pelo escritor.

A Coimbra de Eça de Queiroz: entre vivências e (re) significações

Em O Francesismo, artigo provavelmente escrito no final dos anos 188017 17 Não se sabe exatamente qual era a finalidade editorial do texto, contudo, conforme destacou Irene Fialho (2009, p.47-50), as características do escrito atestam que ele se destinava à publicação em algum periódico. Guerra da Cal analisou e descreveu o autógrafo, de 35 folhas, com marca d’água de 1886. e publicado postumamente em 1912, Eça tratou do seu ingresso na Universidade de Coimbra e do seu cotidiano na instituição. Como o próprio título enuncia, o objetivo principal era discutir os galicismos da sociedade portuguesa. O autor explicita que, desde os primeiros anos de sua educação, as referências francesas e o idioma francês estavam presentes e, sendo assim, era de se esperar que os exames para o ingresso na Universidade tivessem como uma das principais exigências o domínio do referido idioma. Aprovado na seleção e já em Coimbra, Eça se recorda:

(...) apenas entrei na Universidade, fui abrindo o meu rego de bacharel através de livros franceses. Direito natural, Direito público, Direito internacional, todos os Direitos, ou em compêndios, ou em expositores, eram franceses, ou compilados abertamente do francês, ou secretamente surrupiados do francês. (...) Algumas lições eram dadas em francês, por lentes preclaros, carregados de condecorações, que pronunciavam il faut – ile faúte. Aquele corpo docente nunca tivera bastante atividade intelectual para fazer os seus compêndios. E[,] todavia[,] Coimbra fervilhava de lentes, que decerto tinham ócios (QUEIROZ, 2009a [1912], p.151QUEIROZ, Eça de. O Francesismo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2009a (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).)18 18 O texto O Francesismo foi publicado, pela primeira vez, postumamente, no livro Ultimas páginas, de 1912. Posteriormente, tornou-se público novamente por meio da edição: Obras e Eça de Queiroz – cartas e outros escritos, Livros do Brasil, de 2001. A versão citada neste artigo é proveniente da edição crítica coordenada pelo Dr. Carlos Reis.

De acordo com a tessitura acima, a Universidade contava com professores copistas e tudo que se fazia era a memorização de conteúdos importados. Não havia produção original. Uma realidade que, segundo Eça, não se circunscrevia ao corpo docente, mas também aos “sebenteiros”, isto é, aqueles universitários que se limitavam a estudar pelos papéis, originalmente manuscritos, produzidos pelos próprios alunos, que continham um resumo das lições proferidas nas aulas e que passavam entre gerações, as chamadas “sebentas”. O autor afirma que, ao perceber que “aquele método de decorar todas as noites, à luz do azeite, um papel litografado que se chama sebenta”, não poderia lhe ajudar a “distinguir, juridicamente, o justo ou injusto”, decidiu aproveitar “os anos moços para se relacionar com o mundo” (QUEIROZ, 2009a [1912], p.152QUEIROZ, Eça de. O Francesismo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2009a (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).). Em outro texto, esse publicado em 1896, como uma homenagem ao então falecido amigo, Antero de Quental, Eça afirmou que a Universidade, que deveria ser, para os estudantes, uma mãe criadora, mas era, para ele e seus companheiros, uma “madrasta amarga, carrancuda, rabugenta”, de quem qualquer “espírito digno desejava se libertar” (QUEIROZ, 2009b [1896], p.293QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).).19 19 A primeira publicação do texto foi em Anthero de Quental – In Memoriam, editado por Mathieu Lugan, em 1896. Foi publicado novamente por meio da edição: Notas Contemporâneas, de Lello & Irmão, em 1909. Este livro foi reeditado em 1970 na coleção Livros do Brasil. A versão citada neste artigo refere-se à edição crítica coordenada por Carlos Reis. Assim, para o escritor,

No meio de tal Universidade, geração como a nossa só podia ter uma atitude – a de permanente rebelião. Com efeito, em quatro anos, fizemos[,] se bem me recordo, três revoluções, com todos os seus lances clássicos, Manifestos ao País, pedradas e vozearias, uma pistola ferrugenta debaixo de cada capa, e as imagens dos reitores queimadas entre danças selváticas. A Universidade era com efeito uma grande escola de revolução: – e pela experiência da sua tirania aprendíamos a detestar todos os tiranos, a irmanar com todos os escravos (QUEIROZ, 2009b [1896], p.293QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).).

Se a universidade, na avaliação do arguto crítico, não fornecia uma formação científica adequada, era ao menos lócus para o desenvolvimento de uma atitude de transgressão. Essa postura, por sua vez, seria um impulso para que fosse formulado exatamente aquilo que, em tese, a instituição de ensino lhes teria negado: a articulação de uma formação intelectual/moral, necessária para uma ação de crítica e de intervenção na realidade. Seria uma aprendizagem negativa forjada pela própria experiência vivida. É claro que não se pode levar ao pé da letra a visão, por vezes, estereotipada que Eça construiu sobre os seus professores e, concomitante, vale reforçar que a Universidade de Coimbra não se limita ao que os professores e as instâncias oficiais de formação ofereciam na ocasião. Considere-se, de outra maneira, o complexo processo de aprendizagem que envolve: a sociabilidade estudantil, os ensinamentos intramuros (que não eram inexistentes e tampouco tão desprezíveis conforme a caricaturização eciana) e extramuros, além da própria reivindicação por autonomia intelectual e política. A despeito da complexidade dos afetos envolvidos, pode-se inferir que Coimbra representa, de uma maneira ou de outra, uma etapa relevante na formação de Eça de Queiroz e sua geração.

Não por acaso, os efeitos retóricos da enunciação eciana acabam por enaltecer as ações rememoradas, criando um sentido valorativo para o grupo que, seccionalmente, deu origem à “geração de 1870”. Além disso, Eça reivindica a sua participação nos feitos ditos “revolucionários”. Em contrapartida, é importante salientar que o romancista não se envolveu diretamente nos principais debates e movimentos da Universidade de Coimbra de seu tempo. Eça chegou a assinar o Manifesto dos Estudantes, organizado pela Sociedade do Raio, mas não participou efetivamente da agremiação (NOVA, 1991, p.299NOVA, Antônio. A Sociedade do Raio na Coimbra Acadêmica de 1861-1863. In: CONGRESSO HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE. Universidade(s): história, memoria, perspectivas. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso, 1991, vol.3.). Aliás, ele não atuou de forma significativa nas movimentações acadêmicas, entre os anos de 1861 e 1863, e também não participou dos debates relacionados à “questão coimbrã”.

José Maria Eça de Queiroz foi admitido na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia 14 de outubro de 1861, apresentando a certidão de idade e dos exames de: “Instrução Primária, Traducção de Francez, Latinidade, Philosofia Racional e Moral, Oratoria, Historia, Geometria, e Introducção á Historia Natural dos Tres Reinos”.20 20 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Actos e Graus: IV-1°D-2-5-24. Nos primeiros anos, fez poucos amigos na Universidade. Durante esse período, morou com um lente, íntimo de sua família, o que, provavelmente, dificultava a participação em alguns eventos da vida acadêmica, principalmente aqueles ligados à boêmia:

Enquanto os estudantes que seguiam Antero alarmavam Coimbra, Eça recolhia à casa, ao toque da cabra, para tomar as refeições junto da família Dória. Passava os dias a ler. Tal como Arthur Corvelo, de A Capital, devorou, numa sofreguidão confusa, Balzac, Nerval, Hugo, Proudhon e Heine. Depois das aulas, as margens de Coimbra eram substituídas pelo Reno, com os seus castelos heroicos, pelo Oriente, com as suas cidades eriçadas de minaretes, e pela Índia, com as suas neblinas sagradas. Durante os primeiros anos, Eça não fez um único amigo (MÔNICA, 2009, p.34-35MÔNICA, Maria Filomena de. Eça de Queirós. 5 a ed. Lisboa: QUETZAL, 2009.)

Basicamente, Eça socializava-se com alguns poucos rapazes que havia conhecido no Porto, sobretudo os descendentes da família Resende21 21 Trata-se de uma das mais tradicionais famílias da aristocracia, residente, à época, no Porto. Eça estreitou relações especialmente com Luís de Resende (1844-1876) e Manuel de Resende (1845-1907). Este se tornou o 6° Conde de Resende e foi cunhado de Eça de Queiroz; aquele, faleceu antes do enlace matrimonial. . Foi, também, nessa época que o jovem aspirante a bacharel se dedicou às artes cênicas. Ele ingressou no Teatro Acadêmico, talvez como uma forma de ampliar o seu círculo de convivência. Sobre sua atuação no teatro, o autor salientou:

Durante três anos, como pai nobre, ora grave, opulento, de suíças grisalhas, ora aldeão trêmulo, apoiado ao meu cajado, eu representei, entre as palmas ardentes dos Acadêmicos, toda a sorte de papeis de comédias, de dramas – tudo traduzido do francês. Um dia, porém, Teófilo Braga, farto da França, escreveu um drama, conciso e violento, que se chamava Garção. (...) Eu representei o Garção, com calções e cabeleira, e fui sublime; mas o Garção foi acolhido com indiferença e secura (QUEIROZ, 2009a [1912], p.152QUEIROZ, Eça de. O Francesismo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2009a (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).).

Ao que tudo indica, Eça foi um estudante que obteve resultados satisfatórios, segundo os critérios da instituição. Cumpriu o curso no tempo regular e, embora tenha afirmado que não valeria a pena se dedicar ao curso de Direito, foi aprovado no exame final, no dia 22 de junho de 1866, com nemine discrepante e não apenas simpliciter, conforme consta no registro do Livro de Exames22 22 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Exames: IV-1°D-3-4-38. .

A Faculdade cursada por Eça é basicamente aquela que surgiu a partir da unificação (das antigas Faculdades de Leis e Cânones, como se viu) desenvolvida nos anos 1830, durante o governo “setembrista”. Em termos curriculares, a Faculdade de Direito, seguindo diretrizes oriundas das Luzes, passou a dar maior ênfase ao Direito Pátrio, em detrimento do Direito Canônico e do Direito Romano (MARCOS, 2005, p.34MARCOS, Rui de Figueiredo. Eça de Queirós, a Europa e a Faculdade de Direito de Coimbra no século XIX. Lisboa: Almedina, 2005.). Os três últimos anos do curso passaram a ser dedicados ao Direito Pátrio, com disciplinas de Direito Público, Direito Civil (com duas cadeiras), bem como Direito Comercial e Direito Criminal. Além disso, vale ressaltar a inclusão dos estudos de Economia Política e da obrigatoriedade da cadeira de Medicina Legal. Fora essa formação, articulada principalmente nos anos 1830, houve a introdução da cadeira de Enciclopédia Jurídica, em 1855, ministrada no primeiro ano, com um caráter introdutório, seguindo certa tendência europeia de dar, aos bacharéis, uma orientação preliminar sobre os estudos do Direito.23 23 Sobre as transformações operadas no currículo da Faculdade de Direito, especialmente no período em que Eça frequentou a instituição, ver: Manuel Rodrigues (1992, p. 138). Outras reformas mais significativas da Faculdade só se desenvolveram em 1865 e não foram vivenciadas por Eça.

O escritor nos deixou poucas pistas sobre o seu cotidiano acadêmico formal. Ele preferiu, isto sim, tratar da boêmia que viveu, principalmente nos dois últimos anos de curso, bem como do aprendizado intelectual que obteve junto aos companheiros de Universidade, em sua maioria, dissidentes e descontentes com a educação que recebiam na instituição. Sujeitos que se preocupavam também com o que chamavam, sem grande precisão naquele momento, de a degeneração da pátria. Se a Universidade não lhes ensinava (colocação passível de problematização, como se destacou), a ambiência de Coimbra, sim. Essa compreensão pôde ter se constituído porque, efetivamente, a formação coimbrã tinha as suas falhas. Por outro lado, está relacionada com a desqualificação do processo educativo. Se ele era ruim, seria preciso construir outro, como se afirmou anteriormente. A tendência em detratar a Universidade está conectada à sensibilidade política em gestação: pautada pela busca de uma alternativa ao modelo regeneracional da monarquia liberal. As vivências estudantis, à margem das salas de aula e dos estudos colocados pela instituição, conformariam o verdadeiro aprendizado. Conforme destacou o escritor:

Coimbra vivia então numa grande atividade, ou antes num grande tumulto mental. Pelos caminhos de ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários... Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos reis; e Balzac, com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o universo; e Poe, e Heine, e creio já que Darwin, e quantos outros! Naquela geração nervosa, sensível e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira, fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumaraça! E ao mesmo tempo nos chegavam, por cima dos Pirinéus moralmente arrasados, largos entusiasmos europeus que logo adoptávamos como nossos e próprios: o culto a Garibaldi e da Itália redimida, a violenta compaixão da Polônia retalhada, o amor à Irlanda, a verde Erin, a esmeralda céltica, mãe dos santos e dos bárbaros, pisada pelo Saxónio! (QUEIROZ, 2009b [1896], p.289QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).)

Eça destacou que, em função desse diálogo intenso travado com as mais diversas referências, havia, entre os estudantes, “todas as teorias e todas as seitas: havia republicanos bárbaros e republicanos poéticos; havia místicos que praticavam as éclogas de Virgílio, havia materialistas sentimentais e melancólicos” (QUEIROZ, 2008 [1867], p.34QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.). Essa profusão de debates conformava um impreciso desejo de mudança e de contestação. Um posicionamento crítico em relação à realidade em que viviam.

Antes disso, vale considerar que a avaliação negativa em relação à Universidade, ao seu ensino e à estrutura de poder a que a instituição se ligava, era edificada a partir do contato e da grande importância conferida aos autores e às obras estrangeiras. Formatava-se uma comparação que se colocava como inevitável, ou melhor, necessária. Essa avaliação só era possível exatamente porque Portugal se aproximava das ideias e dos debates da Europa de além-Pirineus, e não porque seguisse isolado. Tal aproximação, consequentemente, só foi possível em função do desenvolvimento material e do projeto político de estabilização da monarquia constitucional, que Eça e seu grupo se empenhavam em desqualificar. Afinal, foi por meio dos “caminhos de ferro”, como reconheceu o próprio Eça, que esse mundo de novidades chegou até os então jovens estudantes das terras banhadas pelo Mondego.

Entretanto, para Eça e boa parte daquela juventude, a conexão com essas novas ideias representava inequivocamente o atraso inerente à sociedade da qual faziam parte. Dessa maneira, a Universidade de Coimbra seria uma espécie de responsável ou corresponsável por ratificar essa condição. Contudo, Eça de Queiroz reconhecia que os tempos da Universidade, a despeito da instituição, tinham sido momentos de grande relevância, quer pela experiência crítica adquirida, quer pela “serena amizade incorruptível, o fecundo amor do dever, e a ingenuidade risonha de tudo o que desperta” (QUEIROZ, 2008 [1867], p.34-35QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.).

O contraste entre a formação oficial e os belos anos de chalaça estudantil consolidou-se na construção das narrativas sobre os tempos de Coimbra. Na verdade, com o passar do tempo, esse esforço de (re) construção tendeu a intensificar a idealização dos feitos juvenis, na mesma proporção em que se ampliaram as críticas direcionadas à caduquice da Universidade. Mesmo que fosse reconhecido certa imaturidade e diletantismo desses tempos – como, de fato, Eça procurou depois fazer –, predominava a positivação da experiência e a negativação do ensino. Em 1867, um ano após sua formatura, Eça escreveu uma carta, ao amigo Carlos Mayer, de que já se citaram dois trechos, destacando “aqueles tempos” de Coimbra, quando, “segundo a fórmula do evangelho”, o Romantismo teria composto “as almas” daqueles estudantes que faziam orações “diante do busto de Shakespeare” (QUEIROZ, 2008 [1867], p.31QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.). Esse saudosismo retrospectivo e flagrantemente idealizador, se manifestou de forma mais depurada, naquele que foi possivelmente o escrito mais significativo de Eça de Queiroz sobre Coimbra. Trata-se da já citada homenagem que o escritor dedicou a Antero de Quental, em 1896. O autor inicia o texto narrando o seu encontro com Antero:

Em Coimbra, uma noite, noite macia de abril ou maio, atravessando lentamente com as minhas sebentas na algibeira o Largo da Freira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem, de pé, que improvisava. A sua face, a grenha densa e loira com lampejos fulvos, a barba dum ruivo mais escuro, frisada e aguda à maneira siríaca, reluziam, aureoladas. O braço inspirado mergulhava nas alturas como para as revolver. A capa, apenas presa por uma ponta, rojava por trás, largamente, negra nas lajes brancas, em pregas de imagem. E, sentados nos degraus da Igreja, outros homens, embuçados, sombras imóveis sobre as cantarias claras, escutavam, em silêncio e enlevo, como discípulos (QUEIROZ, 2009b [1896], p.285QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).).

O trecho da narrativa apresenta, por um lado, uma descrição romantizada sobre a figura de Antero de Quental e sobre a situação do encontro; por outro, salienta uma dicotomia: a passividade dos ouvintes e o protagonismo do orador. A hierarquia construída procura destacar a figura do Antero, mas também exaltar uma das origens da “geração de 1870”. Enaltece-se, por meio do homenageado, certa postura formativa que se acreditava ter sido exercida pela própria experiência estudantil em Coimbra. A narrativa procura conferir um sentido para essa vivência com o intuito de se colocar em destaque as possíveis origens da ação intelectual e política que a “geração de 1870” procurou gestar. Refere-se a uma operação de construção de significado para a trajetória do grupo, com o intuito de promover os seus objetivos. Esse último ponto fica mais evidente na continuidade da narração, em que é possível perceber outra camada, para além da homenagem afetiva dedicada ao amigo, isto é: a entronização da ciência, da razão e da atividade intelectual do grupo coimbrão, pensada a partir de Antero. Eça afirma que, na ocasião do encontro com este, junto à Sé Nova, parou

(...) seduzido, com a impressão que não era aquele um repentista picaresco ou amavioso, como os vates do antiquíssimo século XVIII – mas um Bardo, um Bardo dos tempos novos, despertando almas, anunciando verdades. O homem com efeito cantava o Céu, o Infinito, os mundos que rolam carregados de humanidades, a luz suprema habitada pela ideia pura (...) Deslumbrado, toquei o cotovelo dum camarada, que murmurou por entre os lábios abertos de gosto e pasmo: – É o Antero! ... Deus conversava com Garrett. Depois, se bem me lembro, conversava com Platão e com Marco Aurélio. Todo o céu era uma radiante Academia. Os Santos mais ilustres, os Agostinhos, os Ambrósios, os Jerónimos, permaneciam fora, pelos pátios divinos, sumidos numa névoa subalterna, como plebe imprópria a penetrar no concílio dos Filósofos e dos Poetas. Mas o escravo Epicteto aparecia, ainda coberto das cicatrizes do látego e dos ferros – e Deus estendia ao escravo Epicteto a sua vasta mão direita, donde se esfarelada o barro com que ele fabrica os astros... (QUEIROZ, 2009b [1896], p.285-286QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).)

A contemplação dirigida a Antero é, antes de tudo, um culto à atitude que ele representava ou que lhe era imputada. Trata-se de uma ode a um processo de formação que a própria “geração de 1870”, na hipotética ausência de um ensino com o mínimo de qualidade, teria se oportunizado. Desse modo, ao imputar, a Antero, esse penhor educativo, delinea-se a ambição de formar os novos formadores, na sociedade lusitana oitocentista. A idealização das experiências coimbrãs caminha com a construção de um sentido para a trajetória da “geração de 1870”, assim como para a realidade em que se pretendia atuar, intelectualmente e politicamente. Com efeito, se o céu era uma grande Academia, filósofos e poetas eram santos de primeira grandeza. Esses “santos”, representados por Antero, estariam então prontos para conversarem com Deus, em um processo divino e extasiante de criação. Para encerrar, Eça coloca a si próprio como discípulo de Antero, ou melhor, do ethos materializado nesse sujeito.

Então, perante este céu onde os escravos eram mais gloriosamente acolhidos que os doutores, destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo, como um discípulo. E para sempre assim me conservei pela vida (QUEIROZ, 2009b [1896], p.286-287QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).).

Essa homenagem eciana feita para Antero de Quental pode ser, portanto, interpretada como uma forma de (re) construir a origem, ou uma origem possível para a “geração de 1870”. Adicionalmente: a efeméride foi a maneira que o escritor encontrou de se incluir no movimento intelectual, literário e estudantil de que não havia participado tão intensamente. Nesse sentido, Eça de Queiroz procurou, por meio da figura emblemática do poeta homenageado, criar uma Coimbra encantada: aquela em que viveu, mas também a que desejou ter vivido. Além do mais, o autor buscou consagrar o movimento intelectual desferido em Coimbra. Essa elaboração retrospectiva começou a se dar, principalmente, quando parte dos contemporâneos dos tempos de Universidade se reencontrou, dessa vez em Lisboa, nos anos 1870, em um contexto em que se fixaram algumas das pretensões em relação a uma possível atuação junto à sociedade portuguesa.

A “questão coimbrã” e mesmo a experiência mais geral maturada na Universidade conformavam-se como um importante marco simbólico de rebeldia, recorrentemente apropriado como uma forma de orientação para a geração de escritores que passou a traçar uma meta: a construção de uma alternativa à alegada letargia derivada da monarquia constitucional e do seu projeto regenerador. (Re) pensar as experiências vividas na terra “onde dormita a deusa minerva” foi, com efeito, um exercício existencial para Eça e sua geração. Uma atividade que não se dissociava da pretensão de elaborar sentidos para a sociedade portuguesa oitocentista.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo
  • 3
    Posteriormente, o documento compôs a edição de Prosas Bárbaras, de 1903. A versão citada neste artigo provém da coletânea organizada por Alfredo Campos Matos (2008).
  • 4
    Virgínia Valadares (2004, p.49;136)VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-Brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura e Contestações. 2a ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015., valendo-se da análise dos estatutos da Universidade de Coimbra (1559, 1653 e 1772) e do arcabouço teórico weberiano, afirma que a referida instituição se estruturou, historicamente, como instrumento de “dominação tradicional, caracteristicamente patrimonial, estatal e burocrática”. Nesse sentido, as reformas pombalinas estariam ligadas a uma dinâmica de poder centralista e regalista. A autora lembra ainda que essas reformas introduziram “mudanças periféricas no curso de Teologia; uma roupagem diferente, mas com o mesmo tecido, nos cursos de Leis e Cânones; uma criação adaptativa no curso de Medicina. Filosofia e Matemática foram cursos novos, mas, praticamente, sem a presença de alunos ordinários, até ao final do século XVIII”.
  • 5
    De acordo com Rui Marcos (2005, p.30-32)MÔNICA, Maria Filomena de. Eça de Queirós. 5 a ed. Lisboa: QUETZAL, 2009., as reformas desenvolvidas na Universidade nas primeiras décadas do século XIX não foram consolidadas. O autor lembra que, em função do contexto político de enorme intranquilidade, o ensino universitário chegou a ser suspenso.
  • 6
    Segundo João Lourenço Roque (1991, p.259), não foram contabilizados os habitantes das áreas periféricas, como Santa Clara e Santo Antônio dos Olivais. Em 1900, a população teria atingido 18.000 habitantes e, em 1911, 20.000.
  • 7
    De caráter pejorativo, esse era o nome dado pelos estudantes universitários aos naturais da cidade de Coimbra. Foi também empregado, talvez até pela própria designação coimbrã, como forma de nomear os sujeitos que só tinham a formação mais elementar da educação (COIMBRA, 1991, p.321-330FIALHO, Irene. Introdução. In: FIALHO, Irene. (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009 (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária), p.35-58.).
  • 8
    “Tricanas” eram as mulheres de Coimbra, que, geralmente, tinham uma origem humilde. No que se refere à violência praticada contra as mulheres da cidade, Margarida Coimbra analisa, por exemplo, o processo de um estudante do preparatório, que teria estuprado uma menor de idade em 1871. (COIMBRA,1991, p.323-324; 325-326FIALHO, Irene. Introdução. In: FIALHO, Irene. (ed.). Almanaques e outros dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009 (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária), p.35-58.).
  • 9
    Manuel Henriques (1991, p.345-354)MARCOS, Rui de Figueiredo. Eça de Queirós, a Europa e a Faculdade de Direito de Coimbra no século XIX. Lisboa: Almedina, 2005., por meio de um texto memorialístico sobre a Universidade de Coimbra do século XIX, afirma que a praxe (conjunto de rituais e tradições a que os estudantes se submetiam na universidade e que, em alguns casos, ainda se submetem na atualidade) teria como referência um livro publicado no final do século XVIII, O Palito Métrico. Entretanto, no século XIX, muitos elementos foram acrescentados à praxe, que se tornou, em tese, mais hierarquizante, com alguns casos de franca violência e segregação. Para o autor citado, muito do que se afirmou ser parte de uma tradição secular dos processos de iniciação foram, na verdade, criações contemporâneas. Trata-se de um tema que ainda hoje merece maior atenção dos historiadores.
  • 10
    O próprio Eça de Queiroz se submeteu a um concurso para o cargo de cônsul, em 24 de setembro de 1870, competindo, por exemplo, com Jaime Batalha Reis, seu amigo de boêmia.
  • 11
    A tríade elencada por Virgínia Valadares (2004)VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-Brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura e Contestações. 2a ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015., sintetiza as relações clientelares, próprias do Antigo Regime, que a Universidade de Coimbra cultivava. Destaca-se, assim, a construção de um saber diretivo, legitimador e repressivo.
  • 12
    Desde o reformismo setecentista, a relevância da Universidade para a formação dos quadros administrativos e políticos pôde ser verificada. Observa-se, igualmente, a relação entre o Estado e a Universidade, encarada como salutar e necessária. “A ebulição intelectual[,] favorecida pelo reformismo, iniciado no reinado de D. José I e continuado por D. Maria I e pelo príncipe regente D. João, teve limites. Se[,] com Pombal[,] a Universidade de Coimbra, livrou-se da tutela dos jesuítas, permaneceu sob o jugo eclesiástico e religioso. O reitor das reformas, D. Francisco de Lemos (1735- 1822), que era clérigo, sintetizou[,] com perfeição[,] as diretrizes e os limites da reforma da Universidade, que se fariam presentes de Pombal até a regência joanina: ‘as Ciênciasnão podem crescer na Universidade sem que o Estado cresça, se melhore e se aper-feiçoe, assim como não podem decair e arruinarem-se sem que o Estado igualmentedecaia e se arruíne’. Mais do que se embasar [em uma] visão segundo a qual o progressodas ciências na Universidade e o crescimento do Estado estariam interligados e, da mesma forma, a ruína de ambos, a reforma educacional pombalina, como assinala Kenneth Maxwell, ‘teve um objetivo altamente utilitário: produzir um novo corpo de funcionários ilustrados para fornecer pessoal à burocracia estatal e hierarquia da Igreja reformadas” (VILLALTA, 2015, p. 146-147VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-Brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura e Contestações. 2a ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015.)
  • 13
    Antônio Nova (1991, p.288)VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri; Portimão: Instituto de Cultura Ibero-Americana, 2004. relativiza a possibilidade de uma ligação direta entre o movimento e a maçonaria. Para o autor, a ideia de uma “carbonária estudantil” é uma elaboração a posteriori, já que uma parte do movimento, quando do seu desfecho, acabou se associando à maçonaria. O sigilo, que não era tão bem articulado, tratar-se-ia de uma estratégia de organização. Além do mais, o movimento recrutava o máximo de estudantes possível, sendo difícil identificar um perfil ou critério para o ingresso na organização. A maçonaria poderia ser, no máximo, uma inspiração.
  • 14
    Quanto à interdição de determinadas atividades acadêmicas, pode-se dar como exemplo a desarticulação de uma récita organizada por grupos antiliberais em 1861.
  • 15
    Antônio Nova descobriu, nos anos 1990, junto ao Espólio de Alberto e José da Cunha Sampaio, alguns documentos até então inéditos, que apresentam características importantes da organização do Raio, bem como da vida acadêmica coimbrã entre 1861 e 1863. Dentre esses achados, estão alguns juramentos e um balanço das atividades da Sociedade do Raio. Este, redigido por Antero de Quental.
  • 16
    O conceito de campo empregado é de Pierre Bourdieu (2008, p.98)CATROGA, Fernando. Romantismo, literatura e história. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal: Volume 5: O Liberalismo (1807-1890). Lisboa: Estampa, 1993b, p.545-562.. O campo seria um “espaço social”, resultado das relações, das interações e das ações dos sujeitos. Ao tratar desse conceito, Bourdieu realizou uma análise das disputas simbólicas entre dominantes e vanguardas pelo exercício da hegemonia no “campo literário”.
  • 17
    Não se sabe exatamente qual era a finalidade editorial do texto, contudo, conforme destacou Irene Fialho (2009, p.47-50)MACHADO, Álvaro Manuel. A Geração de 70: uma revolução cultural e literária. 2a ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1981., as características do escrito atestam que ele se destinava à publicação em algum periódico. Guerra da Cal analisou e descreveu o autógrafo, de 35 folhas, com marca d’água de 1886.
  • 18
    O texto O Francesismo foi publicado, pela primeira vez, postumamente, no livro Ultimas páginas, de 1912. Posteriormente, tornou-se público novamente por meio da edição: Obras e Eça de Queirozcartas e outros escritos, Livros do Brasil, de 2001. A versão citada neste artigo é proveniente da edição crítica coordenada pelo Dr. Carlos Reis.
  • 19
    A primeira publicação do texto foi em Anthero de QuentalIn Memoriam, editado por Mathieu Lugan, em 1896. Foi publicado novamente por meio da edição: Notas Contemporâneas, de Lello & Irmão, em 1909. Este livro foi reeditado em 1970 na coleção Livros do Brasil. A versão citada neste artigo refere-se à edição crítica coordenada por Carlos Reis.
  • 20
    ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Actos e Graus: IV-1°D-2-5-24.
  • 21
    Trata-se de uma das mais tradicionais famílias da aristocracia, residente, à época, no Porto. Eça estreitou relações especialmente com Luís de Resende (1844-1876) e Manuel de Resende (1845-1907). Este se tornou o 6° Conde de Resende e foi cunhado de Eça de Queiroz; aquele, faleceu antes do enlace matrimonial.
  • 22
    ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Exames: IV-1°D-3-4-38.
  • 23
    Sobre as transformações operadas no currículo da Faculdade de Direito, especialmente no período em que Eça frequentou a instituição, ver: Manuel Rodrigues (1992, p. 138).

Referências bibliográficas e documentais

Referências bibliográficas e documentais
  • ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Actos e Graus: IV-1°D-2-5-24.
  • ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AU) – Livro de Exames: IV-1°D-3-4-38.

Fontes impressas

Fontes impressas
  • CASTILHO, António Feliciano de. Carta ao Editor António Maria Pereira. In: CHAGAS, Pinheiro. Poema da Mocidade: Anjo do Lar. Lisboa: A. M. Pereira, 1865.
  • QUEIROZ, Eça de. Uma carta a Carlos Mayer. In: MATOS, Alfredo Campos (org.). Eça de Queirós correspondência. Lisboa: Caminho, 2008, vol.1.

Livros e outros impressos

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  • ORTIGÃO, Ramalho. Figuras e questões literárias Lisboa: Clássica,1945.
  • QUEIROZ, Eça de. O Francesismo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2009a (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).
  • QUEIROZ, Eça de. Um gênio que era um santo. In: FIALHO, Irene (ed.). Almanaques e outros dispersos Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2009b (Edição crítica das obras de Eça de Queirós. Vária).
  • QUENTAL, Antero de. Bom-Senso e Bom-Gosto: carta ao excelentíssimo senhor Antonio Feliciano de Castilho Coimbra: Imprensa da Universidade, 1865.
  • QUENTAL, Antero de. A Dignidade das letras e as litteraturas officiaes Lisboa: Typografia Universal, 1865.

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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