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O TEATRO ARGENTINO NO BRASIL NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930): TROCAS, ENCONTROS E REFLEXÕES1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

ARGENTINE THEATER IN BRAZIL IN THE FIRST REPUBLIC (1889– 1930): EXCHANGES, MEETINGS, AND DEBATES

Resumo

Este artigo aborda a recepção do espetáculo argentino pelos críticos e homens de teatro brasileiros na Primeira República (1889–1930). De uma realidade quase ignorada na primeira parte do período estudado, nós observamos pelas crônicas nos jornais e pelas memórias de escritores e artistas que o teatro do país platino passa a ser objeto de interesse crescente para parte dos profissionais brasileiros, que veem na nação vizinha, além de mercado acessível, espaço cujas experiências podem ser aproveitadas para a solução de problemas internos ao mundo do espetáculo brasileiro. Enfim, a aproximação e as trocas que se estabelecem com a Argentina servem de ponto de partida para uma reflexão sobre a própria identidade brasileira e sobre o lugar do Brasil no mundo.

Palavras-chave
Teatro; Brasil; Argentina; relações internacionais; Primeira República

Abstract

This article addresses the reception of the Argentine theater by Brazilian critics and theater professionals during the First Brazilian Republic (1889–1930). From a reality almost ignored during the earlier part of the period studied, we can notice in the newspapers and the autobiographies of artists and writers that Argentina’s performing arts become the object of growing interest for many Brazilian professionals, who see in the neighboring nation, besides an accessible market, a space whose experiences can be used to solve problems of the Brazilian theater. Finally, the rapprochement and the exchanges established with Argentina serve as a starting point for reflecting Brazil’s own identity and place in the world.

Keywords
Theater; Brazil; Argentina; international relationships; Brazilian First Republic

Segundo Boris Fausto e Fernando J. Devoto, as relações entre Brasil e Argentina durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX tiveram como tônica uma contida rivalidade, marcada por momentos de aproximação e de afastamento, que se alternavam segundo o conjunto das relações internacionais dos dois países. Enquanto a Argentina – e sua economia – permaneceu umbilicalmente ligada à Inglaterra, o Brasil adotou, desde o fim do Império, uma postura de aproximação aos Estados Unidos e de adesão à sua política pan-americanista como estratégia de obter a hegemonia na América do Sul sob a proteção de Washington, fato que desagradava ao país platino, que também se via como uma potência regional (FAUSTO e DEVOTO, 2004, p. 227-235).

Após um período de aproximação entre os dois países, que se seguiu à proclamação da República brasileira3 3 Aproximação que deve muito à deterioração das relações entre Chile e Argentina, que levou Buenos Aires a procurar a aproximação com o Brasil para não deixar o país na desconfortável situação de estar cercado por dois países inimigos. e culminou com a primeira troca de visitas presidenciais – Julio A. Roca visita o Brasil em 1899, e Campos Sales, a Argentina no ano seguinte –, a desconfiança volta a se instalar na década de 1900 quando os argentinos veem na atuação do Barão de Rio Branco, ministro das relações exteriores entre 1902 e 1912, uma política que visava restaurar a supremacia do Brasil na América do Sul segundo as “tradições imperiais”. Situação que só mudaria com os esforços de dissensão promovidos pelo presidente Roque Sáenz Peña, que visita o Brasil em 1910 e clama que “tudo nos une e nada nos separa”, que resultarão no Tratado de Cordial Inteligência Política e Arbitragem de 1915 (CANDEAS, 2005CANDEAS, Alessandro Warley, “Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços e recuos”, Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, nº 1, 2005, p. 178-213. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292005000100007&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 16/10/2020. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-73292005000100007
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).

Se os avanços e os recuos nas relações entre os dois países repercutem na maneira como um e outro são representados na imprensa da nação vizinha, isso não impede que, no entanto, entre os homens de letras, sobretudo aqueles que exercem também a função de jornalista, nasçam e se fortaleçam, nessa época, relações de amizade e de colaboração que apresentam notável autonomia frente ao estado das relações entre os dois governos. Um exemplo nesse sentido é a crônica publicada por Olavo Bilac (1865–1918) no Correio Paulistano, em 1908, na qual, comentando as notícias nada lisonjeiras publicadas nos periódicos platinos sobre o Brasil e republicadas pelos principais jornais do Rio de Janeiro, faz questão de sair em defesa de seus colegas argentinos:

[…] E o que parece, a princípio, a quem não conhece bem o caso, é que os jornais de Buenos Aires possuem, no Rio de Janeiro, correspondentes, que, ao contrário do famoso Epaminondas, mentem, não só por brincadeira, como também por irresistível vocação. Não há tal. Esses carapetões, envolvendo o nome do barão do Rio Branco, e os de todos os outros políticos brasileiros em evidência, nas intrigas políticas entre o governo e a oposição da Argentina, são forjados em Buenos Aires. Os pobres correspondentes dos jornais argentinos no Rio ficam boquiabertos de pasmo, quando, recebendo os jornais portenhos, lá encontram publicados telegramas que nunca daqui expediram (BILAC, 2006, v. 2, p. 144BILAC, Olavo. Bilac, o jornalista, organização de Antonio Dimas, 3 v. São Paulo: Edusp, 2006.).

Bilac vai mais longe e diz pregar por uma “estreita e afetuosa aliança moral entre a Argentina e o Brasil” e que ele próprio sempre foi, “entre argentinófobos e brasileirófobos, um elemento de conciliação” (Idem). Sem dúvida, temos aqui um forte indício de uma identidade profissional capaz de resistir às reviravoltas da política internacional.

Segundo João Paulo Coelho de Souza Rodrigues (2017)RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “Embaixadas originais: diplomacia, jornalismo e as relações Argentina-Brasil (1888-1935)”. Topoi, v. 18, nº 36, 2017, p. 537-562. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2017000300537>. Acesso em: 15/10/2020. Doi: https:// doi.org/10.1590/2237-101x01803605
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, o momento que marcou a efetiva aproximação entre os jornalistas das duas nações foi a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Na ocasião, uma grande manifestação pública em honra ao Brasil foi organizada por Bartolomé Mitre (1821–1906), ex-presidente da Argentina e fundador e diretor do La Nación, reunindo os principais diários portenhos. O evento contou com o apoio do presidente Juárez Celman, que decretou feriado no dia 17 de maio, e foi noticiado pela imprensa brasileira. Em retribuição, diversos jornais publicaram saudações à república argentina no dia 25 daquele mês, data do aniversário da revolução que, em 1810, emancipara o país platino, e organizaram a ida de uma comitiva formada por Manuel Veloso Paranhos Pederneiras (Jornal do Comércio), Demerval da Fonseca (Gazeta de Notícias) e Fernando Mendes (Diário de Notícias) à Rainha do Prata para agradecer pessoalmente à imprensa local. Tal evento deu início a uma série de viagens de jornalistas, sozinhos ou em pequenas comitivas, por iniciativa própria ou acompanhando representantes políticos, entre as capitais dos dois países, que constituem verdadeiras “embaixadas” informais, não somente porque elas estabelecem, em alguma medida, uma certa “diplomacia cultural” paralela à diplomacia oficial, com os viajantes servindo de mediadores e promovendo, além do entendimento mútuo, a circulação de livros, ideias e outros produtos culturais, como também pelo fato de que, na recepção e no desenrolar da visita, é notável a adoção dos rituais, pompas e símbolos típicos da diplomacia oficial. Entre os jornalistas brasileiros que visitaram Buenos Aires, podemos encontrar alguns dos mais importantes nomes do mundo das letras da época, como Olavo Bilac, Coelho Neto (1864–1934) e João do Rio (1881–1921).

É, em grande medida, pela ação de jornalistas que participam dessas embaixadas – e é o motivo pelo qual nós começamos nosso artigo com esse preâmbulo – que nós podemos observar pela primeira vez a ideia de utilização do teatro como um meio de aproximação das duas nações. Nosso estudo pretende, assim, jogar luz sobre uma dimensão das trocas culturais ocorridas no começo do século XX entre o Brasil e outros países da América Latina, tratada aqui sobretudo do ponto de vista dos brasileiros4 4 Esperamos que este artigo suscite o interesse de pesquisadores especialistas do país vizinho que possam eventualmente se inspirar para produzir trabalhos complementares ao nosso, oferecendo assim uma visão completa das trocas culturais entre os dois países no que se refere ao mundo do espetáculo. , além de trazer elementos para problematizar a reavaliação da identidade nacional brasileira que ocorre no período. Para observar a penetração do teatro argentino e analisar as questões que essa presença suscita no debate sobre as artes cênicas nacionais, utilizaremos sobretudo a imprensa carioca e paulista da época5 5 Em primeiro lugar, nós fizemos uma pesquisa com a expressão ‘theatro argentino” pelo mecanismo de busca da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional em todos os jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo disponíveis entre os anos 1889 e 1930. Em seguida, para alguns períodos importantes, como os meses em que encontramos uma companhia teatral argentina em turnê em alguma das duas cidades, nós fizemos uma pesquisa exaustiva nos principais jornais. O material assim obtido foi enriquecido com outros textos citados nas obras de referência que eventualmente não haviam sido encontrados durante a primeira etapa da pesquisa, assim como referências à Argentina e ao seu teatro encontradas em coletâneas de crônicas e artigos de jornais. Enfim, nós fizemos uma nova pesquisa na hemeroteca digital, dessa vez com os nomes dos principais agentes argentinos – como autores de peças representadas nos teatros paulistas e cariocas, jornalistas e empresários – envolvidos no intercâmbio com o Brasil e que haviam sido localizados no material até então encontrado. .

Um vizinho quase ignorado: o teatro argentino visto do Brasil até a primeira década do século XX

Em primeiro lugar, é preciso salientar o fato de que vários – a maior parte? – dos participantes dessas embaixadas estiveram, em algum momento de suas carreiras, envolvidos com a atividade teatral, seja como dramaturgos – caso de Coelho Neto, Paulo Barreto e Óscar Lopes (1882–1938), por exemplo –, seja como críticos ou como comentaristas que se mostram preocupados com a situação das artes cênicas – caso de Olavo Bilac, que só escreveu um volume de teatro infantil em parceria com Coelho Neto, mas que nas suas crônicas se mostra um personagem que acompanha de perto os espetáculos do Rio de Janeiro e frequentemente se manifesta a respeito da situação do teatro nacional. Além disso, a visita aos teatros, que algumas vezes contava com espetáculos de gala em honra dos visitantes, fazia parte do ritual que cercava a recepção do estrangeiro. Sendo assim, surpreende que o teatro argentino seja quase totalmente ignorado pela imprensa brasileira até a segunda década do século XX.

O teatro argentino aparecia até então em citações esparsas e superficiais, muitas vezes de maneira indireta em comentários ou em traduções de artigos de jornais franceses – como no caso da entrevista concedida por André Antoine ao Gil Blas, publicada no dia 28 de setembro de 1903 após seu retorno de uma turnê na América do Sul, na qual ele compara o público brasileiro ao argentino, não escondendo a sua preferência por este6 6 As entrevistas de Antoine aos jornais europeus após o seu retorno de sua turnê sul-americana provocaram uma enorme polêmica na imprensa brasileira. Sobre essa questão, ver FARIA, 2001. . Um outro exemplo é o artigo de 1910 assinado por um certo J.E. na edição da tarde do Jornal do Comércio, que procura fazer um estudo comparativo entre o teatro dos dois países sul-americanos, chegando à conclusão “da nossa evidente inferioridade em relação à República Argentina”, mas apontando também os elementos com os quais “o Brasil poderá certamente contar [com] um florescimento mais fecundo e brilhante que o da nossa faustosa e adiantada vizinha do sul” – no entanto, ele reconhece que, para falar do teatro argentino, ele se utilizou “quase exclusivamente dos dados do estudo que fez na Revue Bleue o Sr. Lugné-Poé”, que lhe permitiram elaborar “explicações e conjecturas” capazes “de sugerir o confronto com as condições do teatro no Brasil” (Jornal do Commércio, edição da tarde, 05/12/1910). Na maioria das vezes, a Argentina é acionada como um exemplo para discutir questões que dizem respeito ao teatro local, sobretudo sobre a sua suposta decadência e as medidas que podem ser adotadas para solucioná-la. Um exemplo é o pedido de subvenção feito por Furtado Coelho (1831–1900) ao ministro do interior, onde ele cita como exemplo as repúblicas americanas, que “subvencionavam largamente os seus teatros nacionais” e, especialmente, a “República Argentina, que acaba de aplicar três milhões de pesos para a construção de um teatro nacional” (Novidades, 11/ 0 3/18 9 0 ) .

Nesse sentido, é possível ver um paralelo entre a discussão, incessante na época, sobre a “decadência do teatro nacional”, e as crônicas que reclamam melhorias para a cidade do Rio de Janeiro, que não cessam de invocar o exemplo da capital platina e seus progressos materiais como forma de salientar o atraso da capital brasileira. É o caso de Olavo Bilac, que, em uma crônica de 1900, exprime da seguinte maneira a sua revolta contra o estado de sua “Sebastianópolis”:

Mas reconhecer a gente que ali assim, a quatro dias de viagem, há uma cidade como Buenos Aires, – e que nós, filhos da mesma raça e do mesmo momento histórico, com muito mais vida, com muito mais riqueza, com muito mais proteção da Natureza, ainda temos por capital da República, em 1900, a mesma capital de D. João VI em 1808, – isso é que dói como uma afronta, isto é o que revolta como uma injustiça7 7 A discussão dos problemas da cidade é uma prática antiga da crônica. No entanto, João Paulo Coelho de Souza Rodrigues (2013) nota uma diferença nos parâmetros adotados por Olavo Bilac quando ele substituiu Machado de Assis na crônica semanal da Gazeta de Notícias, em 1897: enquanto seu antecessor preferia fazer uma zombeteira crítica interna das práticas urbanas, Bilac buscava contrastar os modos e costumes dos habitantes e políticos da cidade com modelos externos de civilidade, uma prática que seria adotada por outros literatos da época. Se o seu exemplo favorito era, sem surpresa, Paris; Buenos Aires aparecia como um referencial frequente. (In BRENNA, 1985, p. 16).

A oferta de diversões é um dos aspectos de comparação entre as duas cidades. O próprio Pereira Passos, que, como prefeito do Rio de Janeiro, transformaria radicalmente a paisagem urbana carioca, em um entrevista à Gazeta de Notícias, em 1903, cita, como uma das medidas adotadas para tornar o Rio “uma cidade de primeira ordem, com os melhoramentos que a civilização reclama”, o seu projeto de reforma do teatro São Pedro – anterior à concretização do Theatro Municipal –, que visa realizar o seu sonho de “afeiçoar à nossa cidade os [seus] patrícios”, que “assim que adquire[m] alguma fortuna, apressa[m]-se em ir gozar na Europa”, pois a capital brasileira “não oferece o conforto e os prazeres que deveria ter, como em Buenos Aires tem” (In BRENNA, 1985, p. 64-65). Neste jogo de comparação, que instala uma verdadeira competição entre as duas cidades que, na primeira década do século XX, é em grande parte reflexo da disputa dos dois países pela hegemonia no continente sul-americano, não podemos deixar de notar que o principal monumento da reforma urbana de Pereira Passos, o Theatro Municipal, foi inaugurado em 1909, apenas um ano depois do Colón. Que o grande teatro platino era uma referência no pensamento daqueles que construíram o Municipal, nós podemos constatar por um comentário de Lima Barreto (1881–1922), aquele que é provavelmente o homem de letras mais crítico aos trabalhos de renovação urbana de Pereira Passos, que falava do Municipal como um “teatro que custou não sei quantos mil contos, com ônix, mármores, sanefas, assírios, no puro intuito de embasbacar os argentinos” (BARRETO, 2004, v. 1, p. 88BARRETO, Lima. Toda crônica, org. Beatriz Resende e Rachel Teixeira Valença, 2 v. Rio de Janeiro: Agir, 2004.), mas que, por conta exatamente do seu luxo, não serviria para realizar o grande sonho dos homens de teatro da época: tirar o teatro nacional do estado de “decadência” em que se encontrava.

No entanto, a realidade do teatro argentino parece ser uma incógnita, mesmo para a maior parte da intelligentsia brasileira. Artur Azevedo (1855– 1908), por exemplo, em uma de suas crônicas de 1906, comenta que os editores Mendesky & Filho, de Buenos Aires, lhe enviaram um exemplar da comédia Chacabuco, de Alberto del Solar (1860–1920), escritor chileno radicado na capital argentina. No entanto, mais do que a peça em si, o que parece interessar ao dramaturgo brasileiro são as críticas que os editores inseriram no volume e que dão ideia da situação do teatro argentino. Ele se interessa particularmente pelo artigo de um certo Luiz Varella, provavelmente Luis Vicente Varela (1845–1911), no qual o autor critica certo preconceito do público argentino pelas produções nacionais, que precisariam “do rótulo estrangeiro para serem bem aceitas.” O que chama a atenção de Artur Azevedo é a similaridade que essa crítica – e outras que ele encontra no volume – apresenta com o que ele entende como sendo a realidade do teatro brasileiro, o que o faz imaginar a homologia das condições dos dois teatros. No entanto, a própria curiosidade demonstrada pelo dramaturgo mostra o quanto as artes cênicas do país vizinho eram por ele ignoradas (A Notícia, 25/10/1906).

Menos de quatro meses mais tarde, quando, pela primeira vez, começam a surgir boatos de que se estaria organizando a visita de uma companhia dramática argentina ao Brasil – tentativa que ainda não será bem sucedida –, Artur Azevedo se mostra mais conhecedor da produção teatral do país platino:

Muita gente ignora que há já três anos se instituiu em Buenos Aires o Teatro nacional, destinado à representação de peças, cujos autores sejam não só argentinos como sul-americanos.

O governo auxilia-o poderosamente, e, nestes três anos, o Teatro Nacional tem produzido os melhores frutos. Duas das comédias ali representadas, Jetattore, em 3 atos, de [Gregorio de] Laferrère, e En el campo, em 1 ato, de Nicoláo Granada, fizeram grande sucesso em Buenos Aires, e foram traduzidas e representadas com muito agrado na Itália. Os últimos prêmios conferidos pelo governo couberam a quatro autores orientais: Cione, Ximenes Pastor, Pires Petit e Florencio Sanches (A Notícia, 14/02/1907).

Sobretudo, Artur Azevedo parece apostar que a emulação existente entre os dois países possa fazer com que o conhecimento do teatro argentino sirva de estímulo para que ações concretas sejam tomadas no âmbito do teatro brasileiro:

A vinda ao Brasil de uma companhia dramática argentina, patrocinada pelo governo do seu país, pode ser das mais felizes consequências para o teatro brasileiro. Os nossos vizinhos, não há como negá-lo, têm sido um grande estímulo para o nosso progresso material; quem sabe se os seus dramaturgos não virão determinar um movimento dos poderes públicos em favor da nossa arte teatral?... quem sabe se os nossos dominadores não se convencerão de que devemos ter um teatro, não porque o não tenhamos, mas porque os argentinos o têm?... (Idem).

Ele voltaria ao assunto menos de duas semanas mais tarde, quando aponta que “os benefícios oficiais têm produzido o melhor resultado em favor da arte e da literatura dramática” argentina, e que “os bons artistas e os bons dramaturgos surgem como por encanto em Buenos Aires e não arruínam o tesouro argentino, ao passo que no Rio de Janeiro empregam-se milhares de contos na construção de um teatro monumental, para uso dos estrangeiros e não se gasta meia pataca em benefício da arte nacional.” Assim, ele espera que o projeto de trazer os artistas argentinos ao Rio seja bem sucedido, pois “talvez sejam eles os padrinhos do nosso teatro” (In NEVES, 20 02, p. 618–619 ) .

No entanto, Artur Azevedo, que morreria no ano seguinte, não chegaria a ver o teatro argentino no Rio de Janeiro. Seria apenas em meados da década seguinte que o projeto de trazer uma companhia platina para o Brasil se tornaria uma realidade.

A Companhia Dramática Rio-platense e a sua visita ao Brasil em 1915

Seria somente em 1915 que uma companhia rio-platense, contando com elementos argentinos e uruguaios, desembarcaria em terras brasileiras para uma série de espetáculos nos teatros municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro. A turnê foi empresariada por Santiago Fontanilla, proprietário do Teatro Nacional – hoje El Nacional, na Avenida Corrientes –, e seu secretário, Pascual Carcavallo (1880–1948). A direção artística ficou a cargo de Alfredo Duhau (1863–1938), jornalista e dramaturgo nascido em San José, no Uruguai e, na época, vice-diretor do El Diario de Buenos Aires.

O sucesso da empresa contou também com os esforços de diplomatas argentinos no Rio de Janeiro e de Coelho Neto, que interveio junto ao prefeito do Rio para que este colocasse à disposição o Municipal (EICHELBAUM, 1984, p. 94EICHELBAUM, Edmundo. Carlos Gardel : l’âge d’or du tango. Paris: Denoël, 1984.). Mas a ideia original parece ter sido de dois jornalistas e escritores atuando na região do Prata: Andrés Demarchi e Benjamin Bertoli de Garay. É em homenagem a esses dois personagens que a Revista Americana8 8 Publicação protagonizada por diplomatas brasileiros que circulou entre 1909 e 1919. Segundo Larissa Fabriz (2018), foi um instrumento utilizado pelo Itamaraty no sentido de promover a aproximação entre o Brasil e a América do Sul, desenvolvendo a retórica pan-americana que constituiria uma forma de diplomacia cultural. organiza um almoço de confraternização, onde Silvio Romero Filho discursa pela unidade americana:

A fórmula de Monroe deve ser assim traduzida na atualidade: – a união das nações americanas para a defesa do patrimônio comum e a conquista conjunta da vitória. É à grandiosa obra dessa união que vós, Srs. Drs. Andrés Demarchi e Bertoli Garay, estais servindo, promovendo com uma tenacidade e uma dedicação de evangelizadores e o raro fulgor dos vossos talentos privilegiados, o congraçamento mental, a transfusão dos sentimentos estéticos das gentes que habitam o Novo Mundo.

É a essa mesma obra que a “Revista Americana” tem procurado servir desde a data da sua fundação, em 1909, esforçando-se por auxiliar a circulação de ideias entre os povos americanos e por servir de traço de união entre as figuras representativas do nosso Continente (Revista Americana, n. IV, 01/08/1915, p. 83).

Temos poucas informações sobre esses dois personagens. Benjamin de Garay (?–1943), autor e crítico literário, é apresentado como um “jornalista de extraordinário vigor, polemista temido e um dos principais fatores desse movimento de aproximação intelectual dos dois povos” graças ao seu trabalho de tradução e divulgação de autores brasileiros, tendo, em 1915, “começado [...] a tradução de Ruínas Vivas, do Sr. Alcides Maia, e de A profissão de Jacques Pedreira, do sr. Paulo Barreto.” Nós sabemos que pelo menos desde 1907 ele está em contato com escritores e jornalistas brasileiros, pois Demarchi relata a sua presença em um jantar de recepção em honra de uma “embaixada” de jornalistas brasileiros na Rotisserie Sportsman, de Buenos Aires, que contou com a presença de Coelho Neto, Felix Bocaiuva e Ezequiel Ubatuba (Jornal do Commercio, 18/07/1915). Além disso, ele discursou em um outro jantar de recepção de uma embaixada de jornalistas brasileiros, em 1913, que contou com a presença, entre outros, de Luís Edmundo (Jornal do Commercio, 23/11/1913). Ele se transformaria em uma figura central no trânsito literário entre os dois países, inserindo-se nos círculos literários paulistanos na década de 20, quando se ligou ao grupo da Novíssima (1923–1925), revista dirigida por Cassiano Ricardo e Francisco Pati (ARTUNDO, 2004, p. 46-47ARTUNDO, Patricia. Mário de Andrade e a Argentina : um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. São Paulo: EDUSP, 2004.). Seria também na sua casa que se reuniria o “pseudoclube” intitulado “Colmeia”, do qual participavam Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia e Afonso Schmidt, entre outros. Segundo Schmidt, o objetivo do grupo era “tornar conhecido no Brasil o teatro de toda a América espanhola... e vice-versa.” Garay seria o responsável pelas traduções, mas, “como estivesse sempre absorvido pelos problemas financeiros, o trabalho caía nas mãos de Paulo Gonçalves” (apud PAULILLO, 2002, p. 74PAULILLO, Maria Célia Rua de Almeida. Tradição e modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista, 1906–1928. São Paulo: Annablume, 2002.). Entre outras obras, ele traduziu Urupês, de Monteiro Lobato; Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre (PASERO, 2004PASERO, Carlos Alberto. “Los límites de la lengua. Benjamín de Garay y la praxis de la traducción”, Revista Graphos, v. 6, nº 1, 2004, p. 95-100. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/graphos/article/view/9538>. Acesso em: 16/10/2020.
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); Os Sertões, de Euclides da Cunha (ARAÚJO, 2002) e trabalhos de Graciliano Ramos (MAIA, 2008MAIA, Pedro Moacyr. (org.). Cartas inéditas: de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos, Benjamín de Garay e Raúl Navarro. Salvador: EDUFBA, 2008.). No que se refere ao teatro, além de escrever peças representadas no Brasil, ele traduziu tanto peças argentinas para o português, quando peças brasileiras para o espanhol.

Andrés Demarchi, médico de formação, nasceu no Brasil, no Rio Grande do Sul, mas parece ter construído toda sua carreira como jornalista e escritor na região do Rio da Prata9 9 Curioso notar que ele é citado ora como escritor argentino, ora uruguaio, segundo o país de origem das fontes localizadas, além de ser tratado como um compatriota pelos jornais brasileiros. , além de ter vivido um tempo na Itália. Para o teatro, escreveu El enemigo, representada pela companhia do ator italiano Ermette Novelli (1851–1919) em Montevidéu e em Buenos Aires, em 1904. Era muito amigo de Julio Herrera y Reissig (1875–1910), líder da vanguarda modernista uruguaia10 10 Informações coletadas ao longo do número da Revista de la Biblioteca Nacional [do Uruguai] (n. 13, 1976) dedicado a Julio Herrera y Reissig. . Em 1907, quando a ideia de uma excursão de uma companhia argentina aparece na imprensa pela primeira vez, é a ele que Artur Azevedo atribui a paternidade da ideia. Demarchi, por sua vez, assume a autoria, que, segundo o seu relato dado durante uma entrevista ao Jornal do Comércio, em 1915, nasceu naquele jantar em homenagem à embaixada de jornalistas brasileiros, em 1907, ao qual já fizemos referência:

A quem se deve a ideia desse grande movimento artístico? Direi com franqueza: a mim. É um velho sonho que acaricio há muitos anos, levado por nobres sentimentos que me fazem amar com igual carinho essas duas grandes Repúblicas irmãs: Brasil e Argentina. A primeira manifestação desse sonho, tive-a, há dez anos, na elegante “Rotisserie Sportsman”, de Buenos Aires, por ocasião de uma festa íntima que nos congregara em torno de uma mesa, Coelho Neto, Felix Bocaiuva, Ezequiel Ubatuba, Bertoli Garay e eu. [...] A ocasião era propícia: expus meu plano. Dois dias depois embarcava para o Rio em companhia de Coelho Neto, meu irmão de ideal. A recepção que tive nesta belíssima capital cativou a minha gratidão e deu-me novo alento. Tudo o que há de seleto e grande entre jornalistas, literatos, diplomatas, artistas aplaudiu a minha ideia e prestou-me eficaz[?] colaboração: Guanabara, Quintino Bocaiuva, José Carlos Rodrigues, Medeiros e Albuquerque, Machado de Assis, Rodrigues Barbosa [ilegível], Olavo Bilac e o grande espírito do Barão de Rio Branco, que desceu das altas regiões onde pairava, para confabular benevolente sobre esse assunto, que ele julgava – mais que útil e necessário – indispensável para uma sincera e duradoura confraternidade brasileiro-argentina.

No entanto, a iniciativa não teve o fim desejado, pelo fato de que “o progresso e o aperfeiçoamento artístico de um povo, acha-se, as mais das vezes, confundido com os mais puros ideais de arte – uma amálgama espúria – um bastardo e ignóbil sentimento de lucro, que exerce uma grande preponderância sobre aquele.” O seu sonho só pôde ser realizado mais tarde, quando um acaso colocou, em Buenos Aires, “o nosso simpático escritor amigo Coelho Neto [...] frente a frente com o talentoso empresário” Santiago Fontanilla. Por fim, ele menciona as obras brasileiras que fazem parte do repertório da companhia argentina: A Muralha, de Coelho Neto; A bela madame Vargas, de Paulo Barreto; Os impunes, de Óscar Lopes e O canto sem palavras, de Roberto Gomes (Jornal do Commércio, 18/ 07/1915 ).

Entre esses autores citado por Demarchi, já vimos que Coelho Neto encontrava-se, desde a década anterior, implicado no intercâmbio entre os dois países. Já para João do Rio e Óscar Lopes, a presença dos dois é mencionada em um jantar oferecido por Olavo Bilac a Julio Piquet, enviado do jornal La Nación para a cobertura da escala de Julio Roca no Rio de Janeiro quando este viajava com destino ao continente europeu, em 1907 (RODRIGUES, 2017, p. 554RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “Embaixadas originais: diplomacia, jornalismo e as relações Argentina-Brasil (1888-1935)”. Topoi, v. 18, nº 36, 2017, p. 537-562. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2017000300537>. Acesso em: 15/10/2020. Doi: https:// doi.org/10.1590/2237-101x01803605
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). João do Rio havia visitado, nesse mesmo ano de 1915, a Argentina. Após ter acompanhado a estreia da sua peça A bela Mme. Vargas, em Montevidéu, ele passa três dias em Buenos Aires, entre 17 e 20 de maio, onde foi recebido com pompas pelo ministro brasileiro Sousa Dantas, que lhe ofereceu um jantar com representantes diplomáticos de outros países e representantes de vários periódicos locais. Logo em seguida, ele teria um dos seus contos, “Esplendor e miséria do jornalismo”, traduzido e publicado no jornal El Diario e, após regressar ao Rio de Janeiro, publicaria dez crônicas na Gazeta de Notícias entre os dias 27 de abril e 6 de maio sobre sua viagem, nas quais ele tece muitos elogios, principalmente, ao periodismo argentino, que ele considera muito superior ao brasileiro (RODRIGUES, 2018RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “Diplomacia cultural y circulación literaria: dos escritores brasileños en Buenos Aires entre los centenarios”, Catedral Tomada: Revista de Crítica Literaria latinoamericana, v. 6, n. 11, 2018, p. 74–101. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6747872>. Acesso em: 15/10/2020.
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). Logo após o seu regresso, ele pede que o público faça justiça às gentilezas dispensadas pelos portenhos, prestigiando a companhia teatral argentina que visitaria o Rio em breve, e exorta os brasileiros a aceitarem sua identidade sul-americana: “Que diabo! É o nosso continente. Sejamos um pouco americanos do sul, e não perderemos nada, nem mesmo a mania de falar francês...” (O Paiz, 23/04/1915). E alguns meses depois, quando a companhia argentina representou a sua peça no Teatro Municipal de São Paulo, ele se encarregou da realização de uma conferência sobre o teatro argentino (O Paiz, 05/09/1915).

A turnê gerou grande expectativa nos meios letrados, tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro, pelo que podemos ler nas crônicas publicadas nos jornais da época. Os organizadores argentinos encontraram nos jornalistas e escritores brasileiros, muitos dos quais já haviam visitado Buenos Aires, importantes aliados para a propaganda dos espetáculos, como Óscar Lopes que, na sua coluna no jornal O País, vários meses antes da chegada dos artistas já preparava o terreno e demonstrava todo o seu entusiasmo com a empreitada, sempre salientando que se tratava de uma “excursão cujo caráter artístico abafava inteiramente todo e qualquer interesse comercial” (O Paiz, 05/09/1915) , repercutindo o que era anunciado e dito nas entrevistas dos organizadores argentinos, as quais sempre destacavam a turnê como uma iniciativa de amizade e de congraçamento intelectual, apontando a diferença em relação às turnês de companhias europeias, que seriam empresas meramente comerciais. O dramaturgo e jornalista brasileiro comemora que esse “nobre empreendimento [tenha aguçado] olhares sobre o estado atual do teatro argentino” que, todo mundo deveria saber, “é o mais lisonjeiro possível.” Ele espera que, à vista dos espetáculos da companhia argentina, o governo brasileiro reconheça a importância de proteger o teatro nacional – será este “o grande benefício que o Brasil poderá tirar... da iniciativa argentina” (O Paiz, 14/03/1915).

Como forma de preparar o público, os cronistas, assim como os argentinos entrevistados, traçam pequenas histórias do teatro argentino, que destacam sempre o fato de que o teatro argentino “começou” no circo com a família Podestà, particularmente com a estreia, em 1886, de Juan Moreira, de Eduardo Gutiérrez (1851–1889), peça que teria dado início ao criollismo teatral que seria a marca diferenciadora do teatro argentino. E é exatamente essa originalidade argentina que parece atrair a atenção de um bom número de homens de letras brasileiros, pois o fato da nação do Rio da Prata ter encontrado um modo de expressão próprio, isto é, livre das amarras do teatro europeu, é que poderia servir de exemplo para os brasileiros construírem um teatro nacional próprio:

Ignoramos a feição que nos vai revelar o teatro argentino, mas tudo nos faz supor que iremos apreciar uma série de quadros de vida nacional, obra de uma literatura talvez regionalista em excesso; mas não será isso um defeito e só mesmo a nossa falta de educação cívica, devida a um constante aperreamento da vontade popular, nos não permitiu ainda ter um teatro como esse. Pode a literatura teatral argentina ser ainda uma produção de valor local, sem a universidade da grande obra de arte, e não devemos tomar esse característico como inferioridade, mas, apenas, como prova de sua legítima origem e recente formação, o seu mais seguro elemento de sucesso e prosperidade porque exprime, na verdade, o caráter de um povo.

A principal causa de quase todos os nossos erros desastrosos para a nacionalidade tem sido o de querermos copiar, diretamente do original estrangeiro, as leis e imitar servilmente todas as manifestações de cultura de povos que, muitas vezes, não têm afinidade alguma conosco.

Esse pastiche de obra de arte pode até dar proventos a algum artista e tem dado notoriedade a muitos, mas só pode prejudicar a formação do teatro de um povo que só agora começa definir-se (Era Nova, 07/08/1915Era Nova. Rio de Janeiro: 1915., artigo assinado M. de. V.).

Para aumentar ainda mais esse caráter regionalista da turnê argentina, a companhia teatral vem acompanhada de “dois verdadeiros artistas de ‘folclore’ argentino, cantores regionais, que durante os entreatos, darão a conhecer ao público fluminense as principais modalidades da música popular das repúblicas Argentina e do Uruguai” (Gazeta de Notícias, 09/08/1915). Um desses cantores não era ninguém menos do que Carlos Gardel (1890–1935), que na época trabalhava em dupla com José Razzano (1887–1960).

Apesar de alguns imprevistos – principalmente a doença da estrela da companhia, Angelina Pagano (1888–1962), que não pôde viajar –, julgando pelas críticas da época, chegaremos à conclusão de que a turnê argentina foi um triunfo em São Paulo. Se, aparentemente, o teatro não esteve sempre cheio, os cronistas dão conta de um público “escolhido” ou “seleto” e se referem a um “acontecimento artístico”. Todos os críticos são unânimes nos elogios aos atores, sempre comparando-os aos elencos europeus que visitavam o país na época – enquanto estes traziam sempre um artista famoso, a vedete que gerava a publicidade do espetáculo e atraía o público, em meio a um elenco de atores secundários; os argentinos constituíam “um grupo homogêneo de excelentes artistas, e que não tem nada que invejar às companhias europeias que periodicamente nos visitam” (Correio Paulistano, 25/08/1915). Muito se fala em uma “revelação” para o público – a descoberta de que é possível a criação de um teatro verdadeiramente nacional na América do Sul:

Desprovido de literatura dramática e de artistas, o Brasil não acreditava que a Argentina tivesse um teatro próprio, nacional, com todos os requisitos indispensáveis a um país emancipado. A lógica do orgulho dizia-nos que, o que nós ainda não possuíamos, nenhum outro povo continental podia possuir. A companhia dramática rio-platense, exclusivamente composta de argentinos, representando exclusivamente autores argentinos, confundiu as noções que nos tinha ministrado a nossa vaidade. Caímos do alto do nosso orgulho (Correio Paulistano, 07/10/1915).

O próprio crítico do Correio Paulistano diz que não esperava que “a literatura hispano-americana, no tocante à Argentina, já se tivesse libertado da influência francesa em relação ao teatro”, pois, em função de sua “composição etnológica”, os “povos da raça latina [...] ainda são, na América do Sul, povos em formação, sem mais espírito nacional do que a sua multiplicidade de espírito.” Sendo assim, a “literatura hispano-americana teve que refletir essa incerteza de caráter.” Daí a surpresa do articulista – que aqui invoca o autor e político Manuel Ugarte (1875–1951) – com o fato de que a Argentina tenha conseguido proclamar “a sua independência por meio de um regionalismo muito inteligente, que já define um movimento e cria um grande grupo com fisionomia própria.” Enfim, segundo o crítico, seria esse pensamento nacionalista que uniria autores e atores, dando ao teatro argentino “todo o viço da sua originalidade, [a] exuberância de seus recursos próprios, [o] vigor do seu espírito nativo” (Correio Paulistano, 25/08/1915).

Na capital paulista, as representações ocorreram entre 25 de agosto e 19 de setembro, aparentemente sem maiores complicações11 11 Foram representadas peças de Roberto Cayol (El Anzuelo e Jaulas de oro), Julio Sánchez Gardel (Los Mirasoles, Noche de luna e Después de misa), Alberto Novión (La Gaucha, El patio allegre e Misia Pancha, la brava), Florencio Sánchez (Nuestros hijos, Los Muertos, Barranca abajo e M’hijo el dotor), Gregorio de Laferrère (Las de Barranco e Locos de verano), Cesar Iglesias Paz (La conquista), Enrique García Velloso (O tango en Paris e Fruta Picada), Alfredo Duhau (La murmuración pasa), Federico Merteus (Las d’enfrente), Victor Pérez-Petit (Noche buena), Andrés Demarchi (Hacia la muerte), Gonzales Castillo (El retrato del pibe) e Samuel Blixe (Un cuento del tío Marcelo), além de uma peça (Criollos y gringos) sem identificação do autor. Foram também representados dois autores brasileiros: Julia Lopes de Almeida (A Herança) e Paulo Barreto (A bela Mme. Vargas). . No Rio de Janeiro, ao contrário, o fiasco é total. A companhia estreia no dia 2 de outubro e interrompe subitamente as apresentações após o dia 912 12 A única novidade em relação ao rep ertório apresentado em São Paulo foi A Muralha, de Coelho Neto. – os jornais do dia 10 anunciam que não haveria espetáculo naquele dia, mas não dão a entender a dissolução da companhia ou o seu retorno para a Argentina, nem o espetáculo do dia anterior tinha sido anunciado como uma despedida. Os críticos cariocas são unânimes: o Theatro Municipal esteve sempre vazio, apesar da presença de um público “seleto”, que aparentemente não era suficientemente grande para justificar a continuidade da empresa, o que provavelmente levou à dissolução da companhia.

Um intercâmbio paralelo: a música erudita

Mas não é apenas no teatro que, nessa época, se esboça o começo de intercâmbio entre Brasil e Argentina. Também na música, trocas ocasionais começam a ter lugar, mesmo antes da primeira turnê de uma companhia teatral argentina.

A circulação entre os dois países parece ter sido favorecida, em um primeiro momento, pelo fato de que a mesma empresa tinha quase que o monopólio das temporadas operísticas nos principais teatros dos dois países (Cf. PAOLLETI, 2020; DE NIGRIS, LUDOVISI e PAOLETTI, 2016; GIACOMETTI, 2013GIACOMETTI, Diana. La figura dell’impresario musicale. Walter Mocchi e la costruzione di un’industria operistica fra Italia e Sud America. Tesi di Laurea, Università Ca’Foscari Venezia, 2013.). Organizada em torno do Teatro Costanzi, de Roma, de onde partiam as turnês para a América do Sul, e tendo como nome mais importante o de Walter Mocchi (1870–1955), essa empresa organizava companhias que atravessavam o Atlântico durante o verão europeu e, estabelecendo um roteiro que incluía Brasil, Uruguai e Argentina, gerava uma “história compartilhada” entre essas nações, pois, viajando de “um país a outro com o mesmo repertório e os mesmos intérpretes, criavam uma experiência comum” (VERMES, 2016, p. 1VERMES, Mónica. “‘Abul’ de Alberto Nepomuceno em Buenos Aires: a ópera como lugar de encontro”, 2016. Disponível em <https://www.bn.gov.br/sites/default/ fles/documentos/producao/pesquisa/2016/abul-alberto-nepomuceno-buenos-aires-opera-como-lugar.pdf>. Acesso em: 20/09/2019.
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). É exatamente a companhia do teatro Costanzi que vai realizar a estreia mundial da ópera Abul, de Alberto Nepomuceno (1864–1920), em 30 de junho de 1913, no Teatro Coliseo de Buenos Aires.

João Paulo Coelho de Souza Rodrigues (2018)RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “Diplomacia cultural y circulación literaria: dos escritores brasileños en Buenos Aires entre los centenarios”, Catedral Tomada: Revista de Crítica Literaria latinoamericana, v. 6, n. 11, 2018, p. 74–101. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6747872>. Acesso em: 15/10/2020.
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sugere que, nas primeiras décadas do século XX, a Argentina se tornou uma “instância de consagração” para os homens de letras brasileiros, para os quais a imprensa é fundamental na medida em que narra, para o público brasileiro, os triunfos de seus compatriotas no país vizinho. No caso que agora tratamos, a estreia da ópera de Nepomuceno em Buenos Aires aparece nos jornais brasileiros como efetiva consagração do compositor. A imprensa brasileira espera ansiosamente a estreia, multiplicando os informes sobre os preparativos, os ensaios, a recepção e as homenagens recebidas por Nepomuceno, assim como reproduzindo notícias dos jornais platinos sobre o evento. A estreia, que contou com a presença de Ernesto Bloch, ministro das relações exteriores da Argentina, e de Sousa Dantas, delegado do governo brasileiro em Buenos Aires, foi um sucesso, que é comemorado por Luís de Castro em uma car ta publicada no Jornal do Comércio:

Está ganha a batalha: a vitória do nosso querido Nepomuceno foi completa. Buenos Aires saudou com palmas vibrantes o Abul, e até os jornais que não costumam esconder o seu desafeto por nós tiveram louvores à obra inspirada daquele que é atualmente o nosso maior compositor. Esta vitória, cujo alcance será enorme, ficará registrada em letras de ouro nos anais da nossa história artística. [...]

O triunfo de Buenos Aires é a prova mais completa de que quando [nós] não cessávamos de elogiar as composições de Nepomuceno não nos deixávamos levar pela amizade: os elogios tinham por base, não laços de afeto, mas o reconhecimento do verdadeiro valor. A luta foi longa, durou anos e anos. Mas que importa? O passado, com que ele teve de amargo, desapareceu: só existe o presente com que ele tem de grande, de consolador com o triunfo de nosso Nepomuceno, para quem começam agora os dias da desforra e cujo talento proclamado hoje em Buenos Aires, amanhã em Rosário, em Córdoba, depois em Montevidéu e no próximo inverno europeu em Roma vai honrar no estrangeiro a arte brasileira (Jornal do Commércio, 03/07/1913).

Como vemos, se o talento de Nepomuceno podia ainda ser motivo de dúvida, esta não existe mais após a vitória na Argentina. Mas isso não é tudo: Buenos Aires era apenas um passo na ascensão do compositor no cenário internacional. De fato, a imprensa vai tentar fazer de Nepomuceno o legítimo herdeiro daquele que era até então a maior glória internacional da música brasileira: Carlos Gomes (Cf. CARVALHO, 2005, p. 59-77) – e aqui os acontecimentos subsequentes mostram que os críticos brasileiros se precipitavam um pouco, pois a estreia italiana da ópera, em 1915, no Teatro Costanzi, seria um fiasco.

As críticas dos jornais argentinos são francamente favoráveis ao compositor brasileiro. No entanto, uma perspectiva diferente é adotada: enquanto os jornais brasileiros veem no evento uma vitória nacional, as saudações dos críticos portenhos estão cheias de um sentimento latino-americano, como mostra Flávio Cardoso de Carvalho. Para o jornal La Razón, Abul é de “particular interesse para todos quanto se preocupam com o desenvolvimento da arte musical na América do Sul”, e El Tiempo deixa claro que se trata de uma “ópera brasileira e ao mesmo tempo americana” (apud ibidem, p. 44). De fato, a empresa anuncia o evento como um momento de “confraternização argentino-brasileira” e alguns críticos, que aparentemente não se deixaram entusiasmar tanto assim pela ópera, apontam que os aplausos eram unicamente “para demonstrar afeto à república vizinha” e que “nos entusiasmos de ontem à noite não entravam as suas [do maestro] faculdades de músico e nem de literato, que tudo era obra [...] da diplomacia” (L’ultima Hora, 01/07/1913 apud ibidem, p. 51). Alguns críticos expressam também certa decepção com o libreto por não encontrarem nada “folclórico” ou o exotismo tropical esperado de uma obra brasileira – e aqui, é citado como exemplo Il Guarany, de Carlos Gomes. De fato, a ópera de estilo wagneriano, cujo libreto, baseado no conto de um escritor inglês (Herbert C. Ward), que conta a história que se passa na cidade de Ur, na antiga Suméria, tem muito pouco do que poderíamos chamar de “brasileiro”.

Mais interessante, nesse sentido, é a representação de uma ópera argentina no Brasil, em 1916. Trata-se de Huemac, ópera em um ato, de Pascual de Rogatis (1880–1980), cuja estreia tinha ocorrido nesse mesmo ano, no dia 22 de julho, no Colón e já havia sido representada no Uruguai. Importa notar a distância entre esta obra e aquela de Nepomuceno. A ópera argentina contou com o libreto de Edmundo Montagne (1880–1941), que se baseou em uma lenda mexicana, na qual se hibridizam elementos indígenas e espanhóis, que envolve o último rei dos toltecas. Não encontrando melodias indígenas originais, ele se baseou em uma teoria – avançada pelo crítico literário Ricardo Rojas (1882–1957), com quem Rogatis já havia trabalho anteriormente –, segundo a qual os povos da América pré-colombiana compartilhavam um passado comum com os povos asiáticos e associou essa ideia às escalas que, para os ouvidos ocidentais, soavam como a música dos povos “primitivos”, conforme ele conta em uma entrevista para a musicóloga Malena Kuss:

En esa época no se conocía ní interesaba a nadie América. Todo era Europa, París. Yo pedí a México canciones mexicanas, pero eso era una rara mezcla de italianada con gallegada. Para Huemac me basé en una interpretación personal de lo que serían las escalas primitivas, tomándolas del tratado de armonía de Gevaert13 13 François-Auguste Gevaert (1828–1908), compositor e musicólogo belga, autor de Histoire et théorie de la musique de l’antiquité (1875). , en el que leí que los pueblos primitivos usaban escalas pentatónicas. Había en el tratado un ejemplo y yo empecé a trabajar con esa escala. Parcialmente usada en la armonía, yo calculé todo para usarla sólo a ratos, si no es una lata… (KUSS, 1974, p. 73KUSS, Malena. “Huemac, by Pascual de Rogatis: Native Identity in the Argentine Lyric Theatre”, Anuario Interamericano de Investigacion Musical, v. 10, 1974, p. 68-87. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/779839>. Acesso em: 16/10/2020. Doi: https://dx.doi.org/10.2307/779839
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).

Sem entrar no mérito da validade do “método” de Rogatis, importa analisar a recepção do compositor no Brasil – ou, mais especificamente, a maneira como ele foi apresentado ao público brasileiro. Para a imprensa brasileira, ele “não é um regionalista, mas procura imprimir às suas produções o caráter próprio da emoção musical americana, deseja que a música nacional [...] tenha raiz na própria terra” (Jornal do Comércio, 09/09/1916).

A sua verdadeira vocação é pela música americana. De Rogatis afirma que a América, assim como deve ter uma literatura própria, deve possuir também uma música. Este é o seu conceito e o ideal da sua música, transmitido com grande calor a todos os seus trabalhos, os quais são inspirados por um profundo sentimento de nacionalismo musical. O jovem maestro é, pois, um “indianista” verdadeiro, um demiurgo que contribui para ressuscitar na perpetuidade das suas existências estéticas, o espírito da América ancestral, que não morreu, embora tenha trocado necessariamente de forma na transição das suas existências históricas. Em toda a sua música pede à tradição indígena não só o que interessa à inteligência, mas também o motivo melódico que interessa a sua sensibilidade. Isso não quer dizer que seja ele um “folclorista” da música e sim um artista que anima de nova inspiração o tema primitivo. Tampouco procura a “cor local” em efêmeras canções: desce até o fundo da nossa alma e da raça americana, procurando uma arqueologia musical dos índios, antigos cantos e inspirações (Gazeta de Notícias, 12/09/1916).

Observando o discurso de Nepomuceno durante o jantar oferecido por Sousa Dantas ao compositor brasileiro em Buenos Aires, em 1913, nós podemos observar o quão diferente era sua concepção daquilo que seria a essência latino-americana que uniria os dois países:

Nós, neo-latinos, da América, herdamos dos nossos maiores a cultura greco-romana, fruto de inteligência e trabalho. Procedemos daquela árvore frondosa que tem suas raízes no Lacio sagrado; somos dessa estirpe que legou ao mundo esse monumento indestrutível: o Direito Romano; somos herdeiros dessa raça conquistadora que levava nas suas armas não a destruição e o incêndio, mas os meios de fomentar a atividade dos povos pela agricultura e pela indústria, abrindo estradas, construindo pontes, fundando cidades e embelezando-as com uma arte excelsa e tão copiosa que, apesar de presa dos bárbaros e iconoclastas nas grandes crises da civilização, povoa ainda os museus do mundo inteiro e está longe de ser exaurida em suas fontes! [...].

Um de vós, senhores da imprensa, aqui presente, ouvindo um dos ensaios do meu Abul, depois de referir-se a detalhes técnicos, teve essas palavras. Sua música é clara, fácil e melodiosa, portanto, latina. Não podeis imaginar, senhores, o justo orgulho que se apoderou de mim. Vi nessa crítica o espontâneo reconhecimento de minha sinceridade e da minha honestidade artística. [...] E não estará aí o segredo do êxito do meu Abul nesta bela e opulenta cidade? Parece que sim. Nossas almas tendo de comum sua latinidade, têm para falar musicalmente, a mesma fundamental (Jornal do Comércio, edição da tarde, 15/07/1913).

Se, em Huemac, os elementos considerados nativos permanecem no nível superficial da partitura e não penetram na dramatização musical da ópera, cuja orquestração e estrutura formal permanecem dentro da tradição lírica europeia (KUSS, 1974, p. 73KUSS, Malena. “Huemac, by Pascual de Rogatis: Native Identity in the Argentine Lyric Theatre”, Anuario Interamericano de Investigacion Musical, v. 10, 1974, p. 68-87. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/779839>. Acesso em: 16/10/2020. Doi: https://dx.doi.org/10.2307/779839
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), não deixa de ser interessante notar a presença de um compositor que é apresentado como “arqueólogo” da música indígena, reivindicada como a essência da identidade americana, e que, pelo menos no discurso, procura fugir do exotismo que encontramos, por exemplo, no uso de elementos nativos em alguns números da ópera Il Guarany, de Carlos Gomes. Lembramos que é somente na década de 1920, após a sua primeira viagem à Paris, que Villa-Lobos se interessará pelo material sonoro indígena recolhido por Roquete Pinto durante a expedição Rondon de 1908 e procurará, junto com outros elementos folclóricos e da música popular, realizar uma síntese com a música europeia para criar uma estética nacionalista (Cf. GUÉRION, 2003; PEPPERCORN, 1992, p. 46-52PEPPERCORN, Lisa Margaret. Villa-Lobos: collected studies. Aldershot: Scolar press, 1992.).

Segundo Kuss, o indianismo musical na América latina permite recriar uma América utópica, cujas raízes se encontram no passado pré-colombiano, e perpetua o mito da unidade latino-americana pela criação de um passado comum. Este é conjugado com elementos folclóricos e populares de presença mais imediata e local, criando assim uma dialética para o compositor entre uma identificação latino-americana e outra nacional (KUSS, 1998, p. 137-138KUSS, Malena. “Nacionalismo, identificación, y Latinoamérica”, Cuadernos de Música Iberoamericana, v. 6, 1998, p. 133-149. Disponível em: <https://revistas.ucm.es/ index.php/CMIB/article/view/61245>. Acesso em 16/10/2020. Doi: https:// dx.doi.org/10.5209/CMIB
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). Se isso pode ser verdade para a América hispânica, tal discurso, pelo menos até o início do século XX, merece ser relativizado para o Brasil, considerando a retórica sobre a identidade nacional que prevalece durante todo o século XIX, a qual funda um imaginário que dissocia e separa o Brasil da “outra América” (PRADO, 2001PRADO, Maria Ligia Coelho. “O Brasil e a distante América do Sul”, Revista de História, nº 145, 2001, p. 127-149. Disponível em: <https://www.revistas.usp. br/revhistoria/article/view/18921>. Acesso em: 16/10/2020. Doi: https://doi. org/10.11606/issn.2316-9141.v0i145p127-149
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) – e mesmo o indianismo na música e na literatura brasileiras, se ele guarda paralelos com o mundo hispano-americano, deve ser tratado dentro dos quadros particulares da tradição cultural e artística da América lusófona (Cf. VOLPE 2001VOLPE, Maria Alice. Indianismo and Landscape in the Brazilian Age of Progress: Art Music from Carlos Gomes to Villa-Lobos, 1870s–1930s. Tese de doutorado, University of Texas at Austin, 2001.). No entanto, assim como para o teatro, podemos observar incremento do trânsito musical entre Brasil e Argentina a partir do começo do século XX, o que é acompanhado pela formulação de discursos que incluem o Brasil dentro da identidade latino-americana, pelo menos para alguns autores. Em 1921, a Sociedad Nacional de Música de Buenos Aires organiza um concerto de autores brasileiros – cuja ausência de Villa-Lobos é lamentada por um dos mais importantes nomes do primeiro nacionalismo musical argentino, Julián Aguirre (1868–1924) – e outros no ano seguinte para celebrar o centenário da independência brasileira. Villa-Lobos visitaria finalmente a capital argentina em 1925 e repetiria a visita em 1935, 1940, 1946 e 1952 (MANSILLA, 2007, p. 42-53MANSILLA, Silvina Luz. “Heitor Villa-Lobos en Buenos Aires durante la década de 1920: modernismo, recepción y campo musical”, Per Musi, nº 16, 2007, p. 42-53. Disponível em: <http://musica.ufmg.br/permusi/permusi/port/numeros/16/ num16_cap_04.pdf>. Acesso em: 16/10/2020.
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; ARCANJO, 2020ARCANJO. Loque. “Heitor Villa-Lobos e a ‘Embaixada Artística Brasileira’ na Argentina (1940)”, Revista Música, v. 20, nº 1, 2020, p. 121-150. Disponível em <https://www.revistas.usp.br/revistamusica/article/view/169940>. Acesso em 01/10/2021. Doi: https://doi.org/10.11606/rm.v20i1.169940
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). Enfim, além de ser o grande compositor nacionalista brasileiro, Villa-Lobos poderá ser também “Um grande compositor latino-americano”, tal como no título de um artigo de Alejo Carpentier (1904–1980), de 1928, para quem o compositor tem o mérito de saber evitar aquilo que ele considera “um mal que afeta muito frequentemente os artistas da nossa América”, essa “camuflagem espiritual [que] é o nosso exotismo”. Ao contrário, para Carpentier, Villa-Lobos soube “inquirir sinceramente nossa sensibilidade14 14 O que seria o artista latino-americano ideal para o escritor cubano é expressa na seguinte passagem: “É mais útil invocar o que possa haver de autóctone em nós – por influências de ambiente ou por atavismo –, do que desenhar índios ou figuras para manuais de etnologia, como o faria qualquer observador europeu.” ” (In LEITÃO, 2017, p. 146–147LEITÃO, Robson dos Santos. Heitor Villa-Lobos: da antropofagia às narrativas de Alejo Carpentier e Mário de Andrade. Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2017.; Cf. também FELIPPE, 2011FELIPPE, Eduardo Ferraz. “Alejo Carpentier e o ‘truculento cheio de fantasias’ Villa-Lobos: cultura política e crítica musical na América Latina”, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, 2011. Disponível em: < http://www.snh2011. anpuh.org/resources/anais/14/1300265552_ARQUIVO_textoanpusubmetido. pdf>. Acesso em: 16/10/2020.
http://www.snh2011. anpuh.org/resources/...
; RIVERA, 2002RIVERA, Mareia Quintero. Repertório de identidades: música e representações do nacional em Mário de Andrade (Brasil) e Alejo Carpentier (Cuba) (décadas de 1920–40). Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2002.). Além disso, cabe destacar a boa recepção do compositor brasileiro nos Estados Unidos, junto com outros compositores latino-americanos, como o argentino Alberto Ginastera e o mexicano Carlos Chávez, nas décadas seguintes, resultado, em grande medida, dos esforços daquela que é a nova potência hegemônica no hemisfério ocidental de promover o ideal pan-americano que amalgama interesses econômicos, políticos e culturais (HESS, 2013HESS, Carol. Representing the Good Neighbor. Music, Difference, and the Pan American Dream. New York: Oxford University Press, 2013.).

O crescimento da presença do teatro argentino no Brasil (1915–1930)

O relativo fracasso de público da primeira tentativa de turnê de uma companhia teatral argentina no Brasil não impediu o aumento do fluxo de artistas, livros e peças entre os dois países nas décadas seguintes.

A vinda de companhias argentinas ao Brasil permanece sendo um evento raro. Em 1918, os jornais brasileiros anunciam que estaria sendo preparada uma turnê da companhia do ator Pablo Podestá (1875–1923), mas tal visita nunca aconteceria. É somente em 1926 que nós teremos uma “temporada de teatro argentino”, em São Paulo e no Rio de Janeiro, realizada pela Companhia Argentina de Dramas e Comédias da atriz Angelina Pagano. A turnê, organizada pelo empresário Niccolino Viggiani – que seria, nesse mesmo ano, responsável pela visita de Marinetti ao Brasil, ao Uruguai e à Argentina –, contou também com a trupe de bailarinas “Chezaretta” e a orquestra típica do professor Berto, “expressões artísticas essas de caráter rigorosamente regional”, que, ao final de cada espetáculo, apresentariam o “quadro a caráter” Fin de fiesta, para o qual foram escolhidas “as danças e canções de maior popularidade na Argentina” (Jornal do Brasil, 18/03/1926). Durante sua estadia, a atriz visitou a Academia Brasileira de Letras, fato mencionado no “retrospecto literário de 1926”, lido na sessão de 30 de dezembro pelo secretário dessa instituição, no qual lemos que a ABL estava empenhada nesse “esforço de aproximação intelectual, que propague a nossa literatura nas repúblicas sul-americanas, dando-nos por outro lado a conhecer as belas-letras desses países” (Jornal do Comércio, 03/01/1927). Enfim, Angelina Pagano, “no intuito de retribuir o generoso acolhimento prestado pelo público brasileiro ao teatro argentino, encarregou o sr. Benjamin de Garay de escolher 3 peças brasileiras que se adaptem no gênero por ela cultivado, com o propósito de interpretá-las” (Correio Paulistano, 12/06/1926) em Buenos Aires.

Enfim, uma nova visita ocorre em 1929, organizada de novo pelo empresário Viggiani, dessa vez da Companhia Argentina de Grandes Revistas do Teatro Portenho, que se apresentou nos teatros Santana (São Paulo) e Casino (Rio).

O fluxo de companhias no sentido inverso não parece ter sido muito maior. Leopoldo Fróes visitou Buenos Aires com sua companhia em 1919 e em 1926, enquanto que a Companhia Abigail Maia esteve no país platino em 1923. Esta era dirigida por Oduvaldo Viana (1892–1972), que foi provavelmente o mais importante entre os artistas brasileiros na construção de pontes entre as comunidades artísticas das duas nações (VERAS, 2021VERAS, Flavia Ribeiro. “Trajetória Híbrida: as contribuições de Oduvaldo Vianna para a inserção brasileira no circuito do mercado de entretenimento Latino-Americano (1923–1946)”, Revista de História, nº 180, 2021. Disponível em <https:// www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/169176>. Acesso em: 01/10/2021. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.169176
https:// www.revistas.usp.br/revhistoria...
), representando adaptações de peças portenhas no Rio e em São Paulo e construindo verdadeiras redes conectando artistas, empresários e associações das principais cidades dos dois países. Em Buenos Aires, esteve envolvido em negócios relacionados ao teatro, ao cinema e às radionovelas, além de fundar a rádio Panamericana em São Paulo, cuja programação contava sempre com a presença de artistas latino-americanos (VERAS, 2017, p. 130VERAS, Flavia Ribeiro. “Fábricas da Alegria”: o mercado de diversões e a organização do trabalho artístico no Rio de Janeiro e Buenos Aires (1918–1945). Tese de doutorado, Fundação Getúlio Vargas, 2017.).

Por outro lado, as visitas de homens de letras e de teatro se tornam mais frequentes nos dois sentidos. A imprensa brasileira cobre tanto a visita de personalidades argentinas como a viagem de autores brasileiros para Buenos Aires. No primeiro caso, os jornalistas se apressam em pedir algumas palavras ao visitante, momento em que este dá sua opinião sobre a situação do teatro argentino, apresenta suas impressões sobre a cena brasileira e, obviamente, faz algumas comparações entre os dois países; terminando com a exortação pela amizade latino-americana. Um exemplo é o do escritor e jornalista José Antonio Saldías (1891–1946), que, de retorno da Europa, passa alguns dias no Rio de Janeiro, em 1925, e conversa brevemente com um jornalista da Gazeta de Notícias, quando ele compartilha suas impressões sobre o teatro europeu e sobre qual seria o lugar do teatro latino-americano no mundo:

Pelo que vi e ouvi, entre escritores do Brasil, diariamente, poderia afirmar que vários pontos de contato existem, em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, os intelectuais, literatos, periodistas e artistas de todos os gêneros, só se distinguem os de lá pelo dinamismo e apressamento do ritmo de sua ação, sem dúvida, deslumbrantes, os de cá pelo suave romantismo que lhes empresta um ar de meigos idealistas. Entendo que os elementos novos do Brasil e da Argentina confraternizam quando se peleja pelo porvir e pelo sonho de Bolivar – o da mútua ajuda entre as nações hispano-americanas. Isto nos há de fazer fortes e cultuados no mundo moderno (Gazeta de Notícias, 10/05/1925).

No segundo caso, o triunfo em Buenos Aires guarda sempre o caráter de uma consagração e um momento forte na carreira do artista. Paulo de Magalhães, por exemplo, consagra um capítulo de sua autobiografia à sua viagem à capital argentina para a estreia, em 1926, de sua peça Aventuras de um rapaz feio, traduzida e interpretada por Florencio Parravicini (1876–1941). Segundo conta o autor, a estreia foi um grande acontecimento15 15 Segundo ele conta, o evento ganhou especial importância por conta de um acontecimento recente envolvendo o resgate, por um pescador, de dois aviadores argentinos que se acidentaram no Pará enquanto tentavam fazer o voo entre Buenos Aires e Miami. e contou com a presença do presidente Marcelo Alvear. Ao final, ele teria sido carregado em triunfo pelo povo que o levou em cortejo até a Embaixada do Brasil. Chegando lá, o embaixador pronunciou algumas palavras da sacada da embaixada:

“Ontem, foi Cardoso, o caboclo que salvou dois heróis argentinos. Hoje, Paulo de Magalhães, orgulha-nos com o sucesso da sua peça. Como Embaixador do Brasil estou feliz e quero gritar a plenos pulmões: Viva a Argentina!”. Houve delírio popular e pelo resto da noite as ruas de Buenos Aires estiveram animadas por manifestantes que empunhavam bandeiras do Brasil e da Argentina. “La Nación” e “La Prensa”, os dois maiores jornais da cidade, registraram o acontecimento (MAGALHÃES, 1967, p. 30FERREIRA, Procópio. Procópio Ferreira apresenta Procópio: um depoimento para a história do teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.).

Traduções e adaptações de peças argentinas também se tornam frequentes nos palcos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Entre os tradutores/ adaptadores encontramos Luiz Palmeirim (que adaptou, por exemplo, Melgarejo, de Florencio Parravicini, cuja estreia se deu em 1921 com o título de A alma grande), Simões Coelho (Um homem encantador, de Paulo Geyer e Benjamin de Garay, 1924; Pavão real, de José Leon Pagano, 1928), Danton Vampré (As meninas Simões, adaptação de Las de Barranco, de Gregorio de Laferrère, 1925), Oduvaldo Viana e, claro, Benjamin de Garay. Encontramos obras argentinas nos repertórios das companhias de Leopoldo Fróes, Abigail Maia, Sebastião Arruda e outros16 16 Para o levantamento das peças argentinas representadas no Brasil, além daquelas que encontramos em nossas fontes – na forma de anúncios de espetáculos ou na autobiografia de Procópio Ferreira –, nós consultamos as bases de dados Todo Teatro Carioca (http://www.todoteatrocarioca.com.br/) e Teatro Musicado de São Paulo entre 1914 e 1934 (https://teatromusicadosp.com.br/) .

Uma iniciativa que merece menção é a fundação, em 1924, da ColmeiaCompanhia Brasileira de Comédia, dirigida por Renato Viana (1894–1953) e muito provavelmente um fruto do “pseudoclube” do qual falamos acima. Embora a companhia, que estreou em 5 de dezembro no Teatro São Paulo com a peça Abelha de Ouro, do chileno Armando Mook (1894–1942), tenha ficado apenas uma semana em cartaz, é interessante observar a proposta do grupo, que, contando com grande repertório de peças sul-americanas, procura promover a nacionalização do teatro produzido no Brasil e o desenvolvimento da literatura dramática brasileira:

“Colmeia” tem junto de si a colaboração do distinto escritor argentino, sr. Benjamin de Garay, como representante de alguns dos primeiros comediógrafos do seu país, que concederam à “Colmeia” o direito de prioridade de representação no Brasil, entre eles: José Antonio Saldias, José Leon Pagano, Pedro Benjamin Aquino, Arturo Cancela, diretor literário de “La Nacion”, Ricardo Hicken, etc., assim como o dramaturgo chileno Armando Mook, Eduardo Barrios, reitor da Universidade de Santiago, e os escritores uruguaios Victor Perez Petit e Miguel Escuder.[...].

Colmeia procurará sempre, na medida do possível, ser constituída de artistas brasileiros natos, para que, aos poucos se generalize a prosódia usada no país; mas obedecendo às regras do idioma pátrio, nas suas naturais modalidades glóticas da nacionalidade donde é originária.

Colmeia, tentará expandir a literatura dramática nacional incentivando os seus cultores, mas não se sujeitando, por princípio algum, a sugestões de qualquer espécie, que possam deturpar os seus intuitos de criar e alentar autores e intérpretes nacionais (Correio Paulistano, 09/11/1924).

Mas o mais importante divulgador do teatro argentino no Brasil foi, sem dúvida, Procópio Ferreira17 17 Entre as peças argentinas no repertório de Procópio Ferreira, nós encontramos O Tio Solteiro (El tio soltero, tradução de Benjamin de Garay), O Parente político (El pariente politico) e A Vingança de Napoleão, de Ricardo Hicken; O Sobrinho do homem, de José León Pagano (El sobrino de Malbrán, tradução de Garay); Minha prima está louca!, de Colaso e Insausti (Garay); Cocktail, de Carlos Schaefer Gallo (Simões Coelho e Garay); Os Girassóis, de Julio Sánchez Gardel (Los Mirasoles, tradução de Oduvaldo Viana). (1898–1979), em homenagem ao qual a comissão diretora da Sociedade Argentina de Autores aprovou, em 1925, por unanimidade, “um voto de aplauso [...] pela sua ação forte e tenaz na obra de difusão do teatro argentino” (Fon-Fon, n. 13, 28/03/1925) no Brasil.

Segundo o que o próprio ator nos conta na sua autobiografia, ele recorreu ao repertório argentino quando fundou a sua primeira companhia, em 1924, em São Paulo; em primeiro lugar, pela dificuldade em obter originais brasileiros, pois os autores preferiam que as estreias de suas peças ocorressem no Rio, “onde o cartaz é mais demorado. Uma vez representadas, as empresas exigem exclusividade para garantir suas tournées” (FERREIRA, 2000, p. 59FERREIRA, Procópio. Procópio Ferreira apresenta Procópio: um depoimento para a história do teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.). Mas ele apresenta uma segunda razão, que o coloca como o arauto de uma missão patriótica:

Vista ainda a questão sob outro aspecto, todos nós sabemos que era quase exclusivamente o teatro francês que, com mais interesse, os empresários procuravam. Isso ocorria quando, bem mais próximo, bem mais acessível, e dentro da própria América do Sul, encontrava-se, quase inédito no Brasil, o teatro argentino, cujo intercâmbio seria sem dúvida alguma mais útil às duas literaturas e, de tal movimento, não seria de estranhar que provocasse – como provocou – um natural gesto de retribuição, fazendo também com que os argentinos representassem no Prata originais brasileiros (Ibidem, p. 62).

Uma razão que parece não convencer a todo mundo, pois o ator acumula muitas críticas ao longo de sua carreira pela preferência pelo teatro argentino – críticas com as quais Procópio preenche algumas dezenas de páginas de sua autobiografia. Os motivos de descontentamento são vários: o ator deixaria de lado os autores nacionais; o intercâmbio seria assimétrico, pois as peças brasileiras representadas no país vizinho não seriam tão numerosas quanto as argentinas no Brasil; o baixo nível das peças escolhidas pelo ator, a maior parte comédias “fáceis”... Procópio, por seu lado, sempre defende a sua “campanha do teatro argentino” como um “legítimo intercâmbio intelectual, como verdadeira cruzada da inteligência, mas que longe de ser compreendida por muitos ‘nacionalistas’, há de ficar como uma nódoa dolorosamente inapagável nas páginas da nossa história teatral” (Ibidem, p. 78). Ele cita também numerosos artigos de jornais de autores que vieram em sua defesa, como uma crônica publicada na Gazeta de Notícias de 16 de dezembro de 1924 onde lemos que

Até hoje vivemos na dependência exclusiva da Europa. De lá nos vêm as peças e os atores. Tudo quanto não traga o selo da velha Europa, para nós nenhum valor possui. A nossa arte, por isso, nunca deixou de ser uma ideia nascente para se concretizar em fato. E assim, como a nós, julgamos também que os nossos irmãos do continente jazem na mesma imaginária pasmaceira. Mas os acontecimentos políticos do Universo nos mostram que a nossa ação internacional deverá circunscrever-se quase inteiramente nas questões continentais. Assim começaremos a melhor conhecer politicamente as nações irmãs. Para que lhes se perscrute os sentimentos artísticos, um pequeno passo a mais será necessário. E à medida que as estudarmos, descobrir-nos-emos a nós mesmos, verificando que a nossa inferioridade em face da multissecular civilização europeia não é tão grande quanto se imagina (Ibidem, p. 75).

Enfim, segundo Procópio, a dramaturgia argentina viria ocupar um espaço vazio do teatro brasileiro: o da alta comédia. Assim, o repertório do país platino poderia servir de exemplo para os autores brasileiros, que pensam que, “para fazer graça, é mister servir-se de piadas grosseiras, em calão, que só faz rir o populacho”, enquanto que “nas peças argentinas há teatro... e teatro a valer” (Ibidem, p. 64).

E Procópio não foi o único a procurar no teatro argentino soluções para o teatro brasileiro. Oduvaldo Viana anuncia, em 1928 que, “de combinação com o Teatro Nacional de Buenos Aires, será iniciada a temporada do Teatro Paulista.” Esta companhia criaria um gênero novo, o “sainete brasileiro”, um “teatro breve em um ato dividido em três quadros”, baseado no sainete argentino e que seria uma resposta ao perigo que o desenvolvimento do cinema representaria para o palco (MAGALDI e VARGAS, 2000, 112-114MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875– 1974). São Paulo: Editora Senac, 2000.). Segundo lemos no Correio Paulistano, Oduvaldo Viana

[...] estudou o nosso ambiente e chegou à conclusão de que tem ele grande afinidade com o ambiente portenho. Grandes colônias estrangeiras, avultado número de brasileiros de origem italiana, espanhola, turca, alemã etc. Daí a necessidade de um gênero popular em que apareçam personagens dessas distintas raças. E vai então criar o gênero “sainete brasileiro”, em que todos esses elementos serão incluídos (Correio Paulistano, 10/04/1928).

Inicialmente, seriam representadas peças do teatro nacional de Buenos Aires, indicadas pelo próprio diretor deste – um certo Carcavallo, provavelmente o mesmo secretário da tournée argentina de 1915 –, traduzidas “por escritores teatrais dos mais aplaudidos”. Posteriormente, assim que os autores nacionais tivessem criado o hábito de cultivar o gênero sainete, seriam representadas unicamente peças brasileiras. Para a estreia da companhia, que tinha como principais estrelas Abigail Maia (1887–1981) e Raul Roulien (1905–2000), o próprio Oduvaldo Viana escreveu O Castagnaro da festa, representado junto com Os sorrisos da vida, dos argentinos Elias Alipi (1883–1942) e Carlos Schaefer Gallo (1890–1966). Nas noites de espetáculo, o público poderia apreciar, no salão de entrada, a Jazz Band Imperial e uma “orquestra típica argentina”. Durante os intervalos, ocupava o palco o quinteto “característico” Os Sertanejos Paulistas (MAGALDI e VARGAS 2000, p. 114-116MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875– 1974). São Paulo: Editora Senac, 2000.).

Também nesse mesmo ano de 1928 estreia, no Rio de Janeiro, a “Grande Companhia Brasileira de Sainete Danilo de Oliveira”, que tinha como principal ator Artur de Oliveira. A estreia aconteceu no dia 13 de julho com o “grande êxito em Buenos Aires” O homem da madrugada, “traduzido e adaptado à cena brasileira por Vas d’Almada” (Jornal do Brasil, 12 /07/1928 ) .

Finalmente, os críticos dos jornais brasileiros mostram interesse crescente pelo que se passa no vizinho do sul. O responsável pela coluna “Cenas e telas” do jornal A Rua – fundado por um dos mais importantes dramaturgos brasileiros da primeira metade do século XX, Viriato Correia (1884–1967) –, ao ser questionado por um “assíduo leitor” sobre o motivo pelo qual ele se ocupa tanto com o teatro argentino, responde que o seu interesse se deve ao fato de que “existe realmente, na República platina, o teatro regional, coisa que por aqui com raras exceções atualmente não vemos” (A Rua, 24/04/1918). Mário Nunes é um exemplo de crítico que comenta frequentemente a situação do teatro argentino, inclusive reproduzindo artigos de jornais platinos, sempre procurando fazer comparações com o teatro brasileiro.

A circulação de impressos também parece ser uma fonte de informação sobre o teatro argentino para os homens de letras brasileiros. Uma nota em O País, em 1921, informa o recebimento do último número da revista Bambalinas, dedicada especialmente à divulgação de peças argentinas. Nessa mesma nota, nós descobrimos que “o representante, no Rio, daquela tão útil publicação, para profissionais e amadores, é o Sr. Brício de Abreu” (O Paiz, 29/11/1921). No Gil Blas, um certo “I. Bsen”, percorre a coleção de Bambalinas para fazer um contraponto entre “o grande teatro argentino e a decadência do nosso” (Gil Blas, 05/06/1919) .

Resenhas de livros mostram o interesse (e o acesso) dos críticos e dos homens de teatro por obras teóricas sobre o teatro platino. Para ficar com apenas um exemplo, Alceu Amoroso Lima (1893–1983), sob o pseudônimo de Tristão de Ataíde, resenha em uma mesma crônica de 1923 três livros, cujos autores apresentam três “atitudes” diferentes em relação à situação do teatro argentino. O primeiro é o “otimista” Ricardo Rojas, que no ano anterior tinha publicado o último tomo da sua monumental História da Literatura Argentina, no qual, na parte VII, traça um quadro do teatro argentino. Para o crítico brasileiro, Rojas “obedeceu à mesma orientação social do nosso Sílvio Romero, quanto à literatura brasileira,” pela sua abordagem, que escolhe as condições histórico-sociais como critério explicativo. A segunda obra resenhada é Crítica Negativa, do “pessimista” Nicolas Coronado, cuja primeira parte é dedicada ao teatro. Alceu Amoroso Lima considera que o autor argentino “tem na crítica a mesma estapafúrdia concepção que imortalizou, nas páginas de nossos humoristas, o mais completo de nossos críticos acadêmicos”, que se dizia “guarda-noturno da língua”, referência transparente à Osório Duque-Estrada (1870–1927). Enfim, aquele com o qual o resenhista se identifica é o crítico literário Juán Pablo Echagüe (1875–1950), que tinha acabado de publicar Al margen de la Escena, na qual o autor “nem se embala em ilusões, nem descrê”, mas é um “crítico construtivo”, cuja obra “no empenho de reerguer o teatro argentino” tem sido considerável. O que Tristão de Ataíde mais admira é seu esforço para que os autores argentinos se desviem dos modelos europeus e “se sumerjan en las corrientes de la vida nacional”. Enfim, o “que se conclui desses três juízos é [...] que o teatro argentino já constitui uma realidade – brilhante, para o otimista; em semente, para o pessimista; apenas em crise de renovação, para o realista” (O Jornal, 29/07/1923). Uma afirmação que tem como contraponto, obviamente, o teatro brasileiro.

Após um século XIX marcado por desconfianças mútuas, as últimas décadas da Primeira República brasileira marcam o crescimento do interesse do Brasil pelos seus vizinhos, e vice-versa, que se traduz, no tocante ao espetáculo, por maior circulação de artistas e de obras entre o Brasil e a Argentina. Este país, historicamente visto como concorrente, passa a ser encarado por muitos homens de teatro como uma oportunidade, pois, em primeiro lugar, o vizinho platino permite realizar trocas menos assimétricas do que com a Europa, e a inserção em seu mercado é mais viável para a maioria dos artistas e autores do que os grandes centros europeus18 18 Se para o teatro o sucesso na Europa é quase impossível e são extremamente raros os casos de peças brasileiras representadas no Velho Mundo, sobretudo fora de Portugal, e de artistas que conseguiram alguma notoriedade; a música parece ter sido sensivelmente mais feliz na conquista das cenas europeias e os exemplos de sucesso são mais numerosos e significativos, tanto para a música erudita com Carlos Gomes e Villa-Lobos, como para a música popular – vide o sucesso do maxixe na França na Belle Époque, e a recepção do samba no entreguerras, sem contar os sucessos posteriores com, por exemplo, a bossa nova e o tropicalismo (Cf. FLÉCHET, 2013). A música será mesmo um dos principais meios pelos quais o Brasil construirá sua imagem aos olhos do mundo e uma peça fundamental de sua diplomacia cultural (Cf. DUMONT, 2019; FLÉCHET, 2019). .

Além disso, eles podem buscar no teatro argentino soluções para as carências e problemas do teatro brasileiro. Nesse caso, o país vizinho pode aparecer tanto como um exemplo a ser seguido – e motivo de vergonha para o Brasil, pois estamos falando do principal rival no continente –, quanto como uma pátria irmã que sofre dos mesmos problemas ligados à posição do continente no plano internacional, sobretudo em relação aos centros culturais europeus, motivo pelo qual os intelectuais dos dois países deveriam dialogar e buscar juntos a resposta para a “decadência” de seus respectivos teatros nacionais. Além disso, as experiências estéticas platinas poderiam servir como repertório de ideias para os desafios que os agentes brasileiros encontram em seu próprio espaço nacional, como nós vimos no caso de Oduvaldo Viana, que procura no sainete uma resposta teatral para o cinema que, nos anos 20, desestabiliza a importância artística e o lugar social até então ocupados de maneira incontestável pelo palco19 19 A questão da “decadência do teatro nacional”, onipresente em toda a discussão sobre o palco brasileiro no final do século XIX e começo do XX, não é exclusividade brasileira, ocupando, ao contrário, o espírito de intelectuais e artistas do mundo inteiro (POLLETI e YON, 2018), o que nos convida a pensar a história do teatro brasileiro por uma perspectiva global, onde tendências mundiais e questões locais se encontram. Para a França, por exemplo, ver o trabalho de Pascale Goetschel (2020). .

Enfim, as relações, as trocas de ideias e as comparações que se estabelecem entre os dois países permitem que os intelectuais brasileiros repensem a sua própria identidade e o lugar do Brasil no mundo. O contexto mundial após a Primeira Guerra Mundial foi, sem dúvida, particularmente propício para as nações latino-americanas repensarem seus modelos e identidades. Como mostra Olivier Compagnon (2013)COMPAGNON, Olivier. L’adieu à l’Europe : l’Amérique latine et la Grande guerre (Argentine et Brésil, 1914–1939). Paris: Fayard, 2013., os intelectuais sul-americanos, chocados com a barbárie ocorrida na Europa, que eles assistiram de longe, vão questionar os paradigmas anteriores, principalmente a crença na necessidade de copiar os modelos europeus e passarão a procurar alternativas para a organização social e a identidade de seus países, o que abre espaço não somente para o nacionalismo que triunfa com o modernismo, mas também para o pan-americanismo. Se o teatro foi o grande esquecido da Semana de 22, nós vemos que os profissionais do palco também estavam refletindo sobre a identidade nacional e criando representações e imagens sobre o país (Cf. GOMES, 2004), mesmo que sem a profundidade teórica de um Mário de Andrade, nem constituindo um grupo e muito menos uma vanguarda, mas no dia a dia de uma prática profissional, onde artistas, autores e empresários disputam entre si as graças do público e os ganhos econômicos e simbólicos que daí resultam – e lembramos que Procópio Ferreira foi procurar o teatro argentino por ter dificuldade para encontrar originais brasileiros para representar em São Paulo –, ao mesmo tempo em que precisam criar espaço para sua atividade em um mundo em plena mutação. E as mudanças são muitas e profundas na época, seja no plano artístico – com a ascensão do cinema como principal divertimento urbano –, seja no plano social e político nacional – com a expansão da vida urbana e a ascensão de São Paulo no cenário político-econômico brasileiro20 20 Sem tirar conclusões, nos parece que o teatro argentino foi mais bem aceito em São Paulo do que no Rio e que, nos anos 20, os profissionais que trabalhavam na capital paulista são mais ativos no intercâmbio entre os dois países do que seus homólogos cariocas. Nós vimos, além disso, que o próprio Oduvaldo Viana faz aproximações entre São Paulo e Buenos Aires e que, durante os espetáculos da companhia Teatro Paulista, estava prevista a realização de concertos que reuniam tanto grupos folclóricos argentinos – sem contar as peças, revistas sobretudo, do teatro musicado argentino representadas no Brasil, tanto pela companhia de Oduvaldo Viana como por outras companhias argentinas e brasileiras – como música sertaneja. O desenvolvimento deste gênero nas primeiras décadas do século XX está intimamente associado às disputas identitárias que se expressam nos palcos paulistas da época, segundo Bessa (2019). A própria figura do caipira, frequente nos palcos paulistanos do período (MELO, 2009; MOREIRA, 2020), cumpria uma função simbólica que não estava longe daquela exercida pelo gaúcho (FERRETTI, 2004; MOLAR, 2012). – e internacional – com o declínio do prestígio dos modelos europeus e a ascensão dos Estados Unidos como potência hegemônica, que proclamarão a América como sua área de influência e promoverão um ideal pan-americanista. Um período de transição, para ser breve, o que significa um período de abertura do campo dos possíveis, durante o qual novas possibilidades estéticas e ideológicas emergem. Nesse contexto, a aproximação com a Argentina torna-se possível e o teatro do país platino vira alvo de interesse da parte de profissionais que procuram soluções para os desafios de sua época.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    Aproximação que deve muito à deterioração das relações entre Chile e Argentina, que levou Buenos Aires a procurar a aproximação com o Brasil para não deixar o país na desconfortável situação de estar cercado por dois países inimigos.
  • 4
    Esperamos que este artigo suscite o interesse de pesquisadores especialistas do país vizinho que possam eventualmente se inspirar para produzir trabalhos complementares ao nosso, oferecendo assim uma visão completa das trocas culturais entre os dois países no que se refere ao mundo do espetáculo.
  • 5
    Em primeiro lugar, nós fizemos uma pesquisa com a expressão ‘theatro argentino” pelo mecanismo de busca da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional em todos os jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo disponíveis entre os anos 1889 e 1930. Em seguida, para alguns períodos importantes, como os meses em que encontramos uma companhia teatral argentina em turnê em alguma das duas cidades, nós fizemos uma pesquisa exaustiva nos principais jornais. O material assim obtido foi enriquecido com outros textos citados nas obras de referência que eventualmente não haviam sido encontrados durante a primeira etapa da pesquisa, assim como referências à Argentina e ao seu teatro encontradas em coletâneas de crônicas e artigos de jornais. Enfim, nós fizemos uma nova pesquisa na hemeroteca digital, dessa vez com os nomes dos principais agentes argentinos – como autores de peças representadas nos teatros paulistas e cariocas, jornalistas e empresários – envolvidos no intercâmbio com o Brasil e que haviam sido localizados no material até então encontrado.
  • 6
    As entrevistas de Antoine aos jornais europeus após o seu retorno de sua turnê sul-americana provocaram uma enorme polêmica na imprensa brasileira. Sobre essa questão, ver FARIA, 2001FARIA, João Roberto. “André Antoine no Brasil: a polêmica com Artur Azevedo”, Sala Preta, v. 1, 2001, p. 223–33. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57027>. Acesso em: 15/10/2020. Doi: https://doi.org/10.11606/ issn.2238-3867.v1i0p223-233.
    http://www.revistas.usp.br/salapreta/art...
    .
  • 7
    A discussão dos problemas da cidade é uma prática antiga da crônica. No entanto, João Paulo Coelho de Souza Rodrigues (2013)RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “Da revolução à regeneração: crônicas de Machado de Assis e de Olavo Bilac sobre a Argentina”. Antíteses, v. 6, nº 11, 2013, p. 127-148. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ antiteses/article/view/15593>. Acesso em: 15/10/2020. Doi: http://dx.doi.org/10.5433/1984-3356.2013v6n11p127
    http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
    nota uma diferença nos parâmetros adotados por Olavo Bilac quando ele substituiu Machado de Assis na crônica semanal da Gazeta de Notícias, em 1897: enquanto seu antecessor preferia fazer uma zombeteira crítica interna das práticas urbanas, Bilac buscava contrastar os modos e costumes dos habitantes e políticos da cidade com modelos externos de civilidade, uma prática que seria adotada por outros literatos da época. Se o seu exemplo favorito era, sem surpresa, Paris; Buenos Aires aparecia como um referencial frequente.
  • 8
    Publicação protagonizada por diplomatas brasileiros que circulou entre 1909 e 1919. Segundo Larissa Fabriz (2018)FABRIZ, Larissa Milanezi. Veículo de sonhos e ilusões: a Revista Americana e a circulação de representações de pan-americanismo (1909–1919). Tese de Doutorado, Universidade Federal do Espírito Santo, 2018., foi um instrumento utilizado pelo Itamaraty no sentido de promover a aproximação entre o Brasil e a América do Sul, desenvolvendo a retórica pan-americana que constituiria uma forma de diplomacia cultural.
  • 9
    Curioso notar que ele é citado ora como escritor argentino, ora uruguaio, segundo o país de origem das fontes localizadas, além de ser tratado como um compatriota pelos jornais brasileiros.
  • 10
    Informações coletadas ao longo do número da Revista de la Biblioteca Nacional [do Uruguai] (n. 13, 1976) dedicado a Julio Herrera y Reissig.
  • 11
    Foram representadas peças de Roberto Cayol (El Anzuelo e Jaulas de oro), Julio Sánchez Gardel (Los Mirasoles, Noche de luna e Después de misa), Alberto Novión (La Gaucha, El patio allegre e Misia Pancha, la brava), Florencio Sánchez (Nuestros hijos, Los Muertos, Barranca abajo e M’hijo el dotor), Gregorio de Laferrère (Las de Barranco e Locos de verano), Cesar Iglesias Paz (La conquista), Enrique García Velloso (O tango en Paris e Fruta Picada), Alfredo Duhau (La murmuración pasa), Federico Merteus (Las d’enfrente), Victor Pérez-Petit (Noche buena), Andrés Demarchi (Hacia la muerte), Gonzales Castillo (El retrato del pibe) e Samuel Blixe (Un cuento del tío Marcelo), além de uma peça (Criollos y gringos) sem identificação do autor. Foram também representados dois autores brasileiros: Julia Lopes de Almeida (A Herança) e Paulo Barreto (A bela Mme. Vargas).
  • 12
    A única novidade em relação ao rep ertório apresentado em São Paulo foi A Muralha, de Coelho Neto.
  • 13
    François-Auguste Gevaert (1828–1908), compositor e musicólogo belga, autor de Histoire et théorie de la musique de l’antiquité (1875).
  • 14
    O que seria o artista latino-americano ideal para o escritor cubano é expressa na seguinte passagem: “É mais útil invocar o que possa haver de autóctone em nós – por influências de ambiente ou por atavismo –, do que desenhar índios ou figuras para manuais de etnologia, como o faria qualquer observador europeu.”
  • 15
    Segundo ele conta, o evento ganhou especial importância por conta de um acontecimento recente envolvendo o resgate, por um pescador, de dois aviadores argentinos que se acidentaram no Pará enquanto tentavam fazer o voo entre Buenos Aires e Miami.
  • 16
    Para o levantamento das peças argentinas representadas no Brasil, além daquelas que encontramos em nossas fontes – na forma de anúncios de espetáculos ou na autobiografia de Procópio Ferreira –, nós consultamos as bases de dados Todo Teatro Carioca (http://www.todoteatrocarioca.com.br/) e Teatro Musicado de São Paulo entre 1914 e 1934 (https://teatromusicadosp.com.br/)
  • 17
    Entre as peças argentinas no repertório de Procópio Ferreira, nós encontramos O Tio Solteiro (El tio soltero, tradução de Benjamin de Garay), O Parente político (El pariente politico) e A Vingança de Napoleão, de Ricardo Hicken; O Sobrinho do homem, de José León Pagano (El sobrino de Malbrán, tradução de Garay); Minha prima está louca!, de Colaso e Insausti (Garay); Cocktail, de Carlos Schaefer Gallo (Simões Coelho e Garay); Os Girassóis, de Julio Sánchez Gardel (Los Mirasoles, tradução de Oduvaldo Viana).
  • 18
    Se para o teatro o sucesso na Europa é quase impossível e são extremamente raros os casos de peças brasileiras representadas no Velho Mundo, sobretudo fora de Portugal, e de artistas que conseguiram alguma notoriedade; a música parece ter sido sensivelmente mais feliz na conquista das cenas europeias e os exemplos de sucesso são mais numerosos e significativos, tanto para a música erudita com Carlos Gomes e Villa-Lobos, como para a música popular – vide o sucesso do maxixe na França na Belle Époque, e a recepção do samba no entreguerras, sem contar os sucessos posteriores com, por exemplo, a bossa nova e o tropicalismo (Cf. FLÉCHET, 2013FLÉCHET, Anaïs. “Si tu vas à Rio ...»: la musique populaire brésilienne en France au XXe siècle. Paris: Armand Colin, 2013.). A música será mesmo um dos principais meios pelos quais o Brasil construirá sua imagem aos olhos do mundo e uma peça fundamental de sua diplomacia cultural (Cf. DUMONT, 2019DUMONT, Juliette. “Le Brésil au prisme de sa diplomatie culturelle (1920–1945)”. In: DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs e VELLOSO, Mônica Pimenta (org.). Histoire culturelle du Brésil : XIXe-XXIe siècles. Paris: Éditions de l’IHEAL, 2019, p. 291-315.; FLÉCHET, 2019FLÉCHET, Anaïs, “Les partitions de l’identité. La diplomatie musicale brésilienne au XXe siècle”. In: DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs e VELLOSO, Mônica Pimenta (org.). Histoire culturelle du Brésil : XIXe-XXIe siècles. Paris: Éditions de l’IHEAL, 2019, p. 317-51).
  • 19
    A questão da “decadência do teatro nacional”, onipresente em toda a discussão sobre o palco brasileiro no final do século XIX e começo do XX, não é exclusividade brasileira, ocupando, ao contrário, o espírito de intelectuais e artistas do mundo inteiro (POLLETI e YON, 2018), o que nos convida a pensar a história do teatro brasileiro por uma perspectiva global, onde tendências mundiais e questões locais se encontram. Para a França, por exemplo, ver o trabalho de Pascale Goetschel (2020)GOETSCHEL, Pascale. Une autre histoire du théâtre. Discours de crise et pratiques spectaculaires – France, XVIIIe-XXIe siècle. Paris: CNRS Éditions, 2020..
  • 20
    Sem tirar conclusões, nos parece que o teatro argentino foi mais bem aceito em São Paulo do que no Rio e que, nos anos 20, os profissionais que trabalhavam na capital paulista são mais ativos no intercâmbio entre os dois países do que seus homólogos cariocas. Nós vimos, além disso, que o próprio Oduvaldo Viana faz aproximações entre São Paulo e Buenos Aires e que, durante os espetáculos da companhia Teatro Paulista, estava prevista a realização de concertos que reuniam tanto grupos folclóricos argentinos – sem contar as peças, revistas sobretudo, do teatro musicado argentino representadas no Brasil, tanto pela companhia de Oduvaldo Viana como por outras companhias argentinas e brasileiras – como música sertaneja. O desenvolvimento deste gênero nas primeiras décadas do século XX está intimamente associado às disputas identitárias que se expressam nos palcos paulistas da época, segundo Bessa (2019)BESSA, Virgínia de Almeida. “Do palco ao disco: música caipira e construção de identidades na cidade de São Paulo”, OPUS, v. 25, nº 3, 2019, p. 308-33. Disponível em <https://www.anppom.com.br/revista/index.php/opus/article/view/ opus2019c2514>. Acesso em: 22/04/2021. Doi: http://dx.doi.org/10.20504/ opus2019c2514
    https://www.anppom.com.br/revista/index....
    . A própria figura do caipira, frequente nos palcos paulistanos do período (MELO, 2009MELO, Cássio Santos. “São Paulo Futuro: o caipira na projeção de uma metrópole”. Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 36, 2009. Disponível em: <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao36/materia05/texto05.pdf>. Acesso em: 22/04/2021.
    http://www.historica.arquivoestado.sp.go...
    ; MOREIRA, 2020MOREIRA, Anne Karoline Ramalho. O Caipira: aspectos vocais do personagem-tipo no Teatro de Revista Paulista entre as décadas de 1910 e 1940. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2020.), cumpria uma função simbólica que não estava longe daquela exercida pelo gaúcho (FERRETTI, 2004FERRETTI, Danilo José Zioni. A construção da paulistanidade: identidade, historiografia e política em São Paulo (1856-1930). Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2004.; MOLAR, 2012).

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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