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Formação na residência de enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família sob a ótica dos egressos

Formación en la residencia de enfermería en la Atención Básica/Salud de la Familia bajo la óptica de los egresos

Resumo

OBJETIVO

Compreender o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais a partir da formação proporcionada pela Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família de uma universidade pública brasileira sob a ótica dos egressos e análise do Projeto Pedagógico.

MÉTODO

Estudo qualitativo, tipo estudo de caso realizado com os 21 egressos da Residência em Enfermagem citada. Os dados foram coletados entre os meses de dezembro/2016 e julho/2017, tendo como fontes entrevistas individuais com os egressos, gravadas, transcritas e analisadas pela Análise Temática de Conteúdo, com suporte do software ATLAS ti e análise documental do Projeto Pedagógico.

RESULTADOS

Duas categorias emergiram: “Perfil profissional para a aquisição de competências e habilidades” e “Fatores influentes para o desenvolvimento das competências e habilidades”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os egressos reconheceram a importância da Residência em seus processos formativos. Porém, apontaram diretivas como o aprimoramento das relações interpessoais e a ampliação do desenvolvimento da competência Administração/Gerenciamento.

Palavras-chave:
Enfermagem; Internato e residência; Atenção primária à saúde

Resumen

OBJETIVO:

Comprender el desarrollo de habilidades y competencias profesionales a partir de la formación proporcionada por la Residencia en Enfermería en la Atención Básica/Salud de la Familia de una universidad pública brasileña bajo la óptica de los egresados y análisis del Proyecto Pedagógico.

MÉTODO

Estudio cualitativo, tipo estudio de caso realizado con los 21 egresados ​​de la Residencia en Enfermería citada. Los datos fueron recolectados entre los meses de diciembre/2016 y julio/2017, teniendo como fuentes entrevistas individuales con los egresados, grabadas, transcritas y analizadas por el Análisis Temático de Contenido, con soporte del software ATLAS ti y análisis documental del Proyecto Pedagógico.

RESULTADOS

Dos categorías emergieron: "Perfil profesional para la adquisición de competencias y habilidades" y "Factores influyentes para el desarrollo de las competencias y habilidades".

CONSIDERACIONES FINALES:

Los egresados ​​reconocieron la importancia de la Residencia en sus procesos formativos. Sin embargo, apuntaron directivas como el perfeccionamiento de las relaciones interpersonales y la ampliación del desarrollo de la competencia Administración/Gestión.

Palabras clave:
Enfermería; Internado y residencia; Atención primaria de salud

Abstract

OBJECTIVE

To understand the development of professional skills and competences from the training provided by the Nursing Residency in Primary Care/Family Health of a Brazilian public university from perspective of the graduates and analysis of the Pedagogical Project.

METHOD

A qualitative case study carried out with 21 graduates of the Nursing Residency. The data were collected between December 2016 and July 2017, with individual interviews conducted with the graduates, recorded, transcribed and analyzed by the Content Thematic Analysis, with the support of ATLAS ti software and documentary analysis of the Pedagogical Project.

RESULTS

Two categories emerged: "Professional profile for acquiring skills and abilities" and "Influential factors for the development of skills and abilities".

FINAL CONSIDERATIONS

The graduates recognized the importance of the Residency in their training processes. However, they pointed to directives such as the improvement of interpersonal relations and the expansion of the development of the Administration/Management competency.

Keywords:
Nursing; Internship and residency; Primary health care

Introdução

A residência multiprofissional em saúde, definida no artigo 13 da Lei 11.12911. Presidência da República (BR). Lei 11.129 de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude - CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Brasília, DF; 2015 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm., é uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu. Possui como objetivo principal a promoção de mudanças na formação dos profissionais, modificando a visão médico-assistencial para uma atuação de promoção de saúde e prevenção de doenças, caracterizada por ensino em serviço11. Presidência da República (BR). Lei 11.129 de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude - CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Brasília, DF; 2015 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm..

A Residência de Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família, modalidade da Residência em Área Profissional, objetiva preparar profissionais conhecedores das prioridades e necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), pautados nas responsabilidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), referendada pela Política Nacional da Atenção Básica, Portaria 2.436/1711. Presidência da República (BR). Lei 11.129 de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude - CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Brasília, DF; 2015 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm.-22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF; 2017 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=22/09/2017&jornal=1&pagina=68&totalArquivos=120..

A Residência em Área Profissional da Saúde se concretiza por meio do exercício profissional supervisionado, realizado nos serviços de saúde favoráveis à aprendizagem do residente33. Universidade Federal de São João Del Rei (BR). Projeto pedagógico do programa de residência em enfermagem na atenção báscia/saúde da família. Divinópolis, 2014 [citado 2017 out 20]. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/resenf/2014/Projeto%20Pedagogico%20Residencia%20em%20Enfermagem%20na%20Atencao%20%20Basica%20Saude%20da%20Familia%20UFSJ%20CCO%202014%20(1).pdf
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. Desde a sua implementação os Programas de Residência em Saúde têm buscado aproximar as atividades pedagógicas à linha de cuidado de todos os níveis da atenção à saúde. Esforços para essa aproximação têm sido realizados, porém constatam-se barreiras e limites enfrentados pelas residências para sua efetivação.

Alguns exemplos dessas barreiras já foram evidenciados pela literatura. Limites, como: falta de recursos provenientes dos Ministérios da Saúde e da Educação; dificuldades de articulação entre os municípios dadas as diferentes estratégias políticas locais; alta rotatividade de preceptores; arranjos internos dos municípios que terminam por interferir na execução de diversas atividades do Programa; construção de um currículo seguindo o modelo fragmentado de educação vigente em detrimento de um currículo interdisciplinar44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14.-55. Fiorano AMM; Guarnieri AP. Residência multiprofissional em saúde: tem valido a pena? ABCS Health Sci. 2015;40(3):366-9.. Em busca da superação dessas barreiras e da formação de especialistas que possam se alocar em regiões deficientes de profissionais qualificados, os Programas de Residência existentes no país possuem seus Projetos Pedagógicos (PP) voltados para as necessidades e realidades locorregionais. Buscam também desenvolver competências e habilidades que são inerentes a boa execução dos trabalhos do profissional de saúde, em ser um profissional crítico e reflexivo, com perfil de generalista, para atuar de forma integral e interdisciplinar na Atenção Básica, nas ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, na manutenção da saúde, tratamento e reabilitação33. Universidade Federal de São João Del Rei (BR). Projeto pedagógico do programa de residência em enfermagem na atenção báscia/saúde da família. Divinópolis, 2014 [citado 2017 out 20]. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/resenf/2014/Projeto%20Pedagogico%20Residencia%20em%20Enfermagem%20na%20Atencao%20%20Basica%20Saude%20da%20Familia%20UFSJ%20CCO%202014%20(1).pdf
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Sobre o desenvolvimento das competências pode-se afirmar que esse conceito vem sendo reformulado ao longo dos tempos. A concepção comportamental do termo, voltada para o tecnicismo e iniciada no seio do fordismo, recebe duras críticas devido ao controle do saber mantido e direcionado apenas ao uso do conhecimento para o mercado de trabalho66. Chauí M. A ideologia da competência. Belo Horizonte: Autêntica; São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2014. Escritos de Marilena Chauí, v. 3.. A habilidade, enquanto conceito mais comumente utilizado refere-se ao saber fazer objetivo e prático do trabalho, sendo decorrentes das competências adquiridas e que se transformam em habilidades77. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial n. 1802, de 26 de agosto de 2008. Resolve instituir o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde- PET-Saúde. Brasília; 2008 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/pri1802_26_08_2008.html.
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. O conceito de competência na área da Enfermagem também recebe várias designações, sendo assumido neste estudo como a capacidade de mobilização e articulação dos saberes e valores para que o profissional integre os conhecimentos no processo cotidiano de saber agir, conferindo maiores resultados às ações88. Le Boterf G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed; 2007..

As competências gerais para Cursos de Enfermagem são especificadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). O curso de graduação em Enfermagem possui como competências gerais: atenção à saúde, tomada de decisões, administração/gerenciamento, comunicação e liderança99. Conselho Nacional de Educação (BR). Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Brasília; 2011 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
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. No entanto, as Residências em Saúde em sua generalidade, dentre elas a Enfermagem, não possuem descrições específicas das competências e habilidades que devem ser desenvolvidas pelos residentes. Foram utilizadas neste estudo as competências e habilidades descritas nas DCN para a graduação em Enfermagem99. Conselho Nacional de Educação (BR). Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Brasília; 2011 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
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, sendo acrescidas as competências de promoção da saúde e competências políticas, devido a relevância das mesmas no contexto da Atenção Básica (AB).

Frente ao contexto de formação profissional em serviço, este estudo origina-se das indagações e inquietações de como a Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família de uma universidade pública do Estado de Minas Gerais, proporciona o desenvolvimento de competências e habilidades para atuação profissional dos residentes; E como o PP desta Residência está contemplando o desenvolvimento dessas competências e habilidades para atuação do enfermeiro na atenção básica.

Este estudo teve por objetivo compreender o desenvolvimento de competências e habilidades profissionais a partir da formação proporcionada pela Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família sob a ótica dos egressos, subsidiado pela análise do PP deste programa e utilizou a seguinte questão norteadora: Quais habilidades e competências profissionais para atuação profissional na atenção básica são proporcionadas pela formação na Residência em Enfermagem? Destaque o desenvolvimento das competências atenção à saúde, tomada de decisões, administração/gerenciamento, comunicação e liderança, promoção da saúde e competências políticas. Dessa forma, busca-se contribuir com reflexões que subsidiem reformulações no desenvolvimento das competências e habilidades do residente.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso realizada com egressos do Programa de Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família de uma universidade pública do Estado de Minas Gerais. O estudo foi realizado em um município da região Centro Oeste de Minas Gerais, com população estimada em 226.345 habitantes. Devido a localização geográfica do município, seu desenvolvimento econômico e organização do sistema de saúde, constitui-se polo da Macrorregião Oeste de Saúde do Estado, abrangendo 54 municípios33. Universidade Federal de São João Del Rei (BR). Projeto pedagógico do programa de residência em enfermagem na atenção báscia/saúde da família. Divinópolis, 2014 [citado 2017 out 20]. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/resenf/2014/Projeto%20Pedagogico%20Residencia%20em%20Enfermagem%20na%20Atencao%20%20Basica%20Saude%20da%20Familia%20UFSJ%20CCO%202014%20(1).pdf
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O campus da instituição federal de ensino superior onde o estudo foi realizado iniciou suas atividades em 2008, oferecendo cursos de graduação em Bioquímica, Farmácia, Medicina e Enfermagem. E também cursos de pós-graduação de mestrado, doutorado e residências multi e uniprofissional, dentre elas a Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família, objeto deste estudo.

A coleta de dados se deu por entrevistas com roteiro semiestruturado, gravadas e transcritas na íntegra que buscaram a percepção dos egressos sobre o desenvolvimento das competências e habilidades proporcionadas pela Residência para a sua atuação profissional e pela análise documental do PP, utilizada para identificar os aspectos prescritos que podem ter contribuído para o desenvolvimento das competências e habilidades dos egressos. Os participantes do estudo foram os 21 egressos existentes no momento da coleta de dados. Esses participantes conformam uma amostragem intencional dimensionada por indivíduos típicos quanto ao objeto em investigação e revelam características representativas do contexto em estudo. Todos os egressos aceitaram participar do estudo. As entrevistas foram realizadas pessoalmente com os egressos residentes na cidade cenário da Residência e por telefone com os egressos residentes em outras cidades. O tempo médio de duração de cada entrevista foi de 26 minutos. A saturação dos dados da amostra se deu por exaustão, pois os participantes foram todos os que faziam parte do universo definido pelos pesquisadores. Os dados foram coletados entre os meses de dezembro/2016 e julho/2017 e armazenados no software Atlas ti 7.0.

O uso da pesquisa documental realizado por meio de um roteiro de análise do PP permitiu a triangulação das fontes de evidências e dos achados oriundos das entrevistas. Para análise dos dados utilizou-se a análise temática de conteúdo1010. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., com suporte do software Atlas ti 7.0.

A Análise Temática de Conteúdo proporciona segurança nos resultados e se ordena em três fases: a pré-análise, análise dos dados e o tratamento dos resultados. O conceito de competência definido por Le Boterf77. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial n. 1802, de 26 de agosto de 2008. Resolve instituir o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde- PET-Saúde. Brasília; 2008 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/pri1802_26_08_2008.html.
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orientou a análise dos dados.

Os participantes assinaram e foram informados sobre os objetivos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo obedeceu aos preceitos éticos da legislação brasileira que disserta sobre pesquisas com seres humanos, incluindo a garantia do anonimato dos participantes. A pesquisa foi aprovada sob o parecer de número 1.846.216 e CAAE 61657016.7.0000.5545.

Resultados e Discussão

Estudo realizado em uma residência de enfermagem obstétrica revelou que 94,7% dos egressos possuíam atividade laboral e 73,7% estavam locadas na área para qual foram formadas1111. Pereira ALF, Nicácio MC. Formação e inserção profissional das egressas do curso de residência em enfermagem obstétrica. Rev Enferm UERJ, 2014 jan/fev;22(1):50-6.. Outro estudo com egressos encontrou esses mesmos achados, demonstrando também as dificuldades encontradas pelos egressos da graduação em se inserirem no mercado de trabalho, processo esse facilitado pela vivência da Residência1212. Magnabosco G, Haddad MCL, Vannuchi MTO, Rossaneis MA, Silva LGC. Opinião de egressos sobre o curso de residência em gerência dos serviços de enfermagem. Semina: Ciências Biológicas Saúde, 2015;36(1):73-80.. No atual estudo a maioria, (57%), atuavam na atenção básica, área de formação da residência. A análise das entrevistas permitiu a emersão de duas categorias, sendo: “Perfil profissional para a aquisição de competências e habilidades”, onde se discorre sobre o processo de aquisição das competências e habilidades e suas relações com o Projeto Pedagógico do Curso. A categoria “Fatores influentes para o desenvolvimento das competências e habilidades” apresenta as subcategorias: Relações Interpessoais e Foco na competência atenção a saúde em relação às competências gerenciais.

Perfil profissional para a aquisição de competências e habilidades

O processo de desenvolvimento das competências e habilidades vem sendo estudado e aprimorado com o passar dos anos pelos programas de graduação e pós-graduação existentes. As exigências do mercado de trabalho possuem relativa influência sobre o direcionamento dos programas em seus PP e nas estratégias para facilitar esse desenvolvimento. Cada vez mais espera-se um perfil de profissionais que saibam tomar decisões, assumir responsabilidades e serem resolutivos, passando pelo construir e reconstruir os saberes e práticas de saúde44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14.. Os Projetos Pedagógicos das residências em saúde estão comumente orientados para o desenvolvimento de competências e habilidades, embora estas não estejam claramente descritas. A metodologia problematizadora permeia as Residências de Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14., porém nota-se uma dificuldade em implementar e incorporar essa metodologia no cotidiano do trabalho.

Os 21 egressos entrevistados afirmaram que a Residência atendeu os pressupostos previstos no perfil profissional do egresso de acordo com o PP. Este perfil contempla as ações que devem ser desenvolvidas pelo residente. Ações estas também descritas nas DCN da graduação em Enfermagem, na qual os profissionais devem realizar ações de prevenção de riscos e agravos, promoção, proteção e reabilitação da saúde, com os indivíduos e com as coletividades99. Conselho Nacional de Educação (BR). Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Brasília; 2011 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
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. A residência propiciou a ampliação do desenvolvimento das competências, de acordo com as falas dos egressos:

Então, hoje quando eu fizer uma puericultura, eu tenho certeza que tenho um olhar totalmente diferente. Um olhar para aquela criança, aquela mãe, a questão social, como que vai ser? Não adianta só as orientações que eu der aqui dentro da sala, eu tenho que ir lá na casa dela, ir visitar. (E6)

Nos deram uma visão muito boa em relação a isso; para planejar, organizar e executar as ações de prevenção de danos, promoção da saúde e aplicar o processo de enfermagem, que hoje eu vejo que é o que mais diferencia o ex-residente daquele profissional que não fez a residência. (E21)

O olhar ampliado para as necessidades das pessoas e coletividades propiciam ao enfermeiro uma visão aguçada subsidiando as decisões a serem tomadas em seu cotidiano de trabalho. A tomada de decisão, como uma competência, permeia todo o processo e organização do trabalho do profissional enfermeiro. O enfermeiro possui um papel chave dentro das equipes de ESF, sendo estes profissionais estimulados na Residência a todo instante a desenvolver e demonstrar essa competência em suas atividades rotineiras.

Em relação a tomada de decisões (...) As vezes você tem que tomar algumas decisões rápidas e é só esse processo de dia a dia de errar e acertar que você acaba ficando mais maduro nesse aspecto. (...) porque no começo tudo te surpreende, desde as coisas mais simples: o quê que a gente vai fazer com esse paciente que chegou aqui agora com a dor de garganta e o médico foi embora? (E12)

Decisões estas que passam também pela competência do profissional em saber gerenciar e administrar a unidade de saúde. Quanto a competência administração e gerenciamento percebeu-se a aquisição de conhecimentos teóricos, porém houve dificuldade dos egressos ao assumirem essa competência e habilidade como adquirida:

As disciplinas que a gente tem na residência, gestão e administração, ela ajuda um pouco, apesar que, às vezes, a teoria é um pouco diferente da prática, mas acho que me ajudou, me norteou bastante, me guiou. (E7)

A parte de administração e gerenciamento não acho que foi tanto, porque não era uma coisa que a gente fazia tanto dentro das unidades de saúde. (E6)

As competências administração e gerenciamento, apesar do Projeto Pedagógico do Programa evidenciar a necessidade de seus desenvolvimentos, constando no objetivo geral do Programa, foram relatadas como pouco desenvolvidas pelos egressos, referindo estes se sentirem muitas vezes despreparados quanto a essas competências. Estudos realizados com enfermeiros e egressos da graduação apontaram para este mesmo despreparo. Enfermeiros relataram dificuldades e barreiras em suas formações quanto a aquisição das competências gerenciais1313. Sade PMC, Peres AM. Desenvolvimento de competências gerenciais do enfermeiro: diretriz para serviços de educação permanente. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(6):991-8.. Em outro estudo, para 15 gestores de serviços de saúde onde passaram egressos da graduação de enfermagem, os cursos precisam ampliar as disciplinas gerenciais1414. Meira MDD, Kurcgant P. Competências de egressos graduados em enfermagem: avaliação de gestores empregadores. Rev Cienc Gerenc. 2015;19(30):60-4.. Aqui, cabe destaque a presença do preceptor junto ao residente, sendo este o enfermeiro da unidade básica de saúde (UBS), influenciando na aquisição ou não das competências de administração e gerenciamento:

Nessa competência a gente busca estar junto ao enfermeiro da ESF para ele estar mostrando como gerenciar uma unidade, como faz um fechamento de produção, entendeu?! O que é necessário de insumos, de material para uma boa assistência para o paciente, para toda a equipe. (E18)

Quando a gente é residente, acho que, participar das reuniões de equipe foi bacana, apesar que assumir as reuniões de equipe mesmo, só quando as minhas preceptoras não estavam, estavam de férias, daí eu assumia a unidade, mas eu acho que foi bom nesse sentido. (E7)

Vale ressaltar que outros estudos já apontaram a influência da relação do residente com os diversos atores do programa sobre o desenvolvimento das competências e habilidades, dando destaque à relação com a preceptoria44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14.,1111. Pereira ALF, Nicácio MC. Formação e inserção profissional das egressas do curso de residência em enfermagem obstétrica. Rev Enferm UERJ, 2014 jan/fev;22(1):50-6.. O preceptor possui potencialidade para auxiliar o residente em seu desenvolvimento, mas pode se tornar uma barreira quando não possui perfil educativo44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14..

Tomar decisões, administrar e gerenciar uma unidade de saúde requerem competências e habilidades relacionais e sociais, sendo estas de comunicação e liderança. Estas competências foram lembradas por alguns egressos como competências que podem ser adquiridas e desenvolvidas e outros egressos as veem como algo intrínseco ao sujeito, sendo apenas lapidadas pelo meio:

De fato, essa imagem de liderança ela fica muito forte, porque geralmente as pessoas reportavam a mim para alguma atividade, algum caso de algum paciente no sentido de esperar realmente esse posicionamento e um encaminhamento para aquela situação. (E11)

Acredito que não tenha sido a residência em si como função de aula que eu aprendi isso. Eu aprendi isso como a vivência da ESF mesmo. (E20)

Foi citado o preceptor como influenciador no desenvolvimento das competências comunicação e liderança:

O residente está ali, é considerado um profissional, mas, por exemplo, na parte de liderança, de tomada de decisões, às vezes, fica mais a cargo do enfermeiro, que é o preceptor no caso. (E5)

Olha, se eu for olhar todas as competências descritas aqui, lógico que a gente não sai com tudo, vamos dizer assim, aprimorado. A gente vai conseguir isso ao longo da nossa experiência profissional, porque quando a gente é residente a gente está com um enfermeiro que é visto pela equipe, que é visto pela população como o líder dali, querendo ou não (E5)

Para superar essas e outras dificuldades as atribuições dos residentes e os diversos atores do programa, principalmente dos preceptores, devem estar bem claras para as partes envolvidas, quando do início de novas turmas da Residência, pois pode acontecer de os próprios atores envolvidos desconhecerem as suas funções. Capacitações periódicas e cursos para preceptores e tutores são recursos que podem ser utilizados para facilitar essa atuação. Estudo realizado em uma residência multiprofissional em oncologia evidenciou a percepção dos residentes quanto a atuação dos preceptores. Alguns relatos como não ter perfil, não desejar ensinar, falta de interesse em ajudar e ver o residente como um trabalho em dobro foram levantados44. Melo MC, Gisella CQ, Mônica VG. Problematizando a residência multiprofissional em oncologia: protocolo de ensino prático na perspectiva de residentes de enfermagem Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):706-14.. À coordenação do programa, juntamente com os docentes, cabe a responsabilidade de capacitar e orientar estes profissionais para melhor preceptorarem os residentes.

Os egressos destacaram a competência promoção da saúde por ser esta uma competência basilar para a atenção à saúde na ESF:

Eu acho que a residência é fundamental nisso, promover a saúde é o que mais trabalha na residência, é o que é mais discutido, é o que é mais questionado, eu acho que isso teve influência não só no meu processo naquele momento, mas nas minhas ações desde então, porque até hoje eu utilizo isso, até mesmo para os alunos, a gente tenta passar bastante isso. (E13)

Dificuldades foram apontadas para o desenvolvimento pleno desta competência:

E depois que a gente começa a atuar na rede, a gente vê que a gente vai se perdendo ao longo desse caminhar. A gente vai perdendo esse olhar de prevenção e promoção e começa a atuar na lógica do Sistema, o que é ruim, bem ruim. (E10)

As atividades que a gente teve a oportunidade de realizar de fato em promoção da saúde foram muito proveitosas. Eu tenho a sensação que talvez poderíamos ter realizado um pouco mais, mas com a dificuldade de gerenciamento das atividades ainda, de mudar a postura, de mudar a cultura que é algo extremamente difícil. Então eu sinto que a gente não realizou talvez tanto quanto poderia. (E11)

A pedagogia crítica problematizadora caminha conjuntamente com o desenvolvimento da competência promoção da saúde. Para o seu desenvolvimento o residente encontrou alguns pontos dificultadores, como a resistência da população em aderir novos modelos de oferta dos serviços de saúde, a acomodação dos profissionais já acostumados ao modelo biomédico e a rotina de trabalho.

Os profissionais, mesmos os egressos, recém-formados, estão sujeitos a entrarem na lógica tradicional do sistema, como demonstrado por este estudo. Outras evidências destas mesmas dificuldades já foram apontadas pela literatura, sendo acrescentados os limites de recursos humanos e materiais, educação permanente deficiente e dificuldades para participação e vínculo da população adscrita com a ESF1515. Andrade JBC, Sampaio JJC, Farias LM, Melo LP, Sousa DP, Mendonça ALB, et al. Contexto de formação e sofrimento psíquico de estudantes de medicina. Rev Bras Educ Médica. 2014;38(2):231-42..

A análise do perfil profissional do egresso descrito no Projeto Pedagógico da Residência em estudo apontou a necessidade do desenvolvimento da habilidade de promover a saúde. Nos objetivos específicos do programa consta o desenvolvimento dessa competência, não sendo evidenciada no objetivo geral. Este, por sua vez, evidencia a necessidade das competências gerenciais e de atenção a saúde para uma eficaz atuação do profissional enfermeiro. Portanto, nota-se uma lacuna pelo PP para uma competência basilar da atenção primária a saúde, como a promoção da saúde, sendo esta uma competência fundamental de reorientação do modelo assistencial.

A competência Política, por sua vez, permeia a aquisição das demais competências e habilidades, pois contribui para o processo decisório e gerencial do enfermeiro para além das dimensões técnicas:

E competências políticas, com certeza ter feito uma residência, principalmente numa universidade federal, te abre horizonte pra ter uma visão global da saúde no Brasil. (E14)

Os egressos consideraram a Residência como uma valiosa ferramenta para a aquisição das competências e habilidades necessárias para o profissional enfermeiro, sendo a competência Política aquela que capacita o profissional para se posicionar frente às problematizações que podem surgir no exercício da profissão. Estudo realizado com sete egressos de uma residência em Gerência de Serviços de Enfermagem evidenciou unanimidade quanto ao crescimento profissional adquirido no período de formação1212. Magnabosco G, Haddad MCL, Vannuchi MTO, Rossaneis MA, Silva LGC. Opinião de egressos sobre o curso de residência em gerência dos serviços de enfermagem. Semina: Ciências Biológicas Saúde, 2015;36(1):73-80., auxiliando na obtenção de um olhar ampliado sobre os diagnósticos e intervenções de saúde realizados e/ou a serem implementados.

Fatores influentes para o desenvolvimento das competências e habilidades

Como fatores que influenciaram no desenvolvimento das competências e habilidades do residente emergiram o relacionamento do residente com os diversos atores do Programa, como o preceptor, a equipe de saúde, o tutor e a coordenação da residência, e o foco dado pelo Programa às competências de atenção a saúde. O relacionamento residente-preceptor-equipe foi explícito tanto no facilitar quanto no prejudicar o desenvolvimento das competências e habilidades do residente. Quanto à facilitação desse processo, temos:

Eu acho que a relação do residente com o preceptor e com a equipe é fundamental tanto para o desenvolvimento do residente, quanto do trabalho que o residente vai desenvolver, tanto também do desenvolvimento da unidade. Eu acho que quando a gente trabalha de uma forma mais motivada, mais disposta, quando a gente é reconhecida e quando a gente é valorizada e respeitada, a gente trabalha com muito mais amor e gosto do que se fosse o contrário. (E17)

O tutor, como descrito no Projeto Pedagógico está vinculado à Secretaria Municipal de Saúde do município sede da Residência e tem como um dos papéis a supervisão das atividades dos residentes e preceptores/enfermeiros do serviço. O tutor está na relação de um para seis residentes, deve ter encontros presenciais semanais com residentes e preceptores. Os preceptores e tutores são gratificados por essas atividades pela Prefeitura Municipal local. A relação residente-tutor interferiu no desenvolvimento do residente, como evidencia as falas:

A relação residente tutor (...) foi distante. A nossa tutora, como ela trabalha na SEMUSA, ela não tinha tempo. Então assim, ela participou de poucos momentos, mas os poucos que ela participou foi bem proveitoso. (E21)

A relação do residente com os diferentes atores do Programa também foi um fator dificultador para o desenvolvimento das competências e habilidades:

Esse papel do tutor na minha residência não ficou muito claro, muito definido, ele era um pouco ausente. Então eu acho que isso prejudicou um pouco. (E15)

A equipe era de pessoas muito boas sim, mas era uma equipe mais reservada, onde as pessoas não compartilhavam as coisas (...) As pessoas trabalhavam de uma forma mais individual e isso dificultou porque nesses seis meses eu quase não conheci a área de abrangência, a própria preceptora não me ajudava a fazer visita com as meninas, porque colocava empecilhos, parece que não queria que eu me aproximasse da população. (E17)

A relação residente e os diversos atores do Programa surgiu tanto como fator facilitador quanto dificultador para a aquisição das competências e habilidades do residente. Aspectos afetivo-emocionais possuem papel importante no processo de aprendizagem1616. Bisby JA, Burgess N. Negative affect impairs associative memory but not item memory. Learn Mem. 2013;21(1):21-7. doi: https://doi.org/10.1101/lm.032409.113.
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. Um ambiente acolhedor, relações interpessoais estáveis, onde o indivíduo sente-se à vontade para atuar, facilita o processo de memorização e aprendizagem.

Quanto aos tutores, em uma investigação realizada por um Programa de Residência, constatou-se como fragilidade do Programa a falta de autonomia deste profissional no campo prático11. Esta falta de autonomia foi interpretada como indefinição de papéis do tutor e/ou não apropriação deste profissional pelas atribuições que lhe são exigidas.

A coordenação do Programa de Residência foi referenciada pelos egressos como responsável por selecionar estes profissionais e as unidades onde serão locados os residentes, baseando-se em critérios pré-estabelecidos, visando encontrar profissionais e equipes abertos às mudanças, que possuem perfil colaborativo e o desejo de contribuir com a formação dos mesmos.

Então tem que ser bem filtradas as unidades, por causa da resistência desses profissionais, se esse pessoal está interessado, senão não adianta nada, pode ser a pessoa mais ativa, proativa e para cima, se a unidade não quiser o trabalho do residente da forma como ele é proposto a ser desenvolvido, com mudanças e não ser só o “apaga fogo” que normalmente todo enfermeiro é, não adianta. (E12)

Os conflitos e problemas relacionais vivenciados pelos residentes com os diferentes atores da Residência foram muitas vezes fonte de sofrimento psíquico, produtores de adoecimentos físicos e mentais como aqui relatados:

Relação totalmente autoritária com a coordenação, não havia diálogos, apenas imposição. Todos os residentes saíram feridos com isso. (E21)

A residência me deixou muita mágoa, muita chateação. Muita coisa não aprendi por medo, por pressão. Quando a gente não dá conta de colocar as coisas para fora, o corpo adoece, infecção de garganta, de urina (E20)

Tivemos muita angústia, de chorar mais de uma vez por semana (...). Me senti agredida moralmente por reclamação do que eu estava fazendo (...) Nunca fui chamada atenção na vida. Fiquei doente e peguei atestado (E19).

Tive problemas com a 1ª preceptora, que me corrigia na frente dos pacientes, tirava minha credibilidade e me fez sofrer muito (...) Foi um período muito sofrido, porque não estava adaptada para trabalhar e estudar todos os dias. (E17)

Esses problemas relacionais vivenciados foram fonte muitas vezes de adoecimento físico e psicológico e alguns residentes revelaram com muita ênfase terem tido sofrimento psíquico. Frente a esse tipo de sofrimento, sabe-se que muitos estudantes de cursos da saúde não procuram ajuda e, quando o fazem, os motivos são por questões pessoais ou familiares, desconsiderando os elementos acadêmicos visivelmente implicados nesse sofrimento1515. Andrade JBC, Sampaio JJC, Farias LM, Melo LP, Sousa DP, Mendonça ALB, et al. Contexto de formação e sofrimento psíquico de estudantes de medicina. Rev Bras Educ Médica. 2014;38(2):231-42.. Mostrou-se necessária uma reflexão mais profunda dos sujeitos envolvidos com a Residência sobre o sofrimento psíquico do residente, tendo em vista a importância de se evitar suas consequências, como o adoecimento, dentre outros. Em relação a avaliação do desenvolvimento das competências pelo residente em sua vivência em serviço é utilizado como métodos avaliativos: a elaboração de Relatórios de Metas de Vivências em Serviço; uma ficha de avaliação formativa e de desempenho; e a apresentação de relato de experiência das atividades extensionistas. Porém, o valor quantitativo atribuído ao cumprimento das Metas de Vivências em Serviço apareceu nas falas dos egressos como um fator dificultador para o desenvolvimento das competências e habilidades:

A preocupação das pessoas que conduziam era bater meta, não queria saber da qualidade não. Não queria saber se você fazia um preventivo com uma hora, mas se fazia aquela anamnese, se fazia aquela coleta, aquela orientação. Não, você tinha que fazer tantas consultas de enfermagem e pronto, tantas visitas e pronto. (E17)

Este valor atribuído foi interpretado pelos egressos como um foco assistencialista do Programa, ou seja, um foco na competência atenção a saúde em relação ao desenvolvimento das competências gerenciais.

Agora em relação a parte de administração e gerenciamento eu acho que ficou muito a desejar. Eu saí da residência e quando eu fui para uma unidade, eu vi que eu não tinha preparo na questão de administrar e gerenciar, porque a residência é muito voltada para a assistência, extremamente voltada para a assistência. (E21)

Olha, eu como enfermeira assistencial, da ponta, enfermeira de PSF, eu consegui atender todo o perfil do projeto pedagógico. Agora, como enfermeira gestora, eu estou urrando cara, pra aprender as coisas, sozinha, porque eu não tive experiência em nada. A experiência que a gente tem é muita pouca. (E20)

Sugestões apontadas por egressos da graduação em relação à necessidade de melhorar a integração ensino-serviço vão ao encontro do que devem ser proporcionado pelas Residências, ou seja, é importante uma maior aproximação do estudante com os campos de prática1717. Brehmer LCF, Ramos FRS. Integração ensino-serviço: implicações e papéis em vivências de cursos de graduação em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(1):119-26.. A integração ensino-serviço visa a melhoria da qualidade de atenção à saúde e a efetiva formação profissional de acordo com a realidade e as demandas do SUS77. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial n. 1802, de 26 de agosto de 2008. Resolve instituir o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde- PET-Saúde. Brasília; 2008 [citado 2017 out 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/pri1802_26_08_2008.html.
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.

No entanto, apesar das inegáveis contribuições das experiências de integração ensino-serviço-comunidade, desde a graduação em Enfermagem, ainda existem fatores que podem intervir limitando o avanço dessa estratégia. Dentre estes fatores são destacados os aspectos organizacionais dos cursos e da rotina das instituições de saúde1717. Brehmer LCF, Ramos FRS. Integração ensino-serviço: implicações e papéis em vivências de cursos de graduação em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(1):119-26., sendo o foco assistencialista do Programa apontado como um desses fatores.

O foco dado pelo Projeto Pedagógico do Programa em seu objetivo geral à competência de atenção a saúde necessita de um maior detalhamento quanto aos mecanismos utilizados pelo Programa para o seu desenvolvimento. O preceptor, sendo este o enfermeiro da unidade, apareceu como uma barreira à aquisição desta e de outras competências, como liderança e tomada de decisões.

Os Programas de Residência precisam reformular as estratégias de integração ensino-serviço-comunidade para um melhor aproveitamento no desenvolvimento das competências e habilidades, principalmente de administração e gerenciamento. Nota-se que apenas os Programas de Residências específicos para o desenvolvimento dessas competências são aqueles que os egressos relatam as adquirir de forma eficaz1212. Magnabosco G, Haddad MCL, Vannuchi MTO, Rossaneis MA, Silva LGC. Opinião de egressos sobre o curso de residência em gerência dos serviços de enfermagem. Semina: Ciências Biológicas Saúde, 2015;36(1):73-80..

Considerações Finais

O perfil profissional do egresso se ajustou ao esperado e preconizado pelo Projeto Pedagógico do Curso quanto ao desenvolvimento das competências e habilidades profissionais, ressalvando algumas competências e habilidades, como liderança, tomada de decisão, administração e gerenciamento. A competência liderança foi apontada em diversas falas como algo subjetivo, sendo a mesma compreendida por muitos como uma habilidade nata. A priorização da avaliação do residente baseado nas metas assistenciais foi o principal ponto dificultador para o desenvolvimento das competências administração e gerenciamento, tendo a Residência um foco assistencialista.

O não acolhimento da equipe, juntamente com a coordenação, preceptores e tutores do Programa foi apontado como fator dificultador para a aquisição das competências e habilidades, sendo o acolhimento humanizado apontado como fator facilitador. Equipes e atores do programa que tenham perfil para o processo educativo baseado na pedagogia crítica problematizadora, com metodologias ativas e libertadoras, foram alternativas apontadas pelos egressos para o melhor aproveitamento do residente durante a sua formação. Os egressos visualizaram a Residência como uma formação importante em suas vidas profissionais. No entanto, apontam diretivas que precisam ser implementadas para melhoria do Programa, como o aprimoramento das relações interpessoais e das condições de trabalho, ampliação da integração ensino-serviço-comunidade e a ampliação do desenvolvimento das competências administração e gerenciamento.

Como limitações deste estudo pode-se citar o viés de memória devido ao tempo de formação, principalmente da primeira turma da Residência, tendo um período de formação de 04 anos até a coleta de dados. Para minimizar este viés, sugere-se uma avaliação, realizada pela coordenação do Programa, ao término de cada turma abarcando a aquisição das competências e habilidades descritas; viés de aferimento, pois as entrevistas foram realizadas pessoalmente com os egressos residentes no município estudado e por telefone com aqueles residentes em outras cidades; escassez de estudos quanto a temática abordada; e a visão apenas dos egressos, sendo necessário ouvir os outros atores do Programa, como os desistentes da Residência, tutores, preceptores, equipe de saúde e coordenação do Programa.

As coordenações dos programas de Residência, principalmente aqueles que possuem parcerias com as secretarias municipais de saúde, podem a partir dos achados deste estudo, realizar modificações em seus PP ampliando as práticas de ensino-serviço-comunidade. As barreiras encontradas e descritas pelos egressos para a aquisição das competências e habilidades podem ser solucionadas por diretivas gerencias conjunta entre as diversas estâncias que permeiam as Residências em saúde.

Espera-se que esta pesquisa contribua para a qualificação da Residência na direção de melhor atender as demandas de formação para sua atuação no Sistema Único de Saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2018
  • Aceito
    18 Maio 2018
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